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sábado, 19 de junho de 2010

MARCELO REBELO DE SOUSA: O ESPIRITUOSO



"O conselheiro de Estado Marcelo Rebelo de Sousa desvalorizou hoje a ausência do Presidente da República, Cavaco Silva, nas cerimónias fúnebres do escritor José Saramago, considerando que é mais importante a sua presença espiritual do que física"

Espiritual, o que é? Abrimos o útil José Pedro Machado e lemos: "Espiritual: Do espírito ou a ele referente || Que diz respeito à religião ou à consciência || Místico; incorpóreo".

Ora aí temos a traquinice joeirada do formidável intelecto de Marcelo R. de Sousa. Que nos diz Marcelo? Que o dr. CavacoPresidente da República de Portugalnão participa nas cerimónias fúnebres do mais importante cidadão da cultura portuguesa contemporânea, porque, com paciência existencial (quiçá esotérica) e só com essa superior instrução, deve, no seu ofício presidencial, estar presente indelevelmente em espírito e não na sua forma pessoal seca e tesa.

Dai que por vezes, durante as cerimónias fúnebres no edifício dos Paços do Concelho de Lisboa, se sentiu vagamente o fenómeno desse incredibile ergo divinum da presença espiritual do dr. Cavaco.

Em rigor, o que se passou é que esse ser etéreo que é o dr. Cavaco se tinha transladado incorporeamente para o local. Nesse espiritual "a posse ad esse" intimativo, como parece ser o apostolado da sua mundança como presidente, o dr. Cavaco evitou envolver-se esotericamente com esse demiurgo das letras (ainda um simples infra-etéreo, presume-se) que dá pelo nome Sousa Lara. Lamentavelmente, a providência não cuidou ainda deste último teleológico sujeito.

O mesmo já não acontece nos sermões exotéricos do prof. Marcelo, que, bem estremecido e sem tibiezas abusadas, declara hoje & para todo o sempre que vê o lampejar espiritual de Cavaco Silva a pairar sobre a paróquia. Espirituoso, este Marcelo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

OBRIGADO, SARAMAGO!


"Escrever, não é outra tentativa de destruição, mas antes a tentativa de reconstruir tudo pelo lado de dentro, medindo e pesando todas as engrenagens, as rodas dentadas, aferindo os eixos milimetricamente, examinando o oscilar silencioso das molas e a vibração rítmica das moléculas no interior dos aços" [in Manual de Pintura e Caligrafia, Moraes, Dezembro de 1976]

"Vai Ricardo Reis a descer as Rua dos sapateiros quando vê Fernando Pessoa. Está parado à esquina da Rua de Santa Justa, a olhá-lo como quem espera, mas não impaciente. Traz o mesmo fato preto, tem a cabeça descoberta, e, pormenor em que Ricardo reis não tinha reparado da primeira vez, não usa óculos, julga compreender porquê, seria absurdo e de mau gosto sepultar alguém tendo os óculos que usou em via, mas a razão é outra, é que não chegaram a dar-lhos quando no momento de morrer os pediu ..." [in A Ano da Morte de Ricardo Reis, Caminho, 1984]

"... vejo o que esta dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da terra, vejo o que está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das roupas, mas só vejo quando estou em jejum, perco o dom quando muda o quarto da lua, mas volta logo a seguir, quem me dera que o não tivesse ..." [in Memorial do Convento, Caminho, 1982]

"O Pessoa [Fernando] seria o grande Nobel da nossa época. Esse sim. Mas como? Quem é que conhecia o Pessoa? Nem nós ..." [Saramago, Entrevista de Carlos Vaz Marques, in Ler, Junho de 2008]

"A felicidade, fique o leitor a sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue as suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece. Ou recomece. Nenhuma viagem é definitiva" [in Viagem a Portugal, Círculo de Leitores, 1981]

ATÉ SEMPRE JOSÉ SARAMAGO!


"As palavras mais simples, mais comuns,
As de trazer por casa e dar de troco,
Em língua doutro mundo se convertem:
Basta que, de sol, os olhos do poeta,
Rasando, as iluminem
" [in Os Poemas Possíveis, Portugal Editora, 1966]

"... o autor está no livro todo, o autor é todo o livro, mesmo quando o livro não consiga ser todo o autor ..." [Saramago, in "O autor como narrador", Ler, Verão 97]

"... tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudo quanto é vida também, sobretudo se atribulada, principalmente se miserável, já que não podemos falar-lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação ...” [in Memorial do Convento, Caminho, 1982]

Morreu Saramago. Partiu o escritor para o sono eterno, porque "os homens são mortais mas não se pode ter a certeza de que todos / o sejam só aqueles que são vistos morrer diante dos nossos olhos" [Saramago, in Primeiro e Segundo Poemas dos Mortos]. Saramago, "esse escolhedor de factos", fez de facto história. Escreveu, desassossegou, construiu mundos ficcionais & escrita da terra, tomou posições políticas assumidas (qualidade de homem livre), deixou-nos coisas luminosas e boas. Faz parte da nossa história (Lusa ou Atlante), mesmo se como portugueses tivesse acabado a "nossa missão histórica", porque "estamos cansados de viver". A Saramago a nossa eterna gratidão!

Parte José Saramago e leva já saudades. Subiu alto! E tal como outros dos nossos escritores & poetas (e foram muitos e foram os melhores de várias gerações) a viagem feita foi de exílio pátrio, cerradas que lhe foram as portas, desta paróquia provinciana, mal frequentada e de má fama. Venceu a mediocridade da fala & comércio dos Sousas Laras (esse polícia das letras), dos vários "Engenheiros" e demais incumbentes da coisa pública, prenhes de rosariadas insónias, que atentos e veneradores sempre alimentamos. José Saramago afrontou-os continuamente, seguro e viril, em nossa glória e por orgulho patriótico. Mas não o calaram! E, por isso, nós jamais o abandonaremos.

Daqui, destes campos sacros e antiquíssimos do Mondego, o nosso derradeiro Vale! de despedida.

Até sempre Saramago!