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segunda-feira, 10 de novembro de 2003
NOS 90 ANOS DE ÁLVARO CUNHAL
Cunhal é demasiadamente importante para ser esquecido. Goste-se ou não. Não é possível fazer a história politica, social e cultural da última metade do século XX em Portugal, sem encontrar a sua presença no debate das ideias estéticas e literárias que percorreram as principais correntes literárias e políticas portuguesas. Mesmo que, nalguns casos, não esteja aí presente. Mesmo que não tenha feito obra ou corpo maior. Ou até por isso mesmo. Não nos referimos, evidentemente, a Cunhal como teorizador da revolução democrática e nacional ou na luta pelo socialismo, mas das suas posições ideológicas face à arte e à sua universalidade.
Não esteve só nessa luta em torno de uma arte que exprima uma "tendência histórica progressista", numa arte e literatura que coloque o "social" muito antes do "estético", numa arte "útil" que acompanhe a natureza reflexiva dos movimentos sociais progressistas. Com ele, estiveram Mário Dionísio, José Bacelar, Manoel Mendes, Rodrigo Soares, António Ramos de Almeida, Joaquim Namorado, e outros mais, que n'O Diabo, Sol Nascente, Seara Nova ou na Vértice "fustigaram" presencista (vidé a critica ao suposto "umbiguismo" de Régio) e os que lhe seguiram. As denúncias e as polémicas constantes marcaram a partir dos anos 40 toda a matriz do denominado movimento neo-realista e o movimento estético português.
"... a arte está indissolúvel e inevitavelmente ligado à vida social, que a obra de arte é um elemento integrante da sociedade, e que numa obra de arte existem reflexos e significações da vida social explicitados ou não. Esta realidade tem sido sintetizada com a expressão «conteúdo» da obra de arte. Outra realidade objectiva é que na obra de arte a forma é um elemento básico do valor estético.
O mal é que a querela forma/conteúdo, que se trava ao longo dos anos no plano ideológico, na critica e no comportamento, cristalizou as mais das vezes em conflitos irredutíveis que dificultaram e impediram um debate suficientemente esclarecedor..." [AC, in A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996]
"... Quando alguns poetas presencistas cantavam, louvavam e enalteciam as cogitações, o isolamento individual, a mentalidade da burguesia, atribuindo-lhes o valor de serem «os verdadeiros problemas humanos», a poesia (segundo tais teorizadores e críticos) não estava sendo utilizada para quaisquer fins, era «o fim em si mesma» como «arte pura». Quando os poetas no Novo Cancioneiro transmitiam nos seus poemas aspirações e sentimentos de classes e camadas populares, estavam (segundo os mesmos teorizadores e críticos) a infringir os princípios da «arte pura» e cometiam o pecado de utilizar a poesia para fins políticos..." [ibidem]
Algum roteiro: Álvaro Cunhal ["Depõem Críticos e Artistas acerca da Génese e da Universalidade da Arte", in O Diabo (29/04/1939) / "Numa Encruzilhada dos Homens", in Sol Nascente (1/6/1939) / A Arte, o Artista e a Sociedade, Caminho, 1996] | António Vale (aliás Álvaro Cunhal) ["Cinco notas sobre forma e conteúdo", in Vértice, vol. 14, nº 131/132 (1954)] | Mário Dionísio [Ficha 14, 1944 / Autobiografia, 1987] | Joaquim Namorado ["Da dissidência Presencista ao Neo-Realismo", Vértice, 279, 1966] | Fernando Alvarenga [Afluentes Teóricos-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Afrontamento, 1989]
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