quarta-feira, 24 de março de 2004


Exercício necessariamente obrigatário

"A Alma é um tique" [Alfred Jarry]

O primeiro olhar sobre os vários textos sobre o assassinato de Yassin convoca alguma suspeição, mal-estar e ambiguidades várias. A filosofia doméstica de alguns roça a náusea. A rigidez dogmática de outros é inquietante. O discurso oficioso, uma hipocrisia. Seja como for, nada de bom se poderá esperar dessa caricatural autodestruição que fascina estes homens profundamente reprimidos, devastados numa irracionalidade doentia, sem memória nem utopia no olhar. Para eles "o mundo está divido em duas classes, uma é a nossa, outra é a vossa", como diria qualquer radical estalinista ou fascista. Os dias de hoje são uma imensa perturbação.

O que nesta leitura da morte (seja a de Yassin, de judeus, árabes, americanos ou espanhóis) mais impressiona é que pode-se estar com os "teocratas da morte" na mais racional das emoções, em elogio deslumbrado, sobranceiramente chocante, num grau zero de humanismo insinuantemente amoral. A dimensão da tragédia, a obsessão da "É a guerra! É a guerra!" não é mais que "fascismo rastejante" (Chomsky), um maniqueísmo inassumido (por pudor?) e onde a violência do dia-a-dia - o terrorismo - é um sintoma da doença que grassa nas sociedades actuais, quando o Estado-espectáculo normalizou a violência, institucionalizando-a. Reaccionários ou nostálgicos de antanho cedem à violência do(s) poder(es), consoante as "estações dos sentimentos", e ao fazê-lo legitimam o terrorismo. E, aqui, é bom também não esquecer que "o terrorismo mais eficaz é sempre o do Estado: os grupos matam simbolicamente, o Estado estatisticamente" (Alberto Morávia).

Sobre a questão do assassinato de Yassin, e da onda de assombração que varreu a blogosfera, destaque para os textos que respiram liberdade do Aviz e do Mar Salgado, que não seguem a vulgata dos lugares-comuns e que são um estimulo ao debate. Mesmo que possamos discordar, como acontece, sobretudo nalguma argumentação do FJV.