quarta-feira, 17 de março de 2004
Um terrorismo nos dentes
"Todo o sentimento poderoso provoca em nós a ideia do vazio" [Artaud]
Entrámos num paradoxo infinito, a saber: a vitória do PSOE foi ou não uma vitória da Al Quaeda, como alguns blogs (re)afirmam? Coisa grave? Não parece. O menos que se pode dizer é que se trata de pensamentos pecaminosos. Afinal, não custa muito ignorar o equívoco dessa retórica burlesca. Aventar a hipótese do êxito eleitoral do PSOE ser uma evidência de vitória do terrorismo é assumir o gag verbal da própria estratégia terrorista. Aqui, a escala interrogativa é um mero conceito operatório de matriz político-partidário. E desvela um azedume doentio, macilento e histérico de quem não sabe perder.
A reprimenda dos espanhóis ao governo de Aznar foi demasiado evidente. As razões não se devem, unicamente, à má gestão sobre os autores do atentado, a não ser que não se tenha em conta as diatribes do governo em torno das autonomias, o agastamento da população contra a invasão do Iraque, as manipulações da informação em diferentes casos ocorridos. Nem é justo que se assombre a coragem de uma população na luta que sempre demonstrou contra o terrorismo (ETA, evidentemente) com os factos últimos. No fundo, não é possível pensar que o temperamento e a maturidade política dos espanhóis possam ser comparados aos nossos indígenas lusos. A não ser por distracção ou má fé.
Uma outra questão, é "o que fazer" na luta contra o terrorismo, como se pode combatê-lo, sem qualquer forma de capitulação, mas também sem o uso e abuso da ideia de cruzada (o "estamos em guerra" do Pacheco, Fernandes & Cia), novo messianismo ou maniqueísmo implacável, que configura o terror como norma e tal norma como forma de vida, que muitos abusivamente defendem. E que exige novos meios de inscrição, um outro discurso e, certamente, novos interpretes. Não tenham dúvidas.
"Todo o sentimento poderoso provoca em nós a ideia do vazio" [Artaud]
Entrámos num paradoxo infinito, a saber: a vitória do PSOE foi ou não uma vitória da Al Quaeda, como alguns blogs (re)afirmam? Coisa grave? Não parece. O menos que se pode dizer é que se trata de pensamentos pecaminosos. Afinal, não custa muito ignorar o equívoco dessa retórica burlesca. Aventar a hipótese do êxito eleitoral do PSOE ser uma evidência de vitória do terrorismo é assumir o gag verbal da própria estratégia terrorista. Aqui, a escala interrogativa é um mero conceito operatório de matriz político-partidário. E desvela um azedume doentio, macilento e histérico de quem não sabe perder.
A reprimenda dos espanhóis ao governo de Aznar foi demasiado evidente. As razões não se devem, unicamente, à má gestão sobre os autores do atentado, a não ser que não se tenha em conta as diatribes do governo em torno das autonomias, o agastamento da população contra a invasão do Iraque, as manipulações da informação em diferentes casos ocorridos. Nem é justo que se assombre a coragem de uma população na luta que sempre demonstrou contra o terrorismo (ETA, evidentemente) com os factos últimos. No fundo, não é possível pensar que o temperamento e a maturidade política dos espanhóis possam ser comparados aos nossos indígenas lusos. A não ser por distracção ou má fé.
Uma outra questão, é "o que fazer" na luta contra o terrorismo, como se pode combatê-lo, sem qualquer forma de capitulação, mas também sem o uso e abuso da ideia de cruzada (o "estamos em guerra" do Pacheco, Fernandes & Cia), novo messianismo ou maniqueísmo implacável, que configura o terror como norma e tal norma como forma de vida, que muitos abusivamente defendem. E que exige novos meios de inscrição, um outro discurso e, certamente, novos interpretes. Não tenham dúvidas.
terça-feira, 16 de março de 2004
Camilo Castelo Branco [1825-1890]
n. em Lisboa a 16 de Março de 1825
"Dizem que a literatura é o século: esta é uma das poucas verdades que a geração presente adivinhou" [CCB, in O Nacional]
"É uma jolda de infames essa turba de biltres que volteia em redor de mim, contemplando, pasmada, os actos da minha vida. Estúpidos, não ousam perguntar-me por que vivo assim. Devoram-se dum rancor selvagem quando não podem explicar as alegrias de espírito ..." [CCB, in Um Livro]
"A nossa época é essencialmente analisadora; e o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos, até à demissão imprevista dum cabo de polícia. Também julga os grandes e pequenos homens, desde o herói de cem batalhas até ao bagageiro inofensivo; desde César até João Fernandes.
E o caso é que nós - o público - somos uma cousa bem respeitável, como disse um sábio. Cada um de nós é uma página deste grande livro da humanidade, brochado em uma mesma encadernação, chamada «crítica».
E tão entranhada é a consciência, que temos da nossa dignidade medicratiz, que, apenas o corpo social revela sintomas de moléstia, por mais abstracta, ou indefinida, que ela seja, aí nos ajuntamos todos a devassar os segredos patológicos do enfermo. Se toda a nossa ciência de probabilismo não descortina o mistério, conjuramos contra a nossa ignorância, e chegamos a inventar moléstias para lhe aplicarmos forçosamente - custe o que custar - a nossa farmácia da crítica.
É então que o doente corre perigo de morte, e as mais sólidas virtudes se desfiguram tocadas pela nossa critica viciosa. A calúnia é o nosso fórceps, quando o parto da verdade é trabalhoso, e demorado.
Sendo a humanidade um corpo solidário, um parlamento sem acintes nem caprichosos facciosos, devemo-nos reciprocamente o encargo de nos elucidarmos sobre alguns acontecimentos de sintomas equívocos ...” [sublinhados, nossos]
[CCB, Revelações, in O Nacional, nº 269, 1952 (aliás, in Polémicas de Camilo, vol. III, Portugália, 1967]
Locais: Camilo Castelo Branco / Camilo C. Branco / Biografia / Camilo Castelo Branco (1825 - 1890) / Camiliana / Casa Museu de Camilo / Um Olhar Sobre o meu condiscípulo / Carta(s) de Camilo Castelo Branco a José Cardoso Vieira de Castro
domingo, 14 de março de 2004
Obsceno
"O olho que vês não é / um olho porque o vês tu: / é olho porque te vê." [António Machado]
Madrid. No princípio é o horror que nos esmaga. Um silêncio de palavras. Longo, que as palavras voam alto. Os desvairados caminhos do terrorismo empurram-nos de pesadelo em pesadelo. Depois, em espanto cada vez maior, deixamo-nos assaltar pela banalidade do quotidiano. Poderá "o homem explicar o homem"?
Entretanto, nem perante o cansaço do horror assim desnudado os homens foram, por uma vez, dignos e sensatos. Não souberam honrar as vítimas. Não lhes fizeram justiça. Tropeçaram, ruidosamente, nos seus próprios demónios. Inventaram denúncias a seu bel-prazer, de acordo com as suas estratégias político-partidárias, numa cartilha de comportamento ideológico obsceno. Nem mesmo se prestaram a sacudir a lama que lhes fede a alma. Foram infames. Quase sempre maliciosos, cínicos, provocadores, obscenos. Insidiosamente, procuraram manipular a dor de todos nesta viagem. E de mentira em mentira, já não distinguem a verdade. Que dizer desse insano Ministro do Interior espanhol ou do vómito José Manuel Fernandes? Como nos podemos esquivar às tropelias, desde o primeiro post, do Pacheco Pereira e de outros sueltos verbosos que acometeram à blogosfera lusa?
Esquecem-se que "nós precisamos de inteligência", e que se "a vida é um processo de desordem", então o objectivo da política é transformar a desordem em liberdade consciente, generosa, inteligente e sustentada. Nada mais simples.
"O olho que vês não é / um olho porque o vês tu: / é olho porque te vê." [António Machado]
Madrid. No princípio é o horror que nos esmaga. Um silêncio de palavras. Longo, que as palavras voam alto. Os desvairados caminhos do terrorismo empurram-nos de pesadelo em pesadelo. Depois, em espanto cada vez maior, deixamo-nos assaltar pela banalidade do quotidiano. Poderá "o homem explicar o homem"?
Entretanto, nem perante o cansaço do horror assim desnudado os homens foram, por uma vez, dignos e sensatos. Não souberam honrar as vítimas. Não lhes fizeram justiça. Tropeçaram, ruidosamente, nos seus próprios demónios. Inventaram denúncias a seu bel-prazer, de acordo com as suas estratégias político-partidárias, numa cartilha de comportamento ideológico obsceno. Nem mesmo se prestaram a sacudir a lama que lhes fede a alma. Foram infames. Quase sempre maliciosos, cínicos, provocadores, obscenos. Insidiosamente, procuraram manipular a dor de todos nesta viagem. E de mentira em mentira, já não distinguem a verdade. Que dizer desse insano Ministro do Interior espanhol ou do vómito José Manuel Fernandes? Como nos podemos esquivar às tropelias, desde o primeiro post, do Pacheco Pereira e de outros sueltos verbosos que acometeram à blogosfera lusa?
Esquecem-se que "nós precisamos de inteligência", e que se "a vida é um processo de desordem", então o objectivo da política é transformar a desordem em liberdade consciente, generosa, inteligente e sustentada. Nada mais simples.
sexta-feira, 12 de março de 2004
Somos Todos Madrilenos
O sangue, o medo e a morte, abateu-se ontem sobre Madrid. Os assassinos desapareceram, covardemente. A besta passou por ali. Para trás ficou um rasto de desalento, destruição e assombro. O terrorismo é isso: um desespero político, um universo de terror, uma irracionalidade doentia. Morrer em Madrid. Como em Nova Iorque, Bagdad, África ou na América Latina. O mesmo inferno. Nada nos surpreende. Aprendemos a soletrar te-rro-ris-mo, com um azedume no corpo e o espanto na garganta. Uma guerra que nunca mais acaba. E caminhamos de olhar vazio, um enorme cansaço, as palavras "um ouvido tenso de rumor numa flor de pedra". Como recomeçar, nesta confusão caótica da vida? Ou "como posso eu começar alguma coisa de novo, com todo este dia de ontem em cima de mim" ? (Leonard Cohen)
quinta-feira, 11 de março de 2004
Leilão de Pintura Contemporânea - Dia 17 de Março (21 h) no Palácio Correio Velho
Atenção ao leilão do Palácio do Correio Velho (Calçada do Combro, 38 A, 1º- Lisboa) de Pintura Contemporânea. O catálogo está disponível on line. Vai à praça excelentes lotes de Almada Negreiros / Beecroft / Bual / Cargaleiro / Carlos Calvet / Charters de Almeida / Cruzeiro Seixas / Eduardo Malta / Eduardo Viana / Emérico Nunes / Francis Smith / Gil Teixeira Lopes / Hogan / Hollader / Isabel Laginhas / José Guimarães / José Rodrigues / Julião Sarmento / Júlio / Júlio Pomar / Júlio Resende / Lima de Freitas / Mário Cesariny / Mário Henrique Leiria / Max Papart / Menez / Pinto Coelho / Paula Rego / Rocha Pinto / Rogério Amaral / Teixeira Lopes / Vieira da Silva , entre muitos. A não perder.
Catálogo da Exposição Bibliográfica "Clássicos de Economia Política da U. C. "
"Os livros que, nesta ocasião, se mostram, parte dos riquíssimos fundos bibliográficos da nossa Universidade, servem para evidenciar como o interesse pelas questões económicas se manifesta em Coimbra, pelo menos, desde o século XVII. Obviamente, muito antes da instituição da cátedra de Economia Política (e Estatística) na Faculdade de Direito, após a reforma de 1835. Caso se tivesse concretizado, porém, a intenção do Conselho Superior de Instrução Pública de criar, na década de 1840, a Faculdade de Ciências Económicas e Administrativas na nossa Universidade poderia ser outra a celebração que se assinala com esta exposição. Poderíamos estar a relembrar a existência da Faculdade de Economia mais antiga ... do mundo. Não é o caso. Mas a ocasião fausta que é a celebração do trigésimo aniversário da entrada em funcionamento da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, é motivo de acrescido regozijo porque o que com esta exposição bibliográfica se comprova é uma curiosidade e um interesse antigos por um ramo do conhecimento que, com o tempo, assumiria uma centralidade incontrastada.
Dito isto, resta convidar-vos para uma viagem que começa em 1615 e termina em 1915. Três séculos em que as ideias económicas evoluem desde a «invenção» por Antoyne de Montchrestien do neologismo Economia Política - no Traicté de l'oeconomie politique, publicado em Ruão na tipografia de Jean Osmont - até ao livro de Francesco Saverio Nitti - Il capitale straniero in Itália - também aqui exposto (...)
O que há a fazer de melhor, é percorrer, nesta sala de São Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, os diferentes expositores que agora guardam, mostrando-os, estes tesouros escondidos. E reflectir sobre o significado, na sua e nossa época. Porque estes objectos expostos, todos ou quase todos contribuíram para uma aventura ou projecto que traduzimos sinteticamente pelo termo - MODERNIDADE (...)"
[Joaquim Feio, Destes Livros, Desta Exposição, in Catálogo ..., 2004]
quarta-feira, 10 de março de 2004
Delícias de Março
* A ler com atenção, o texto Novo Antisemitismo? As Novas Faces do Mais Antigo ódio do Mundo, de Nuno Guerreiro
* Curiosamente, aqueles rapazes de azul eram trabalhadores da bola. Os outros, em noite aburguesada, eram homens com maus músculos. Acontece aos melhores. Afinal, o que constitui a narrativa do futebol? Aquela corrida de Mourinho fazia parte do guião?
* Num curto comentário ao infantil convite do Ministro da Defesa, agora afadigado em aranzeis anti-soaristas, Mário Soares afirma meticulosamente: "O dr. Paulo Portas é um epígono conjuntural. Se eu fosse uma pessoa pretensiosa - que não sou - dir-vos-ia: o dr. Paulo Portas cresça e apareça. Mas eu não vou dizer uma coisa dessas, porque não tem sentido". Arreatado, muito esfolado, que terá Portas a dizer?
* Após uma folgazada festa na Casa do Sporting na Mealhada, uma claque dos ditos, depois de muito bebe água (companheiro Cintra, oblige) consagrou as horas de repouso ao indigesto "desporto líquido" para assaltar e vandalizar o Instituto da Vinha em terras bairradinas. Cepa de Maria Gomes, por excelência, a leveza e frescura da prova feita, revelou - ao que se sabe - um aroma intenso e frutado, bem personalizado. E lá foram, felizes à moda de Ferreira Torres, correndo para a capital, em jornada triunfal. Espantoso! Falta muito para o Euro?
* A ler com atenção, o texto Novo Antisemitismo? As Novas Faces do Mais Antigo ódio do Mundo, de Nuno Guerreiro
* Curiosamente, aqueles rapazes de azul eram trabalhadores da bola. Os outros, em noite aburguesada, eram homens com maus músculos. Acontece aos melhores. Afinal, o que constitui a narrativa do futebol? Aquela corrida de Mourinho fazia parte do guião?
* Num curto comentário ao infantil convite do Ministro da Defesa, agora afadigado em aranzeis anti-soaristas, Mário Soares afirma meticulosamente: "O dr. Paulo Portas é um epígono conjuntural. Se eu fosse uma pessoa pretensiosa - que não sou - dir-vos-ia: o dr. Paulo Portas cresça e apareça. Mas eu não vou dizer uma coisa dessas, porque não tem sentido". Arreatado, muito esfolado, que terá Portas a dizer?
* Após uma folgazada festa na Casa do Sporting na Mealhada, uma claque dos ditos, depois de muito bebe água (companheiro Cintra, oblige) consagrou as horas de repouso ao indigesto "desporto líquido" para assaltar e vandalizar o Instituto da Vinha em terras bairradinas. Cepa de Maria Gomes, por excelência, a leveza e frescura da prova feita, revelou - ao que se sabe - um aroma intenso e frutado, bem personalizado. E lá foram, felizes à moda de Ferreira Torres, correndo para a capital, em jornada triunfal. Espantoso! Falta muito para o Euro?
Domingos Sequeira [1768-1837]
n. em Lisboa a 10 de Março de 1768
"Pintor português, considerado o percursor do movimento romântico português, parece ter sido o primeiro em Portugal a dedicar-se à arte litográfica. A introdução da litografia em Portugal deu-se tardiamente, datando de 1823 o seu exercício particular e de 1824 o reconhecimento oficial da sua utilidade. O artigo publicado nos Annaes das Sciencias, das Artes e das Lettras, de 1819 (vol.III), atribuído a Cândido José Xavier, constitui a primeira notícia no nosso país sobre a Litografia, arte então emergente. Em 1822, Luís Mousinho de Albuquerque, escreve na mesma revista sobre esta técnica gráfica que havia estudado em Paris. Será precisamente ele que enviará a Domingos Sequeira em 1822-23, uma prensa e algumas pedras litográficas. Em 1824 D. João VI, por decreto de 11 de Setembro, cria em Lisboa a Officina Regia Lithographica." [in, Museu Virtual da Imprensa]
Locais: Biografia / Domingos Sequeira / Domingos António Sequeira (1768-1837)
terça-feira, 9 de março de 2004
30 anos da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Exposição "Livros Raros de Economia na Universidade de Coimbra", na Biblioteca Geral da UC e lançamento da edição facsimilada do Essai Statistique Sur le Royaume de Portugal, de Adrien Balbi com comentário crítico de Romero de Magalhães.
Exercício de paciência
A história será contada em todos os pormenores. O prof. Cavaco existe, não é uma ilusão de óptica. José Manuel Fernandes, referência obrigatória sempre que se fala no afago do poder, surpreenderá em artigalho matutino, em tom sério e pouco gazeteiro. O sempre prudente escriba, Bettencourt Resende, medirá as alturas da queda, revelando as técnicas posicionais. Dado o tipo de sugestão profetizada, Luís Delgado não entra em debates estéticos, avançando com uma resma de ordens de argumentos, todos bem santanizados, que é lícita a agitação. A acrobacia discursiva destes senhores dará brilho e admiração a toda a semana politica. Neste exercício de paciência que é as presidenciais, e até que o engenheiro Guterres clame por nós, despedimo-nos que somos mais pelos "heróis todo o ano", porque "das coisas boas da Terra todos sem excepção têm a máxima culpa" [MCV]
A história será contada em todos os pormenores. O prof. Cavaco existe, não é uma ilusão de óptica. José Manuel Fernandes, referência obrigatória sempre que se fala no afago do poder, surpreenderá em artigalho matutino, em tom sério e pouco gazeteiro. O sempre prudente escriba, Bettencourt Resende, medirá as alturas da queda, revelando as técnicas posicionais. Dado o tipo de sugestão profetizada, Luís Delgado não entra em debates estéticos, avançando com uma resma de ordens de argumentos, todos bem santanizados, que é lícita a agitação. A acrobacia discursiva destes senhores dará brilho e admiração a toda a semana politica. Neste exercício de paciência que é as presidenciais, e até que o engenheiro Guterres clame por nós, despedimo-nos que somos mais pelos "heróis todo o ano", porque "das coisas boas da Terra todos sem excepção têm a máxima culpa" [MCV]
Que é feito deste senhor? Alguém nos diz? Ah! Não!? Que não há registos, dizem. "Old times are dead times", assegura aqueloutro. Que acabou a afinidade com os deuses, suspira aquele. Quanto ao homem, declaro que nunca deparei com ele em toda a minha ida, confirma um outro. Mas não é certo que só a vulgaridade sucede às orações nocturnas? Que é impossível continuar no teatro doméstico da vida, porventura mal acompanhado? Que a originalidade é um segredo bem guardado? Os deuses retiraram-se e depois ... como é que isto tudo acaba? Quem nos ilumina o tabuleiro? Alguém nos diz?
Até lá ... Feliz aniversário, Mr. Bobby Fischer.
segunda-feira, 8 de março de 2004
"Desde o princípio tiveram os homens de se julgar semideuses caídos de sua graça por obra da mulher; e logo depois tiveram que se inventar redimidos através do ventre de nova mãe, essa santa, essa capaz de conhecer Deus no seu ventre e de no seu ventre incarnar o deus salvador, depois chamado o filho do homem – que ironia rebuscada – na sua vida e nos seus actos exemplares. Porque o homem vai fazendo o mundo e cavando o seu tumulo, e vai chamando a mulher, então dizendo-lhe «mãe», para que esta lhe nomeie o mal e o bem, e lho signifique, e tome em si o absurdo insuportável da ordem das coisas, e vai o homem fazendo o mundo sobre o ventre acolhedor e produtor da mulher, então dizendo-lhe «coisa de mim», e posto na mulher o mal e o bem e o absurdo insuportável da ordem das coisas é então justo que seja ela a primeira vítima, ela a culpada até ao momento em que finalmente o homem chama a mulher, dizendo-lhe «mulher», e repara que está vazio o lugar a seu lado"
[Novas Cartas Portuguesas, Futura, 1974]
domingo, 7 de março de 2004
LEILÃO DE LIVROS - Dias 15, 16 e 17 de Março de 2004 [CONTINUAÇÃO]
Conjunto de jornais, salientando-se A Pátria (Lx. 25/08/1900) c/ artigo de Gomes Leal s/ Eça / Revista A Revolução Social nº 17 de Agosto de 1888 (comunista-anarquista, Porto) com artigo s/ Eça e os Maias / Bosch ou o Visionário Integral, de José Augusto França, Lisboa, 1944 / Cartas de Gilberto Freyre / Gente Lusa, Arquivo de Letras e Arte, nº1 a 5, 1915-16 (revista onde escreveram Leonardo Coimbra, Camilo, Manuel Laranjeira) / Poesias autografas de D. C. Warnest [Ernesto Guerra da Cal] (1911-1994), sendo uma intitulada "Homage to Frederico Garcia Lorca on the 30º anniversary of his death", Lisboa, 1984 (é-nos dito que há uma refª a lápis onde se regista uma "confidência do poeta", na qual E. G. da Cal , "que tendo sido na juventude intimo de Lorca", teria escrito 6/7 poemas que constavam nas Obras Completas de Lorca) / Cartas de Leitão de Barros, algumas sobre à sua secção "Os Corvos" / Carta(s) de Álvaro Lins, onde é referido que "se for eleito Juscelino Kubitschek" então seria embaixador em Lisboa / Obras Completas de Gregório de Matos, Bahia, 1968, VI vols / Giestas de Memória, de Nelson de Matos, Lisboa, 1966 (junto c/ uma carta manuscrita) / Carta, Fotografia de Somerset Maugham, e um manuscrito de LFT descrevendo os assuntos "conversados" nesse "memorável almoço" (28 de Setembro de 1947) / Subsídios para a Historia de uma Geração (Bosquejo histórico de uma série de revistas que falharam), de José de Melo, 3 pgs dact. de Fev. 1959, onde se refere as revistas Vómito (1950), Cadernos do Centro (1954), Paralelo 25 (1956-57) e Sincerismo (1957-58) / Respiração Mental (Manuscrito e Livro). O Problema da Censura, de Alberto de Monsaraz, 1946, com uma carta man. com comentários sobre o tema / Carta manuscrita de Vianna Moog (7/6/1977) comentando a morte de Carlos Lacerda / Vida e Literatura de Pedro Moura e Sá, Lx, 1960 / Conjunto de 31 Cartas de figuras do Nacional-Sindicalismo, datadas de Junho de 1933 a Dezembro de 1934 (destaque para José de Campos e Sousa, Dutra Faria, José Garcia Domingues, Visconde de Porto Cruz, António Tinoco) / Manuscrito de um parecer da Academia das Ciências sobre o significado da palavra "escritor", original mas pelo punho de Vitorino Nemésio (Junho 1972) / Cartas dact. de João Palma-Ferreira (Julho 1967 a Dez. 1988) com refª a Mourão-Ferreira, Cesariny, Sena, Eduardo Pardo Coelho / Folhetos (31) raros da Polémica do Bom Senso e do Bom Gosto / O Terrível Engano, de LFT, sep. do artigo do DP de 2 de Nov. 1949 sobre a morte de Carlos Queiroz em Paris / Manuscrito Inédito de Arnaldo Saraiva, dactilografado e corrigido à mão de 1961 (refª a Ruy Belo, Cesariny, Herberto Helder, O'Neill) / Cartas manuscritas e um original dactilografado de Agostinho da Silva / Cartas (8) de Philippe Soupault .
Conjunto de jornais, salientando-se A Pátria (Lx. 25/08/1900) c/ artigo de Gomes Leal s/ Eça / Revista A Revolução Social nº 17 de Agosto de 1888 (comunista-anarquista, Porto) com artigo s/ Eça e os Maias / Bosch ou o Visionário Integral, de José Augusto França, Lisboa, 1944 / Cartas de Gilberto Freyre / Gente Lusa, Arquivo de Letras e Arte, nº1 a 5, 1915-16 (revista onde escreveram Leonardo Coimbra, Camilo, Manuel Laranjeira) / Poesias autografas de D. C. Warnest [Ernesto Guerra da Cal] (1911-1994), sendo uma intitulada "Homage to Frederico Garcia Lorca on the 30º anniversary of his death", Lisboa, 1984 (é-nos dito que há uma refª a lápis onde se regista uma "confidência do poeta", na qual E. G. da Cal , "que tendo sido na juventude intimo de Lorca", teria escrito 6/7 poemas que constavam nas Obras Completas de Lorca) / Cartas de Leitão de Barros, algumas sobre à sua secção "Os Corvos" / Carta(s) de Álvaro Lins, onde é referido que "se for eleito Juscelino Kubitschek" então seria embaixador em Lisboa / Obras Completas de Gregório de Matos, Bahia, 1968, VI vols / Giestas de Memória, de Nelson de Matos, Lisboa, 1966 (junto c/ uma carta manuscrita) / Carta, Fotografia de Somerset Maugham, e um manuscrito de LFT descrevendo os assuntos "conversados" nesse "memorável almoço" (28 de Setembro de 1947) / Subsídios para a Historia de uma Geração (Bosquejo histórico de uma série de revistas que falharam), de José de Melo, 3 pgs dact. de Fev. 1959, onde se refere as revistas Vómito (1950), Cadernos do Centro (1954), Paralelo 25 (1956-57) e Sincerismo (1957-58) / Respiração Mental (Manuscrito e Livro). O Problema da Censura, de Alberto de Monsaraz, 1946, com uma carta man. com comentários sobre o tema / Carta manuscrita de Vianna Moog (7/6/1977) comentando a morte de Carlos Lacerda / Vida e Literatura de Pedro Moura e Sá, Lx, 1960 / Conjunto de 31 Cartas de figuras do Nacional-Sindicalismo, datadas de Junho de 1933 a Dezembro de 1934 (destaque para José de Campos e Sousa, Dutra Faria, José Garcia Domingues, Visconde de Porto Cruz, António Tinoco) / Manuscrito de um parecer da Academia das Ciências sobre o significado da palavra "escritor", original mas pelo punho de Vitorino Nemésio (Junho 1972) / Cartas dact. de João Palma-Ferreira (Julho 1967 a Dez. 1988) com refª a Mourão-Ferreira, Cesariny, Sena, Eduardo Pardo Coelho / Folhetos (31) raros da Polémica do Bom Senso e do Bom Gosto / O Terrível Engano, de LFT, sep. do artigo do DP de 2 de Nov. 1949 sobre a morte de Carlos Queiroz em Paris / Manuscrito Inédito de Arnaldo Saraiva, dactilografado e corrigido à mão de 1961 (refª a Ruy Belo, Cesariny, Herberto Helder, O'Neill) / Cartas manuscritas e um original dactilografado de Agostinho da Silva / Cartas (8) de Philippe Soupault .
sábado, 6 de março de 2004
LEILÃO DE LIVROS – Dias 15, 16 e 17 de Março de 2004
Resenha Bibliográfica da Biblioteca que Pertenceu ao Escritor, Crítico Literário e Académico Luiz Forjaz Trigueiros - 2ª Parte
Literatura Portuguesa, Brasileira, Francesa / Espanhola, História e Arte, Filosofia, Poesia / e ensaios, incluindo um Invulgar e Valioso / conjunto de Manuscritos Autógrafos / (Cartas, Postais, Originais e Cartões de Visita) / dos mais Consagrados Escritores, Poetas, / Artistas e Políticos do Século XX / Segunda Parte / ... / sob Direcção de José Manuel Rodrigues (Livraria Antiquária do Calhariz, Lisboa)
Local do Leilão: Casa da Imprensa, Rua da Horta Seca, nº 20 – Lisboa
Trata-se da segunda parte do leilão da Biblioteca de Luiz Forjaz Trigueiros, após o leilão de Setembro de 2003. Apresenta 975 peças, sendo de referir um conjunto importante de manuscritos autógrafos de inúmeros escritores portugueses e brasileiros. Apresenta, ainda, na introdução ao catálogo, um excerto dum texto de LFT, "Presença da Literatura Brasileira em Portugal", bem como reproduções de algumas fotografias a leilão (ex: Jorge Amado, Paul Valery ou Vitorino Nemésio).
Algumas referências: Cartas de Francisco Luís Amaro (da Revista Colóquio/Letras) salientando o centenário de Mário Beirão e c/ muita informação literária / Carta de José Carlos Ary dos Santos, c/ papel timbrado dos «Studios Zeiger», Março de 1964 / 4 Cartas de Henrique Barrilaro Ruas, c/ destaque para a última (1991) sobre o Partido Popular Monárquico: «Por mim, penso que, feita que foi esta última experiência, importa acabar. Acabar como partido. Não resultou, paciência» / Cartas (18) e postais (3) de Pierre Benoit para Forjaz Trigueiros, de 1948-1958. Refira-se à informação trocada sobre o romance «Prête Jean» (Fev. 1952), "dedicado a Portugal, ao sebastianismo e a Sidónio Pais" / Carta(s) de Augustina Bessa-Luís, c/ especial refª a uma, datada de Agosto de 1989, sobre a admissão de ABL à Academia Brasileira, tendo o apoio de LFT, onde o agradecimento de ABL é "simplesmente admirável" / Conjunto importante de livros sobre o Brasil, desde Arte, Critica Literária, Festas Populares, Poesia, ... / Carta(s) de Marcello Caetano, salientando-se um cartão onde é feito "um comentário crítico à selecção" de LFT para uma "antologia sobre Angola", que teria deixado desgostoso MC, dado não terem sido incluídos "Vicente Ferreira, Couceiro, Hipólito Raposo, Maria da Graça Azambuja e Reis Ventura" / Valioso conjunto de centenas de cartões de visita de alguns escritores e intelectuais portugueses / Original de Fernanda de Castro, poema ms. "A Mestra de Lavores", 1940-50 / Cartas de António Celestino, enviadas de S. Salvador da Bahia, C/ inúmeras refª a Jorge Amado e amigos bahianos (Carybé, Genaro) / Original dactilografado e assinado de 7 poemas de Ruy Cinatti e um outro original com 6 poemas (nov. 1976-Jan. 1977) / Fotografia de T. S. Elliot, tirada "em Évora", Maio de 1938, identificando-se, "Fernanda de Castro, D. Maria Eça de Queiroz, T. S. Elliot (de calças à golf),..., Alberto Cutileiro, Forjaz Trigueiros" [Continua]
Resenha Bibliográfica da Biblioteca que Pertenceu ao Escritor, Crítico Literário e Académico Luiz Forjaz Trigueiros - 2ª Parte
Literatura Portuguesa, Brasileira, Francesa / Espanhola, História e Arte, Filosofia, Poesia / e ensaios, incluindo um Invulgar e Valioso / conjunto de Manuscritos Autógrafos / (Cartas, Postais, Originais e Cartões de Visita) / dos mais Consagrados Escritores, Poetas, / Artistas e Políticos do Século XX / Segunda Parte / ... / sob Direcção de José Manuel Rodrigues (Livraria Antiquária do Calhariz, Lisboa)
Local do Leilão: Casa da Imprensa, Rua da Horta Seca, nº 20 – Lisboa
Trata-se da segunda parte do leilão da Biblioteca de Luiz Forjaz Trigueiros, após o leilão de Setembro de 2003. Apresenta 975 peças, sendo de referir um conjunto importante de manuscritos autógrafos de inúmeros escritores portugueses e brasileiros. Apresenta, ainda, na introdução ao catálogo, um excerto dum texto de LFT, "Presença da Literatura Brasileira em Portugal", bem como reproduções de algumas fotografias a leilão (ex: Jorge Amado, Paul Valery ou Vitorino Nemésio).
Algumas referências: Cartas de Francisco Luís Amaro (da Revista Colóquio/Letras) salientando o centenário de Mário Beirão e c/ muita informação literária / Carta de José Carlos Ary dos Santos, c/ papel timbrado dos «Studios Zeiger», Março de 1964 / 4 Cartas de Henrique Barrilaro Ruas, c/ destaque para a última (1991) sobre o Partido Popular Monárquico: «Por mim, penso que, feita que foi esta última experiência, importa acabar. Acabar como partido. Não resultou, paciência» / Cartas (18) e postais (3) de Pierre Benoit para Forjaz Trigueiros, de 1948-1958. Refira-se à informação trocada sobre o romance «Prête Jean» (Fev. 1952), "dedicado a Portugal, ao sebastianismo e a Sidónio Pais" / Carta(s) de Augustina Bessa-Luís, c/ especial refª a uma, datada de Agosto de 1989, sobre a admissão de ABL à Academia Brasileira, tendo o apoio de LFT, onde o agradecimento de ABL é "simplesmente admirável" / Conjunto importante de livros sobre o Brasil, desde Arte, Critica Literária, Festas Populares, Poesia, ... / Carta(s) de Marcello Caetano, salientando-se um cartão onde é feito "um comentário crítico à selecção" de LFT para uma "antologia sobre Angola", que teria deixado desgostoso MC, dado não terem sido incluídos "Vicente Ferreira, Couceiro, Hipólito Raposo, Maria da Graça Azambuja e Reis Ventura" / Valioso conjunto de centenas de cartões de visita de alguns escritores e intelectuais portugueses / Original de Fernanda de Castro, poema ms. "A Mestra de Lavores", 1940-50 / Cartas de António Celestino, enviadas de S. Salvador da Bahia, C/ inúmeras refª a Jorge Amado e amigos bahianos (Carybé, Genaro) / Original dactilografado e assinado de 7 poemas de Ruy Cinatti e um outro original com 6 poemas (nov. 1976-Jan. 1977) / Fotografia de T. S. Elliot, tirada "em Évora", Maio de 1938, identificando-se, "Fernanda de Castro, D. Maria Eça de Queiroz, T. S. Elliot (de calças à golf),..., Alberto Cutileiro, Forjaz Trigueiros" [Continua]
sexta-feira, 5 de março de 2004
Todos Loucos
Não estamos bem. Diremos mais, estamos perfeitamente esquizofrénicos. A bagunça é total. Quem acompanhar as manchetes dos jornais e da rádio julgará, certamente, que é assombração astral. A vida pública portuguesa atingiu o grau zero da estultícia. Quem é que anda aí? Vejamos: dizem, aqui, que das 127 fotos do álbum fotográfico do processo Casa Pia, mostradas às testemunhas, 126 são de indivíduos famosos. E logo, como peixeirada, o jornal publica-os na primeira página. Extraordinário. O segredo de justiça é um engano de olhos. A realidade, afinal, é a súplica do Ministério Público (santa incompetência) do levantamento da imunidade parlamentar a estes deputados, por violação do segredo de justiça. Encantador. Parece aquele "descer lentamente com o vagar de quem sobe". O Presidente da Câmara de Lisboa, putativo candidato a candidato presidencial, desenvolve um excelente exercício de cidadania: convidar, via McDonald's (só podia), alunos do primeiro ciclo de escolaridade para assistir ao Euro 2004. A condição é que não possuam "deficiência física ou mental em virtude da necessidade de acompanhamento especial". Pois, assim dito à maneira americana, é magnífico e prenhe de cidadania. Ao clarim da McDonald's o candidato Santana Lopes certifica primeiro, volta atrás depois. Ainda não é desta que vemos a luz ao fundo do túnel. É natural. Afinal, temos de ter a prudência da serpente, é que "com a chegada das andorinhas, nunca se deve modificar o andar”". Evidentemente.
quinta-feira, 4 de março de 2004
Converta-se!
Este rapaz, aqui ao lado, é de muita estimação. Não se troca contra reclamação. Se o procurarem nos jornais, desistam, não está à venda. É um poeta da baliza. Um encantador da arte de bem jogar. Um trovador encarnado. Um devir da juventude. O rei da baliza. Não está à venda, juramos. A sua arte é a nossa vaidade. O seu aprumo a nossa glória. A sua qualidade a nossa emoção. Vede como a felicidade lhe está no rosto. Exacto, sublime, insolúvel. Restos de um passado ou um passo de esperança? Um dia todos descobriremos que tudo não passou de um mau sonho. Converta-se!
Eugénio de Castro [1869-1944]
n. em Coimbra a 4 de Março de 1869
"... O amor da beleza não é, mesmo quando parece excluir o amor da vida, uma manifestação de pessimismo. Eugénio de Castro, ensinou, pela alta qualidade e também pela quantidade dos seus livros, a crença na arte, a fé no esforço e na consciência do poeta. Foi o contrário dum portador de desânimo.
Desdenhoso e seguro, ao ver os nossos últimos parnasianos conduzirem a poesia a uma soporífera banalidade, lançou-se com «Oaristos», logo seguido de «Horas», em pleno entusiasmo simbolista. Exageros voluntários, emprego de palavras raras ou arcaicas, uso de imagens estranhas, ressurreição de ritmos antigos, simultãnea à adopção do verso livre - conquista dos simbolistas franceses - audácias verbais, explendor de adjectivação, tudo isso empregou para forçar a atenção de aqueles que não sentiam a decadência do nosso lirismo, ou que se acomodavam com ela (...) «Oaristos» caiu como uma enorme pedra na água estagnada da nossa poesia! Levantou água que a todos salpicou e lavou. Provocou espanto, critica, ironias, troças. Mas exerceu uma acção salutar e rápida! A nossa poesia contemporânea deriva em grande parte da obra de Eugénio de Castro, e o seu livro marcou uma data histórica ..."
[João de Barros, da Hist. de Portugal, vol III, in Obras Po?tica, vol IX, Portucalense, 1944]
"... Amores venaes, concupiscências luciferinas:
Ruth, a fermosa bruna, e Basalisa, a loira,
Theodora, a ruiva como as tangerinas,
Mas, sobre todas: Basalisa, a loira ...
Oh os seus olhos! Sua unhas em amêndoa! E em cálix
O seu collo! E seus dedos digitalis!
E quando, n'uma noite de flagrancias,
(Lembrando isto todo o coração me doe!)
Forte enleei, apoz violentas reluctancias,
Sua ancas de Deusa em meus braços de Heroe! ..."
[EC, in Horas, 1891]
quarta-feira, 3 de março de 2004
Marguerite Duras [1914-1996]
m. em Paris, a 3 de Março de 1996
"... Noites inteiras ao telefone. A dormir de encontro ao auscultador. A falar ou calados. Fruem um do outro. Orgasmo negro sem contacto nem rosto. Olhos fechados. Só a voz, o texto das vozes diz os olhos fechados.
É ela a primeira a querer vê-lo. Encontrá-lo.
Muitos encontros combinados. À última hora desmarcados. Há sempre circunstâncias imprevistas a impedir o encontro. Ele não se admira com a permanência do impedimento dos encontros. Acredita sempre que são possíveis. Acredita nela.
Todos os que gritam de noite nas catacumbas do telefone parisiense combinam ver-se. Os encontros nunca se dão.
Ela combina duas espécies de encontros. Os que são desmarcados. Os que não têm tempo de desmarcar. Ele vai a todos os encontros.
Em breve, ele torna-se incapaz de mudar o rumo à historia (...)"
[Marguerite Duras, O Navio «Night», in Revista Abril, nº 9, 1978]
"... A pele é duma sumptuosa suavidade. O corpo. O corpo é frágil, sem força, sem músculos, poderia ter estado doente, estar em convalescença, é imberbe, sem outra virilidade que a do sexo, é muito fraco, parece à mercê de um insulto, débil. Ela não o olha no rosto. Não o olha. Toca-o. Toca a doçura do sexo, da pele, acaricia a cor dourada, a desconhecida novidade. Ele geme, chora. Está num estado de amor abominável.
E a chorar fá-lo. Primeiro há a dor. E depois esta dor é por sua vez possuída, transformada, lentamente arrancada, levada até ao gozo, abraçada a ela. O mar, sem forma, simplesmente incomparável (…)
[M. Duras, O Amante, Difel, 1984]
Locais: Marguerite Duras Homepage / Biografia / Outra Biografia / Marguerite Duras / Marguerite Duras (1914-1996) / Bibliographie, Filmographie / Obras / Société Marguerite Duras / Le cinéma de Marguerite Duras / Duras : La Pute de la côte normande / Duras mon amour
terça-feira, 2 de março de 2004
Enlouquece-me
Enlouquece-me esse teu jeito de despir as meias
o desatar morno e usado do negro ligueiro
depois os beijos de êxtase em êxtase
o desarrumar dos lençóis sem ênfase
pofs de cisterna em bolhas de carne
navegar-te vagina a vagina até fixá-la no meio
pecado seria por fim não adormecer no teu seio
num sono que nos dormindo ainda mais arde
[Dórdio Guimarães, in Canto Psicadélico, 1968]
Enlouquece-me esse teu jeito de despir as meias
o desatar morno e usado do negro ligueiro
depois os beijos de êxtase em êxtase
o desarrumar dos lençóis sem ênfase
pofs de cisterna em bolhas de carne
navegar-te vagina a vagina até fixá-la no meio
pecado seria por fim não adormecer no teu seio
num sono que nos dormindo ainda mais arde
[Dórdio Guimarães, in Canto Psicadélico, 1968]
Extravagâncias
- Como se percebe, o todo poderoso senador do PP, Avelino Ferreira Torres, mais uma vez se estribou nos diversos poderes que tutela e que o protegem. O MAI fechará os olhos com a súplica governativa; a Comissão de Disciplina, cujo representante é, ao que foi dito na SIC-Notícias, uma testemunha abonatória desse senhor no julgamento desta semana, irá repreendê-lo por alguns jogos; a Liga de Futebol, excelentemente dirigido pelo lerdo Valentim Loureiro (noutras ocasiões já teria aparecido para lançar a confusão ou vilipendiar alguém), seguirá o receituário processual e aplicará as penas costumeiras, mesmo que o presidente do IND "esteja chocado" e os portugueses perplexos; a gentalha do futebol mostrará enfado, mas irá desculpá-lo; os cidadãos de Marco de Canaveses, que há 20 anos tacteiam a democracia, partirão à desfilada em sua defesa. O fanfarrão e delinquente AFT pode restar em paz. É que nesta adorável promiscuidade entre politica e futebol, nem o senhor Berlusconi nos ensina o que quer que seja. Eis tudo!
- É impossível não ficar arrepiado com as interpretações proferidas sobre o caso da espionagem na ONU, pelo director de um jornal nacional, neste caso José Manuel Fernandes d'O Público. O patriarca da democracia, numa lógica que fulmina qualquer um, considera que as coisas [entenda-se, a violação de privacidade] foram sempre assim e, portanto, nada a obstar. Mais, pondera que a senhora ex-ministra Clare Short foi possuída de vaidade irritante contra o amigo (de JMF, evidentemente) Blair. Que falta de cavalheirismo tem JMF. Seria bem melhor que tivesse destacado a recusa da administração Blair em divulgar o parecer do Procurador-Geral da GB, Peter Goldsmith, sobre a legalidade da guerra contra o Iraque e, claro, a sua legitimação. Ou depois das ADM será este um novo tabu dos novos neocons?
- Sem qualquer extravagância, a não ser pela movida bloguística verificada, o Mata-Mouros aderiu a novos estilos, outros debates, novas solicitações. Fecharam a Loja e deram o salto para as Blasfémias, formigando com outros escribas. A não perder * Parabéns para o umblogsobrekleist que fez 1 ano de talento de bem dizer/escrever e para o regresso da Formiga de Langton nestes dias mais espaçados de Março. Como está linda a blogosfera!
segunda-feira, 1 de março de 2004
Fantasia para Dois Défices e Uma Perdiz
Ainda inspirados pelo cumprimento da caldeirada à Manel Pinovai - mestre das bandas do Furadouro - e antiquíssima sugestão do confrade Manuel Carvalho, somos aliciados para uma "perdiz desossada", arriscada expectativa vinda da ala Eborense. Nada contra a carne saborida, embora dependendo do recheio que é para isso que se vai, como já me garantia meu avô, na sua bondade de alentejano. Mas o esgotamento da jornada e a vigilância caseira a isso impede. Adiante, que como assegurava Fialho, "não há poesia mais bela do que a fome. Dos outros, é certo ..."
Mas é sobre um outro prato nacional - défice de caldeirada com receitas extraordinárias -, bem fornecido das ditas em alegre conúbio, segundo o contento dos clientes, que há alguma confusão. Por um lado, o liberal de Évora, despeitado ao que se presume, entende que a blogosfera é uma espécie de entronização de emails privativos, uma coreografia curiosa e licenciosa que poucos têm acesso e, assim sendo, passa desabridamente ao murmúrio que reina por aqui presunção e altivez. Tem razão. "Nós somos do século de pregar os caixotes de inventar as palavras" (MCV). Que se há-de fazer? Por outro lado, reconhece que no seu nobilíssimo "divertimento", liberrimamente corrosivo já se vê, propinado à plebe, a governação da nação e do país pode ser entendida enquanto mera gestão empresarial, e que na falta de um "gestor" em carteira qualquer fantástico contabilista pode ser primeiro-ministro. Estamos de acordo, mais uma vez. A ser assim, pode ficar de pé a sugestão para a "perdiz desossada", desde que a factura não seja pedida em nome da Icily Lda, ou do tal amigo Ambrósio. Niguém lhe perdoaria.
Álvaro Ribeiro [1905-1981]
n. a 1 Março de 1905
"Às horas de leitura, nos cafés, durante a manhã, sucediam-se as horas de «conspiração» politica, no final da tarde e princípios do serão. Era então que doutrinava e activava a «Renovação Democrática», em reuniões com outros «conspiradores», todos mais abastados do que ele, alguns até com rendimentos e heranças, como Casais Monteiro e Domingos Monteiro. No intervalo das reuniões, quando cada um ia jantar a casa, Álvaro Ribeiro bebia um «garoto» numa leitaria e sentava-se num banco da Avenida à espera dos outros. Findas as horas da política começavam as da boémia nocturna, o passeio pelos clubes onde se jogava o bingo e pelas casas de fados (...). Assim difícil, pobre, quase miserável, este período da sua vida foi também o mais romanesco, e sobre ele veio mais tarde a escrever um romance que nunca publicou e acabou por destruir (...)
Quando rebentou a guerra de Espanha e a politica se exacerbou, chegou a ser ameaçado por «legionários», perseguido na rua e insultado nos cafés. Acabou por arranjar um emprego em que era uma espécie de «contínuo» para salvaguarda, sendo ele «licenciado», dos prestígios da Universidade. E uma vez terminada a guerra de Espanha e estabelecida a pacatez salazarista, um governante, Castro Fernandes, conseguiu colocá-lo em modesto lugar de um organismo corporativo onde se conservou toda a vida. (...)
A existência de Álvaro Ribeiro passou então a decorrer entre as horas do emprego, que eram apenas as do começo da tarde, e as horas de ler, escrever e conversar nos cafés (...) Como José Marinho viesse também para Lisboa no final dos anos 30, formou-se em torno dos dois uma tertúlia que durou até à morte do Álvaro em 1981. Aí se iniciaram ou exercitaram no convívio intelectual os homens mais representativos se sucessivas gerações, as de Eudoro de Sousa, José Blanc de Portugal, Jorge de Sena, António Quadros, António Telmo ou Braz Teixeira; aí foram buscar inspiração, adequada informação ou vias de desenvolvimento, personalidades como José Régio, Almada Negreiros, Casais Monteiro, Domingos Monteiro, José Osório de Oliveira, Moura e Sá, Carlos Queiroz ou Cunha Leão. A doutrina do número de ouro, que dominou a arte de Almada, foi ali haurida; a «descoberta» de Fernando Pessoa, ali surgiu. O camoneanismo de Jorge de Sena, ali se formou. E bem assim o sebastianismo ou anti-sebastianismo de José Régio, o lusitanismo de José Osório, o filosofismo de Moura e Sá. Ali tiveram origem muitas revistas literárias, desde «Litoral», de Carlos Queirós, e «Atlântico», de José Osório, ao «57» e «Acto», de António Quadros, e aos «Teoremas de Teatro» e «Escola Formal», do autor destas linhas (...)"
[Orlando Vitorino - "Álvaro Ribeiro", in Nova Renascença, Outono de 1982]
n. a 1 Março de 1905
"Às horas de leitura, nos cafés, durante a manhã, sucediam-se as horas de «conspiração» politica, no final da tarde e princípios do serão. Era então que doutrinava e activava a «Renovação Democrática», em reuniões com outros «conspiradores», todos mais abastados do que ele, alguns até com rendimentos e heranças, como Casais Monteiro e Domingos Monteiro. No intervalo das reuniões, quando cada um ia jantar a casa, Álvaro Ribeiro bebia um «garoto» numa leitaria e sentava-se num banco da Avenida à espera dos outros. Findas as horas da política começavam as da boémia nocturna, o passeio pelos clubes onde se jogava o bingo e pelas casas de fados (...). Assim difícil, pobre, quase miserável, este período da sua vida foi também o mais romanesco, e sobre ele veio mais tarde a escrever um romance que nunca publicou e acabou por destruir (...)
Quando rebentou a guerra de Espanha e a politica se exacerbou, chegou a ser ameaçado por «legionários», perseguido na rua e insultado nos cafés. Acabou por arranjar um emprego em que era uma espécie de «contínuo» para salvaguarda, sendo ele «licenciado», dos prestígios da Universidade. E uma vez terminada a guerra de Espanha e estabelecida a pacatez salazarista, um governante, Castro Fernandes, conseguiu colocá-lo em modesto lugar de um organismo corporativo onde se conservou toda a vida. (...)
A existência de Álvaro Ribeiro passou então a decorrer entre as horas do emprego, que eram apenas as do começo da tarde, e as horas de ler, escrever e conversar nos cafés (...) Como José Marinho viesse também para Lisboa no final dos anos 30, formou-se em torno dos dois uma tertúlia que durou até à morte do Álvaro em 1981. Aí se iniciaram ou exercitaram no convívio intelectual os homens mais representativos se sucessivas gerações, as de Eudoro de Sousa, José Blanc de Portugal, Jorge de Sena, António Quadros, António Telmo ou Braz Teixeira; aí foram buscar inspiração, adequada informação ou vias de desenvolvimento, personalidades como José Régio, Almada Negreiros, Casais Monteiro, Domingos Monteiro, José Osório de Oliveira, Moura e Sá, Carlos Queiroz ou Cunha Leão. A doutrina do número de ouro, que dominou a arte de Almada, foi ali haurida; a «descoberta» de Fernando Pessoa, ali surgiu. O camoneanismo de Jorge de Sena, ali se formou. E bem assim o sebastianismo ou anti-sebastianismo de José Régio, o lusitanismo de José Osório, o filosofismo de Moura e Sá. Ali tiveram origem muitas revistas literárias, desde «Litoral», de Carlos Queirós, e «Atlântico», de José Osório, ao «57» e «Acto», de António Quadros, e aos «Teoremas de Teatro» e «Escola Formal», do autor destas linhas (...)"
[Orlando Vitorino - "Álvaro Ribeiro", in Nova Renascença, Outono de 1982]
sábado, 28 de fevereiro de 2004
Vox Populi
Receitas Extraordinárias – Confirma-se que a blogosfera, fazendo gala de bem medir a crise económica e orçamental, está uma sublime congregação de oradores da coisa económica. Neófitos da economia política, saltando fatigados das sebentas imaculadas do défice, tacteiam o campo da lide esgrimindo aplausos do gentio. A cortês troca de opiniões entre o divino Terras do Nunca e este galhardo liberal eborense fulmina qualquer um. A trovoada de argumentos do verdadeiro crente do défice com receitas extraordinárias, novo menu chic neoliberal ou "conduto enganando a vontade de comer enquanto os sonhos passam", é uma espantosa rincharia que resulta numa promiscuidade interessante entre o que deve ser a politica económica e uma mera operação contabilística. Aliás, para quê tanta aplicação no estudo da economia? Bastava entregar o país a um esplêndido contabilista, que a coisa se desenvencilharia ad nauseam. Como se percebe, o facto das receitas extraordinárias equivalerem a 80% do défice é absolutamente normal. O cego do engenheiro Guterres é que não tinha sensibilidade para a contabilidade, pois se acedesse aos mimos contabilísticos do liberal eborense, não existiria hoje o tão malfadado défice. Nada mais justo.
Várias: Dispensando o branqueamento da situação económica do país, conscientes que a crise económica e orçamental é a pior que há memória, parece que os sindicatos e o patronato estão na mesma luta, a saber: abaixamento de impostos e fim imediato do congelamento salarial. Coisa que não deve incomodar os ultramontanos da Mercearia Barroso & Leite, entretidos que estão a contabilizar o défice * José Manuel Fernandes, combalido no seu affaire de democratizar todo o mundo e ninguém, discorre sobre os caminhos de Bagdad. A copiosa explicação segue dentro de momentos nas bancas perto de si. Sem armas de destruição maciça descobertas, com a opinião pública mundial a morder nas canelas dos fazedores de historietas, resta a JMF lutar, como dantes, pela revolução democrática e popular, procurando implementar a democracia em todos os quintais do planeta. Assim Bush queira e Fernandes & Delgado o aprovem. Observemos, pois.
100 Anos do Sport Lisboa & Benfica – Do fundo do coração
[Convocatória] Ficam, desde já, convocados todos os cavalheiros livres dedicados à causa encarnada, lusitanos doutíssimos, damas distintas ou varões loquazes, a participarem nas comemorações dos 100 Anos do SLB. Com emoção, partimos em 1904 ignorantes e saloios, estamos hoje inteligentes, razoáveis e sensatos. Entrámos em todos as terras e subimos todos os degraus. Vil terror não coube em nós. Dissipado o nevoeiro, retomaremos a ventura. Por obra e graça de José Rosa Rodrigues, Daniel Brito e Manuel Goularde, nossos padroeiros e altíssimos protectores. Somos felizes. Mas mesmo assim, é favor trazer os azeviches para dar figas aos maus-olhados. Nós por cá todos bem. Dada à lux por cavaleiros devotos da saudade encarnada. Aqui, mar da Alma.
Baptista Bastos - 70 Anos - Um Homem Livre
[Ao Júlio Gomes. BB, Torreira, Clepsydra, ..., porque ainda há memória]
"É um jogo de cortesãos e liberais, o brídege. Os seus práticos teriam frequentado os salões da gentil conversa se fossem cidadãos de Setecentos. Reunidos, neste grupo numeroso, não perderam os prestígios conferidos pela Casa, pelo Sangue e pela Razão. Os gestos são delicados, afáveis e eficientes - e não esquecem nunca essas graças e essas virtudes mesmo quando as horas já são longas e podem alvitrar hipóteses de negligência, descuidos no trajar, bocejos distraídos. Isto, os homens. Porque as mulheres, com o correr do tempo, manifestam uma exuberância mais viva, tornam-se mais expeditas na acção, a frase fica-lhes solta e muito bem, a maquilhagem principia a despedaçar-se e a fornecer-lhes uma face nova e outra, terrosa e fatigada. Pontas de cigarros em dezenas de cinzeiros, copos vazios, com cinza, e fumo ainda mais denso e intenso, e há em todos um pudor em espreguiçar-se e as têmporas latejam, as dores nos rins atingiram uma fase tão dolorosa que ninguém as sente, é como o suportar resignado de um fardo pesadíssimo, mas o raciocínio tem de ser frio e veloz – e, de repente, a Maio da sala, um jogador boceja alto e estica o dorso na cadeira. Olham-no. Cento e setenta e seis olhos a olhá-lo, e também de repente trinta dos quarenta e quatro pares bocejam em varias tónicas e esticam os dorsos nas cadeiras.
- Silencio - diz um dos membros do júri."
[Baptista Bastos, in As Palavras dos Outros, Eur.- América, 1968]
Catálogo nº 64 da Livraria Bizantina, Fevereiro 2004
A Livraria Bizantina - Rua da Misericórdia, nº 147 (ao cimo da Trindade), Lisboa - lançou o seu catálogo nº 64, com 486 peças a preços excelentes e convidativos. Uma local de frequência obrigatória para bolsas menos abonadas. O amigo Bobone está de parabéns.
Algumas referências: Proscritos. Noticias Circunstanciadas do que passaram os Religiosos da Companhia de Jesus na Revolução de Portugal de 1910, por S. J. L. Gonzaga de Azevedo, Valladolid, 1911 / Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, de Manuel Bandeira, Rio de Janeiro, 1937 / Les Instruction Secrètes des Jésuites, por Paul Bernard, Paris, 1907 / Subsídios para a História Económica de Portugal, por Fortunato de Almeida, Porto, 1920 / A Cruz de Villa Viçosa, de Rodrigues Vicente d'Almeida, 1908 / Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras. Por huma Sociedade de Portuguezes Residentes em Paris, Paris, 1818, II vol / Diabruras, Santidades e Prophecias, de A. C. Teixeira de Aragão, Lisboa, 1894 / O Encoberto, de Sampaio Bruno, Porto, 1904 / Camilo Desconhecido, por António Cabral, Lisboa, 1918 / Memorias de um Estuante de Direito, de Rafael Salinas Calado (1911-1916), Coimbra, 1961 / Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, Coimbra, 1863 / Memoria de António Maria de Fontes Pereira de Mello..., Lisboa, 1887 / Colecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível, Coimbra, 1817 / Arte e Arqueologia, de Vergílio Ferreira, Lisboa, 1920 / Vasco Fernandes. Mestre do Retábulo da Sé de Lamego, por Vergílio Ferreira, Coimbra, 1924 / Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco, 1968, II vol / Os Povos e os Reis. Opúsculo Offerecido aos Portuguezes, de Faustino José da Madre de Deos, Lisboa, 1825 / Descrição Minuciosa do Monumento de Mafra. Com uma Noticia de Cintra, ..., por Joaquim da Conceição Gomes, Lisboa, 1876 / Barros de Coimbra, por Afonso Duarte, Lvmen, 1925 / Os Desenhos Animistas de uma Criança de 7 Anos, de Afonso Duarte, Coimbra, 1933 / Compendio dos Escritos e Doutrina do Venerável João Gerson, por António Pereira de Figueiredo, Lisboa, 1769 / Lista de Alguns Catálogos e Bibliothecas Publicas e Particulares, de Livreiros e Alfarrabistas, de Martinho da Fonseca, 1913 / Perfil de Camillo Catello Branco, pelo Padre Senna Freitas, Porto, 1888 / In Memoriam do Professor Dom António Xavier Pereira Coutinho, pelo Conde de São-Paio, 1941 / Livros de Linhagens, Edições Biblion, V vols, 1937 / O Monumento de Mafra. Guia Ilustrado, 1906 / José Estêvão. Esboço Histórico, por Jacinto A. Freitas Oliveira, Lisboa, 1863 / Processos e Julgamento de José Cardoso Vieira de Castro, Lisboa, 1870 / Compendio das Minas. Dedicado ao Sereníssimo Senhor D. João Príncipe do Brazil, por José António da Rosa, Lisboa, 1794 / Jornais e Revistas do Distrito de Coimbra, por A. Carneiro da Silva, 1947
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004
Nick Cave ou futebol, eis a questão
Não se faz. Ficámos em terra, alapados no sofá, ainda mais a aturar um casalinho que joga damas (com livro ao lado), enquanto lá em baixo o Nick Cave cumpria. O desagravo será feito no dia 3 na Figueira com a Ursula Rucker, após a suprema aparição dos Limp Bizkit, podem crer. Não mais ver jogos do Manchester eis o sortilégio a conter. Hoje, à la noche, os vermelhos da Luz, ó enamorados, concedem concerto, é bom não esquecer. Ah! Carece dizer que o FCP esteve muito bem. Parabéns ao antigo treinador do Benfica, assim como aos seus ex-funcionários - Deco, Maniche e Jankauskas. Quem aprende nunca esquece. Se bem que hoje, era mais Nick Cave. Mas bendita prosa televisiva.
Do amor: Bem dizia a Maria Velho da Costa: "do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso com a polivalência da glote sai fracativo". Compreendi-te! Está fora de questão. Ainda tentámos reflexão Camusiana: "fora do amor, a mulher é maçadora. Não sabe. É preciso viver com uma e calar-se. Ou dormir com todas e actuar. O mais importante é outra coisa". Nick Cave? Ursula Rucker? Os dribles de Simãozinho? A garrafa de Vale de Meão? Um jogo de bridge? Estamos confundidos. Acudam!
Não se faz. Ficámos em terra, alapados no sofá, ainda mais a aturar um casalinho que joga damas (com livro ao lado), enquanto lá em baixo o Nick Cave cumpria. O desagravo será feito no dia 3 na Figueira com a Ursula Rucker, após a suprema aparição dos Limp Bizkit, podem crer. Não mais ver jogos do Manchester eis o sortilégio a conter. Hoje, à la noche, os vermelhos da Luz, ó enamorados, concedem concerto, é bom não esquecer. Ah! Carece dizer que o FCP esteve muito bem. Parabéns ao antigo treinador do Benfica, assim como aos seus ex-funcionários - Deco, Maniche e Jankauskas. Quem aprende nunca esquece. Se bem que hoje, era mais Nick Cave. Mas bendita prosa televisiva.
Do amor: Bem dizia a Maria Velho da Costa: "do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso com a polivalência da glote sai fracativo". Compreendi-te! Está fora de questão. Ainda tentámos reflexão Camusiana: "fora do amor, a mulher é maçadora. Não sabe. É preciso viver com uma e calar-se. Ou dormir com todas e actuar. O mais importante é outra coisa". Nick Cave? Ursula Rucker? Os dribles de Simãozinho? A garrafa de Vale de Meão? Um jogo de bridge? Estamos confundidos. Acudam!
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004
Alegre Jericada
"A burguesia meditou muito sobre o espaço / e sobre o tempo e sobre a luz / e tanto / que destruiu a imagem de si mesma / E faz anamorfoses: hoje"
[VGM, in Recitativos, 1977]
O fervor sentencioso de Vasco Graça Moura - hoje do DN - é um novíssimo bálsamo contra a crise da governação, uma aparatosa tempestade, prenhe de negrumes e desalentos, contra "o que a esquerda queria" ou "guincha", evidentemente, numa "volúpia da demagogia insensata". Presume VGM, que a "esquerda" espuma contra a Mercearia Ferreira Leite porque no invés de degustar Louis Roederer, Krug ou Dom Pérignon, encomenda com bondade Quinta da Rigodeira, Luís Pato, ou cede às emoções da Murganheira e até, pasme-se, Quinta do Soalheiro. Daí a aversão do poeta-laranja contra os pérfidos caminhos da "esquerda". Bem, pelo menos sabe-se que a "esquerda" segue a máxima da Marquesa de Pompadour: "le champagne est le seul vin qui lasse la femme belle après boire". O que não está mal, diga-se.
Há, reconheça-se, no génio de VGM o espírito de um admirável economista e, sabe-se, não há economista que não se orgulhe em ser um admirável poeta. O vate, onde nunca a rima falta, é sobretudo um estudioso. Murmura economia, persegue as finanças públicas, trabalha em política orçamental, recorre à análise da conjuntura, discute economia internacional. Admirável, pois, o masoquismo político do nosso bardo na análise das "náuseas e diarreia" que afronta a oposição à Mercearia Leite. E, por isso, apresta-se a dar à pena tercetos sobre as curvas IS/LM, redondilhas sobre o multiplicador dos gastos públicos, sonetos sobre o teorema de Haavelmo, alexandrinos a Rybczinski, até mesmo uma xácara sobre o Teorema de Heckscher-Ohlin-Samuelson. Palmas! A reprimenda de VGM sobre o défice é justa, o publico é que não compreendeu as ledas musas da alegre jericada. Resta-nos, sempre, as protérvias de Patinha Antão. Cria discípulos desembaraçados, prontos a levar com as "cacheiradas" costumeiras. São, de facto, todos poetas e esperam acabar os dias. Que Deus lhes faça a vontade.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004
"Bom dia, Paulo Quintela
Todas as manhãs o Sol nasce
desfolhando no calendário dos dias o futuro.
Inútil seria seu eterno retorno
se em cada aurora não houvesse um homem
que a outro saudasse em voz fraterna
e pondo a mão sobre o seu ombro lhe dissesse:
Bom dia, camarada,
bom dia!"
[Joaquim Namorado, Vértice, nº 382-383, Nov-Dez., 1975]
Na foto: Miguel Torga, António de Sousa, Afonso Duarte, Paulo Quintela e Vitorino Nemésio, in Vidas Lusófonas
Ordem Acerca dos Cabellos
"D. Miguel da Annunciação, cónego regular da Congregação de Santa Cruz, por mercê de Deus e ..., Bispo de Coimbra, etc ...
Como temos sabido que no nosso seminário se tem introduzido alguma relaxação na composição affectada dos cabellos, sendo o seminário uma casa ecclesiatica, que não tem outro fim, mais que educar os que hão-de ser ministros do altar, aos quaes pelos sagrados cânones, e por muitos Concílios é prohibida toda a composição affectada no cabello; somos obrigados a extirpar este abuso e relaxação, que consigo trará outros maiores, se se não talhar ao princípio (...)
Por isso mandamos que daqui em diante todos os seculares, que ao presente vivem no seminário, e para o futuro forem admittidos, de qualquer condição ou estado que sejam, não usem de alguma composição affectada no cabello, já trazendo-o virado todo para traz, e fazendo-lhe o que vulgarmente chamam –Bordefronte - ou - Cabriolé -; mas que ande todo egual e cahido naturalmente, como a natureza o creou, nem também da parte de traz seja tão comprido, que corra pelas costas abaixo, nem tão curto, que deixe totalmente o cabeção descoberto, nem com anneis artificiosamente formados (...)
Dada no nosso Paço Episcopal aos 20 de Dezembro de 1763 – D. Miguel, Bispo Conde"
[in O Conimbricense, nº 2269 de 24/04/1869]
domingo, 22 de fevereiro de 2004
Manuel Laranjeira [1877-1912]
m. em Espinho, a 22 de Fevereiro de 1912
"...Só há uma espécie de desgraçados que merecem compaixão: são as criaturas pusilânimes em face do sofrimento. E é por isso que eu, como você, embora num outro sentido, também digo que o destino me favoreceu, porque eu pudera ter nascido com a alma cobarde como a de tantos que eu vejo rolar tragicamente na lama da vida. Creia, caro amigo, que os verdadeiros desgraçados são os que não tem heroísmo de o ser alegremente. E não conclua por aquela hiperbólica sentença do pessimismo que acha que o melhor é não ter nascido. Não, amigo, não: não ter nascido nem é melhor nem é pior. Nãoter nascido, se não é desgraça, também não é felicidade é ... ou o que ela não é. Para dizer que o melhor é não ter nascido, é preciso nascer primeiro e reconhecer que viver é pior. «O pior é ter nascido» não passa duma figua retórica em que se condena a vida. Quem tal proclamar, logicamente – suicida-se. E no problema da vida o suicídio é a ultima das soluções ..." [Carta a Amadeu Sousa Cardoso, In Cartas, 1943]
"Aquela doce e mystica suicida
que me visita pela noite morta,
vim agora encontrá-la à minha porta
esperando por mim, toda tranzida...
Prendeu-me nos seus braços desvairados,
longamente, em silêncio, como louca..
E ainda sinto o consolo d’essa boca,
beijando-me nos olhos desolados...
Depois pôs-se a dizer-me em voz baixinha:
- "Bem vês, meu pobre amor, ela não tinha
um coração como eu...
Alma de sacrifício - nunca a viste
igual à minha!... e a minha não te deu
felicidade alguma... se isso existe..."
[Manuel Laranjeira, Palavras d'um Phantasma, in Commigo, 1923]
O Circo e o País Rasca
"A evidência necessita de invólucro para não morrer na estrada" [Mário Cesariny]
Depois de fechar a contabilidade da Mercearia "Portugal" com um défice de 2,8% do PIB, Durão Barroso adverte que as "contas do Estado estão em ordem". Pode ser. Mas, perante a curiosa declaração do senhor primeiro-ministro, recebida em apoteose pelos compadres da governação e seus bacorinhos, e pondo de lado a futilidade da afirmação, pois era isso que se aguardava desde as espalhafatosas inovações de Ferreira Leite ao cardápio da contabilidade pública, cumpre referir para não nos esquivarmos à fadiga, ao folguedo do judicioso Tavares Moreira e à arreata do impagável José Manuel Fernandes , o seguinte:
tal como o FMI, a Comissão Europeia, Miguel Cadilhe et all, dizemos que o PEC sacrifica o "crescimento futuro à estabilidade presente" e que o desenvolvimento económico não se compadece com manobras contabilísticas "vadias", nem a crise económica é ultrapassada sem investimentos produtivos, ou sequer as reformas estruturais ocorrem por qualquer mágica panfletária. E, sobre isso, está tudo por fazer, mesmo que a revelação barrosista seja uma espécie de pescadinha de rabo-na-boca. De outro modo, o reino da maravilha e mistério desta governação não assegura que se possa confiar, minimamente, nos resultados abonados. Primeiro, o défice nominal passa os 5% do PIB e mesmo que por artes mirabolantes se garanta que o défice estrutural tenha diminuído, convêm saber como foi calculado. Até porque se sabe, que o endividamento das Câmaras e Regiões Autónomas se aproximou dos 0,3% do produto e que o saldo da Saúde e Segurança Social, para além da derrapagem de 350 milhões de euros, se desconhece inteiramente. Tal triunfo escorcha-se a si próprio. Estamos num país rasca. Nada de espantos. A rápida intervenção do Banco de Portugal nesta enorme bagunça que são as contas públicas em Portugal é absolutamente necessária. Ninguém de bom senso e com urbanidade, pode confiar em tamanha gente, mesmo que o extasiado Barroso o assegure e o Luís Delgado aplauda. Os dias já não são o que eram. Podem crer.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004
Vitorino Nemésio [1901-1978]
m. em Lisboa, a 20 de Fevereiro de 1978
Quando eu morrer, a terra aberta
Me beba de um trago
E esqueça.
Aos deuses minha oferta
É levar o que trago:
Eu, dos pés à cabeça.
Assim, com ervas altas
Acabam os que começam.
Que Deus nos perdoe as faltas!
Dizem: "A terra que nos come":
Eu digo: "A que nos bebe" - e basta.
Somos só água que se some:
Choveu - e fomos
Na vida gasta.
[VN, in Eu, Comovido a Oeste]
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004
"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. …"
"Aniversário", Álvaro de Campos
"A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma
Ó pueril boca, amada boca,
Que dizias o que ousavas e tão doce
Eras a beijar"
[A Boca, Umberto Saba]
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. …"
"Aniversário", Álvaro de Campos
"A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma
Ó pueril boca, amada boca,
Que dizias o que ousavas e tão doce
Eras a beijar"
[A Boca, Umberto Saba]
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004
De que serve?
De que serve ouvir-te e não fechar-me
em arvores de silêncio?
De que serve o canto quando está
um cerrado punho na garganta?
De que serve o grito quando acaba
por fatigar as letras que não há
nesta ausente escrita que é esperar-te?
[João Rui de Sousa, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003]
De que serve ouvir-te e não fechar-me
em arvores de silêncio?
De que serve o canto quando está
um cerrado punho na garganta?
De que serve o grito quando acaba
por fatigar as letras que não há
nesta ausente escrita que é esperar-te?
[João Rui de Sousa, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003]
Anotações
Do Catalogo de Manuscritos reunidos pelo poeta Alberto de Serpa, sob elaboração de Manuel Ferreira, e levado à praça nos dias 18-25 de Novembro de 1988, retira-se o seguinte:
[Raul Leal] Os Dissidentes da Águia. Orfeu perante o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (s/d) / Entrevista ("Para mim há Oito [escritores e poetas portugueses] que são os Maiores de Portugal. Cito o nome de sete e o Futuro que determine o oitavo. São eles: Luiz de Camões, Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Teixeira de Pascoes, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro") / [Fragmentos] "25 folhas de diversos formatos, com fragmentos de trabalhos diversos, entre os quais um intitulado «A Monadologia discriminatória de Fernando Pessoa», de que existem quatro folhas de ambos os lados" / Messe Noire, Fev.-Avril 1926 ("«Poeme Sacré» ... em que apenas foi publicado um pequeno excerto na revista «Presença»") / Nono Psalmo do Livro Martyr de L'Occulte ("texto em francês manuscrito ... datado de «Octobre 1928»") / Psaumes ["Uma das mais importantes obras poéticas de Raul Leal escritas em língua francesa e inédita na sua maior parte ...") / O Quinto Império e a Última Reincarnação de Henoch ("São duas laudas manuscritas na sua totalidade, com plano da obra indicada ...")
[Mário Saa] A Zebra. Problema zoológico e filosófico por Mário Saa, s/d ("Curioso manuscrito em prosa ...")
[Fernando Pessoa] Livro de Legendas ("Folha manuscrita em papel quadriculado, apresentando na primeira linha o título acima transcrito. Seguem-se os nomes dos capítulos ou partes que deveriam constar de uma obra de que não encontramos rasto nos trabalhos em prosa e verso publicados de Fernando Pessoa: I. Homeridae (?); II. Os Cinco Reis; III Trez Deuses; IV Tavola Redonda ...") / Affonso de Albuquerque. 10-7-1934 ("Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dado a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de Janeiro ...")
Do Catalogo de Manuscritos reunidos pelo poeta Alberto de Serpa, sob elaboração de Manuel Ferreira, e levado à praça nos dias 18-25 de Novembro de 1988, retira-se o seguinte:
[Raul Leal] Os Dissidentes da Águia. Orfeu perante o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (s/d) / Entrevista ("Para mim há Oito [escritores e poetas portugueses] que são os Maiores de Portugal. Cito o nome de sete e o Futuro que determine o oitavo. São eles: Luiz de Camões, Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Teixeira de Pascoes, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro") / [Fragmentos] "25 folhas de diversos formatos, com fragmentos de trabalhos diversos, entre os quais um intitulado «A Monadologia discriminatória de Fernando Pessoa», de que existem quatro folhas de ambos os lados" / Messe Noire, Fev.-Avril 1926 ("«Poeme Sacré» ... em que apenas foi publicado um pequeno excerto na revista «Presença»") / Nono Psalmo do Livro Martyr de L'Occulte ("texto em francês manuscrito ... datado de «Octobre 1928»") / Psaumes ["Uma das mais importantes obras poéticas de Raul Leal escritas em língua francesa e inédita na sua maior parte ...") / O Quinto Império e a Última Reincarnação de Henoch ("São duas laudas manuscritas na sua totalidade, com plano da obra indicada ...")
[Mário Saa] A Zebra. Problema zoológico e filosófico por Mário Saa, s/d ("Curioso manuscrito em prosa ...")
[Fernando Pessoa] Livro de Legendas ("Folha manuscrita em papel quadriculado, apresentando na primeira linha o título acima transcrito. Seguem-se os nomes dos capítulos ou partes que deveriam constar de uma obra de que não encontramos rasto nos trabalhos em prosa e verso publicados de Fernando Pessoa: I. Homeridae (?); II. Os Cinco Reis; III Trez Deuses; IV Tavola Redonda ...") / Affonso de Albuquerque. 10-7-1934 ("Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dado a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de Janeiro ...")
terça-feira, 17 de fevereiro de 2004
Pornocine
"Ah, deixem-se de abraços e de beijos
de grandes planos de frentes e traseiros!
Não se lambam sob a luz cruenta
dos projectores.
Poupem-nos a essas cópulas
tecnicolores.
Na posição de "o missionário", denegrida,
ainda se move muita gente, muita vida.
Se a Carole não gosta, gosta a Ana!
E viva o sexual fim-de-semana!
... "
[Alexandre O'Neill, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003 (aliás in A Luta, 1/7/1976)]
"Ah, deixem-se de abraços e de beijos
de grandes planos de frentes e traseiros!
Não se lambam sob a luz cruenta
dos projectores.
Poupem-nos a essas cópulas
tecnicolores.
Na posição de "o missionário", denegrida,
ainda se move muita gente, muita vida.
Se a Carole não gosta, gosta a Ana!
E viva o sexual fim-de-semana!
... "
[Alexandre O'Neill, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003 (aliás in A Luta, 1/7/1976)]
Catálogo nº 44 da Livraria Moreira da Costa, Fevereiro 2004
A Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) publica o seu 44 catálogo, de responsabilidade de Ângelo Carneiro e pode ser consultado on line. Boas compras.
Algumas referências: Descrição Geral e Histórica das Moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, de A. C. Teixeira de Aragão, III vols, 1966 / As Communidades de Goa. História das Instituições Antigas por António Emílio d'Almeida Azevedo, 1890 / Ensaio sobre a extensão dos limites da beneficiencia a respeito, assim dos homens, como dos mesmos animaes, pelo Conde Leopoldo Berchtold, 1792 (curioso) / Influence de l’habitude sur la faculte de penser ..., por P. Maine Biran, 1803 (dissertação espiritualista) / A Campanha. O Golpe de Estado. Diálogo dos Pastores. Auto da Família, de Fiame Hasse Pais Brandão, Portugália, 1965 / Da Vida e da Morte dos Bichos, por Teotónio Cabral, Abel Pratas e Henrique Galvão, s/d, V vols (estimada) / ARS CRITICA. In qua ad Studia Linguarum Latinae, Graecae, et Hebricae. Via munitur; Veterumque emendandorum, Spuriorum Scriptorum a Genuinis dignoscendorum, & judicanti de eorum libris ratio traditur. Accedunt un calce quatuor Indices locupletissimi, de Joannis Clerici, 1778, III vols / Esta Historia é para os Anjos, por Jaime Cortesão, Edição da Renascença Portuguesa, Porto, 1912 / História da Arte, por Elie Faure, trad. de Vitorino Nemésio, V vols / Verdades Cruas, por Gomes Leal, Typographia do Commercio, s/d / A Virgem e Portugal, direcção literária de Fernandes de Castro Pires de Lima, Ed. Ouro, Porto, 1967, II vols / D. Carlos História do seu reinado, por Rocha Martins, 1926 / Bibliografia da Literatura Portuguesa, de Maussaud Moisés, Edição Saraiva, São Paulo, 1968 / Pharmacopêa Portugueza, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1876 / Revista Sol, Dir. Fernando C. Pires de Lima e Virgilio A. Dantas, Primavera 1968. nº 7 (a Outono-Inverno 1971-72 nº 16), 10 nums / Traité d'Economie Politique ou Sample Exposition de la manière dont se forment, se distribuent et se consomment les richesses, de Jean-Baptiste Say (4ª ed.), Paris, 1819, II vols / Defeza das Ordens Religiosas e Analyse do Relatório do Mata-Frades, por Almeida Silvano, 1884
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004
Bom Dia ... Carlos Paredes
n. em Coimbra a 16 de Fevereiro de 1925
"Um grande respeito pelos outros. Eis o que faltou às utopias, mas nunca deixou de estar presente na vida, na música e nos gestos de Paredes. É nesse mundo, de Amigos que se respeitam e se amam, que vive Carlos Paredes; é desse mundo, onde a Verdade e o Prazer caminham de mãos dadas, que nos ilumina com a grandeza simples dos sons que só ele sabe inventar" [Viriato Teles]
Oh! ... Público!?
Na primeira página d'O Público de domingo, entre as licenças de maternidades à la Bagão Feliz e a novíssima reforma prisional que está aí a estoirar, desponta o curioso título: "Durão Barroso quer apressar decisão de Cavaco Silva sobre candidatura presidencial". A imprevidente brincadeira, a cargo de Helena Pereira, pode ser acompanhada na página 12, num texto sem sentido algum, salvo pelo que aí se jura: a entrevista de Santana Lopes "foi concertada" com Durão Barroso.
Desde logo, nesse aranzel tão politicamente jornalístico, somos levados a meditar como foi pensada a questão. Imagina-se, as fontes ao que se sabe não elucidaram a Helena, o exercício conspiratório entre o edil de Lisboa, o primeiro-ministro, o beneditino Marques Mendes, mais dois ou três sociais-democratas soi-disant, e teme-se pela sanidade intelectual da jornalista d'O Público.
Silêncio! ... que se está a conspirar. Sem dúvida. Só não se sabe se os conjurados citados, se a senhora jornalista saída de algum relicário do cavaquistão. É que nem o Marcelo caiu nessa, à mesa da TVI, que nisto de santos Lopes só para crentes. Nem se ouviu gritar: "apanhei-te cavaquinho!". Nem consta que os leitores d'O Público possam ser confundidos com os intelectuais do Correio da Manhã.
Ah! como para escrever essa "beleza de hortaliça" no jornal é suposto o agreement da redacção, é de presumir que tivessem acompanhado, com toda a emoção, o exotismo da notícia. Nada nos espanta mais, pois, de facto, "o futuro é uma pescadinha de passado na boca" [Edgar Xavier].
domingo, 15 de fevereiro de 2004
Ronald de Carvalho [1893-1935]
m. no Rio de Janeiro, a 15 de Fevereiro de 1935
"Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos...
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos..."
[Ronald de Carvalho, Epigrama]
m. no Rio de Janeiro, a 15 de Fevereiro de 1935
"Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos...
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos..."
[Ronald de Carvalho, Epigrama]
Prémios Literários
Portugal é um país literário, uma corrente d'escrita ou cais de merendas profundo, rebrilhado de aguarelas perfumadas, palavras rutilantes, uma prosa e um estilo a "falar com o mundo”". Somos todos altíssimos poetas. Nem mesmo o mistério da festa dos prémios nos pode surpreender. Entre os indígenas lusos um reconhecimento literário é a consagração de todos nós. O carinho que a carpintaria das letras nos oferece, e que o aplauso dos facundos críticos nos recorda, não permite cair na indigestão literária.
As aclamações da turba dos jornais à vencedora da 1ª edição do Casino da Póvoa, a escritora d'O Vento Assobiando nas Gruas, ou a Coroa de Ouro do Festival de Poesia de Struga atribuída ao bardo nacional Graça Moura, impressiona a alma portuguesa. A opulenta faculdade do génio luso consagrada em terras da Macedónia, pelo ferventíssimo poeta onde nunca a rima falta, é justa porque admirável. Em verdade, ficámos comovidos por antever a extraordinária fortuna de se ler Graça Moura em macedónio. Quiçá, mais tarde, qualquer autóctone poderá albergar com entusiasmo as prédicas literárias de Santana Lopes, as conversas em família de Durão Barroso, as orações aos mancebos do seráfico Portas ou as especiosas afirmações de Alberto João. Aplausos! Quanto à escriba de Boliqueime, Lídia Jorge, novo meteoro a bruxulear no horizonte literário, confessamos que não nos adoça os infortúnios. Estamos de alma e coração com o velho Bastos. Aquele! ali em cima, a contemplar-nos. E por aqui nos fechamos. Todos nós. Basta de mau gosto!
sábado, 14 de fevereiro de 2004
Em dormência: por motivos de saúde o Absurdo faz uma pausa. Regressa em Março. Para nos beijar. Que um poeta "beija a própria boca". Nós restamos na espera. Até lá, as rápidas melhoras.
Resnais na Retorta, e há quanto tempo o não víamos ... Deus meu. O Ano Passado em Marienbad, um "amor insatisfeito", "um sedutor insinuante", "um apaixonado vencido" [Serafim Ferreira, pref. a O Ano Passado em Marienbad, de Alain Robbe-Grillet, Início, 1967] Falta de facto mais alguma coisa em O Ano Passado em Marienbad? Poderá existir este hotel? Poderão existir realmente estas pessoas? E efectivamente, tudo pode existir … "(ibidem)
Santana Agraciado
"E eu que não digo / eu que não deixo /eu que mim migo / só pelo queixo" [MCV]
Temos, agora, depois da benzedura da Agustina, o júbilo do fugaz Portas e a devoção de Alberto João, o negócio resolvido. Santana Lopes, afiou a língua, e quer ganhar "as presidenciais", ande ou não o prof. Cavaco a lançar livros no dia internacional das mulheres. O que mais importa, diz o exaltado Lopes, é "unir PSD e CDS/PP". Contrariando a máxima que "são ínvios os caminhos da verdade", o homem gatinha no primeiro jornal que lhe aparece, esperando os aplausos das almas laranjas. O sentimento é claro: ou Barroso faz o panegírico do novo candidato ou irá contorcer-se sob um montão de areia ... governamental.
Blog de Esquerda ... Mágico
A rapaziada noviciada do Blog de Esquerda enveredou pela milícia activa em assuntos esotéricos, tendo o admirável Luís Rainha granizado erratas e encenações em torno do Caso da Boca do Inferno, a pretexto de um artigalho de Pedro Mexia, presume-se por falta de fé pessoana. Ao que nos é dito, a tramóia entre Crowley, Pessoa & amigos não seria mais que uma tentativa de evitar as nádegas de senhoras mal benzidas pelo mago negro, ou quanto muito para iludir as cantilenas dos credores. Ora, este insubmisso exercício coreográfico entre o vate Fernando Pessoa e um obreiro da Golden Dawn assim escarranchado em posta no Blog de Esquerda, fez sorrir. Nunca se tinha visto tamanha vigília face à obra pessoana desde os escritos memoráveis do saudoso Gaspas, ou a magia do défice de Ferreira Leite. O furor da posta nos meios iniciáticos lusos, pela intuição intransponível de Rainha nos desígnios do oculto, despertou a mais viva comoção. Afinal, se não fosse o Rainha que seria de nós?
Resnais na Retorta, e há quanto tempo o não víamos ... Deus meu. O Ano Passado em Marienbad, um "amor insatisfeito", "um sedutor insinuante", "um apaixonado vencido" [Serafim Ferreira, pref. a O Ano Passado em Marienbad, de Alain Robbe-Grillet, Início, 1967] Falta de facto mais alguma coisa em O Ano Passado em Marienbad? Poderá existir este hotel? Poderão existir realmente estas pessoas? E efectivamente, tudo pode existir … "(ibidem)
Santana Agraciado
"E eu que não digo / eu que não deixo /eu que mim migo / só pelo queixo" [MCV]
Temos, agora, depois da benzedura da Agustina, o júbilo do fugaz Portas e a devoção de Alberto João, o negócio resolvido. Santana Lopes, afiou a língua, e quer ganhar "as presidenciais", ande ou não o prof. Cavaco a lançar livros no dia internacional das mulheres. O que mais importa, diz o exaltado Lopes, é "unir PSD e CDS/PP". Contrariando a máxima que "são ínvios os caminhos da verdade", o homem gatinha no primeiro jornal que lhe aparece, esperando os aplausos das almas laranjas. O sentimento é claro: ou Barroso faz o panegírico do novo candidato ou irá contorcer-se sob um montão de areia ... governamental.
Blog de Esquerda ... Mágico
A rapaziada noviciada do Blog de Esquerda enveredou pela milícia activa em assuntos esotéricos, tendo o admirável Luís Rainha granizado erratas e encenações em torno do Caso da Boca do Inferno, a pretexto de um artigalho de Pedro Mexia, presume-se por falta de fé pessoana. Ao que nos é dito, a tramóia entre Crowley, Pessoa & amigos não seria mais que uma tentativa de evitar as nádegas de senhoras mal benzidas pelo mago negro, ou quanto muito para iludir as cantilenas dos credores. Ora, este insubmisso exercício coreográfico entre o vate Fernando Pessoa e um obreiro da Golden Dawn assim escarranchado em posta no Blog de Esquerda, fez sorrir. Nunca se tinha visto tamanha vigília face à obra pessoana desde os escritos memoráveis do saudoso Gaspas, ou a magia do défice de Ferreira Leite. O furor da posta nos meios iniciáticos lusos, pela intuição intransponível de Rainha nos desígnios do oculto, despertou a mais viva comoção. Afinal, se não fosse o Rainha que seria de nós?
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004
Julio Cortázar [1914-1984]
m. em Paris, a 12 de Fevereiro de 1984
"Me consideraré hasta mi muerte un aficionado, un tipo que escribe porque le da la gana, porque le gusta escribir…. La literatura ha sido para mí una actividad lúdica, una forma de amor... Me ha hecho muy feliz sentir que en torno a mi obra había una gran cantidad de lectores, jóvenes sobre todo, para quienes mis libros significaron algo, fueron un compañero de ruta. Eso me basta y me sobra" [Cortázar]
"(Quando Irene sonhava em voz alta eu acordava logo. Nunca pude habituar-me a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos, e não da garganta. Irene dizia que os meus sonhos consistiam em grandes saculões que às vezes faziam cair o cobertor. Os nossos quartos tinham a sala entre eles, mas de noite ouviam-se todos os ruídos da casa. Ouvíamo-nos respirar, tossir, pressentíamos o gesto que leva ao botão do candeeiro, as mútuas e frequentes insónias.
À parte isso estava tudo calado na casa. De dia eram os ruídos domésticos, o raspar metálico das agulhas de fazer malha, um ranger ao virar as folhas do álbum filatélico. A porta de carvalho, creio tê-lo dito, era maciça. Na cozinha ou no quarto de banho, que ficavam ao lado da parte ocupada, punha-mos a falar em voz alta, ou Irene cantava canções de embalar. Numa cozinha há demasiado ruído de louça e vidros para que outros sons a invadam. Muitas poucas vezes permitíamos ali o silêncio, mas quando regressávamos aos quartos e à sala de estar, então a casa ficava calada e à média luz, até caminhávamos mais devagar para não nos incomodarmos. Julgo que era por isso que de noite, quando a Irene começava a sonhar em voz alta, eu acordava logo)"
[]úlio Cortázar, in Bestiário, Dom Quixote, 1971]
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Aqueduto de S. Sebastião [II]
"Conflito com os de Santa Cruz era sempre sério, e estes, sempre prontos a levantar dificuldades, desviaram a agua do Chafariz de Sansão, abastecido pelas fontes aludidas, e habituados a fazerem quanto queriam levaram a Câmara, reunida em sessão conjunta de vereadores, fidalgos e vinte e quatro, a eleger um cidadão, que fosse à Corte demonstrar a el-rei a justiça dos Crúzios, ao mesmo tempo que se mandava a Heitor Borges pedir a sua presença na Câmara para ser ouvido sobre a conveniência de suspender as obras, até vir resposta del-rei. Estiveram nesta vereação todos os seus membros: o vereador Diogo de Castilho, juiz de fora pela ordenação, Jorge Barbosa, António Leitão e Pêro Barbosa, pela Universidade, Simão Travaços, procurador-geral e os dois procuradores dos mesteres, Jerónimo Francisco e Pêro Afonso (...)
A resposta de D. Sebastião é enérgica e decisiva. Em alvará de 20 de Junho revoga pura e simplesmente todos os privilégios, liberdades e jurisdições do Mosteiro de Santa Cruz, tão grande era o seu desejo de ver erguida a obra gigantesca e utilíssima, a mais útil com que o tempo se poderia dotar a Cerca de Almedina. (...) Heitor Borges vencera a resistência dos Crúzios, mas faltava ainda derrotar três adversários de respeito - Diogo de Castilho, afamado arquitecto e juiz de fora, vereador, bem como Jorge Barbosa, também vereador, que fora vários anos chanceler, juiz dos órfãos e alferes da bandeira, mais o escrivão da Câmara, Pêro Cabral, partidários confessos dos de Santa Cruz (...)
Vindos expressamente de Lisboa por causa de todo este complicado assunto, foi encarregado de os julgar o Doutro Tomé Nunes de Gaula, fidalgo da Casa Real, do Desembargador del-rei e Corregedor do Crime (...)"
[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004
William Fox-Talbot (1800-1877)
"This negative created in 1835 predates the historically recorded "birth" of photography by four years. Before this time there were no photographic prints and until the turn of the twentieth Century there was no means of photo-mechanical reproduction." [in William Henry Fox Talbot]
Aqueduto de S. Sebastião [I]
"Heitor Borges Barreto, lente que fora de direito na Universidade e depois desembargador del-rei, estava em Coimbra desde os meados de Janeiro de 1569. Viera, não para matar saudades, mas com plenos poderes do «Desejado» para levantar o grandioso Aqueduto de S. Sebastião, mais conhecido naquele tempo por Cano Real, forte e elegante mole de pedra, com os seus vinte e um arcos, por cima dos quais correria a água da Fonte del-rei e da Fonte da rainha, para abastecer abundantemente a Alta, perto do Convento de Tomar (...) Os frades crúzios, riquíssimos e absorventes, há muito tempo eram os seus detentores e foram os primeiros a protestar energicamente contra o projectado melhoramento, por palavras e actos, intrigando, levantando dificuldades e pretextos, aliciando partidários.
D. Sebastião principiara por expropriar as duas fontes em carta escrita à câmara aos 13 de Dezembro de 1568, por ser «serviço de Deus, dele e bem do povo» trazer a água à Feira dos Estudantes e ao Adro da Sé, ao mesmo tempo que ordenava à Câmara, Corregedor da Comarca e Conservador da Universidade, mandassem limpar aquelas fontes, restituindo-as ao seu primitivo estado. Os cónegos regrantes tinham-se mexido e tinham, até certo ponto, conseguido modificar a opinião camarária, que até aí, estivera contra os crúzios e a favor de que fosse trazida a agua a Almedina. No último dia de Janeiro recebem os vereadores carta enérgica de el-rei, estranhando a contradição e ordenando, para bem do povo, que a cidade não só obedeça, mas favoreça mesmo o Desembargador em todos os trabalhos e facilidades por ele exigidos. Portanto, com rapidez, se faça e se erga o Cano Real, sobre as ruínas do antigo, talvez romano, que se descobriram agora e não vacile o Desembargador em lançar sobre a cidade o imposto ou finta que for necessário" (cont)
[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]
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