Álvaro Ribeiro [1905-1981]
n. a 1 Março de 1905
"Às horas de leitura, nos cafés, durante a manhã, sucediam-se as horas de «conspiração» politica, no final da tarde e princípios do serão. Era então que doutrinava e activava a «Renovação Democrática», em reuniões com outros «conspiradores», todos mais abastados do que ele, alguns até com rendimentos e heranças, como Casais Monteiro e Domingos Monteiro. No intervalo das reuniões, quando cada um ia jantar a casa, Álvaro Ribeiro bebia um «garoto» numa leitaria e sentava-se num banco da Avenida à espera dos outros. Findas as horas da política começavam as da boémia nocturna, o passeio pelos clubes onde se jogava o bingo e pelas casas de fados (...). Assim difícil, pobre, quase miserável, este período da sua vida foi também o mais romanesco, e sobre ele veio mais tarde a escrever um romance que nunca publicou e acabou por destruir (...)
Quando rebentou a guerra de Espanha e a politica se exacerbou, chegou a ser ameaçado por «legionários», perseguido na rua e insultado nos cafés. Acabou por arranjar um emprego em que era uma espécie de «contínuo» para salvaguarda, sendo ele «licenciado», dos prestígios da Universidade. E uma vez terminada a guerra de Espanha e estabelecida a pacatez salazarista, um governante, Castro Fernandes, conseguiu colocá-lo em modesto lugar de um organismo corporativo onde se conservou toda a vida. (...)
A existência de Álvaro Ribeiro passou então a decorrer entre as horas do emprego, que eram apenas as do começo da tarde, e as horas de ler, escrever e conversar nos cafés (...) Como José Marinho viesse também para Lisboa no final dos anos 30, formou-se em torno dos dois uma tertúlia que durou até à morte do Álvaro em 1981. Aí se iniciaram ou exercitaram no convívio intelectual os homens mais representativos se sucessivas gerações, as de Eudoro de Sousa, José Blanc de Portugal, Jorge de Sena, António Quadros, António Telmo ou Braz Teixeira; aí foram buscar inspiração, adequada informação ou vias de desenvolvimento, personalidades como José Régio, Almada Negreiros, Casais Monteiro, Domingos Monteiro, José Osório de Oliveira, Moura e Sá, Carlos Queiroz ou Cunha Leão. A doutrina do número de ouro, que dominou a arte de Almada, foi ali haurida; a «descoberta» de Fernando Pessoa, ali surgiu. O camoneanismo de Jorge de Sena, ali se formou. E bem assim o sebastianismo ou anti-sebastianismo de José Régio, o lusitanismo de José Osório, o filosofismo de Moura e Sá. Ali tiveram origem muitas revistas literárias, desde «Litoral», de Carlos Queirós, e «Atlântico», de José Osório, ao «57» e «Acto», de António Quadros, e aos «Teoremas de Teatro» e «Escola Formal», do autor destas linhas (...)"
[Orlando Vitorino - "Álvaro Ribeiro", in Nova Renascença, Outono de 1982]