segunda-feira, 15 de novembro de 2004


[No dia de nascimento de J. G. Ballard]

"A eliminação da dimensão moral das nossas vidas abre o caminho à lógica dos psicopatas. É isso que eu temo. Estamos a mover-nos rumo a uma guerra entre um gigantesco sistema psicopatológico contra outro gigantesco sistema psicopatológico. É assim que eu vejo o futuro. Uma espécie de luta darwiniana entre dois gigantes psicopatas rivais. O dos atacantes do 11 de Setembro contra o do complexo político-militar americano (...)

Não temos interesse em nenhuma zona para além da nossa esquina do mundo. Estamos armadilhados na nossa história social. Olhe, eu nem sou capaz de lhe dizer o nome do primeiro-ministro português! E sou supostamente um homem culto. Vimos, na televisão, imagens de pessoas a morrerem à fome no Sudão. Que fazemos? Nada. As nossas atitudes são completamente provincianas. As nossas vidas são controladas. Se sou dentista, ou professor, não vou desistir da minha carreira para ir para África. Somos prisioneiros, embora não o saibamos." [J.G. Ballard, in Público]

Locais: jgballard.com / J. G. Ballard / JG Ballard: First & Variant Editions / JG Ballard / "Numa Sociedade Saudável, a Loucura É a Única Liberdade Possível"

[Programa do Partido Popular Democrático]

"Liberdade, igualdade e solidariedade são os grandes ideias do socialismo e realizam-se em democracia. Não há verdadeira democracia sem socialismo, nem socialismo autêntico sem democracia.
Estes ideias são a herança de uma complexa tradição cultural historicamente alimentada pelos contributos do humanismo, do cristianismo e da filosofia ocidental, das lutas das classes trabalhadoras, da análise das formas de contradição e opressão da sociedade capitalista ..." [p.13-14]

"A Administração Pública terá (...) de conformar-se estreitamente com as características e as necessidades do Povo Português e de construir-se a partir dele, recrutando os seus agentes segundo o princípio democrático do mérito, sem distinção de classes, sexo, credo religioso ou ideologia política. O recrutamento de funcionários por critérios de confiança política significaria o regresso a um regime ditatorial - quaisquer que fossem as novas fórmulas de favoritismo político - e a possibilidade prática do funcionário exercer plenamente a sua cidadania política" [p. 43]

"... a política de informação, com a objectividade e a verdade possíveis, não pode nem deve ser dirigida, ao serviço de um grupo, de um programa, de um objectivo pré-imposto. Esse dirigismo corresponde, nas suas mais negativas características, a regimes anti-democráticos ou autocráticos e a formas de autêntica violência contra a integridade moral dos cidadãos" [p. 48]

"A gratuitidade de todo o ensino deverá ser assegurada, criando-se um sistemas nacional de subsídios não reembolsáveis e de bolsas-empréstimos. Formas de atribuição de salários aos estudantes das camadas mais pobres deverão ser estudadas, em ordem a garantir uma compensação do salário que aufeririam se trabalhassem?" [p. 76]

"O Serviço Nacional de Saúde será financiado na sua totalidade pelo Orçamento de Estado, em rubrica própria e com dotações prioritárias, e englobará todas as unidades de saúde estatais e para-estatais, podendo enquadrar estabelecimentos privados, mediante formulas de colaboração a definir por contrato quando o interesse sanitário das populações o justificar" [p. 80]

"A Segurança Social deverá constituir um serviço estadual, reservando-se aos sindicatos um papel bem definido na sua programação e fiscalização. Os relatórios e contas deverão ser publicados regular e oportunamente, discutidos pelos órgãos de representação política e julgados pelo Tribunal de Conta" [p. 85]

[Programa do Partido Popular Democrático, aprovado no 1º Congresso Nacional, Lisboa, 23 e 24 de Novembro de 1974]

sábado, 13 de novembro de 2004

[It's also fine]

"It's also fine to die in our beds
on a clean pillow
and among our friends.

It's fine to die, once,
our hands crossed on our chests
empty and pale
with no scratches, no chains, no banners,
and no petitions.

It's fine to have an undustful death,
no holes in our shirts,
and no evidence in our ribs.

It's fine to die
with a white pillow, not the pavement, under our cheeks,
our hands resting in those of our loved ones
surrounded by desperate doctors and nurses,
with nothing left but a graceful farewell,
paying no attention to history,
leaving this world as it is,
hoping that, someday, someone else
will change it." [Mourid Barghouti]

Arafat

Há pessoas que não têm emenda. Seres desprovidos de espanto. Falta-lhes o tempo, o espaço, a alma. A adulação e a hipocrisia estão-lhe no sangue. São valorosos ou melodramáticos quando retratam os seus favoritos, submissamente. No esplendor da sua própria miséria política, rodeados de prelados, obedecendo aos vigias espirituais, fazem de acusadores públicos e privados. A sua cegueira ideológica é um singular espectáculo de horror. São o que dizem: "quando estou à beira no passeio, sou eu o caçador". A aprendizagem da vida resulta-lhes sempre numa ignorância, mas assumem ser proprietários de ideias, homens com cio. Esquecem que a hora da nossa morte são todos os dias. Na Muqata, nome pelo qual alguns adoçam críticas brejeiras aos seus próprios fantasmas de escribas acocorados; em Ramallah onde as manifestações de pesar deixam de ser um jogo da vida, para passar a mostrar uma qualquer indecência civilizacional; no Iraque, onde os cadáveres nossos de todos os dias nos transmitem, a seus olhos, a glória do aniquilamento piedoso dos seus habitantes. Tanto azedume na vida. Tanto assombro pelos mortos. Tanto vazio enorme no coração.

Arafat morreu. Deixou um sonho que parece impossível. Culpa sua, também. Mas o epitáfio que grava na história dos homens é um cântico à resistência que habita em cada cidadão que se pretende livre. Mesmo que a sua biografia o contradiga. Mesmo que apóstolos sejam outros. Um ser lendário que acaba. Daí o respeito que o crepúsculo da tarde nos trouxe. E que não vai morrer.

2 Olhares: Yasser Arafat (1929-2004) O Princípio de uma Nova Era / (1929-2004)

Leilão da Biblioteca dos Marqueses da Praia e Monforte: dias 22, 23 e 24 de Novembro, Amazónia Lisboa Hotel, pelas 21 horas

O valor da Livraria que vai à praça pela qualificada mão de Pedro Azevedo é notável. Conforme o Catálogo trata-se de uma extraordinária Livraria, com obras de apreciável importância, exemplares únicos, eruditos ou curiosos, pertencentes a uma casa de nobres tradições, que outrora se fixou na Ilha de S. Miguel. Os vários lotes da Açoriana presentes no Catálogo são disso exemplo. Chama-se a atenção, ainda, de raríssimos originais quinhentistas, como A Verdadera informaçam das terras do Preste Joam; Bvllas dos Sanctos Padres Pio Qvinto e Gregório XIII; o comentário ao Novo Testamento de S. Gregório de Berthold Rembolt; La Geografia di Clavdio Tolomeo Alessandrino; Libri Quatuor de Antiqvitatibvs Lvsitaniae de André Resende; Regimentos do Avditorio Ecclesiastico do Arcebispado d'Evora. São raros, também, a Collecçam dos documentos e memorias da Academia Real da Historia Portuguesa (1721), a Collecção dos costumes servis da cidade de Lisboa (1806), Traité sur la cavalarie (1776), o Index testarvm conchyliorum qvae adservantvr in mvseo Nicolai Gvaltieri (1742), a Iconographie des orchidées (de Jules Linden, 1890), o considerado primeiro livro português condenatório da escravatura "Ethiope resgatado empenhado, sustentado, corrigido, instruído, e libertado ..." (1758), do Pe. Manuel Ribeiro Rocha. Além de muitos livros clássicos portugueses e estrangeiros, vários periódicos (O Padre Amaro ou a sovela politica, histórica e literária; o Toureiro; o Velho Liberal; Annaes das sciencias, das artes e das letras; O Artilheiro; O Campeão Português ou o Amigo do Povo; O Espectador Portuguez; O Espectro; Gazeta de Madrid, etc.), salientemos um importante conjunto de obras de José Agostinho de Macedo, conjunto invulgar de peças e manuscritos maçónicas de importância para a história Açoriana e, principalmente, um valioso conjunto de manuscritos e autógrafos.

[a continuar]

quinta-feira, 11 de novembro de 2004


Hans Magnus Enzensberger [n. 11 Novembro de 1929]

"Don't read odes, my boy, read the timetables:
they are more exact. Unroll the seacharts
before it's too late. Be on your guard, don't sing.
The day will come when they'll hammer lists
on the door again and mark with special signs
all who say no. Learn to go unrecognized,
learn more than I ever did: to change
your domicile, passport, face. Become
adept at petty treacheries and the everyday
dirty get-out. Encyclicals
are good to light the fire with,
manifestos: to wrap the butter in and salt
for those who cannot defend themselves. Rage
and patience are needed
to blow into the lungs of power
the lethal dust
finely ground by those who have learned a lot
and are exact, like you." [For a Sixth Form Reader]

Locais: Hans Magnus Enzensberger (Alemania, 1929) / Hans Magnus Enzensberger (sul sito della Fondazione Bassetti) /H. M. Enzensberger in conversation with Michael March / An Open Letter to Fidel Castro / On Leaving América / 'What We Think of America' / Four poems

Boletim Bibliográfico de Luís Burnay

Acaba de sair o Boletim Bibliográfico 22 do Livreiro-Antiquário Luís Burnay, Calçada do Combro, 43-47, Lisboa, que como sempre apresenta peças estimadas e preçário convidativo.

Algumas referências: La Divina Comedia por Dante Alighieri ..., México, 1966, II vols (c/ gravuras de Doré) / Documentos e Reflexões para o Processo em Primeira e Segunda instancia do Sr. Pe. João Manuel Cardoso de Napóles nas Lojas Maçónicas Ir. Bailly e Lamennais, nomeado para Arcebispo coadjutor de Goa e do Sr. Pe António Ayres de Gouvea na Loja Maçónica Ir. Eurico, presentado para Bispo do Algarve (raro) / Orlando Furioso de Ariosto, 1955, II vols (c/ gravuras de Doré) / Escriptos humorísticos em prosa e verso do fallecido José de Sousa Bandeira, 1874-1877, II vols (artigos na Atalaia, no Periódico dos Pobres e no Braz Tisana / Sumario de Antiguidade da Mui Nobre Cidade do Porto, de Magalhães Basto, 1963 (2ª ed.) / Nova Floresta ou Silva de vários apotegmas e ditos setenciosos espirituais e morais, pelo Pe. Manuel Bernardes, 1949, III vols (pref. Sampaio Bruno) / Poesias Eróticas, burlescas e satyricas de Bocage, 1964 (pret. impressa em Londres) / Memórias do Professor Thomaz de Mello Breyner, 4º Conde de Mafra, 1930 / Memorias de vida, e virtudes da serva de Deos Soror Maria Joanna religiosa do Convento Real do Santíssimo Sacramento do Louriçal, pelo FR. Joseph Caietano, 1762 / Serman das Soledades da May de Deos na See de Coimbra, por D. Jerónimo Ribeiro de Carvalho, 1669 (raro) / Templários de Portugal, por J. A. Luna de Carvalho, 1998 / Nas Trevas: sonetos sentimentaes e humorísticos, por Camilo Castelo Branco (raro) / Catálogo da Livraria de Duarte de Sousa, Séculos XV a XVIII e XIX a XX, 1972-74, II vols / Os Barristas Portugueses (nas escolas e no povo), por Luís Chaves, 1925 / Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, por Fr. Bernardo da Costa, 1771 (aliás 1997, ed. fa-similada) / Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D'El Rei D. Sebastião, 1987 (inter. Sebástico) / Ditames e Ditérios: glosas em verso de ditados ou dizeres comuns, por Alfredo da Cunha, 1929-1936, III vols / Erros Ímpios, e Sediciosos, que os religiosos da Companhia de Jesus ensinarão aos Reos, que forão justiçados ... / Em Terras de Pretos, por Henrique Galvão, 1929 (polémico e raro) / Imprensa Nacional: actividade de uma Casa Impressora (elaboado por Pedro Canavarro et al), 1975 / O Senhor dos Passos da Graça: memoria de um revoltado, de Gomes Leal / Historia da Imprensa do Algarve, por José Carlos Vilhena Mesquita, 1988-89, II vols / O Culto do Chá, de Wenceslau de Moraes, 1933 (2ª ed.) / La Voyelle promise: poemes, por Vitorino Nemésio, 1935 / A Funda, de Artur Portela Filho, 1973, V vols / Protocolos dos Sábios de Sião; o imperialismo de Israel. O Plano dos Judeus para a conquista do Mundo ?, 1999 (ed. para bibliófilos) / Além: sonhos, por Mário Sá-Carneiro, II vols (ed. Petrus) / Historia Secreta de Portugal, por António Telmo, 1977 / Chronica do Imperador Clarimundo ..., de João de Barros, Off. Francisco da Sylva, 1742 / Tempo de Fantasmas, de Alexandre O'Neill, 1951 (raro) / Mysterios da Inquisição, por F. Gomes da Silva, 1900-04, III vols

terça-feira, 9 de novembro de 2004


Da música ... um desmaio de voz

"Subamos, pois, à altura das águias, cantemos sobre os cabelos do mundo" [Maiakowsky]

Enquanto a noite corre, "mais lenta com uma estrela às costas" [H.H. para sarar o tédio] e a rapaziada da politika está envolta no mystério de todos os dias, assoviando desculpas para a crise da crise - dezenas de Bettencourt Resendes empertigaitados se perfilam em contactos com membros equilibrados da nação, bengala em riste & Delgados enxotando o pagode - devagar, cautelosamente no movimento da escuridão da Internet refugiamo-nos na arte musical. Somos meigos contra o tempo. Visto daqui o silvo da noite é bem inocente. Daí que depois da ingenuidade lagartal do senhor Peseiro & seus muchachos pouco amestrados, teríamos de cair no Music, Art & Entertainment, um blog de saltar à corda com todos nós, uma trip calmante, de talentos mil.

Que frutifique o Dias da Cunha mai-lo seu systema, que os opúsculos da tegevização do Mexia desencadernem, que a violência assassina sobre Fallujah seja o nosso inferno ou que cresça as abaciais panças dos serviçais militarizados lusos do casto Portas - que o discurso é sempre um hábito na sebenta sebosa militar -, ou mesmo que a philosophia de Manso Preto seja mais especiosa que a de Pires Lima Filho ... hoje, damos música via KingBlind. Downloads. Peregrinemos, pois.

Miles Davis with John Coltrane: Miles & Coltrane Click to Download / Bob Dylan Bootleg mp3s Unofficial Page Click to Download / Frank Zappa - Freak Out! Click to Download [a não perder, ainda, algumas pérolas de Anton Maiden, pseudónimo de Gustafsson, mítico fã dos Iron Maiden e pioneiro do D.I.Y , Do It Yourself] / Misc Tom Waits Tracks Click to Download / The Unicorns: Who Will Cut Our Hair When We're Gone Click to Download / Radiohead Click to Download / Massive Attack - 100th_Window Click to Download
[Livros & Arrumações ]

Conjunto de Catálogos curiosos:

Catálogo da interessante livraria que pertenceu ao distinto escritor Dr. Henrique de Vasconcelos, Director Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Leilão em 15 de Janeiro de 1926 - rendeu 44 contos

Catálogo de uma Colecção de Livros Antigos e Modernos que na sua maioria pertenceram aos Exmos Srs. Ricardo Loureiro, José Jorge Loureiro, Carlos Morato Roma, José Vicente Barbosa du Bocage, Carlos Barbosa du Bocage e ao falecido musicographo Ernesto Vieira. Leilão no dia 10 de Janeiro de 1927 - rendeu 35 contos

Catálogo de uma preciosa colecção de livros antigos e modernos ... pertencentes ao antigo coleccionador Exmo Sr. José T. de Araújo Couto e a outro brilhante bibliófilo. Leilão entre o dia 24 e 31 de Outubro de 1927 - rendeu perto de 80 contos

Catálogo de Livros Antigos e Modernos que na sua maioria pertenceram aos Exmos Srs José Vicente Barbosa du Bocage, Carlos Barbosa du Bocage, Ernesto Vieira (camiliana, camoneana, etc.). Leilão dia 12 de Março e seguintes de 1928 - rendeu perto de 43 contos

Catálogo da Livraria que pertenceu ao ilustre bibliophilo António Caldeira Pires. Leilão de 2 a 10 de Abril de 1928 - rendeu 20 contos.

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

[O Naufrágio do Titanic]

"... Porque quem se desespera
não tem vontade de dizer:
"Estou desesperado".
Porque orgasmo e orgasmo
estão a mundos de distância.
Porque o moribundo, em vez de declarar
"estou morrendo", estertora apenas
um gemido baixo
e, para nós, incompreensível.
Porque são os vivos
que enchem o ouvido dos mortos
com suas notícias atrozes.
Porque as palavras sempre chegam
tarde demais ou cedo demais.
Porque é um outro,
sempre um outro,
quem fala
e porque
aquele de quem se fala
silencia."

[Hans Magnus Enzensberger]

Janela Indiscreta: um blog pela noite dentro

"Attendite et videte est dolor sicut dolor meus"

A suavidade da noite era, para nós, uma ventura perturbadora, impiedosa, livre. Depois do excesso do dia desfalecíamos, desamparados, na devoção ardente da Janela, noite dentro, sem que subliminares de paixão nos extremassem o olhar das coisas perenes. E era sempre uma "noite máxima pelo pensamento / pela voz entre as águas tão verdes no sono". Tanto a admirámos sem a abraçar. Tantas dávidas nos regeneraram a alma. Tanta bondade que a fortuna e o zelo da Janela nos confiava. Um belo dia, sem aviso prévio, por obediência divina, decerto, a Janela veio por termo aos seus fidelíssimos exercícios. Janela Finda.
Enxugadas as lágrimas, o nosso refúgio restou mais amargurado. As noites não terão, mais, conspiradores assim. A Janela Indiscreta, fechou-se.

[Memorias de mis putas tristes]

"El año de mis noventa años quise regalarme una noche de amor loco con una adolescente virgen. Me acordé de Rosa Cabarcas, la dueña de una casa clandestina que solía avisar a sus buenos clientes cuando tenía una novedad disponible. Nunca sucumbí a esa ni a ninguna de sus muchas tentaciones obscenas, pero ella no creía en la pureza de mis principios. También la moral es un asunto de tiempo, decía, con una sonrisa maligna, ya lo verás. Era algo menor que yo, y no sabía de ella desde hacía tantos años que bien podía haber muerto. Pero al primer timbrazo reconocí la voz en el teléfono, y le disparé sin preámbulos:

-Hoy sí.

Ella suspiró: Ay, mi sabio triste, te desapareces veinte años y sólo vuelves para pedir imposibles. Recobró enseguida el dominio de su arte y me ofreció una media docena de opciones deleitables, pero eso sí, todas usadas. Le insistí que no, que debía ser doncella y para esa misma noche. Ella preguntó alarmada: ¿Qué es lo que quieres probarte? Nada, le contesté, lastimado donde más me dolía, sé muy bien lo que puedo y lo que no puedo. Ella dijo impasible que los sabios lo saben todo, pero no todo: Los únicos Virgos que van quedando en el mundo son ustedes los de agosto. ¿Por qué no me lo encargaste con más tiempo? La inspiración no avisa, le dije. Pero tal vez espera, dijo ella, siempre más resabida que cualquier hombre, y me pidió aunque fueran dos días para escudriñar a fondo el mercado. Yo le repliqué en serio que en un negocio como aquel, a mi edad, cada hora es un año. Entonces no se puede, dijo ella sin la mínima duda, pero no importa, así es más emocionante, qué carajo, te llamo en una hora.

No tengo que decirlo, porque se me distingue a leguas: soy feo, tímido y anacrónico. Pero a fuerza de no querer serlo he venido a simular todo lo contrario. Hasta el sol de hoy, en que resuelvo contarme como soy por mi propia y libre voluntad, aunque sólo sea para alivio de mi conciencia. He empezado con la llamada insólita a Rosa Cabarcas, porque visto desde hoy, aquel fue el principio de una nueva vida a una edad en que la mayoría de los mortales están muertos (...)" [Gabriel García Marquez]

Oração Americana

Graças Bush, fonte de todo o bem, por receberdes as nossas complacências pecadoras, nessa glória inefável para a eternidade, assim nos USA como no Iraque, e concedei-nos a remissão por estarmos cegos do Lopes e seus discípulos, purificando o nosso coração com a bênção de César das Neves, a vigília infinita do Portas e as orações do White Castle. Verdadeiramente não temos o espírito maternal e apostólico de Helena de Matos e o coração pio do reverendo pároco Luciano Amaral, grandes inquiridores e professos da Ordem. Bush qui tollis peccata mundi, misere nobis.

Temos olhos e não vemos, já dizia o profeta. Por isso estamos arrependidos da desgraça dos tempos, da relaxação dos Homens, da devassidão dos costumes, ó salvador misericordioso. Aceitai, ó divino evangelista, a nossa obediência à propriedade, à família, à religião, à pátria eleita, terra da oportunidade ou última morada. Contra os evil acts todas as esperanças estão à vossa disposição. Havemos de comer o pão dos anjos.

Para glória de Luís Delgado, peço-vos que vos digneis interceder junto do bem-aventurado protector Karl Rove e da multidão de anjos neocons in domus áurea dos valores americanos. Lembrai-vos do bom pastor Gomes da Silva, do senhor José Francisco Gandarez, purificado escriba sem pecado, e perdoai-nos. Purificai os nossos corpos e santificai as nossas almas lusas, ó conservador do mundo. Tende piedade de nós.

Dark Days Ahead / Electing to Leave / Evidence Mounts That The Vote Was Hacked / Forget the "Heartland" / Kerry Won... / Mourn / No Surrender by Paul Krugman / Now Bush will be paying the bill / One last flip-flop / Post-Election: What's next for dissent and protest? / Some Bush Supporters Say They Anticipate a 'Revolution' / The Democrats Need a Spiritual Left / The Election Of Homophobia And Misogyny / The Next Election by Ralph Nader / The Silver Lining of the Democrats' Disastrous Defeat / Those Who Voted for Bush May Be In for a Big Surprise / Wallow In Chaos, And Laugh / Will left in America get its say now? / What's Next For a Nation Deeply Divided? / Why kerry Lost / Why They Won

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

[A Noite Americana]

"Será que você também, meu amigo, presumiu que a democracia era apenas para eleições, para a política, e para o nome de um partido"" [Whitman]

A novidade da noite é não estarmos fartos da TV. E da América. Hoje estamos amarrados a projecções, se bem que parece que George W. Bush esteja já a cozinhar nova ementa mundial, enquanto o populismo americano lhe faz continência, com um grito nos lábios. A ansiedade do resultado eleitoral é um tónico excelente para insónias futuras. O sistema eleitoral americano uma publicidade enganosa. Nada que não fosse esperado. E, mesmo que John F. Kerry ganhe amanhã (ainda é possível), não temos ilusão: "plus ça change, plus c'est la même chose" [Parrington].

"Enquanto esta América se instala na forma da sua vulgaridade
transformando-se em Império,
e os protestos - bolhas na lava derretida - balbuciam e
se extinguem, e a lava endurece,
lembro-me tristemente de que a flor fenece para se tornar
fruto, que o fruto apodrece para se tornar terra
" [Robinson Jeffers]

terça-feira, 2 de novembro de 2004



The World says NO to Bush


George Bernard Shaw [m. 2 Novembro 1950]

"A classe dos milionários, uma classe pequena mas crescente na qual cada um de nós pode se ver atirado amanhã pelos acasos do comércio, é talvez a mais descuidada da comunidade. Este opúsculo, que eu saiba, é o primeiro já escrito para milionários. Pelos anúncios das fábricas do país cheguei à conclusão de que tudo é produzido para os milhões e nada para o milionário. Crianças, rapazes, moços, «cavalheiros», senhoras, artesãos, adeptos das profissões liberais, até pares de reino e reis são providos do necessário; mas a freguesia dos milionários evidentemente não é interessante por eles serem tão poucos. Enquanto os mais pobres têm a sua Feira de Trapos, um mercado devidamente organizado e ativo em Houndsditch, onde se compra uma bota por um pêni, percorrer-se-ia o mundo em vão em busca de um mercado, onde as botas de 50 libras, o tipo especial de chapéu de 40 guinéus, o costume de ciclista de tecido de ouro, e o clarete Cleópatra, quatro pérolas do conjunto, possam ser adquiridos por atacado. Assim ao milionário infeliz cabe a responsabilidade de uma fortuna prodigiosa sem a possibilidade de se divertir mais do que qualquer homem medianamente rico (.....)

[George Bernard Shaw, Socialismo para Milionários - Leia mais aqui]

Locais: George Bernard Shaw (1856-1950) / George Bernard Shaw(Irlanda, 1856-1950) / George Bernard Shaw / Brief Biography / Shaw, George Bernard / Shaw Bizness /The George Bernard Shaw Collection / The International Shaw Society. Newsletter & Bulletin Board / Pygmalion / Pequeno Breviário Shawiano

Les bons esprits ...

"Não há extravagância imaginária de que não seja capaz o coração do homem" [Anónimo]

Agradecemos todas as obsequias mas só hoje estamos de volta. Para corresponder a tamanha amabilidade que os e-mails nos dispensaram, aqui deixamos prosa adocicada, verdadeiras petas úteis ao cidadão e à corte. "Les bons esprits ..."

- ao que se sabe, o discurso recitado na paróquia pela dra. Ferreira Leite, a mais alta e fulgurante ministra das finanças que o pensamento económico conheceu, encontra-se pelas ruas da amargura. O catecismo de Ferreira Leite teve os seus dias, sabe-se. Hoje, é ver a ex-ministra expiando a dor orçamental nos assentos do Banco de Portugal, sem gratidão, emoção e ... principalmente labor. Mesmo sabendo-se a intensidade da indigestão da sua política, não deixa de causar estranheza não lhe darem nada para fazer. É uma dor de alma vê-la assim contrariada na prateleira técnica da instituição bancária. Que pensará Ferreira Leite disso tudo?

- a pose estadista de Santana Lopes, cuja sensibilidade organizativa é demais conhecida, faz furor entre os funcionários de apoio ao Conselho de Ministros. Após a ordenança e planificação do trabalho administrativo e jurídico Barrosista, que corria bem e em tempo útil, destoa a enorme barafunda, agitação e a comovente insegurança da prática Santanista. Não há assessores, nem funcionários que resistam.

- consinta-se que se deixe, aqui, um louvor ao prof. Marcelo Rebelo de Sousa pela aquisição de algumas peças bibliográficas curiosas e estimadas, provenientes do espólio do ex-Pide Silva Pais. Quase todos com dedicatórias expressivas de homens do Estado Novo, os livros arrematados a um alfarrabista, fazem a delícia de um amante dos livros. Assim tivesse compreendido o Estado ou a Torre do Tombo, o que é o mesmo, quando não quis comprar o grosso da correspondência e demais documentos manuscritos pertencentes a Silva Pais. E que acabaram destruídos pelos herdeiros. Há países muito obscenos!

[Dia de Finados]

"Dia de Finados! (...) Por quem se está orando aqui? Dize-me tu, loirita, loirita, que vais saindo e molhando os dedos na água benta: por quem rezaste tu? Por teu pai, que te faltou em pequena, e de quem já não te lembras? por tua tia, que morreu há dois anos, e de quem só recordas os ralhos com que te oprimia? por tua velha prima, aquela parenta afastada, - afastada porque era pobre, e todos os parentes pobres são parentes afastados! - que te serviu de aia desde os quinze anos, e não te deixava chegar à janela, quando, ao princípio da noite, ias deitar a linha à carta dom namorado? Tu, por quem rezaste, morenita de olhos grandes e trança negra? Por teu irmão, o capitão, que só uma vez te deu um beijo, ao voltar da guerra? por tua mãe, que te batia em pequena por cada colher de açúcar que tu comias? por teu tio, o bacharel, que nunca te pegou ao colo para não te amarrotar? - E tu, minha triste e pálida, que orvalhas de pranto o teu livro de orações! é por teu marido que imploras a Deus? por teu marido, que tu enganaste? ou por teu marido, que te enganou? - Estais vós bem certas, bem seguras da consciência e da razão, de não ser ao acaso que rezais, sem caridade especial para uma ou outra alma, sem intenção por um ou outro morto? Juraríeis mesmo que não entra de nenhuma forma no sentimento da vossa prece nenhuma imagem, nenhuma memória, nenhuma lembrança dos vivos? - Sentis a vossa alma, nesta hora, toda recolhimento, toda religião, toda saudade? (...) Estais vós chorando simplesmente pelos que estão mortos, ou pelos que mereciam estar vivos? ..." [Júlio César Machado, in Contos do Luar]

quinta-feira, 28 de outubro de 2004


Parabéns

Rua da Judiaria é uma delicada emoção de escrita e saudade. O sussurro de vozes do outro lado de lá. A lembrança de outros imaginários que o tempo não esquece. Um peregrino da nossa própria história. Um portal de devoção, de sensibilidade apurada e orgulhosa. Nasceu há um ano bebendo subtis estados de alma. Continuará na sua visitação extraordinária. Em cada pedra, azulejo, palavra, rua ou cidade. O seu património é o de todos nós. Há blogs assim.
Muitas felicidades, Nuno Guerreiro.
[Mujer en Camisa]

Te amo así, sentada,
con los senos cortados y clavados en el filo,
como una transparencia,
del espaldar de la butaca rosa,
con media cara en ángulo,
el cabello entubado de colores,
la camisa caída
bajo el atornillado botón saliente del ombligo,
y las piernas,
las piernas confundidas con las patas
que sostienen tu cuerpo
en apariencia dislocado,
adherido al journal que espera la lectura.
Divinamente ancha, precisa, aunque dispersa,
la belleza real
que uno quisiera componer cada noche. [R.A., in Mujer en Camisa]

Rafael Alberti [m. 28 Outubro 1999]

"El mar. La mar.
El mar. ¡Sólo la mar!

¿Por qué me trajiste, padre,
a la ciudad?

¿Por qué me desenterraste
del mar?

En sueños, la marejada
me tira del corazón.
Se lo quisiera llevar.

Padre, ¿por qué me trajiste
acá? "

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quarta-feira, 27 de outubro de 2004


Até Sempre John Peel

Biography / John Peel Home / John Peel passes away / With John Peel / Live Chat Transcript / Listen John Peel

Em Defesa do Diário de Notícias

Assim deve ser. O mesmo jornal que, admiravelmente, informou e formou gerações de portugueses é hoje uma caricatura do que foi. O esforço vergonhoso dos comissários políticos Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes, a soldo da estratégia da PT/Governo Lopes & Portas para tornar o DN um farol da Central de Informação da governação, é uma grosseria desorientada, alvoraçada e infame. E mesmo que se queira regressar ao articulado do seu primeiro número, no tempo distante de 1864, onde se lia que "não se discute política, nem se sustenta polémica", seria bom também não esquecer que se assegurava, no mesmo programa, prestar "culto à liberdade na sua mais elevada expressão".

O imprevisto bizarro destas semanas é uma descarada e intencional ingerência no normal desempenho do jornal, uma invectiva contra os seus jornalistas e um insulto à inteligência dos seus leitores. Por isso não se compreende que no decorrer embaraçante da putativa escolha de Clara Ferreira Alves e mesmo antes do efeito das suas estridentes declarações, se tenha perdido o varejo dessa dupla de apparatchiks, supra-citados, iluminados pelo desejo do poder.

E se em relação às intenções de Luís Delgado ninguém exerce o contraditório, tal a ambição desmesurada do medíocre jornalista, já a miopia política relativamente a Mário Bettencourt Resendes permanecia, dando-lhe algum benefício da dúvida em toda esta questão de "intenção conspirativa". Hoje, porém, não há qualquer ilusão. A beatitude de Bettencourt Resendes, a sua verve espirituosa, a sua irracionalidade doentia, não é uma fraqueza sua, mas outrossim a eterna manifestação da nossa grande tolerância, indolência e bom humor. E até que um dia o imprevisto nos salte porta dentro, não teremos remédio, mesmo que muitos mais Delgados & Bettencourts, sinuosamente, apareçam.

terça-feira, 26 de outubro de 2004


[Recuerdos]

London Calling Back The Clash's masterwork gets a deluxe reissue [via New Yorker]

"London calling to the faraway towns
Now that war is declared-and battle come down
London calling to the underworld
Come out of the cupboard, all you boys and girls
London calling, now don't look at us
All that phoney Beatlemania has bitten the dust
London calling, see we ain't got no swing
'Cept for the ring of that truncheon thing

[The ice age is coming, the sun is zooming in
Engines stop running and the wheat is growing thin
A nuclear error, but I have no fear
London is drowning-and I live by the river] ..."

Bush & Kerry

"Uma dose excessiva de belas palavras
Continua a precipitar-se no meu cérebro
Mas não se referem a pensamento ou fala.
Como os balões, não vão durar muito
& insistem em fugir da mão
para morrer no céu - libertadas ..." [David Meltzer]

100 Facts and 1 Opinion The Non-Arguable Case Against the Bush Administration / Bush's War Against the Military / Clinton stumps for Kerry / Electoral Vote Predictor 2004 / George, God here ... / Invitation to a Degraded World / Kerry for President (The Seattle Times) / Kerry Makes Huge Gains / Paul Wolfowitz defends his war / Poll: Close Bush-Kerry Race Gets Closer / Republicans for Kerry / The End of Democracy Losing America's birthright, the George Bush way / US newspaper publishers side with Kerry / War, peace and politics: Why this campaign matters more than almost any other / Why conservatives must not vote for Bush

segunda-feira, 25 de outubro de 2004


Max Stirner [n. em Bayreuth, 25 Outubro 1806-1856]

"Amigos, a nossa época não está doente, acontece que já viveu tudo; não a torturem também tentando curá-la, apressem a sua última hora abreviando-a, e como não é possível curá-la, deixe-a morrer" [Stirner, in Mistérios de Paris]

"... A natureza provocatória da escrita stirneriana, o riso sardónico que irrompe imparavelmente ao lê-lo, a defesa do crime como última ratio da soberania, o ideia de que a singularidade só pode ser entendida como monstruosidade, facilitaram todas as leituras condenatórias, propiciaram todas as vitórias fáceis que venciam à custa de reduzir o livro [O Único e a sua Propriedade] à patologia criminal ou à loucura de Stirner. Os inimigos, mas também os amantes de Stirner reduziram-no a fórmulas, mas o Único é a anti-fórmula por excelência. É algo que fica para além de todo o discurso, de toda a instituição, como um Minotauro que tivesse saído do labirinto, com os altos muros cercados por humanos, que espreitam para dentro, desenrolam o fio de Ariana, lhe oferecem sacrifício ..." [José A. Bragança de Miranda, Acerca de Stirner - ler Aqui]

Locais: Max Stirner / Max Stirner em projecto LSR / Max-Stirner-Archiv-Leipzig / M. Stirner / Max Stirner (1806-1856) / Max Stirner encore et toujours un dissident / What are the ideas of Max Stirner? / Omar Khayyam and Max Stirner / L'unique et sa propriété / Max Stirner ou l'extrême liberte / Acerca de Stirner / Algumas Observações Provisórias a Respeito do Estado Fundado no Amor


Excitações

"Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem" [Fernando Pessoa]

- o embaraço do raciocínio de Souto Moura em Badajoz, logo seguido do seu assombroso contraditório e duas páginas d'O Expresso, fez estremecer o grémio dos colunistas lusos. A arte discursiva do PGR excitou os melhores protectores da humanidade, vaticinando-se mesmo, atrevidamente, a sua demissão. Ora a remoção do virtuoso Souto Moura da esfera pública será sempre de um heroísmo inquietante, porque tal demanda é tão arriscada como dar um suspiro por Jorge Sampaio, implorar a contenção verbal de Lopes & Cia ou ouvir a voz de Pires de Lima Filho & Pai. Com felicidade o desvario acabará um dia. Só não sabemos é se temos tempo para ver o naufrágio que se seguirá, quando soubermos da história toda.

- esta semana brotou de conturbados corações liberais e de alguns virtuosos democratas clamores e infâmias contra o jovem estudante universitário de Coimbra, preso em dia de trabalho ao Senado. A perversidade do estudante cuidar de revolucionar a Academia ao volante de um Porsche (ai! a saudade do 356 Gmund), degustando Barca Velha 66 (estranhamente não houve colheita em 69) e controlando a cinza de um Cohiba Esplêndidos, fez tomar conhecimento da vida miserável de alguns lentes e do próprio Seabra Santos, obrigados que são a frequentar o Bar das Letras e as casas de pasto da Rua da Louça ou Sapateiros. Tamanha injustiça burguesa, punindo os mal-aventurados talentos educativos da UC é sinal de degenerescência na respeitável Universidade. O que aliás vem confirmar o formidável resfolgar da prosa do lumpen João Pereira Coutinho in O Expresso (link indisponível). Academia ergue-te! É tempo.

domingo, 24 de outubro de 2004

[Há Silêncios ...]

"Há silêncios nos montes e há vida:
Velas no mar e cavalos
Adormecidos nos vales ...
E há ilusões consentidas:
Vento que sopra nos caules
Antes de serem ceifados,
E o começo do mundo
Em cada instante de calma.
Mas eu procuro horizontes
Cerrados pela Promessa.
Mas eu procuro outras fontes,
Melhores? - Di-lo tu, alma!"

[Ruy Cinatti]

[O Político]

"Quando um homem qualquer não tem que fazer, e receia por um resto de pudor passar por vadio, mete-se em político.

Ser político, em Portugal, significa falar no orçamento e não o ler; na Carta Constitucional, e não saber onde ela se vende; no poder executivo, e confundi-lo com todos os outros poderes, menos com o próprio poder executivo.

Para se ser político, precisa-se: primeiro, audácia; segundo, ignorância; terceiro, ociosidade. Com estes três predicados, a leitura de alguma folha periódica, e o conhecimento pessoal de dois ou três homens que já foram ministros, está feito o político.

O político é geralmente um homem enfastiado e fastidioso, a quem correm mal os negócios públicos e pior ainda os domésticos (...)

O político interessa-se por tudo quanto é novidade, porque a novidade traz de ordinário consigo a confusão, e a confusão dá azo a deixa-lo por em prática as suas teorias sociais (...)

O político tem com o perdigueiro a analogia de farejar e levantar a cabeça. Notícia sem fundamento, ou boato sem verosimilhança, nasce exclusivamente do político. É ele que justifica mais do que ninguém a frase popular fazer de um argueiro um cavaleiro ..."

[Luís Augusto Palmeirim, in Galeria de Figuras Portuguesas, 1879]

[Recuerdos]

"Cat's foot iron claw
Neuro-surgeons scream for more
At paranoia's poison door
Twenty first century schizoid man.

Blood rack barbed wire
Politicians' funeral pyre
Innocents raped with napalm fire
Twenty first century schizoid man.

Death seed blind man's greed
Poets' starving children bleed
Nothing he's got he really needs
Twenty first century schizoid man." [21st Century Schizoid Man]

King Crimson [via "Sociedade das Nações", SIC-Notícias]

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

[O Sono Das Águas]

"Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar"

[João Guimarães Rosa, enviado por Amélia P.]

Librarians Against Bush

"Whenever the people are well-informed, they can be trusted with their own government. Whenever things get so far wrong as to attract their notice, they may be relied on to set them to rights" [Thomas Jefferson]


Coisas Públicas

"Há que tempos que deitamos flor pelo lado de dentro" [Raul Brandão]

O Magnifico Seabra Santos, no seu papel de lente instruído, esqueceu-se, há muito, do que assegurou para espanto de todos: ser "politicamente errado e economicamente irrelevante o aumento das propinas (...) e que este aumento não vai significar mais receitas para as Universidades, mas sim menos orçamento transferido por parte do estado". Este episódio espiritualíssimo faz com que Seabra Santos seja, pela doçura melosa das suas palavras in Senado, pela originalidade da gerência financeira a seu cargo e pelo ladrilhar do seu percurso de carreirista académico, considerado o mais arrogante e bem humorado Reitor que pela Academia passou. Seabra Santos pôs-se à disposição dos acontecimentos, pela sua insensata pesporrência, engasgando-se em prosas posteriores que enfeitou com características exibicionistas e daí partiu à desfilado, juntamente com um curioso número de lentes encrostados na bafienta Universidade, contra a estudantada. As palmas ao Seabra ouvem-se já no bar dos Direitos. E o sentimento de felicidade iluminou, de uma vez, os seus vetustos claustros.

Como é uso nestes casos dos doces desenganos, manda o cerimonial recorrer à chibatada para vingar o esclarecimento público. Afinal, os aplausos ao Seabra eram pretexto para um empolgante debate de linguagem marcial, a pedido de vários e conhecidos lentes, algumas famílias políticas entronizadas na instituição e, evidentemente, por todos aqueles para quem a grilheta da autoridade deve ser estoicamente seguida.

O happening assim conseguido à porta da reunião do Senado, lugar onde os graves representantes da Instituição celebram imponentes prelecções, é de uma surpreendente heroicidade. Quando olhamos, de longe, a azáfama que habita o território do ensino superior, onde os lentes modernos legitimam as suas decisões a partir de um discurso e uma praxis onde a avaliação do desempenho está ausente; onde o acto educativo reside num desassossego esquizóide face à abordagem pedagógica incompetente dos seus docentes, sem qualquer capacidade didáctica ou relacional; onde a matriz cultural dos seus clientes atinge o absurdo, sem qualquer dimensão crítica, memória cultural ou desejo de saber; entende-se porque razão o lente, afastado da iniciação pedagógica e, por vezes, científica, se refugia na robustez "pedagógica" das estratégias das cargas policiais. A mestria assim pretendida tem outro nome. Os tempos não mudam.

[Coimbra]

"Em torno dela (geração), negra e dura como uma muralha, pesando, dano sobre as almas, estava a Universidade. Por toda essa Coimbra, de tão lavados e doces ares (...) se erguia ela, com as suas formas diferentes de comprimir, escurecer as almas: o seu autoritarismo, anulando toda a liberdade e resistência moral; o seu favoritismo, deprimido, acostumando o homem a temer, a disfarçar, a vergar a espinha; o seu literatismo, representado na horrenda sebenta, na exigência do «ipsis verbis», para quem toda a criação intelectual é daninha; o seu foro, tão anacrónico como as velhas alabardas dos verdeais que o mantinham; a sua negra torre, donde partiam, ressucitando o «precetto» da Roma jesuíta do século XVIII (...) os seus lentes crassos e crúzios, os seus ... e os seus ..., o praxismo poeirento dos seus Pais Novos e a rija penedia dos seus Penedos! A Universidade, que em todas as nações é para o estudante uma «Alma Mater», a mãe criadora (...) era para nós uma madrasta amarga, carrancuda e rabugenta de quem todo o espírito digno se desejava libertar, rapidamente, desde que lhe tivesse arrancado pela astúcia, pela engenhoca, pela sujeição à «sebenta», esse grau que o Estado, seu cúmplice, tornava a chave das carreiras " [Eça de Queiroz]

"Eu não avalio, na origem, o vosso acto de revolta. Falta-me a competência (...) a nossa triste Universidade, embora com homens de valor, julgada em globo, na sua organização, na sua estrutura e nas suas tendências, só realmente queimando-a, nos daria luz. Não a queimem, nem a destoquem, reformem-na" [Guerra Junqueiro, in Carta à Assembleia de Estudantes da Academia da U.C., nos acontecimentos académicos de 1907]

segunda-feira, 18 de outubro de 2004


["Se non è vero è ben trovato"]

"Não faças travessuras, faz antes travessias - toma, podes levar a avioneta" [?]

Por obra e graça do Santo de Perpétuo Socorro Pinto da Costa, ultríssimo protector do bem-estar plácido e silencioso do culto das Antas, a noute d'ontem na Catedral da Luz foi tão exímia como virtuosa. Como reza a tradição, e não é mister emendar o recreio dos amantes do futebol, seguindo a máxima, "arbor bona bonos frutos facit, et mala malos", o sublime Jorge Nuno Pinto da Costa franqueou, risonho e florido, a magnifica vitória do FCP contra a moirama dos avermelhados.

Só um incrédulo indígena, decerto toldado pela poesis do futebol, acreditava que os acontecimentos extra-campo-de-futebol não eram (não foram) mais que uma inofensiva pressão ou que os patrulhamentos azuis e brancos nunca existiram.

É verdade que a notícia do reaparecimento do patriarca das Antas, qual abelha-mestra, a dar conferências impiedosas aos seus jogadores e esgrimindo o pingalim ao seu filósofo-treinador, ninguém pôde congeminar. Em rigor, o escarcéu da semana em torno da toldada segurança para o jogo nunca encontrou o faccis harmonioso do ministro das Antas. E é exacto que o travesso secretário Hermínio Loureiro nunca saiu, pesarosamente, de Oliveira de Azeméis. Nem o Olegário Benquerença frequenta a Praia da Vieira ou S. Pedro de Moel, porque nunca sai a passeio, nem frequenta pubs. Está absolutamente provado que, com uma seriedade digna de inveja, o senhor Filipe Vieira, inolvidável professor de hermenêutica de rateiro, é de uma inteligência graciosa e inspirada. E que o engenhoso e lascivo José Veiga nunca existiu.

Porém, passe a candura dos desportistas lusos, confessamos que Pinto da Costa é ao mesmo tempo uma figura célebre e um célebre Santo de virtudes piedosas extra-jogo. O seu patrocínio é um alento a todos nós. E a Alberto João, que Deus o tenha na sua refulgente glória.

A prece foi deferida, portanto. Fica no entanto esse memorando de ver a admirável interpretação da equipa azul e branca, com o talento suave de Diego, na primeira metade do jogo; o milagre da resposta dos incomodados jogadores do SLB no segundo período; a inocência e o talento da equipa de arbitragem na custódia de penaltys e na entusiasta devoção à não marcação de golos às três tabelas; e a venerável e nobre defesa de Pinto da Costa da excelsa dama loira que na bancada distribuía, gestualmente, exemplares das Caldas em profusão surpreendente à plebe da Luz. Graças Senhor!

[S. João Baptista]

"... S. João Baptista forma com Santo António e S. Pedro a trindade dos santos de maior afeição popular. D. João I ordenou que todos os municípios o festejassem. A multiplicidade de crendices que envolveu este Santo, entrelaçaram-se no que de melhor se encontra na poesia pagã e ingénua das almas do campo. É o santo popular por excelência; a ele confiam as moças os segredos do coração, queimam-lhe alcachofras agourentas, e deitam sortes em bochechos de água que dilue nomes que se esperam. As orvalhadas tem, pela noite, ligações íntimas com os banhos sagrados. As fogueiras que os namorados saltam, no meio da roda das raparigas que dançam, têm todo o carácter do culto do fogo no solstício de verão. Este hábito, num meio superior, deu as fogueiras de Coimbra, sem lume, com cantares e danças num tablado. E não só a simetria em relação ao Natal se faz numa forma apagada de adoração do fogo (fachos e fogueiras de S. João, e cepo do Natal) mas também se nota o hábito ainda vivo de formação de capelinhas com figuras de barro (...)

Na madrugada de S. João saem as mouras encantadas a pascer o seu rebanho, a contar as mágoas de tristes emparedadas, ou a pentear no fresco das orvalhadas com pentes de ouro os cabelos de raios de sol (...) Nessa noite, pelo campo, tudo é sagrado. Nos ranchos que cantem e implorem a protecção do Santo para que as case, o orvalho é milagroso. O manjerico, o cravo, o trevo, a alcachofra, gozam de virtudes únicas (...)

[S. João Baptista, da Sé Velha de Coimbra / S. João Baptista da capela do seu nome em Portunhos (Coimbra) / S. João Baptista, do castelo da Lousã / S. João Baptista, do Espinhal (concelho de Penela, Coimbra) / S. João Baptista, cidade da Figueira da Foz / S. João Baptista, da Serra da Moita (Mouronho, Tábua, distrito de Coimbra) / S. João Baptista, da ermida da Senhora da Piedade (Lousã) / S. João Baptista, Igreja de S. João (Açores) / S. João Baptista, ilha do Pico ...]

[Luís Chaves, in Registos de Santos, 1925]