domingo, 22 de fevereiro de 2004
Manuel Laranjeira [1877-1912]
m. em Espinho, a 22 de Fevereiro de 1912
"...Só há uma espécie de desgraçados que merecem compaixão: são as criaturas pusilânimes em face do sofrimento. E é por isso que eu, como você, embora num outro sentido, também digo que o destino me favoreceu, porque eu pudera ter nascido com a alma cobarde como a de tantos que eu vejo rolar tragicamente na lama da vida. Creia, caro amigo, que os verdadeiros desgraçados são os que não tem heroísmo de o ser alegremente. E não conclua por aquela hiperbólica sentença do pessimismo que acha que o melhor é não ter nascido. Não, amigo, não: não ter nascido nem é melhor nem é pior. Nãoter nascido, se não é desgraça, também não é felicidade é ... ou o que ela não é. Para dizer que o melhor é não ter nascido, é preciso nascer primeiro e reconhecer que viver é pior. «O pior é ter nascido» não passa duma figua retórica em que se condena a vida. Quem tal proclamar, logicamente – suicida-se. E no problema da vida o suicídio é a ultima das soluções ..." [Carta a Amadeu Sousa Cardoso, In Cartas, 1943]
"Aquela doce e mystica suicida
que me visita pela noite morta,
vim agora encontrá-la à minha porta
esperando por mim, toda tranzida...
Prendeu-me nos seus braços desvairados,
longamente, em silêncio, como louca..
E ainda sinto o consolo d’essa boca,
beijando-me nos olhos desolados...
Depois pôs-se a dizer-me em voz baixinha:
- "Bem vês, meu pobre amor, ela não tinha
um coração como eu...
Alma de sacrifício - nunca a viste
igual à minha!... e a minha não te deu
felicidade alguma... se isso existe..."
[Manuel Laranjeira, Palavras d'um Phantasma, in Commigo, 1923]