sábado, 27 de março de 2004


António Vitorino [1875-1946]

n. em Vieira de Leiria a 26 de Março de 1886

António Gomes Vitorino foi guardador de porcos e cabras, marçano, pescador, almocreve, serrador, revisor de provas de imprensa, agente comercial, actor, declamador e prosador. Frequentou a instrução primária em Vieira de Leiria, frequentou o Instituto Francês e a Universidade Livre em Lisboa, foi actor tendo pertencido ao Grupo da Construção Civil, mais tarde Grupo Dramático Solidariedade Operária, mais tarde representou na Companhia de Araújo Pereira, dirige o Novo Grupo de Amadores de Teatro. Poeta e escritor de tendência neo-realista, conviveu com Mário Dionísio, Alves Redol, Manuel da Fonseca, fez parte da Voz do Operário (onde foi homenageado em Março de 1974) e com Redol e Luís Francisco Rebelo foi fundador do Circulo de Cultura Teatral. Para além de diversas colaborações em jornais e revistas, publicou livros de contos e novelas, com especial realce para Praia da Vieira. Sua pena e sua glória (1950), Gente da Vieira e A Vida Começou Assim, onde se retrata a vida, o esforço e os anseios dos pescadores e das gentes da Praia da Vieira. Sobre este último livro, Cortez Pinto diz-nos: "[AV] Cronista da Historia Trágico-Marítima da sua praia heróica, cujo poder de expressão e vernaculismo admirável de forma pedem meças e ultrapassam tantos pseudo que por aí se julgam mestres ..." [consultar o Catálogo "Vidas Passadas Obras Presentes. Um olhar sobre estudiosos locais, no centenário de Alfredo Gândara – Exposição documental e bibliográfica", CMMG, Dez. 1996]

Principais Obras: Chuva de Maio (Versos), 1930 / Gente da Vieira, 1938 / A Vida Começou Assim, 1944 / Praia da Vieira – sua pena e sua glória, Lisboa, 1950

"As dunas - soltas, abertas, sem vegetação, a cegarem, pela brancura das areias, os olhos fortes, nos dias de intensa claridade" [AV, Praia da Vieira ...]

"- Mãe, tenho esta dor imensa de ser pobre! Os pobres, ou deviam morrer todos quando nascem ... ou ... não sei… Mas isto assim não está bem. Ser pobre é desgraça grande demais para que possamos andar sempre com ela.
A velha murmura:
- E há tantos anos que eu sou pobre ...
- É verdade, vossemecê há sessenta e oito anos; eu há quarenta e dois; os meus filhos, o mais velho há doze e o mais novo há quatro, e sê-lo-ão toda a vida. Mas isto é castigo, mãe, isto é castigo? Sessenta e oito seus, quarenta e dois meus e doze do meu filho são cento e tantos anos de pobreza! Cento e tantos anos de miséria! (...) Não mãe, não! Ou devíamos morrer todos à nascença .... ou ... não sei ... não sei ..." [AV, Gente da Vieira]

sexta-feira, 26 de março de 2004


Leilão de Livros – dia 5 e 6 de Abril no Palácio do Correio Velho (15 h)

O Palácio do Correio Velho apresenta um Leilão de Livros (catálogo disponível on line) sobre Arte, Arqueologia, Literatura Portuguesa, Revistas de Arte e Cultura, um valioso conjunto de cartas manuscritas a/de Bolhão Pato e valioso conjunto de manuscritos de Luiz Pacheco, que decorrerá na Calçada do Combro, 38º, Lisboa.

Algumas referências: 10 Primeiras Gravuras Riscadas em Vidro Acrílico, de Almada Negreiros, 1963 / Lote(s) de opúsculos e livros de Moses Bensabat Amzalak / O Archeologo Português (1ª série incompleta, mas valiosa) / Archivo Pitoresco, 18571868, 11 vols / Arquivo de Beja, 1947-1975 (incomp.) / Importante Lote(s) sobre Arte Portuguesa, Artes Plásticas e Catálogos / Curioso Lote(s) de Livros de BD (O Mosquito, Cavaleiro Andante, Blake & Mortimer) / Valioso conjunto de Postais Ilustrados Portugueses / O António Maria, de Bordalo Pinheiro, 1879-1883 / Historia de Los Caballeros del Temple, por M. Bruguera, 1888, III vols / Catalogo de Livros, Opúsculo e Manuscritos pertencentes à Bibliotheca Nacional de Nova Goa, Nova Goa, 1907 / Atala de Chateaubriand (desenhos de Doré), 1873 / Anoitecendo, a Vida Recomeça, de Ruy Cinatti, 1942 / Constituições do Bispado do Porto ..., 1690 (raro) / Definiçoens e Estatutos dos Cavalleiros, e Freires da Ordem de Jesus Christo, Lisboa, 1671, 2ª ed. (rara) / Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes (capa de Álvaro Cunhal), Ed. Sirius, 1941 / Quadragesimale Gristh (sic) una // cum registro sermonum de tem // pore et factis per circulum anni. // …, Incunábulo, 1489 / Música, de José Régio e Júlio, Presença, 1931 (raro) / A Encadernação em Portugal, por Matias Lima, 1933 (raro) / Valioso conjunto de Cartas Manuscritas para e de Bolhão Pato / O Mundo Literário, Semanário de Critica e Informação Literária, etc, 1946-48, 53 nums / Lote(s) de Numismática / Cartas Manuscritas para Luiz Pacheco (de Igrejas Caeiro, Carlos Tavares da Silva, Carlos Loures, Júlio Santos Moreira) / Originais Manuscritos ou Dactilografados de Luiz Pacheco ( Os Poetas Sonegados, A Engrenagem – em várias versões, A Feira do Livro, Critica de Circunstância, Quando até os mortos votam, Depoimento de uma Angolana) / Cartas de Luiz Pacheco ( a Carlos Loures, Fernando Rocha Calixto – sobre a sua condenação pelo Tribunal da Sertã, Máximo Lisboa –idem, Edite Soeiro, ao editor Ribeiro de Mello – "você é um poeta. Eu sou um cardíaco. Por favor, não dramatize nem me pregue telegraficamente sustos quotidianos ... excepto valetelegraficamente", refª à edição de A Filosofia na Alcova) / Luiz Pacheco, revisões de provas e emendas de Exercícios de Estilo, c/ ded. "Ao Luís Piteira, que está à espera que eu morra para fazer leilão com isto e para comprar um iate para navegar na praia da Amadora" / idem, Literatura Comestível , Pacheco Versus Cesariny, Parábola do Escritor que era Sério e do Escritor que não Era, Para ajudar os Arménios / Revista Presença (nums soltos) / Noticias de Portugal ..., de Manuel Severim de Faria, 1740 (raro) / SW Sudoeste, Cadernos Almada Negreiros, 1935, III nums (raro) / Le Signe de Vie, de Tristan Tzara, avec six dessins et une lithographie originale de Henri Matisse, 15 Maio 1946

quarta-feira, 24 de março de 2004


Exercício necessariamente obrigatário

"A Alma é um tique" [Alfred Jarry]

O primeiro olhar sobre os vários textos sobre o assassinato de Yassin convoca alguma suspeição, mal-estar e ambiguidades várias. A filosofia doméstica de alguns roça a náusea. A rigidez dogmática de outros é inquietante. O discurso oficioso, uma hipocrisia. Seja como for, nada de bom se poderá esperar dessa caricatural autodestruição que fascina estes homens profundamente reprimidos, devastados numa irracionalidade doentia, sem memória nem utopia no olhar. Para eles "o mundo está divido em duas classes, uma é a nossa, outra é a vossa", como diria qualquer radical estalinista ou fascista. Os dias de hoje são uma imensa perturbação.

O que nesta leitura da morte (seja a de Yassin, de judeus, árabes, americanos ou espanhóis) mais impressiona é que pode-se estar com os "teocratas da morte" na mais racional das emoções, em elogio deslumbrado, sobranceiramente chocante, num grau zero de humanismo insinuantemente amoral. A dimensão da tragédia, a obsessão da "É a guerra! É a guerra!" não é mais que "fascismo rastejante" (Chomsky), um maniqueísmo inassumido (por pudor?) e onde a violência do dia-a-dia - o terrorismo - é um sintoma da doença que grassa nas sociedades actuais, quando o Estado-espectáculo normalizou a violência, institucionalizando-a. Reaccionários ou nostálgicos de antanho cedem à violência do(s) poder(es), consoante as "estações dos sentimentos", e ao fazê-lo legitimam o terrorismo. E, aqui, é bom também não esquecer que "o terrorismo mais eficaz é sempre o do Estado: os grupos matam simbolicamente, o Estado estatisticamente" (Alberto Morávia).

Sobre a questão do assassinato de Yassin, e da onda de assombração que varreu a blogosfera, destaque para os textos que respiram liberdade do Aviz e do Mar Salgado, que não seguem a vulgata dos lugares-comuns e que são um estimulo ao debate. Mesmo que possamos discordar, como acontece, sobretudo nalguma argumentação do FJV.

Cândido Augusto Nazaré

"Cândido Augusto Nazaré, falecido em Coimbra no dia 28 de Fevereiro de 1948, realizou a completa personalidade de bibliófilo. Desde o profundo amor aos livros, inteligente conhecimento das suas páginas, apreço do mérito dos autores, valor das espécies no mercado, até à figura singular no aspecto físico e no trajar, tudo nele denunciava a perfeita e característica individualidade do amador de velhos e novos livros. Toda a sua vida, fora da família, andou à volta de dois grandes enlevos espirituais - os livros e as arreigadas convicções políticas.
Cândido Nazaré, como era geralmente referenciado, alcançou autoridade em assuntos bibliográficos. Consegui-a, à própria custa de um trabalho de largos anos, sempre carreando exemplares para a sua famosa biblioteca. Viveu absorvido das muitas obras que continuamente colocava nas estantes da sua famosa livraria, naquela modesta casa, à rua Direita, da cidade de Coimbra (...)

Cândido Nazaré, está inteiramente na definição do professor Dr. Vitorino Nemésio, na sua apreciada secção no Diário Popular - 'Leitura Semanal' de 21-4-1948 - 'Ele além de ter sido durante anos e anos, o claviculário dos prelos da antiga Real Imprensa, e assim o cérebro dos tratados e dissertações da Alma Mater, era o detentor, por excelência, de um dos maiores saberes bio-bibliográficos do Portugal de oitocentos-novecentos. Porque este bibliófilo e bibliógrafo não era um trapeiro de livros, mas exactamente um coleccionador consciente e entusiasta da produção literária sob o signo da qual o seu espírito desabrochou, e das coisas respeitantes aos homens espirituais que se acostumou a admirar desde moço'. Recorria-se á biblioteca deste bibliófilo e bibliógrafo, tantas vezes aberta a estudiosos, como se procurava, na sua memória felicíssima, a informação de certos factos ligados com a vida literária. Cândido Nazaré era um livro aberto, para todas as consultas a tal respeito. Pode dizer-se que não passou por Coimbra, investigador ou literato, que não se tivesse socorrido das suas magníficas estantes pejadas de livros. E havia razão para isso. Desfolhando-se as páginas dos Catálogos referentes a essa magnífica biblioteca, encontra-se justificação bastante para o interesse dos eruditos ou curiosos de assuntos livrescos ..." [in, Bibliomanias]

terça-feira, 23 de março de 2004


Alberto Ghiraldo [1875-1946]

m. em Santiago de Chile a 23 de Março de 1946

Alberto Ghiraldo foi poeta, dramaturgo, militante de linhagem anarquista, jornalista. Fabulosa figura romântica argentina, sonhador libertário, foi director de El Año Literario (num. único, 1891), La Protesta (1904), Ideas y Figuras Revista Semanal de Crítica y Arte, El Obrero, El Sol (1904), Martín Fierroy (1924-27, inclui escritos de Borges e no seu manifesto inicial, de autoria de Oliverio Girondo dizia-se: "Martín Fierro" sabe que "todo es nuevo bajo el sol" si todo se mira con unas pupilas actuales y se expresa con un acento contemporâneo)]. Em 1943 publicou O Arquivo de Rubén Darío, de quem foi amigo pessoal.

"El drama por el drama? No. El drama por la vida, entonces, es decir, el drama por la idea. Lo demás será sólo asunto de feria, espectáculo de circo, negocio, nada más que negocio. A lo sumo, goce infecundo, placer de solitarios... Hay que echarse en la vida, bracear en el oleaje, con alma enérgica y músculo férreo, sin adular a minorías privilegiadas o mayorías sin criterio, para poder realizar obra de verdadero arte y de verdadera ciencia... Así pues, para ser adeptos de la ciencia y del arte, hay que interesarse por el bien de la humanidad." [AG, in Revista "Estudios" nº 68, Abril de 1929]

"Valencia, tierra en que vive
la raza amiga del sol.
No vengo a daros la luz:
os traigo mi corazón.
Bardo errante, voy cruzando
del mundo por la extensión.
Y tengo por patria el mundo
porque es muy grande mi amor ...
" [Salutación a Valencia]

Locais: Las ideas y la figura de Alberto Ghiraldo / La dimensión verbal en el teatro anarquista: la columna de fuego de Alberto Ghiraldo / Poesia / El nombre de "Los Inmortales" / Homenagem a Rubén Darío / Las peñas literarias de Buenos Aires

segunda-feira, 22 de março de 2004

Tua ...

Tua vagina ouço é um vagido
cheira à lenha que um corte tacteou
sabe a chuva ao queixo humedecido
olhos que mais altas coxas sobrevoou


[Dórdio Guimarães, Canto Psicadélico, 1968]
... mais le bateau s'en va

Lá no alto contempla-se a planície sem fim e tudo são pedras cinzas e nada. A espingarda queima-nos, as costas ardem e o sol está a pique, aqui no barrento sem umbigo ventre deste rio. Esquisito gotejar. Leve corres pela água. O homem veio do mistério, dizes, que não se pode ir contra a natureza. Cantas Bernardim:

Dizem que havia um pastor
antre Tejo e Guadiana,
que era perdido de amor
per ua moça Joana


e há em cada instante teu essa animalidade que sempre nos desconcerta e o pudor na ilusão dum olhar prometido. Que faz sonhar. À cautela, entre dentes, dizemos:

"Conhecem-me os cavalos e a noite e os desertos
traiçoeiros e a guerra e as feridas e o papel e a pena
" [Herberto, com certeza]

domingo, 21 de março de 2004


Textos & Pretextos

"A felicidade é um desporto violento" [VGM]

- José Pacheco Pereira é hoje um homem em frangalhos. O processo de catarse dos tempos idos de fervorosa militância maoista, presume-se, deixa-o, ainda, fora de qualquer lucidez, tal a baralhada em que hoje se encontra. O estrépito das suas afirmações sobre o eterno guerrear (é guerra ... é guerra), é um delírio que desperta a curiosidade de alguns leitores confusos e agressivos (adolescência revisitada, evidentemente), mas não deixa de ser uma despeitada cruzada apocalíptica, incoerente politicamente, intolerante humanamente. Ainda não refeito das mazelas do engodo da administração de Bush & Blair, e num suave engano de alma, lança nova orquestração a favor da barbárie da guerra, com vigor emotivo e laborioso, caindo nas suas próprias armadilhas (vidé o que nos diz sobre a queda do governo de Aznar, a lamúria sobre a guerra civilizacional aqui à porta, ou a intimação de fazer campanha política lado a lado com a extrema-direita portuguesa). Mesmo que não comova ninguém, a enorme fadiga na leitura dos seus escritos e prelecções, na rádio e TV, deixa-nos com alguma amargura. Afinal sempre há pessoas que se julgam deus. E, como dizia Mercúrio no Anfitrião de António José da Silva, depois de se falar em tragédia, se "quiserem, transformo-a de tragédia em comédia, sem mudar um único verso". O que é uma enorme maçada. Convenhamos.

- E lá vai a tripla rodrigueana em alquebrada teatralização. Contra um texto de Baptista-Bastos, os adeptos arquejantes de Nelson Rodrigues - Ivan Nunes, Pedro Lomba e Pedro Mexia - entendem, na sua desvairada idolatria, que quando se trata de "génios" tudo o que toldar a atmosfera dos prosadores, reveste o aspecto caricatural. Motivo suficiente para não permitirem que as ideias políticas de Nelson Rodrigues (ou de outros mais) sejam tão importantes como o "estilo". E é claro que no magistral desmascaramento rodrigueano da sociedade carioca, num azedume de rajada, cínico e desbragado, se deverá esquecer a vileza das suas acções contra companheiros e de apoio à ditadura. Tudo bem. Mas uma coisa é certa: duvido que Nelson Rodrigues aceitasse essa altívola objectividade na argumentação, agora utilizada. Logo ele, que não tinha paciência para os «idiotas da objectividade». Não é verdade?
Arrumos & Notas

- no "Catálogo do Museu Nacional de Arte Antiga / 22ª Exposição Temporária/ Peças oferecidas ao Museu pela Exma Senhora D. Arnilda da Cruz Roque Penim Kamenezky, que faziam parte da colecção de seu marido o antiquário Eliezer Kamenezky, Lisboa Julho de 1959" (11p. policopiadas), pode-se ler:
"A Senhora ..., dando satisfação a um desejo de seu falecido marido, o antiquário Eliezer Kamenezky, entregou ao Museu Nacional de Arte Antiga um grupo de valiosas obras de arte que faziam parte do espolio daquele apreciado coleccionador.
Eliezer Kamenezky, de origem russa, mas há longos anos estabelecido em Portugal, país ao qual se dedicava, era um espírito curioso, que se desdobrava em mil facetas, qual delas a mais estimável. A sua principal ocupação foi sem duvida o comércio de antiguidades que bem conhecia, apreciando sobretudo os marfins e as miniaturas, modalidades das quais reuniu um valioso agrupamento..." [João Couto, in Catálogo ...]

- curioso opúsculo de Pedro Veiga (Petrus) intitulado "Um Juiz no banco dos réus. Homenagem ao Juiz sr. Antero Cardoso ...", Porto, 1936, na qual Pedro Veiga apresenta uma quaixa ao Conselho Superior Judiciário, sobre a sua prisão pelo dito Juiz.

- "Popular - E agora que acabeis de reconquistar para Portugal o nome glorioso que havia perdido, jamais deveremos esquecer os heroes, que desappareceram na lucta. Mas cidadãos; a primeira consagração á nascente republica, a primeira homenagem de Portugal, libertado pela revolução dirige-se a dois finados. Miguel Bombarda e Cândido dos Reis (Descobrem-se todos) medi a grandeza d’essas figuras collosaes, pela grandeza do triumpho que conquistamos, ..." . Da peça dramática "A Republica Portugueza. Quadros allegoricos à proclamação da Republica" original de Feliciano d'Oliveira (s/d)

- conto curioso do escritor Vieirense (Vieira de Leiria) Virgílio Guerra Pedrosa, "O Pinhal do Rei", 1935.

- a partir da notícia do Diário de Lisboa (30/01/1950) onde se lê: “"O retrato do sr. Dr. Alfredo Pimenta, pintado por Preto Pacheco, em exposição nas Belas Artes, sofreu um desacato. Alguém raspou (coisa de vis sentimentos), umas das aspas da cruz gamada, que se vê a um dos lados da tela", Alfredo Pimenta (Na Sociedade Nacional das Belas Artes. A Navalha em Acção) desanca em tudo e todos. Curioso.

Johann Sebastian Bach [1685-1750]

n. em Eisenach a 21 de Março de 1685

"... Bach viveu a Europa como um todo (...) A amplidão de vistas, que permitiu a assimilação de tanta ciência e de tantas culturas diferentes, é a grande maravilha do génio de Bach.
E de cada ideia estrangeira de que ele se apropriava fazia uma bra-prima. Para muitos amadores de musica do nosso tempo ele será o «velho Bach», que viveu antes dos «Grandes Mestres», antes de Mozart, Beethoven e Schubert. Eles, os amadores contemporâneos, pensarão que Bach está na origem da música, que ele lançou os alicerces sobre os quais os outros edificaram. Na verdade Bach foi um concentrador. Tudo em que ele tocava trabalhava-o tão poderosamente, todas as tarefas musicais que se impunham eram por ele realizadas com tal perfeição, que os que vieram depois nunca mais se deviam atrever a fazer o mesmo..." [Friedrich Herzfeld, in Nós e a Música]

Locais: J. S. Bach Home Page / Johann Sebastian Bach (1685-1750) / J. S. Bach / Biografia / J. S. Bach Archive and Bibliography / Bach Central Station

sábado, 20 de março de 2004

Arrumos & Notas

- a peça nº 216 do Catálogo do Leilão da Biblioteca que pertenceu ao Dr. João Eduardo Nogueira e Mello, realizada pela Soares & Mendonça (s/d) , refere um conjunto de 25 volumes manuscritos do poeta Francisco Joaquim Bingre (1763-1856), juntamente com cartas do "aveirense José Corrêa de Miranda, em que o mesmo diz ter compulsado os manuscritos e aos quais faz interessantes referencias". Diga-se que Bingre, nasceu na Freguesia de S. Tomé de Canelas, perto de Estarreja, tendo pertencido à "Nova Árcadia" com o nome "Francelio Vougense" (ou Cisne do Vouga). Existe no mercado as Obras de Joaquim Bingre, Vanda Anastácio, V vols. Porto, Lello, 2000-2002.

- Na primeira direcção do Jardim Zoológico de Lisboa, que foi inaugurado a 22 de Maio de 1884, constava além do Rei D. Fernando como Presidente de Honra, o Visconde de S. Januário (Presidente), o Dr. António Augusto Carvalho Monteiro (Monteiro dos Milhões ou o edificador da actual Quinta da Regaleira, em Sintra), além do Barão de Almeida Santos, Barão de Kessler, Dr. Carlos May Figueira, Conde de Ficalho, Dr. Eduardo Burnay, Eduardo Coelho, Francisco Isidoro de Viana, Francisco Rebelo de Andrade, Dr. Sousa Martins, Eng. Miguel Carlos Correia Pais, Dr. Fernando Matoso Santos, Dr. Adriano Van Der Laan, Dr. Vicente Rodrigues Monteiro. [in, Para que a cidade tivesse o seu Jardim ..., de Emygdio da Silva, desenhos de Raul Lino, 1945]

- em edição policopiada aos sócios, a Pragma (sociedade cooperativa fundada em 1964, por católicos, desenvolvia trabalho de difusão cultural, uma nova "acção comunitária" de aproximação entre "diferentes grupos sociais”") explica o processo pelo qual a PIDE "selou a sede da Pragma", apresentando o rol de actividades desenvolvidas até então (realce às conferências, circulo de cinema, exposições) e a documentação sobre o caso citado. Refira-se os nomes de Nuno Teotónio Pereira, João Joaquim Gomes, António Macieira Costa, Nuno Silva Miguel, da direcção, sendo os advogados da Pragma, António Borges Coutinho e José Manuel Galvão Teles.

quinta-feira, 18 de março de 2004

[A Múmia]

"... Na sombra Cleópatra jaz morta
Chove

Embandeiram o barco de uma maneira errada
Chove sempre

Para que olhas tu a cidade longínqua?
Tua alma é a cidade longínqua.
Chove friamente ...
" [F.P.]

Jacques de Molay [1244-1314]

m. em Paris a 18 de Março de 1314

"Ter sempre em memoria o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater sempre em toda a parte, os seus três assassinos - a ignorância, o fanatismo e a tirania" [Fernando Pessoa]

"... Por circunstâncias que, ou são desconhecidas e por isso se não podem narrar, ou são conhecidas mas por sua natureza se não podem narrar também, veio a formar-se, com certos fins místicos e secretos, a dentro do seio visível da Igreja de Roma, uma ordem que foi designada de Ordem Militar do Templo de Salomão. Os seus servos, iniciados ou não, são os que designamos pela abreviação de Templários. A esta Ordem Mística foram confiados os segredos e a tradição da Igreja Gnóstica. Só a Noite sabe de que maneira foram transmitidos..." [F.P. 54-A-18]

"Há três tipos distintos de iniciação - simbólica ou externa, intelectual (exterior à interna), e vital (interna). Nas iniciações simbólicas, que reforçam a vontade e em consequência conduzem à Magia como realização, o candidato não passa por estádios de compreensão, mas, por assim dizer, por estádios de intuição; está continuamente na superfície e na aparência das coisas e, muito embora atinja o mais alto grau seja em que ordem ou ordens se inicie, esse alto grau não precisa de corresponder (geralmente não corresponde) a qualquer coisa como um grau paralelo em qualquer das iniciações internas ..." [F.P., in A Procura da Verdade Oculta, 1986]

"Em todas as ordens definidas, mas com fundamento oculto, há a ordem externa e a ordem interna. Assim nos Templários, na data da sua extinção violenta, era Chefe Externo (Grão-Mestre) o cavaleiro francês Jacques e Molay, e era Mestre Interno (Mestre do Templo) o cavaleiro escocês Robert de Heredom ..." [F.P., Subsolo, ibidem]

quarta-feira, 17 de março de 2004


Bocas da Blogosfera

* O doutor Filipe Moura declara que Pedro Lomba é “um discípulo involuntário do relativismo”, enquanto a blogosfera corre a alistar-se no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Ora aí está, “quem foge sempre escapa”, assegura um bloguista romântico. Ao que outro responde: “uma ovelha má põe o rebanho a perder”. Deseja-se as melhoras ao doutor da entropia * Após apurado estudo sobre a “higiene das mulheres de esquerda”, o Alberto-a-Dias, ainda a braços com a doença do matrimónio, confessa à volta do arroz de lebre que “quem não se aventurou, não perdeu mas não jantou”. Óptimo, afirma JPC, que para mim, “homem padeiro, não morre de fome” * Pacheco Pereira a postar … todos p'ró bar, defende um leitor do Abrupto * Um almocreve opina que “quando no oásis não está ninguém diz-se que o oásis” é um não-Cavaco. No entanto Filipe Moura considera que, neste caso, se deve dizer, buraco-negro * VLX a escrevinhar é de espreitar e como o moço não é canhoto teremos sorte no totoloto * Diálogo do dia: “Que se faça Luz”, exclama o André Belo. “E Alvalade?”, pergunta Daniel Oliveira * Faz precisamente 31.43 h que este senhor não elogia este senhor. Bravo! * “Não haverá míssil do sétimo dia”, garante Nuno Rogeiro à SIC-Noticias

Luchino Visconti [1906-1976]

m. em Roma a 17 de Março de 1976

Locais: Visconti.com / Luchino Visconti / Luchino Visconti (1906 - 1976) / Biografia di Luchino Visconti / Biographie / Biography / Filmographie / Visconti / L. Visconti / Mestre Visconti / As Contradições do Príncipe
Um terrorismo nos dentes

"Todo o sentimento poderoso provoca em nós a ideia do vazio" [Artaud]

Entrámos num paradoxo infinito, a saber: a vitória do PSOE foi ou não uma vitória da Al Quaeda, como alguns blogs (re)afirmam? Coisa grave? Não parece. O menos que se pode dizer é que se trata de pensamentos pecaminosos. Afinal, não custa muito ignorar o equívoco dessa retórica burlesca. Aventar a hipótese do êxito eleitoral do PSOE ser uma evidência de vitória do terrorismo é assumir o gag verbal da própria estratégia terrorista. Aqui, a escala interrogativa é um mero conceito operatório de matriz político-partidário. E desvela um azedume doentio, macilento e histérico de quem não sabe perder.

A reprimenda dos espanhóis ao governo de Aznar foi demasiado evidente. As razões não se devem, unicamente, à má gestão sobre os autores do atentado, a não ser que não se tenha em conta as diatribes do governo em torno das autonomias, o agastamento da população contra a invasão do Iraque, as manipulações da informação em diferentes casos ocorridos. Nem é justo que se assombre a coragem de uma população na luta que sempre demonstrou contra o terrorismo (ETA, evidentemente) com os factos últimos. No fundo, não é possível pensar que o temperamento e a maturidade política dos espanhóis possam ser comparados aos nossos indígenas lusos. A não ser por distracção ou má fé.

Uma outra questão, é "o que fazer" na luta contra o terrorismo, como se pode combatê-lo, sem qualquer forma de capitulação, mas também sem o uso e abuso da ideia de cruzada (o "estamos em guerra" do Pacheco, Fernandes & Cia), novo messianismo ou maniqueísmo implacável, que configura o terror como norma e tal norma como forma de vida, que muitos abusivamente defendem. E que exige novos meios de inscrição, um outro discurso e, certamente, novos interpretes. Não tenham dúvidas.

terça-feira, 16 de março de 2004


Camilo Castelo Branco [1825-1890]

n. em Lisboa a 16 de Março de 1825

"Dizem que a literatura é o século: esta é uma das poucas verdades que a geração presente adivinhou" [CCB, in O Nacional]

"É uma jolda de infames essa turba de biltres que volteia em redor de mim, contemplando, pasmada, os actos da minha vida. Estúpidos, não ousam perguntar-me por que vivo assim. Devoram-se dum rancor selvagem quando não podem explicar as alegrias de espírito ..." [CCB, in Um Livro]

"A nossa época é essencialmente analisadora; e o nosso público é zelosamente empenhado em julgar os grandes e pequenos acontecimentos, desde a revoltosa queda de uma dinastia de quinze séculos, até à demissão imprevista dum cabo de polícia. Também julga os grandes e pequenos homens, desde o herói de cem batalhas até ao bagageiro inofensivo; desde César até João Fernandes.
E o caso é que nós - o público - somos uma cousa bem respeitável, como disse um sábio. Cada um de nós é uma página deste grande livro da humanidade, brochado em uma mesma encadernação, chamada «crítica».
E tão entranhada é a consciência, que temos da nossa dignidade medicratiz, que, apenas o corpo social revela sintomas de moléstia, por mais abstracta, ou indefinida, que ela seja, aí nos ajuntamos todos a devassar os segredos patológicos do enfermo. Se toda a nossa ciência de probabilismo não descortina o mistério, conjuramos contra a nossa ignorância, e chegamos a inventar moléstias para lhe aplicarmos forçosamente - custe o que custar - a nossa farmácia da crítica.
É então que o doente corre perigo de morte, e as mais sólidas virtudes se desfiguram tocadas pela nossa critica viciosa. A calúnia é o nosso fórceps, quando o parto da verdade é trabalhoso, e demorado.
Sendo a humanidade um corpo solidário, um parlamento sem acintes nem caprichosos facciosos, devemo-nos reciprocamente o encargo de nos elucidarmos sobre alguns acontecimentos de sintomas equívocos ...” [sublinhados, nossos]

[CCB, Revelações, in O Nacional, nº 269, 1952 (aliás, in Polémicas de Camilo, vol. III, Portugália, 1967]

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domingo, 14 de março de 2004

Obsceno

"O olho que vês não é / um olho porque o vês tu: / é olho porque te vê." [António Machado]

Madrid. No princípio é o horror que nos esmaga. Um silêncio de palavras. Longo, que as palavras voam alto. Os desvairados caminhos do terrorismo empurram-nos de pesadelo em pesadelo. Depois, em espanto cada vez maior, deixamo-nos assaltar pela banalidade do quotidiano. Poderá "o homem explicar o homem"?

Entretanto, nem perante o cansaço do horror assim desnudado os homens foram, por uma vez, dignos e sensatos. Não souberam honrar as vítimas. Não lhes fizeram justiça. Tropeçaram, ruidosamente, nos seus próprios demónios. Inventaram denúncias a seu bel-prazer, de acordo com as suas estratégias político-partidárias, numa cartilha de comportamento ideológico obsceno. Nem mesmo se prestaram a sacudir a lama que lhes fede a alma. Foram infames. Quase sempre maliciosos, cínicos, provocadores, obscenos. Insidiosamente, procuraram manipular a dor de todos nesta viagem. E de mentira em mentira, já não distinguem a verdade. Que dizer desse insano Ministro do Interior espanhol ou do vómito José Manuel Fernandes? Como nos podemos esquivar às tropelias, desde o primeiro post, do Pacheco Pereira e de outros sueltos verbosos que acometeram à blogosfera lusa?

Esquecem-se que "nós precisamos de inteligência", e que se "a vida é um processo de desordem", então o objectivo da política é transformar a desordem em liberdade consciente, generosa, inteligente e sustentada. Nada mais simples.


"Escribir en España es hablar por no callar
lo que ocurre en la calle, es decir a medias palabras
catedrales enteras de sencillas verdades
olvidadas o calladas y sufridas a fondo ..."

[Blas de Otero, Nadando y Escribiendo en Diagonal]

sexta-feira, 12 de março de 2004


Somos Todos Madrilenos

O sangue, o medo e a morte, abateu-se ontem sobre Madrid. Os assassinos desapareceram, covardemente. A besta passou por ali. Para trás ficou um rasto de desalento, destruição e assombro. O terrorismo é isso: um desespero político, um universo de terror, uma irracionalidade doentia. Morrer em Madrid. Como em Nova Iorque, Bagdad, África ou na América Latina. O mesmo inferno. Nada nos surpreende. Aprendemos a soletrar te-rro-ris-mo, com um azedume no corpo e o espanto na garganta. Uma guerra que nunca mais acaba. E caminhamos de olhar vazio, um enorme cansaço, as palavras "um ouvido tenso de rumor numa flor de pedra". Como recomeçar, nesta confusão caótica da vida? Ou "como posso eu começar alguma coisa de novo, com todo este dia de ontem em cima de mim" ? (Leonard Cohen)

quinta-feira, 11 de março de 2004


Leilão de Pintura Contemporânea - Dia 17 de Março (21 h) no Palácio Correio Velho

Atenção ao leilão do Palácio do Correio Velho (Calçada do Combro, 38 A, 1º- Lisboa) de Pintura Contemporânea. O catálogo está disponível on line. Vai à praça excelentes lotes de Almada Negreiros / Beecroft / Bual / Cargaleiro / Carlos Calvet / Charters de Almeida / Cruzeiro Seixas / Eduardo Malta / Eduardo Viana / Emérico Nunes / Francis Smith / Gil Teixeira Lopes / Hogan / Hollader / Isabel Laginhas / José Guimarães / José Rodrigues / Julião Sarmento / Júlio / Júlio Pomar / Júlio Resende / Lima de Freitas / Mário Cesariny / Mário Henrique Leiria / Max Papart / Menez / Pinto Coelho / Paula Rego / Rocha Pinto / Rogério Amaral / Teixeira Lopes / Vieira da Silva , entre muitos. A não perder.

Catálogo da Exposição Bibliográfica "Clássicos de Economia Política da U. C. "

"Os livros que, nesta ocasião, se mostram, parte dos riquíssimos fundos bibliográficos da nossa Universidade, servem para evidenciar como o interesse pelas questões económicas se manifesta em Coimbra, pelo menos, desde o século XVII. Obviamente, muito antes da instituição da cátedra de Economia Política (e Estatística) na Faculdade de Direito, após a reforma de 1835. Caso se tivesse concretizado, porém, a intenção do Conselho Superior de Instrução Pública de criar, na década de 1840, a Faculdade de Ciências Económicas e Administrativas na nossa Universidade poderia ser outra a celebração que se assinala com esta exposição. Poderíamos estar a relembrar a existência da Faculdade de Economia mais antiga ... do mundo. Não é o caso. Mas a ocasião fausta que é a celebração do trigésimo aniversário da entrada em funcionamento da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, é motivo de acrescido regozijo porque o que com esta exposição bibliográfica se comprova é uma curiosidade e um interesse antigos por um ramo do conhecimento que, com o tempo, assumiria uma centralidade incontrastada.
Dito isto, resta convidar-vos para uma viagem que começa em 1615 e termina em 1915. Três séculos em que as ideias económicas evoluem desde a «invenção» por Antoyne de Montchrestien do neologismo Economia Política - no Traicté de l'oeconomie politique, publicado em Ruão na tipografia de Jean Osmont - até ao livro de Francesco Saverio Nitti - Il capitale straniero in Itália - também aqui exposto (...)
O que há a fazer de melhor, é percorrer, nesta sala de São Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, os diferentes expositores que agora guardam, mostrando-os, estes tesouros escondidos. E reflectir sobre o significado, na sua e nossa época. Porque estes objectos expostos, todos ou quase todos contribuíram para uma aventura ou projecto que traduzimos sinteticamente pelo termo - MODERNIDADE (...)"

[Joaquim Feio, Destes Livros, Desta Exposição, in Catálogo ..., 2004]

quarta-feira, 10 de março de 2004

"Frescura de manhã de Março,
Quietude febril deste amanhecer da vida,
Brincando às escondidas pelos jardins.
Braços estendidos para o Sol, o mensageiro ...
"

[Ruy Cinatti, Poemas]
Delícias de Março

* A ler com atenção, o texto Novo Antisemitismo? As Novas Faces do Mais Antigo ódio do Mundo, de Nuno Guerreiro
* Curiosamente, aqueles rapazes de azul eram trabalhadores da bola. Os outros, em noite aburguesada, eram homens com maus músculos. Acontece aos melhores. Afinal, o que constitui a narrativa do futebol? Aquela corrida de Mourinho fazia parte do guião?
*
Num curto comentário ao infantil convite do Ministro da Defesa, agora afadigado em aranzeis anti-soaristas, Mário Soares afirma meticulosamente: "O dr. Paulo Portas é um epígono conjuntural. Se eu fosse uma pessoa pretensiosa - que não sou - dir-vos-ia: o dr. Paulo Portas cresça e apareça. Mas eu não vou dizer uma coisa dessas, porque não tem sentido". Arreatado, muito esfolado, que terá Portas a dizer?
*
Após uma folgazada festa na Casa do Sporting na Mealhada, uma claque dos ditos, depois de muito bebe água (companheiro Cintra, oblige) consagrou as horas de repouso ao indigesto "desporto líquido" para assaltar e vandalizar o Instituto da Vinha em terras bairradinas. Cepa de Maria Gomes, por excelência, a leveza e frescura da prova feita, revelou - ao que se sabe - um aroma intenso e frutado, bem personalizado. E lá foram, felizes à moda de Ferreira Torres, correndo para a capital, em jornada triunfal. Espantoso! Falta muito para o Euro?

Domingos Sequeira [1768-1837]

n. em Lisboa a 10 de Março de 1768

"Pintor português, considerado o percursor do movimento romântico português, parece ter sido o primeiro em Portugal a dedicar-se à arte litográfica. A introdução da litografia em Portugal deu-se tardiamente, datando de 1823 o seu exercício particular e de 1824 o reconhecimento oficial da sua utilidade. O artigo publicado nos Annaes das Sciencias, das Artes e das Lettras, de 1819 (vol.III), atribuído a Cândido José Xavier, constitui a primeira notícia no nosso país sobre a Litografia, arte então emergente. Em 1822, Luís Mousinho de Albuquerque, escreve na mesma revista sobre esta técnica gráfica que havia estudado em Paris. Será precisamente ele que enviará a Domingos Sequeira em 1822-23, uma prensa e algumas pedras litográficas. Em 1824 D. João VI, por decreto de 11 de Setembro, cria em Lisboa a Officina Regia Lithographica." [in, Museu Virtual da Imprensa]

Locais: Biografia / Domingos Sequeira / Domingos António Sequeira (1768-1837)

terça-feira, 9 de março de 2004



30 anos da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Exposição "Livros Raros de Economia na Universidade de Coimbra", na Biblioteca Geral da UC e lançamento da edição facsimilada do Essai Statistique Sur le Royaume de Portugal, de Adrien Balbi com comentário crítico de Romero de Magalhães.
Exercício de paciência

A história será contada em todos os pormenores. O prof. Cavaco existe, não é uma ilusão de óptica. José Manuel Fernandes, referência obrigatória sempre que se fala no afago do poder, surpreenderá em artigalho matutino, em tom sério e pouco gazeteiro. O sempre prudente escriba, Bettencourt Resende, medirá as alturas da queda, revelando as técnicas posicionais. Dado o tipo de sugestão profetizada, Luís Delgado não entra em debates estéticos, avançando com uma resma de ordens de argumentos, todos bem santanizados, que é lícita a agitação. A acrobacia discursiva destes senhores dará brilho e admiração a toda a semana politica. Neste exercício de paciência que é as presidenciais, e até que o engenheiro Guterres clame por nós, despedimo-nos que somos mais pelos "heróis todo o ano", porque "das coisas boas da Terra todos sem excepção têm a máxima culpa" [MCV]


Que é feito deste senhor? Alguém nos diz? Ah! Não!? Que não há registos, dizem. "Old times are dead times", assegura aqueloutro. Que acabou a afinidade com os deuses, suspira aquele. Quanto ao homem, declaro que nunca deparei com ele em toda a minha ida, confirma um outro. Mas não é certo que só a vulgaridade sucede às orações nocturnas? Que é impossível continuar no teatro doméstico da vida, porventura mal acompanhado? Que a originalidade é um segredo bem guardado? Os deuses retiraram-se e depois ... como é que isto tudo acaba? Quem nos ilumina o tabuleiro? Alguém nos diz?

Até lá ... Feliz aniversário, Mr. Bobby Fischer.

segunda-feira, 8 de março de 2004



"Desde o princípio tiveram os homens de se julgar semideuses caídos de sua graça por obra da mulher; e logo depois tiveram que se inventar redimidos através do ventre de nova mãe, essa santa, essa capaz de conhecer Deus no seu ventre e de no seu ventre incarnar o deus salvador, depois chamado o filho do homem – que ironia rebuscada – na sua vida e nos seus actos exemplares. Porque o homem vai fazendo o mundo e cavando o seu tumulo, e vai chamando a mulher, então dizendo-lhe «mãe», para que esta lhe nomeie o mal e o bem, e lho signifique, e tome em si o absurdo insuportável da ordem das coisas, e vai o homem fazendo o mundo sobre o ventre acolhedor e produtor da mulher, então dizendo-lhe «coisa de mim», e posto na mulher o mal e o bem e o absurdo insuportável da ordem das coisas é então justo que seja ela a primeira vítima, ela a culpada até ao momento em que finalmente o homem chama a mulher, dizendo-lhe «mulher», e repara que está vazio o lugar a seu lado"

[Novas Cartas Portuguesas, Futura, 1974]

domingo, 7 de março de 2004

LEILÃO DE LIVROS - Dias 15, 16 e 17 de Março de 2004 [CONTINUAÇÃO]

Conjunto de jornais, salientando-se A Pátria (Lx. 25/08/1900) c/ artigo de Gomes Leal s/ Eça / Revista A Revolução Social nº 17 de Agosto de 1888 (comunista-anarquista, Porto) com artigo s/ Eça e os Maias / Bosch ou o Visionário Integral, de José Augusto França, Lisboa, 1944 / Cartas de Gilberto Freyre / Gente Lusa, Arquivo de Letras e Arte, nº1 a 5, 1915-16 (revista onde escreveram Leonardo Coimbra, Camilo, Manuel Laranjeira) / Poesias autografas de D. C. Warnest [Ernesto Guerra da Cal] (1911-1994), sendo uma intitulada "Homage to Frederico Garcia Lorca on the 30º anniversary of his death", Lisboa, 1984 (é-nos dito que há uma refª a lápis onde se regista uma "confidência do poeta", na qual E. G. da Cal , "que tendo sido na juventude intimo de Lorca", teria escrito 6/7 poemas que constavam nas Obras Completas de Lorca) / Cartas de Leitão de Barros, algumas sobre à sua secção "Os Corvos" / Carta(s) de Álvaro Lins, onde é referido que "se for eleito Juscelino Kubitschek" então seria embaixador em Lisboa / Obras Completas de Gregório de Matos, Bahia, 1968, VI vols / Giestas de Memória, de Nelson de Matos, Lisboa, 1966 (junto c/ uma carta manuscrita) / Carta, Fotografia de Somerset Maugham, e um manuscrito de LFT descrevendo os assuntos "conversados" nesse "memorável almoço" (28 de Setembro de 1947) / Subsídios para a Historia de uma Geração (Bosquejo histórico de uma série de revistas que falharam), de José de Melo, 3 pgs dact. de Fev. 1959, onde se refere as revistas Vómito (1950), Cadernos do Centro (1954), Paralelo 25 (1956-57) e Sincerismo (1957-58) / Respiração Mental (Manuscrito e Livro). O Problema da Censura, de Alberto de Monsaraz, 1946, com uma carta man. com comentários sobre o tema / Carta manuscrita de Vianna Moog (7/6/1977) comentando a morte de Carlos Lacerda / Vida e Literatura de Pedro Moura e Sá, Lx, 1960 / Conjunto de 31 Cartas de figuras do Nacional-Sindicalismo, datadas de Junho de 1933 a Dezembro de 1934 (destaque para José de Campos e Sousa, Dutra Faria, José Garcia Domingues, Visconde de Porto Cruz, António Tinoco) / Manuscrito de um parecer da Academia das Ciências sobre o significado da palavra "escritor", original mas pelo punho de Vitorino Nemésio (Junho 1972) / Cartas dact. de João Palma-Ferreira (Julho 1967 a Dez. 1988) com refª a Mourão-Ferreira, Cesariny, Sena, Eduardo Pardo Coelho / Folhetos (31) raros da Polémica do Bom Senso e do Bom Gosto / O Terrível Engano, de LFT, sep. do artigo do DP de 2 de Nov. 1949 sobre a morte de Carlos Queiroz em Paris / Manuscrito Inédito de Arnaldo Saraiva, dactilografado e corrigido à mão de 1961 (refª a Ruy Belo, Cesariny, Herberto Helder, O'Neill) / Cartas manuscritas e um original dactilografado de Agostinho da Silva / Cartas (8) de Philippe Soupault .

sábado, 6 de março de 2004

LEILÃO DE LIVROS – Dias 15, 16 e 17 de Março de 2004

Resenha Bibliográfica da Biblioteca que Pertenceu ao Escritor, Crítico Literário e Académico Luiz Forjaz Trigueiros - 2ª Parte

Literatura Portuguesa, Brasileira, Francesa / Espanhola, História e Arte, Filosofia, Poesia / e ensaios, incluindo um Invulgar e Valioso / conjunto de Manuscritos Autógrafos / (Cartas, Postais, Originais e Cartões de Visita) / dos mais Consagrados Escritores, Poetas, / Artistas e Políticos do Século XX / Segunda Parte / ... / sob Direcção de José Manuel Rodrigues (Livraria Antiquária do Calhariz, Lisboa)

Local do Leilão: Casa da Imprensa, Rua da Horta Seca, nº 20 – Lisboa

Trata-se da segunda parte do leilão da Biblioteca de Luiz Forjaz Trigueiros, após o leilão de Setembro de 2003. Apresenta 975 peças, sendo de referir um conjunto importante de manuscritos autógrafos de inúmeros escritores portugueses e brasileiros. Apresenta, ainda, na introdução ao catálogo, um excerto dum texto de LFT, "Presença da Literatura Brasileira em Portugal", bem como reproduções de algumas fotografias a leilão (ex: Jorge Amado, Paul Valery ou Vitorino Nemésio).

Algumas referências: Cartas de Francisco Luís Amaro (da Revista Colóquio/Letras) salientando o centenário de Mário Beirão e c/ muita informação literária / Carta de José Carlos Ary dos Santos, c/ papel timbrado dos «Studios Zeiger», Março de 1964 / 4 Cartas de Henrique Barrilaro Ruas, c/ destaque para a última (1991) sobre o Partido Popular Monárquico: «Por mim, penso que, feita que foi esta última experiência, importa acabar. Acabar como partido. Não resultou, paciência» / Cartas (18) e postais (3) de Pierre Benoit para Forjaz Trigueiros, de 1948-1958. Refira-se à informação trocada sobre o romance «Prête Jean» (Fev. 1952), "dedicado a Portugal, ao sebastianismo e a Sidónio Pais" / Carta(s) de Augustina Bessa-Luís, c/ especial refª a uma, datada de Agosto de 1989, sobre a admissão de ABL à Academia Brasileira, tendo o apoio de LFT, onde o agradecimento de ABL é "simplesmente admirável" / Conjunto importante de livros sobre o Brasil, desde Arte, Critica Literária, Festas Populares, Poesia, ... / Carta(s) de Marcello Caetano, salientando-se um cartão onde é feito "um comentário crítico à selecção" de LFT para uma "antologia sobre Angola", que teria deixado desgostoso MC, dado não terem sido incluídos "Vicente Ferreira, Couceiro, Hipólito Raposo, Maria da Graça Azambuja e Reis Ventura" / Valioso conjunto de centenas de cartões de visita de alguns escritores e intelectuais portugueses / Original de Fernanda de Castro, poema ms. "A Mestra de Lavores", 1940-50 / Cartas de António Celestino, enviadas de S. Salvador da Bahia, C/ inúmeras refª a Jorge Amado e amigos bahianos (Carybé, Genaro) / Original dactilografado e assinado de 7 poemas de Ruy Cinatti e um outro original com 6 poemas (nov. 1976-Jan. 1977) / Fotografia de T. S. Elliot, tirada "em Évora", Maio de 1938, identificando-se, "Fernanda de Castro, D. Maria Eça de Queiroz, T. S. Elliot (de calças à golf),..., Alberto Cutileiro, Forjaz Trigueiros" [Continua]

sexta-feira, 5 de março de 2004

Que Portugal ...?

"... Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
- mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?
..."

[Jorge de Sena, L'été au Portugal, in Exorcismos, 1972]

Todos Loucos

Não estamos bem. Diremos mais, estamos perfeitamente esquizofrénicos. A bagunça é total. Quem acompanhar as manchetes dos jornais e da rádio julgará, certamente, que é assombração astral. A vida pública portuguesa atingiu o grau zero da estultícia. Quem é que anda aí? Vejamos: dizem, aqui, que das 127 fotos do álbum fotográfico do processo Casa Pia, mostradas às testemunhas, 126 são de indivíduos famosos. E logo, como peixeirada, o jornal publica-os na primeira página. Extraordinário. O segredo de justiça é um engano de olhos. A realidade, afinal, é a súplica do Ministério Público (santa incompetência) do levantamento da imunidade parlamentar a estes deputados, por violação do segredo de justiça. Encantador. Parece aquele "descer lentamente com o vagar de quem sobe". O Presidente da Câmara de Lisboa, putativo candidato a candidato presidencial, desenvolve um excelente exercício de cidadania: convidar, via McDonald's (só podia), alunos do primeiro ciclo de escolaridade para assistir ao Euro 2004. A condição é que não possuam "deficiência física ou mental em virtude da necessidade de acompanhamento especial". Pois, assim dito à maneira americana, é magnífico e prenhe de cidadania. Ao clarim da McDonald's o candidato Santana Lopes certifica primeiro, volta atrás depois. Ainda não é desta que vemos a luz ao fundo do túnel. É natural. Afinal, temos de ter a prudência da serpente, é que "com a chegada das andorinhas, nunca se deve modificar o andar”". Evidentemente.

quinta-feira, 4 de março de 2004


Converta-se!

Este rapaz, aqui ao lado, é de muita estimação. Não se troca contra reclamação. Se o procurarem nos jornais, desistam, não está à venda. É um poeta da baliza. Um encantador da arte de bem jogar. Um trovador encarnado. Um devir da juventude. O rei da baliza. Não está à venda, juramos. A sua arte é a nossa vaidade. O seu aprumo a nossa glória. A sua qualidade a nossa emoção. Vede como a felicidade lhe está no rosto. Exacto, sublime, insolúvel. Restos de um passado ou um passo de esperança? Um dia todos descobriremos que tudo não passou de um mau sonho. Converta-se!


Eugénio de Castro [1869-1944]

n. em Coimbra a 4 de Março de 1869

"... O amor da beleza não é, mesmo quando parece excluir o amor da vida, uma manifestação de pessimismo. Eugénio de Castro, ensinou, pela alta qualidade e também pela quantidade dos seus livros, a crença na arte, a fé no esforço e na consciência do poeta. Foi o contrário dum portador de desânimo.
Desdenhoso e seguro, ao ver os nossos últimos parnasianos conduzirem a poesia a uma soporífera banalidade, lançou-se com «Oaristos», logo seguido de «Horas», em pleno entusiasmo simbolista. Exageros voluntários, emprego de palavras raras ou arcaicas, uso de imagens estranhas, ressurreição de ritmos antigos, simultãnea à adopção do verso livre - conquista dos simbolistas franceses - audácias verbais, explendor de adjectivação, tudo isso empregou para forçar a atenção de aqueles que não sentiam a decadência do nosso lirismo, ou que se acomodavam com ela (...) «Oaristos» caiu como uma enorme pedra na água estagnada da nossa poesia! Levantou água que a todos salpicou e lavou. Provocou espanto, critica, ironias, troças. Mas exerceu uma acção salutar e rápida! A nossa poesia contemporânea deriva em grande parte da obra de Eugénio de Castro, e o seu livro marcou uma data histórica ..."

[João de Barros, da Hist. de Portugal, vol III, in Obras Po?tica, vol IX, Portucalense, 1944]

"... Amores venaes, concupiscências luciferinas:
Ruth, a fermosa bruna, e Basalisa, a loira,
Theodora, a ruiva como as tangerinas,
Mas, sobre todas: Basalisa, a loira ...
Oh os seus olhos! Sua unhas em amêndoa! E em cálix
O seu collo! E seus dedos digitalis!
E quando, n'uma noite de flagrancias,
(Lembrando isto todo o coração me doe!)
Forte enleei, apoz violentas reluctancias,
Sua ancas de Deusa em meus braços de Heroe! ...
"

[EC, in Horas, 1891]

quarta-feira, 3 de março de 2004

Bêbado

"Bêbado nas tuas mamas me imiscuo
príncipe pária ou só vadio desejado
às mãos livres da viola me jejuo
lábios revoltos de sede mas sem fado
"

[Dórdio Guimarães, in Canto Psicadélico, 1968]

Marguerite Duras [1914-1996]

m. em Paris, a 3 de Março de 1996

"... Noites inteiras ao telefone. A dormir de encontro ao auscultador. A falar ou calados. Fruem um do outro. Orgasmo negro sem contacto nem rosto. Olhos fechados. Só a voz, o texto das vozes diz os olhos fechados.
É ela a primeira a querer vê-lo. Encontrá-lo.
Muitos encontros combinados. À última hora desmarcados. Há sempre circunstâncias imprevistas a impedir o encontro. Ele não se admira com a permanência do impedimento dos encontros. Acredita sempre que são possíveis. Acredita nela.
Todos os que gritam de noite nas catacumbas do telefone parisiense combinam ver-se. Os encontros nunca se dão.
Ela combina duas espécies de encontros. Os que são desmarcados. Os que não têm tempo de desmarcar. Ele vai a todos os encontros.
Em breve, ele torna-se incapaz de mudar o rumo à historia (...)"

[Marguerite Duras, O Navio «Night», in Revista Abril, nº 9, 1978]

"... A pele é duma sumptuosa suavidade. O corpo. O corpo é frágil, sem força, sem músculos, poderia ter estado doente, estar em convalescença, é imberbe, sem outra virilidade que a do sexo, é muito fraco, parece à mercê de um insulto, débil. Ela não o olha no rosto. Não o olha. Toca-o. Toca a doçura do sexo, da pele, acaricia a cor dourada, a desconhecida novidade. Ele geme, chora. Está num estado de amor abominável.
E a chorar fá-lo. Primeiro há a dor. E depois esta dor é por sua vez possuída, transformada, lentamente arrancada, levada até ao gozo, abraçada a ela. O mar, sem forma, simplesmente incomparável (…)

[M. Duras, O Amante, Difel, 1984]

Locais: Marguerite Duras Homepage / Biografia / Outra Biografia / Marguerite Duras / Marguerite Duras (1914-1996) / Bibliographie, Filmographie / Obras / Société Marguerite Duras / Le cinéma de Marguerite Duras / Duras : La Pute de la côte normande / Duras mon amour

terça-feira, 2 de março de 2004

Enlouquece-me

Enlouquece-me esse teu jeito de despir as meias
o desatar morno e usado do negro ligueiro
depois os beijos de êxtase em êxtase
o desarrumar dos lençóis sem ênfase
pofs de cisterna em bolhas de carne
navegar-te vagina a vagina até fixá-la no meio
pecado seria por fim não adormecer no teu seio
num sono que nos dormindo ainda mais arde


[Dórdio Guimarães, in Canto Psicadélico, 1968]

Extravagâncias

- Como se percebe, o todo poderoso senador do PP, Avelino Ferreira Torres, mais uma vez se estribou nos diversos poderes que tutela e que o protegem. O MAI fechará os olhos com a súplica governativa; a Comissão de Disciplina, cujo representante é, ao que foi dito na SIC-Notícias, uma testemunha abonatória desse senhor no julgamento desta semana, irá repreendê-lo por alguns jogos; a Liga de Futebol, excelentemente dirigido pelo lerdo Valentim Loureiro (noutras ocasiões já teria aparecido para lançar a confusão ou vilipendiar alguém), seguirá o receituário processual e aplicará as penas costumeiras, mesmo que o presidente do IND "esteja chocado" e os portugueses perplexos; a gentalha do futebol mostrará enfado, mas irá desculpá-lo; os cidadãos de Marco de Canaveses, que há 20 anos tacteiam a democracia, partirão à desfilada em sua defesa. O fanfarrão e delinquente AFT pode restar em paz. É que nesta adorável promiscuidade entre politica e futebol, nem o senhor Berlusconi nos ensina o que quer que seja. Eis tudo!

- É impossível não ficar arrepiado com as interpretações proferidas sobre o caso da espionagem na ONU, pelo director de um jornal nacional, neste caso José Manuel Fernandes d'O Público. O patriarca da democracia, numa lógica que fulmina qualquer um, considera que as coisas [entenda-se, a violação de privacidade] foram sempre assim e, portanto, nada a obstar. Mais, pondera que a senhora ex-ministra Clare Short foi possuída de vaidade irritante contra o amigo (de JMF, evidentemente) Blair. Que falta de cavalheirismo tem JMF. Seria bem melhor que tivesse destacado a recusa da administração Blair em divulgar o parecer do Procurador-Geral da GB, Peter Goldsmith, sobre a legalidade da guerra contra o Iraque e, claro, a sua legitimação. Ou depois das ADM será este um novo tabu dos novos neocons?

- Sem qualquer extravagância, a não ser pela movida bloguística verificada, o Mata-Mouros aderiu a novos estilos, outros debates, novas solicitações. Fecharam a Loja e deram o salto para as Blasfémias, formigando com outros escribas. A não perder * Parabéns para o umblogsobrekleist que fez 1 ano de talento de bem dizer/escrever e para o regresso da Formiga de Langton nestes dias mais espaçados de Março. Como está linda a blogosfera!

segunda-feira, 1 de março de 2004


Fantasia para Dois Défices e Uma Perdiz

Ainda inspirados pelo cumprimento da caldeirada à Manel Pinovai - mestre das bandas do Furadouro - e antiquíssima sugestão do confrade Manuel Carvalho, somos aliciados para uma "perdiz desossada", arriscada expectativa vinda da ala Eborense. Nada contra a carne saborida, embora dependendo do recheio que é para isso que se vai, como já me garantia meu avô, na sua bondade de alentejano. Mas o esgotamento da jornada e a vigilância caseira a isso impede. Adiante, que como assegurava Fialho, "não há poesia mais bela do que a fome. Dos outros, é certo ..."
Mas é sobre um outro prato nacional - défice de caldeirada com receitas extraordinárias -, bem fornecido das ditas em alegre conúbio, segundo o contento dos clientes, que há alguma confusão. Por um lado, o liberal de Évora, despeitado ao que se presume, entende que a blogosfera é uma espécie de entronização de emails privativos, uma coreografia curiosa e licenciosa que poucos têm acesso e, assim sendo, passa desabridamente ao murmúrio que reina por aqui presunção e altivez. Tem razão. "Nós somos do século de pregar os caixotes de inventar as palavras" (MCV). Que se há-de fazer? Por outro lado, reconhece que no seu nobilíssimo "divertimento", liberrimamente corrosivo já se vê, propinado à plebe, a governação da nação e do país pode ser entendida enquanto mera gestão empresarial, e que na falta de um "gestor" em carteira qualquer fantástico contabilista pode ser primeiro-ministro. Estamos de acordo, mais uma vez. A ser assim, pode ficar de pé a sugestão para a "perdiz desossada", desde que a factura não seja pedida em nome da Icily Lda, ou do tal amigo Ambrósio. Niguém lhe perdoaria.
Álvaro Ribeiro [1905-1981]

n. a 1 Março de 1905

"Às horas de leitura, nos cafés, durante a manhã, sucediam-se as horas de «conspiração» politica, no final da tarde e princípios do serão. Era então que doutrinava e activava a «Renovação Democrática», em reuniões com outros «conspiradores», todos mais abastados do que ele, alguns até com rendimentos e heranças, como Casais Monteiro e Domingos Monteiro. No intervalo das reuniões, quando cada um ia jantar a casa, Álvaro Ribeiro bebia um «garoto» numa leitaria e sentava-se num banco da Avenida à espera dos outros. Findas as horas da política começavam as da boémia nocturna, o passeio pelos clubes onde se jogava o bingo e pelas casas de fados (...). Assim difícil, pobre, quase miserável, este período da sua vida foi também o mais romanesco, e sobre ele veio mais tarde a escrever um romance que nunca publicou e acabou por destruir (...)
Quando rebentou a guerra de Espanha e a politica se exacerbou, chegou a ser ameaçado por «legionários», perseguido na rua e insultado nos cafés. Acabou por arranjar um emprego em que era uma espécie de «contínuo» para salvaguarda, sendo ele «licenciado», dos prestígios da Universidade. E uma vez terminada a guerra de Espanha e estabelecida a pacatez salazarista, um governante, Castro Fernandes, conseguiu colocá-lo em modesto lugar de um organismo corporativo onde se conservou toda a vida. (...)
A existência de Álvaro Ribeiro passou então a decorrer entre as horas do emprego, que eram apenas as do começo da tarde, e as horas de ler, escrever e conversar nos cafés (...) Como José Marinho viesse também para Lisboa no final dos anos 30, formou-se em torno dos dois uma tertúlia que durou até à morte do Álvaro em 1981. Aí se iniciaram ou exercitaram no convívio intelectual os homens mais representativos se sucessivas gerações, as de Eudoro de Sousa, José Blanc de Portugal, Jorge de Sena, António Quadros, António Telmo ou Braz Teixeira; aí foram buscar inspiração, adequada informação ou vias de desenvolvimento, personalidades como José Régio, Almada Negreiros, Casais Monteiro, Domingos Monteiro, José Osório de Oliveira, Moura e Sá, Carlos Queiroz ou Cunha Leão. A doutrina do número de ouro, que dominou a arte de Almada, foi ali haurida; a «descoberta» de Fernando Pessoa, ali surgiu. O camoneanismo de Jorge de Sena, ali se formou. E bem assim o sebastianismo ou anti-sebastianismo de José Régio, o lusitanismo de José Osório, o filosofismo de Moura e Sá. Ali tiveram origem muitas revistas literárias, desde «Litoral», de Carlos Queirós, e «Atlântico», de José Osório, ao «57» e «Acto», de António Quadros, e aos «Teoremas de Teatro» e «Escola Formal», do autor destas linhas (...)"

[Orlando Vitorino - "Álvaro Ribeiro", in Nova Renascença, Outono de 1982]

sábado, 28 de fevereiro de 2004


Vox Populi

Receitas Extraordinárias – Confirma-se que a blogosfera, fazendo gala de bem medir a crise económica e orçamental, está uma sublime congregação de oradores da coisa económica. Neófitos da economia política, saltando fatigados das sebentas imaculadas do défice, tacteiam o campo da lide esgrimindo aplausos do gentio. A cortês troca de opiniões entre o divino Terras do Nunca e este galhardo liberal eborense fulmina qualquer um. A trovoada de argumentos do verdadeiro crente do défice com receitas extraordinárias, novo menu chic neoliberal ou "conduto enganando a vontade de comer enquanto os sonhos passam", é uma espantosa rincharia que resulta numa promiscuidade interessante entre o que deve ser a politica económica e uma mera operação contabilística. Aliás, para quê tanta aplicação no estudo da economia? Bastava entregar o país a um esplêndido contabilista, que a coisa se desenvencilharia ad nauseam. Como se percebe, o facto das receitas extraordinárias equivalerem a 80% do défice é absolutamente normal. O cego do engenheiro Guterres é que não tinha sensibilidade para a contabilidade, pois se acedesse aos mimos contabilísticos do liberal eborense, não existiria hoje o tão malfadado défice. Nada mais justo.

Várias: Dispensando o branqueamento da situação económica do país, conscientes que a crise económica e orçamental é a pior que há memória, parece que os sindicatos e o patronato estão na mesma luta, a saber: abaixamento de impostos e fim imediato do congelamento salarial. Coisa que não deve incomodar os ultramontanos da Mercearia Barroso & Leite, entretidos que estão a contabilizar o défice * José Manuel Fernandes, combalido no seu affaire de democratizar todo o mundo e ninguém, discorre sobre os caminhos de Bagdad. A copiosa explicação segue dentro de momentos nas bancas perto de si. Sem armas de destruição maciça descobertas, com a opinião pública mundial a morder nas canelas dos fazedores de historietas, resta a JMF lutar, como dantes, pela revolução democrática e popular, procurando implementar a democracia em todos os quintais do planeta. Assim Bush queira e Fernandes & Delgado o aprovem. Observemos, pois.

100 Anos do Sport Lisboa & Benfica – Do fundo do coração

[Convocatória] Ficam, desde já, convocados todos os cavalheiros livres dedicados à causa encarnada, lusitanos doutíssimos, damas distintas ou varões loquazes, a participarem nas comemorações dos 100 Anos do SLB. Com emoção, partimos em 1904 ignorantes e saloios, estamos hoje inteligentes, razoáveis e sensatos. Entrámos em todos as terras e subimos todos os degraus. Vil terror não coube em nós. Dissipado o nevoeiro, retomaremos a ventura. Por obra e graça de José Rosa Rodrigues, Daniel Brito e Manuel Goularde, nossos padroeiros e altíssimos protectores. Somos felizes. Mas mesmo assim, é favor trazer os azeviches para dar figas aos maus-olhados. Nós por cá todos bem. Dada à lux por cavaleiros devotos da saudade encarnada. Aqui, mar da Alma.

Baptista Bastos - 70 Anos - Um Homem Livre

[Ao Júlio Gomes. BB, Torreira, Clepsydra, ..., porque ainda há memória]

"É um jogo de cortesãos e liberais, o brídege. Os seus práticos teriam frequentado os salões da gentil conversa se fossem cidadãos de Setecentos. Reunidos, neste grupo numeroso, não perderam os prestígios conferidos pela Casa, pelo Sangue e pela Razão. Os gestos são delicados, afáveis e eficientes - e não esquecem nunca essas graças e essas virtudes mesmo quando as horas já são longas e podem alvitrar hipóteses de negligência, descuidos no trajar, bocejos distraídos. Isto, os homens. Porque as mulheres, com o correr do tempo, manifestam uma exuberância mais viva, tornam-se mais expeditas na acção, a frase fica-lhes solta e muito bem, a maquilhagem principia a despedaçar-se e a fornecer-lhes uma face nova e outra, terrosa e fatigada. Pontas de cigarros em dezenas de cinzeiros, copos vazios, com cinza, e fumo ainda mais denso e intenso, e há em todos um pudor em espreguiçar-se e as têmporas latejam, as dores nos rins atingiram uma fase tão dolorosa que ninguém as sente, é como o suportar resignado de um fardo pesadíssimo, mas o raciocínio tem de ser frio e veloz – e, de repente, a Maio da sala, um jogador boceja alto e estica o dorso na cadeira. Olham-no. Cento e setenta e seis olhos a olhá-lo, e também de repente trinta dos quarenta e quatro pares bocejam em varias tónicas e esticam os dorsos nas cadeiras.
- Silencio - diz um dos membros do júri."

[Baptista Bastos, in As Palavras dos Outros, Eur.- América, 1968]

Catálogo nº 64 da Livraria Bizantina, Fevereiro 2004

A Livraria Bizantina - Rua da Misericórdia, nº 147 (ao cimo da Trindade), Lisboa - lançou o seu catálogo nº 64, com 486 peças a preços excelentes e convidativos. Uma local de frequência obrigatória para bolsas menos abonadas. O amigo Bobone está de parabéns.

Algumas referências: Proscritos. Noticias Circunstanciadas do que passaram os Religiosos da Companhia de Jesus na Revolução de Portugal de 1910, por S. J. L. Gonzaga de Azevedo, Valladolid, 1911 / Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, de Manuel Bandeira, Rio de Janeiro, 1937 / Les Instruction Secrètes des Jésuites, por Paul Bernard, Paris, 1907 / Subsídios para a História Económica de Portugal, por Fortunato de Almeida, Porto, 1920 / A Cruz de Villa Viçosa, de Rodrigues Vicente d'Almeida, 1908 / Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras. Por huma Sociedade de Portuguezes Residentes em Paris, Paris, 1818, II vol / Diabruras, Santidades e Prophecias, de A. C. Teixeira de Aragão, Lisboa, 1894 / O Encoberto, de Sampaio Bruno, Porto, 1904 / Camilo Desconhecido, por António Cabral, Lisboa, 1918 / Memorias de um Estuante de Direito, de Rafael Salinas Calado (1911-1916), Coimbra, 1961 / Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, Coimbra, 1863 / Memoria de António Maria de Fontes Pereira de Mello..., Lisboa, 1887 / Colecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível, Coimbra, 1817 / Arte e Arqueologia, de Vergílio Ferreira, Lisboa, 1920 / Vasco Fernandes. Mestre do Retábulo da Sé de Lamego, por Vergílio Ferreira, Coimbra, 1924 / Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco, 1968, II vol / Os Povos e os Reis. Opúsculo Offerecido aos Portuguezes, de Faustino José da Madre de Deos, Lisboa, 1825 / Descrição Minuciosa do Monumento de Mafra. Com uma Noticia de Cintra, ..., por Joaquim da Conceição Gomes, Lisboa, 1876 / Barros de Coimbra, por Afonso Duarte, Lvmen, 1925 / Os Desenhos Animistas de uma Criança de 7 Anos, de Afonso Duarte, Coimbra, 1933 / Compendio dos Escritos e Doutrina do Venerável João Gerson, por António Pereira de Figueiredo, Lisboa, 1769 / Lista de Alguns Catálogos e Bibliothecas Publicas e Particulares, de Livreiros e Alfarrabistas, de Martinho da Fonseca, 1913 / Perfil de Camillo Catello Branco, pelo Padre Senna Freitas, Porto, 1888 / In Memoriam do Professor Dom António Xavier Pereira Coutinho, pelo Conde de São-Paio, 1941 / Livros de Linhagens, Edições Biblion, V vols, 1937 / O Monumento de Mafra. Guia Ilustrado, 1906 / José Estêvão. Esboço Histórico, por Jacinto A. Freitas Oliveira, Lisboa, 1863 / Processos e Julgamento de José Cardoso Vieira de Castro, Lisboa, 1870 / Compendio das Minas. Dedicado ao Sereníssimo Senhor D. João Príncipe do Brazil, por José António da Rosa, Lisboa, 1794 / Jornais e Revistas do Distrito de Coimbra, por A. Carneiro da Silva, 1947

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

Ao Relento

"Para encherem a noite, os grilos não precisam mais que de uma lura. Mesmo no cativeiro, continuam a cantar ...

Para o homem, momentos há - e é doloroso reconhecê-lo - em que o universo é uma prisão
"

[Jorge de Sousa Braga, in Os Pés Luminosos, Centelha, 1987]
Nick Cave ou futebol, eis a questão

Não se faz. Ficámos em terra, alapados no sofá, ainda mais a aturar um casalinho que joga damas (com livro ao lado), enquanto lá em baixo o Nick Cave cumpria. O desagravo será feito no dia 3 na Figueira com a Ursula Rucker, após a suprema aparição dos Limp Bizkit, podem crer. Não mais ver jogos do Manchester eis o sortilégio a conter. Hoje, à la noche, os vermelhos da Luz, ó enamorados, concedem concerto, é bom não esquecer. Ah! Carece dizer que o FCP esteve muito bem. Parabéns ao antigo treinador do Benfica, assim como aos seus ex-funcionários - Deco, Maniche e Jankauskas. Quem aprende nunca esquece. Se bem que hoje, era mais Nick Cave. Mas bendita prosa televisiva.

Do amor: Bem dizia a Maria Velho da Costa: "do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso com a polivalência da glote sai fracativo". Compreendi-te! Está fora de questão. Ainda tentámos reflexão Camusiana: "fora do amor, a mulher é maçadora. Não sabe. É preciso viver com uma e calar-se. Ou dormir com todas e actuar. O mais importante é outra coisa". Nick Cave? Ursula Rucker? Os dribles de Simãozinho? A garrafa de Vale de Meão? Um jogo de bridge? Estamos confundidos. Acudam!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004


Alegre Jericada

"A burguesia meditou muito sobre o espaço / e sobre o tempo e sobre a luz / e tanto / que destruiu a imagem de si mesma / E faz anamorfoses: hoje"
[VGM, in Recitativos, 1977]

O fervor sentencioso de Vasco Graça Moura - hoje do DN - é um novíssimo bálsamo contra a crise da governação, uma aparatosa tempestade, prenhe de negrumes e desalentos, contra "o que a esquerda queria" ou "guincha", evidentemente, numa "volúpia da demagogia insensata". Presume VGM, que a "esquerda" espuma contra a Mercearia Ferreira Leite porque no invés de degustar Louis Roederer, Krug ou Dom Pérignon, encomenda com bondade Quinta da Rigodeira, Luís Pato, ou cede às emoções da Murganheira e até, pasme-se, Quinta do Soalheiro. Daí a aversão do poeta-laranja contra os pérfidos caminhos da "esquerda". Bem, pelo menos sabe-se que a "esquerda" segue a máxima da Marquesa de Pompadour: "le champagne est le seul vin qui lasse la femme belle après boire". O que não está mal, diga-se.

Há, reconheça-se, no génio de VGM o espírito de um admirável economista e, sabe-se, não há economista que não se orgulhe em ser um admirável poeta. O vate, onde nunca a rima falta, é sobretudo um estudioso. Murmura economia, persegue as finanças públicas, trabalha em política orçamental, recorre à análise da conjuntura, discute economia internacional. Admirável, pois, o masoquismo político do nosso bardo na análise das "náuseas e diarreia" que afronta a oposição à Mercearia Leite. E, por isso, apresta-se a dar à pena tercetos sobre as curvas IS/LM, redondilhas sobre o multiplicador dos gastos públicos, sonetos sobre o teorema de Haavelmo, alexandrinos a Rybczinski, até mesmo uma xácara sobre o Teorema de Heckscher-Ohlin-Samuelson. Palmas! A reprimenda de VGM sobre o défice é justa, o publico é que não compreendeu as ledas musas da alegre jericada. Resta-nos, sempre, as protérvias de Patinha Antão. Cria discípulos desembaraçados, prontos a levar com as "cacheiradas" costumeiras. São, de facto, todos poetas e esperam acabar os dias. Que Deus lhes faça a vontade.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004



"Bom dia, Paulo Quintela

Todas as manhãs o Sol nasce
desfolhando no calendário dos dias o futuro.
Inútil seria seu eterno retorno
se em cada aurora não houvesse um homem
que a outro saudasse em voz fraterna
e pondo a mão sobre o seu ombro lhe dissesse:
Bom dia, camarada,

bom dia!
"

[Joaquim Namorado, Vértice, nº 382-383, Nov-Dez., 1975]

Na foto: Miguel Torga, António de Sousa, Afonso Duarte, Paulo Quintela e Vitorino Nemésio, in Vidas Lusófonas

Ordem Acerca dos Cabellos

"D. Miguel da Annunciação, cónego regular da Congregação de Santa Cruz, por mercê de Deus e ..., Bispo de Coimbra, etc ...
Como temos sabido que no nosso seminário se tem introduzido alguma relaxação na composição affectada dos cabellos, sendo o seminário uma casa ecclesiatica, que não tem outro fim, mais que educar os que hão-de ser ministros do altar, aos quaes pelos sagrados cânones, e por muitos Concílios é prohibida toda a composição affectada no cabello; somos obrigados a extirpar este abuso e relaxação, que consigo trará outros maiores, se se não talhar ao princípio (...)
Por isso mandamos que daqui em diante todos os seculares, que ao presente vivem no seminário, e para o futuro forem admittidos, de qualquer condição ou estado que sejam, não usem de alguma composição affectada no cabello, já trazendo-o virado todo para traz, e fazendo-lhe o que vulgarmente chamam –Bordefronte - ou - Cabriolé -; mas que ande todo egual e cahido naturalmente, como a natureza o creou, nem também da parte de traz seja tão comprido, que corra pelas costas abaixo, nem tão curto, que deixe totalmente o cabeção descoberto, nem com anneis artificiosamente formados (...)
Dada no nosso Paço Episcopal aos 20 de Dezembro de 1763 – D. Miguel, Bispo Conde"

[in O Conimbricense, nº 2269 de 24/04/1869]