Cunhal é demasiadamente importante para ser esquecido. Goste-se ou não. Não é possível fazer a história politica, social e cultural da última metade do século XX em
Portugal, sem encontrar a sua presença no debate das ideias
estéticas e literárias que percorreram as principais correntes literárias e políticas portuguesas. Mesmo que, nalguns casos, não esteja aí presente. Mesmo que não tenha feito obra ou corpo maior. Ou até por isso mesmo. Não nos referimos, evidentemente, a
Cunhal como teorizador da
revolução democrática e nacional ou na luta pelo socialismo, mas das suas posições ideológicas face à
arte e à sua universalidade.
Não esteve só nessa luta em torno de uma arte que exprima uma "
tendência histórica progressista", numa arte e literatura que coloque o "
social" muito antes do "
estético", numa arte "
útil" que acompanhe a natureza reflexiva dos movimentos sociais progressistas. Com ele, estiveram
Mário Dionísio,
José Bacelar,
Manoel Mendes,
Rodrigo Soares,
António Ramos de Almeida,
Joaquim Namorado, e outros mais, que n'
O Diabo,
Sol Nascente,
Seara Nova ou na
Vértice "
fustigaram"
presencista (vidé a critica ao suposto "
umbiguismo" de
Régio) e os que lhe seguiram. As denúncias e as polémicas constantes marcaram a partir dos anos 40 toda a matriz do denominado
movimento neo-realista e o
movimento estético português.
"...
a arte está indissolúvel e inevitavelmente ligado à vida social, que a obra de arte é um elemento integrante da sociedade, e que numa obra de arte existem reflexos e significações da vida social explicitados ou não. Esta realidade tem sido sintetizada com a expressão «conteúdo» da obra de arte. Outra realidade objectiva é que na obra de arte
a forma é um elemento básico do valor estético.
O mal é que a querela forma/conteúdo, que se trava ao longo dos anos no plano ideológico, na critica e no comportamento, cristalizou as mais das vezes em conflitos irredutíveis que dificultaram e impediram um debate suficientemente esclarecedor..." [
AC,
in A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996]
"... Quando alguns poetas presencistas cantavam, louvavam e enalteciam as
cogitações, o
isolamento individual, a
mentalidade da burguesia, atribuindo-lhes o valor de serem «os verdadeiros problemas humanos»,
a poesia (segundo tais teorizadores e críticos) não estava sendo utilizada para quaisquer fins, era «
o fim em si mesma» como «
arte pura». Quando os poetas no
Novo Cancioneiro transmitiam nos seus poemas aspirações e sentimentos de classes e camadas populares, estavam (segundo os mesmos teorizadores e críticos) a infringir os princípios da «arte pura» e cometiam o pecado de utilizar a
poesia para fins políticos..." [
ibidem]
Algum roteiro:
Álvaro Cunhal ["
Depõem Críticos e Artistas acerca da Génese e da Universalidade da Arte", in
O Diabo (29/04/1939) / "
Numa Encruzilhada dos Homens", in
Sol Nascente (1/6/1939) /
A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996]
|
António Vale (
aliás Álvaro Cunhal) ["
Cinco notas sobre forma e conteúdo", in
Vértice, vol. 14, nº 131/132 (1954)]
|
Mário Dionísio [
Ficha 14, 1944 /
Autobiografia, 1987] |
Joaquim Namorado ["
Da dissidência Presencista ao Neo-Realismo",
Vértice, 279, 1966] |
Fernando Alvarenga [
Afluentes Teóricos-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Afrontamento, 1989]