quinta-feira, 21 de outubro de 2004


Coisas Públicas

"Há que tempos que deitamos flor pelo lado de dentro" [Raul Brandão]

O Magnifico Seabra Santos, no seu papel de lente instruído, esqueceu-se, há muito, do que assegurou para espanto de todos: ser "politicamente errado e economicamente irrelevante o aumento das propinas (...) e que este aumento não vai significar mais receitas para as Universidades, mas sim menos orçamento transferido por parte do estado". Este episódio espiritualíssimo faz com que Seabra Santos seja, pela doçura melosa das suas palavras in Senado, pela originalidade da gerência financeira a seu cargo e pelo ladrilhar do seu percurso de carreirista académico, considerado o mais arrogante e bem humorado Reitor que pela Academia passou. Seabra Santos pôs-se à disposição dos acontecimentos, pela sua insensata pesporrência, engasgando-se em prosas posteriores que enfeitou com características exibicionistas e daí partiu à desfilado, juntamente com um curioso número de lentes encrostados na bafienta Universidade, contra a estudantada. As palmas ao Seabra ouvem-se já no bar dos Direitos. E o sentimento de felicidade iluminou, de uma vez, os seus vetustos claustros.

Como é uso nestes casos dos doces desenganos, manda o cerimonial recorrer à chibatada para vingar o esclarecimento público. Afinal, os aplausos ao Seabra eram pretexto para um empolgante debate de linguagem marcial, a pedido de vários e conhecidos lentes, algumas famílias políticas entronizadas na instituição e, evidentemente, por todos aqueles para quem a grilheta da autoridade deve ser estoicamente seguida.

O happening assim conseguido à porta da reunião do Senado, lugar onde os graves representantes da Instituição celebram imponentes prelecções, é de uma surpreendente heroicidade. Quando olhamos, de longe, a azáfama que habita o território do ensino superior, onde os lentes modernos legitimam as suas decisões a partir de um discurso e uma praxis onde a avaliação do desempenho está ausente; onde o acto educativo reside num desassossego esquizóide face à abordagem pedagógica incompetente dos seus docentes, sem qualquer capacidade didáctica ou relacional; onde a matriz cultural dos seus clientes atinge o absurdo, sem qualquer dimensão crítica, memória cultural ou desejo de saber; entende-se porque razão o lente, afastado da iniciação pedagógica e, por vezes, científica, se refugia na robustez "pedagógica" das estratégias das cargas policiais. A mestria assim pretendida tem outro nome. Os tempos não mudam.