quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004


Alegre Jericada

"A burguesia meditou muito sobre o espaço / e sobre o tempo e sobre a luz / e tanto / que destruiu a imagem de si mesma / E faz anamorfoses: hoje"
[VGM, in Recitativos, 1977]

O fervor sentencioso de Vasco Graça Moura - hoje do DN - é um novíssimo bálsamo contra a crise da governação, uma aparatosa tempestade, prenhe de negrumes e desalentos, contra "o que a esquerda queria" ou "guincha", evidentemente, numa "volúpia da demagogia insensata". Presume VGM, que a "esquerda" espuma contra a Mercearia Ferreira Leite porque no invés de degustar Louis Roederer, Krug ou Dom Pérignon, encomenda com bondade Quinta da Rigodeira, Luís Pato, ou cede às emoções da Murganheira e até, pasme-se, Quinta do Soalheiro. Daí a aversão do poeta-laranja contra os pérfidos caminhos da "esquerda". Bem, pelo menos sabe-se que a "esquerda" segue a máxima da Marquesa de Pompadour: "le champagne est le seul vin qui lasse la femme belle après boire". O que não está mal, diga-se.

Há, reconheça-se, no génio de VGM o espírito de um admirável economista e, sabe-se, não há economista que não se orgulhe em ser um admirável poeta. O vate, onde nunca a rima falta, é sobretudo um estudioso. Murmura economia, persegue as finanças públicas, trabalha em política orçamental, recorre à análise da conjuntura, discute economia internacional. Admirável, pois, o masoquismo político do nosso bardo na análise das "náuseas e diarreia" que afronta a oposição à Mercearia Leite. E, por isso, apresta-se a dar à pena tercetos sobre as curvas IS/LM, redondilhas sobre o multiplicador dos gastos públicos, sonetos sobre o teorema de Haavelmo, alexandrinos a Rybczinski, até mesmo uma xácara sobre o Teorema de Heckscher-Ohlin-Samuelson. Palmas! A reprimenda de VGM sobre o défice é justa, o publico é que não compreendeu as ledas musas da alegre jericada. Resta-nos, sempre, as protérvias de Patinha Antão. Cria discípulos desembaraçados, prontos a levar com as "cacheiradas" costumeiras. São, de facto, todos poetas e esperam acabar os dias. Que Deus lhes faça a vontade.