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domingo, 25 de abril de 2010

25 DE ABRIL




"Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra
...
Ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
...
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós..."
 
[Alexandre O’Neill]

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

MANOLETINAS DE SALÃO - ALEXANDRE O'NEILL

"No fundo, não passamos de uns vaidosos, cheios de tiques e tremeliques, e não aguentamos passar à hora da verdade, mantendo donaire e galhardia. Quando sentimos o verdadeiro medo, o verdadeiro medo e o seu vento, abandonamos a postura, largamos o capote e corremos a buscar refúgio e um copo de água ao primeiro burladero que se nos antolhe nesta corrida da vidinha. Sempre foi, é e será assim. É bom? É mau? É. Vem tudo isto ao jeito de conversa fiada, mas nem por isso menos alinhavada, que o que eu quero é lembrar-vos que o medo desdobra um vento muito mais alevantado que ele. O medo. Considerai o que é o medo, aquele que faz das nossas mais indizíveis entranhas rodilha, que põe a mãe a fugir do filho e o pai da avó. Considerai as voltas e contravoltas em que ele nos mete no seu gosto de se burlar da gente, antes de nos vitimar. Considerai tudo isso e o mais o que houver a considerar. E perguntai: o que é na realidade o medo, essa avantesma que enrola e aperta os seus dedos em torno da nossa garganta? Nada que se possa sopesar. É o imaginado antes do vivido, é o sonhado antes do acontecido. O medo, depois de nos pôr a fugir, paralisa-nos. É essa a vitória do medo: criar paraplégicos trementes. E de paraplégicos trementes é feita boa parte de nós. Nos transportes públicos, nas repartições, que vemos nós todos os dias? Paraplégicos trementes a entreabençoarem-se por entre resmas de papel selado, os seus burladeros. Manoletinas de salão, fazemos na perfeição. Quando passamos para a arena, pernas p'ra que vos queremos? Será melhor não sermos tão enfáticos, tão opiniosos. Todos temos medo? Claro. Até o infligimos. Agora há uns que sabem que o medo desdobra um vento bastante mais alevantado que ele. Vamos deixar de ter medo?" [clicar na foto]
 
Alexandre O'Neill, in "Manoletinas de salão" - Escrita por medida, J.L., 5 de Março de 1985 [sublinhados, nossos]

sábado, 12 de julho de 2008

ALMOCREVE - PRAZERES OCIOSOS


Se não fossemos nós ...

"Se não fossemos nós
quem eram vocês?
Se não fossem vocês
quem éramos nós?
Quem nos lê a nós?
São vocês (e nós...)
Quem vos lê a vocês?
Somos nós (e vocês...)
Tudo fica, pois,
Entre nós, entre nós ..."

[Alexandre O’Neill]

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O TRABALHO

 
"- Como está a sair o trabalho?

- Uma merda!, diz o escritor-que-detesta-escrever com a náusea de quem está positivamente farto da amante.

Mas não está.
"

[Alexandre O'Neill, Achegas para a compreensão do caso de o-escritor-que-detesta-escrever, in "Uma Coisa em Forma de Assim", Presença, 1985]

domingo, 3 de junho de 2007

O MEDO


O Medo


"... Ah o medo vai ter tudo
tudo

(penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos"

[Alexandre O'Neill, O Poema pouco original do medo]

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

DIZEM QUE ...


" ... o fim deste eftabelecimento he o de animar as Letras, e levantar huma impreffão util ao público pelas fuas producções, e digna da Capital deftes Reinos" [Alvará Régio de 24 de Dezembro de 1768]

"Soneto garantido por dois anos / E é muito já, leitor que mos compraste / para encontrar a alma que trocaste / por rádio, frigoríficos, enganos ... // Essa tristeza sobre pernas faz-te temeroso e cruel e tonto e traste. / Nem pior nem melhor que outros fulanos, / não vês a Bomba e crês nos marcianos ..." [de mestre O'Neill]

"Dizem que me Junqueiro, que me tolentino
a até que me Paulino,
que tenho tudo e todos no ouvido
e não sou nada original
" [Alexandre O'Neill]


“"Fomos um para o outro todo um mobiliário ritualmente manejado e algumas vezes a missa foi recíproca muito embora não chegássemos a entrar nesse ar maravilhosamente rarefeito que é o próprio dos grande amantes e que fez subir o quarto onde eles têm a vida por um fio por um mesmo fio para fora de qualquer murmúrio que da vida corrente teime em vir" [ainda ... O'Neill]

"Há a mulher que me ama e eu não amo.
Há as mulheres que me acamam e eu acamo.
Há a mulher que eu amo e não me ama nem acama.
...
Upa garupa na mulher que me acama,
que a outra é contigo, coração que bem queres
sofrer pelas mulheres ...
" [de novo O'Neill]


Boa noite!

domingo, 11 de fevereiro de 2007

EM PORTUGAL


"Na mediania é que está a sensaboria, já lá (não) diz o provérbio. Em Portugal nada dura mais que quinze dias, quinze dias que podem ser muitos anos, claro. Como não temos vida colectiva intensa e não vivemos problemas comuns, os casos (excepção feita ao do Eusébio), como sucede noutros países, habituamo-nos muito depressa (e aborrecemo-nos) ao que é novo, diferente, Daí o nosso cepticismo de raiz e a estranha capacidade (?) de banalizarmos tudo. É que o novo não tem em nós consequências. È apenas vidrinho, uma missanga de cor diferente. O que nós queremos é que nos façam ó-ó"

[Alexandre O'Neill, in Alexandre O'Neill Uma Biografia Literária, de Maria Antónia Oliveira, 2007]

sábado, 23 de dezembro de 2006

HOJE ... ANDAMOS ASSIM!


"Deixem-nos trabalhar" [Cavaco Silva]

"Do peru, está tudo dito. Elefante de aviário, o peru não aguenta mais apodos. Podemos, no entanto, garantir que o peru rupe, que não é mau com puré e que, embora prue, morre muito com urpe.

O melhor peru é o do vale do Epru. Mas não paga a pena mandá-lo vir de lá. Chegaria a vossas casas sem aquele 'repu' que o caracteriza. Podeis, perum, supermercá-lo: vitaminado, vacinado, pesado, congelado, embalado, carimbado, comprovado.

Aproveitai, no presente de Natal, este superperu, que, para o ano, vendê-lo-ão já mastigado, em bisnagas cheias de préu."

[Alexandre O'Neill, Peru, 1981]

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

ANÚNICOS GRATUITOS


O rato de automóveis não se reforma como o rato de hotel

Ao volante do Supercarro, o rato Super-Homem espatifou-se. Antes de morrer, chamou pela mãe.

«Tira a pata!» disse um rato que encontrou outro rato a roubar o seu automóvel. Brigaram. A cem metros, um guarda-nocturno tilintava as suas chaves.


[Alexandre O'Neill, Dos ratos e dos Carros]

sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

ALEXANDRE O'NEILL [1924-1986]






















Nasce em Lisboa, a 19 de Dezembro de 1924

"O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angustia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omite-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada …)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse ..."

[Alexandre O'Neill, Auto-Retrato]

sábado, 28 de junho de 2003

NOITE ORDINÁRIA



"Que bela noite ordinária que eu passei!
.............................
Gritei por calculado amor
por brilhantina
por miséria
gritei até por vitória
(supremo humor!)
dos que se batem contra a Cara - Alegre
gritei p'ra não parar de gritar
gritei «Chapultepec!» e «Oaxaca!»
(nomes por excelência afrodisíacos)
gritei até descobrir
o sítio em que te «escondias»
e então deixei-te gritar ..."

[Alexandre O'Neill + fotografia do filme de Robert Bresson, «Le Diable Probablement»]