sábado, 28 de fevereiro de 2004
Baptista Bastos - 70 Anos - Um Homem Livre
[Ao Júlio Gomes. BB, Torreira, Clepsydra, ..., porque ainda há memória]
"É um jogo de cortesãos e liberais, o brídege. Os seus práticos teriam frequentado os salões da gentil conversa se fossem cidadãos de Setecentos. Reunidos, neste grupo numeroso, não perderam os prestígios conferidos pela Casa, pelo Sangue e pela Razão. Os gestos são delicados, afáveis e eficientes - e não esquecem nunca essas graças e essas virtudes mesmo quando as horas já são longas e podem alvitrar hipóteses de negligência, descuidos no trajar, bocejos distraídos. Isto, os homens. Porque as mulheres, com o correr do tempo, manifestam uma exuberância mais viva, tornam-se mais expeditas na acção, a frase fica-lhes solta e muito bem, a maquilhagem principia a despedaçar-se e a fornecer-lhes uma face nova e outra, terrosa e fatigada. Pontas de cigarros em dezenas de cinzeiros, copos vazios, com cinza, e fumo ainda mais denso e intenso, e há em todos um pudor em espreguiçar-se e as têmporas latejam, as dores nos rins atingiram uma fase tão dolorosa que ninguém as sente, é como o suportar resignado de um fardo pesadíssimo, mas o raciocínio tem de ser frio e veloz – e, de repente, a Maio da sala, um jogador boceja alto e estica o dorso na cadeira. Olham-no. Cento e setenta e seis olhos a olhá-lo, e também de repente trinta dos quarenta e quatro pares bocejam em varias tónicas e esticam os dorsos nas cadeiras.
- Silencio - diz um dos membros do júri."
[Baptista Bastos, in As Palavras dos Outros, Eur.- América, 1968]