domingo, 5 de junho de 2005
Os folhetos do companheiro Vasco
O repositório de curiosidades do devoto Vasco Pulido Valente no Público é um tratado de raiva, entaramelado por discursos recitados à paróquia liberal, mais ou menos condoído em testemunhos de gratidão poética & de alegria poupada, que nos faz sorrir de felicidade moral e quietação intelectual. A última vítima do literato militante é essa "construção utópica" de nome Europa, claro está, "inventada à revelia do eleitorado" indígena pelos domésticos de Bruxelas ou, em rigor circunspecto e espírito chorado, esse curioso "modelo social" europeu que ameaça os incréus do neoliberalismo. O Tratado Constitucional Europeu estaria, portanto, refém desses malsins eurocratas possuídos de pecados horripilantes e em desarmonia com os escritos agastadiços do piedoso companheiro Vasco. É bom de ver que não podemos ficar indiferentes e por aqui, ofegando à charamela do senhor Pulido Valente. O argumento do dr. Vasco é deveras fastidioso. E tresvariado, bem entendido.
As minúcias presentes no "Não" (com aspas) francês, holandês ou noutros afadigados referendos que se lhe seguem podem ser lidas, de facto, como uma recusa total das políticas económicas e sociais entoadas pelo directório europeu. Que o francês solte um brejeiro libelo contra o "canalizador polaco", que proteste sobre a frontaria da libérrima deslocalização do factor capital ou que os protestantes holandeses fiquem atormentados pela presença do ímpio árabe, não espantam por aí além. Na essência, os pacientes europeus, fiéis ao seu sentimento instintivo de bem-estar, estremecem nas desvantagens que o modelo neoliberal lhes acena.
O incómodo que a eficiência da globalização conduz, nivelando por baixo poder de compra, estilo de vida e bem-estar social, excedeu o inimaginável. Pretender a classe política e suas famílias que as massas exprimam sentimentos de afectuosidade ás prometidas virilidades económicas de Bruxelas, quando se verifica uma economia abaixo da fronteira de possibilidades de utilidade e se constata uma ineficiência das políticas seguidas, é mero desejo impotente. Não há razão alguma para acreditar nas "graves" decisões dos governos europeus.
Estes, sem politica monetária, cambial ou orçamental para manipular, com taxas de juros baixas, sofrendo os efeitos da violenta abertura dos mercados mundiais, assistindo, castrados, à deslocalização e consequente perequação dos factores de produção, não podem esperar, daí, qualquer aumento de receitas, ou melhoria do comportamento da tributação, para cumprir a bondade da PEC. E, portanto, incapazes de recitar a oração fúnebre ao modelo neoliberal, tomam medidas para "emagrecer" o Estado-Social, que passa a ser doravante motivo de todos os males.
Por seu lado, a população europeia, não entendendo a suposta falência do seu modelo social, laboriosamente construído ao longo de gerações, questiona, o óbvio: quem ganha e quem perde com a liberalização selvagem? Fora o José Manuel Fernandes, ainda em expiação do seu delito de maoísta envergonhado, poucos têm a ganhar na Europa. O prodígio da auto-ilusão que o modelo social europeu é fonte do mal, é uma bravata que fica bem aos zeladores de uma certa Europa, mas que não diz nada ao "povo", que por isso retirou utilidade da situação de voto. A incursão europeia, descansem, não acabou de vez. Não capitular ao regaço do liberalismo serôdio do dr. Barroso, não pode querer significar estar-se contra o Tratado Constitucional Europeu, não beneficiar das virtudes de um espaço único, cultural, social, económico e politico, que estabeleça as necessárias imposições para a livre troca no comércio internacional. Estamos disso certos.
[O mundo dos soberbos]
"... Bandidos, ébrios, mendigos, ladrões! Chama-vos isso o mundo dos soberbos que vos repulsa, e que todavia não vale mais, nem tanto. Porque, não sendo menos feroz, é mais hipócrita e mais covarde. Porque faz da impostura um paládium, da lei um manequim, da justiça um sofisma ou uma teoria. Porque se arreia com os espólios do menos forte. Porque pleiteia baixas competências com lastimosa vilania. Porque tudo, família, crenças, amigos, tudo sacrifica a impudentes vaidades e a ambiciosas conveniências. Indagai e vereis que tais são as principais qualidades dos felizes da terra, dos virtuosos, dos queridos da multidão, dos honrados. Sejamos então nós os apóstatas da honra. E bebamos! Escárnio à sociedade madrasta, que exclui do festim universal, como se não fora filho do homem, o pária ou o proletário! Bebei. Sou eu que pago ..."
[Álvaro Carvalhal, in Contos, 1868 (aliás 1978)]
"... Bandidos, ébrios, mendigos, ladrões! Chama-vos isso o mundo dos soberbos que vos repulsa, e que todavia não vale mais, nem tanto. Porque, não sendo menos feroz, é mais hipócrita e mais covarde. Porque faz da impostura um paládium, da lei um manequim, da justiça um sofisma ou uma teoria. Porque se arreia com os espólios do menos forte. Porque pleiteia baixas competências com lastimosa vilania. Porque tudo, família, crenças, amigos, tudo sacrifica a impudentes vaidades e a ambiciosas conveniências. Indagai e vereis que tais são as principais qualidades dos felizes da terra, dos virtuosos, dos queridos da multidão, dos honrados. Sejamos então nós os apóstatas da honra. E bebamos! Escárnio à sociedade madrasta, que exclui do festim universal, como se não fora filho do homem, o pária ou o proletário! Bebei. Sou eu que pago ..."
[Álvaro Carvalhal, in Contos, 1868 (aliás 1978)]
[Preguiçar ao meio dia ...]
"Preguiçar ao meio dia, absorto,
ao pé do muro em brasa do horto,
escutar entre silvas e espinhos
roçar de cobras, estalar de ninhos
...
Observar por entre ramos o palpitar
longínquo de escamas de mar
enquanto se ouve a trémula algazarra
nos montes escalvados das cigarras
E andando sob o sol que ofusca
Perceber com melancólico espanto
O que é toda a vida e a sua busca,
O nosso dia-a-dia: um muro de horto
Que tem no alto cacos de garrafas ,,,"
[Eugenio Montale, trad. de Maria José de Lancastre, in Critério]
"Preguiçar ao meio dia, absorto,
ao pé do muro em brasa do horto,
escutar entre silvas e espinhos
roçar de cobras, estalar de ninhos
...
Observar por entre ramos o palpitar
longínquo de escamas de mar
enquanto se ouve a trémula algazarra
nos montes escalvados das cigarras
E andando sob o sol que ofusca
Perceber com melancólico espanto
O que é toda a vida e a sua busca,
O nosso dia-a-dia: um muro de horto
Que tem no alto cacos de garrafas ,,,"
[Eugenio Montale, trad. de Maria José de Lancastre, in Critério]
quinta-feira, 2 de junho de 2005
In Memoriam Eduardo Teixeira Coelho [1919-2005]
Eduardo Teixeira Coelho (ETC), um dos maiores ilustradores da Banda Desenhada Portuguesa faleceu em Florença, no dia 31 de Maio do corrente ano. "A simultânea firmeza e leveza do seu traço, a força sugestiva da pincelada, a mestria no jogo de luz e sombra, de preto e branco, as arquitecturas fosterianas, a composição dinâmica, os cavalos, os espaços abertos, a perfeição da técnica, a subtileza dos rostos?" [João Boléo & Carlos Pinheiro, 2000] revelam a presença de um grande desenhador e fazem parte da "história aos quadradinhos de expressão realista". O grande sucesso da revista "Mosquito" a ele se deveu. Merecidamente.
Nasce ETC em Angra do Heroísmo a 4 de Janeiro de 1919, parte para Lisboa para "frequentar um curso comercial", publica o seu primeiro trabalho no "Sempre Fixe" (nº 517, 1936), labora em anúncios publicitários, cartazes de praia, "reclamos de imprensa", faz ilustrações para a revista "Foco" (1941). A partir daí o seu progresso é "surpreendente", não só pelo contacto com outros ilustradores (Álvaro Duarte de Almeida ou João Rodrigues Alves) mas "pela busca isolada e teimosa de um processo interpretativo pessoal" [António Dias de Deus, 1997] aliada a "uma grande liberdade criativa íntima" [ibidem]. Participa em diversas revistas infantis, e é principalmente no "Mosquito" (1943) que "alcança a mestria total na ilustração de novelas com carácter histórico, moderno ou fantástico". A colaboração com a escrita de Raul Correia, "pela clareza e vivacidade" e criatividade "marcaram uma época".
Em 1953, ETC vai para França "em ruptura com o Estado Novo" [Carlos Pessoa, in jornal O Público], onde colabora no "semanário infanto-juvenil do Partido Comunista Francês" [ibidem], depois Inglaterra, dando início a uma "carreira internacional" notável [utilizou pseudónimos, como o de Martin Sièvre], radicando-se posteriormente em Florença [é ao mesmo tempo um "especialista de alguns aspectos da iconografia histórica" local, organizando "uma exposição sobre armaduras, que constituía uma das suas paixões"], onde veio a falecer.
Bibliografia de ETC: O Senhor Doutor, Engenhocas e Coisa Práticas, Filmagem, Colecção de Aventuras (1942), Mosquito a partir de 1943 [O Feitiço do Homem Branco, Os Guerreiros do Lago Verde, Os Náufragos do Barco sem Nome, Falcão Negro, O Caminho do Oriente, A Lei da Selva, Trilogia das Louras, Lobo Cinzento], rev. Chicos (1943/4), desenhos no Século, Diário de Noticias, Almanaque Alentejano (1946), revista Eva, Olá (1948), Auditorium, Diabrete (1950), Cavaleiro Andante (1953), Gente Moça (1953), Portugal Ilustrado (1953), O Rei Triste (1955), rev. O Pardal (1961), Histoire de France en Bandes Dessinés (1970), Jornal do Cuto, O Mundo de Aventuras, reimp. O Caminho do Oriente (ed. Futura), A Morte do Lidador, A Torre de D. Ramires, etc.
Referências a ETC: Os Comics em Portugal, Bedeteca, 1997 / E.T. Coelho: a Arte e a Vida, Ed. Época de Ouro, 1997 / Eduardo Teixeira Coelho: quadriculografia portuguesa ilustrada, ver. BML, 1998 / Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal, NonArte, 1999 / Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta, Bedeteca, 2000
Locais: Eduardo Teixeira Coelho / ETCoelho / Galeria de Eduardo Teixeira Coelho / La mort d'Eduardo Teixeira Coelho / Um nome maior da BD portuguesa Eduardo Teixeira Coelho
segunda-feira, 30 de maio de 2005
Tempos difíceis
Quantas saídas tem uma "crise"? Quantos defeitos têm a paixão dos "separados noivos"? Como enterrar este espectro da não-"coisa" europeia, quando o discurso e a geografia eleitoral sobre o Tratado Constitucional Europeu neutralizam o próprio "lugar"?
A vitória do "Não" em França é um rude golpe sobre o "corpo recantado", construído no imaginário de homens e mulheres para quem a solidariedade e a fraternidade não pode ser uma memória perdida. Um "lugar" sem desejo nunca pode edificar sujeitos activos. O perigo da vitória do "Não" é a embriaguez que se lhe segue. A dissidência, assim extremada, pode não redundar em trabalho colectivo, democraticamente participativo e solidário. Como alguns pretendem. E é o reverso disso que atemoriza. Aquilo que qualquer cidadão, assumidamente europeu, mais teme: o enclausuramento de cada um e de cada qual em defesa dos seus próprios interesses nacionais, cedendo de barato à ideia, bem liberal, que o interesse particular dá solidez a qualquer organização social.
A "crise" que se vai desenrolar, mesmo que resulte num diferendo ultrapassável, não pode fazer esquecer a impostura de vários posicionamentos ideológicos, mesmo se a argumentação tenha a ilusão do politicamente pertinente. Mais, o "olhar que respira" não pode estar aliado a essa maldição da extrema-direita, pseudo nacionalista e perversamente xenófoba, que os sobressaltos da história há muito julgaram. Onde a clivagem?
E, que dizer, quando se sucumbe, ali mesmo na praia, à obedecida Ordem Mundial neoliberal, que alguns julgam ingenuamente combater, tomando cegamente o partido do "Não"? Esperam, isoladamente, num qualquer bunker, mudar assim a vida e o seu trajecto normal? Transformar o mundo não será, também, registar experiências anteriores de rupturas, conceber o passado? Acaso o combate contra o modelo neoliberal, necessariamente político, não é mais eficaz e certeiro num colectivo único, mesmo que tenha agora a forma de um texto constitucional uniforme e o nome Tratado Constitucional Europeu? Não sabemos de todo. Mas vocês ... sabem-no?
New Order
"I've been waiting for a guide to come and take me by the hand"
A desordem do corpo. O fechar os olhos à memória. Na voragem da noite, um andar açaimado, um estranho gotejar. Seduzir o outro, bem o sabemos, "é toda uma aventura". Porém, queda-se o sorriso nos lábios, a memória das mãos que constroem teu rosto ... mesmo que breve o tempo arda. "Unknown pleasures". A música assim como suporte quando o afecto é sombra perdida na lembrança. Depois ... depois um enorme comício para dar vida aos teus olhos tristes. "Body that curls in and hides". Nós docemente na espera.
"When routine bites hard, and ambitions are low
And resentment rides high, but emotions won?t grow
...
Then love, love will tear us apart again
O amor, o amor vai dilacerar-nos de novo"
sexta-feira, 27 de maio de 2005
Louis-Ferdinand Céline [n. 27 Maio 1894-1961]
"... Ah! Camarada! Este mundo, asseguro-lhe, não é mais que um imenso negócio que se está marimbando para todos nós! Você é jovem. Que estes minutos lúcidos valham para si como se fossem anos. Escute-me com atenção, camarada, e não deixe passar nada sem lhe avaliar bem a importância, esse factor capital sob o qual resplandecem todas as mortíferas hipocrisias da nossa Sociedade:«O compadecimento pela sorte, pela condição dos pobres diabos...» Digo-vos, homens de bem, vencidos da vida, escorraçados, explorados, eternamente transpirados, previno-vos: quando os grandes deste mundo se resolvem a amar-vos é porque decidiram transformar-vos em carne para canhão ... É o sinal ... infalível. É por amizade que a coisa começa ..." [Céline, in Viagem ao fim da noite, Ulisseia, 1966]
"... Depois da Viagem ao Fim da Noite e de Mort á credit, antes de trocar a vocação de romancista pelo furor panfletário anti-semita, Céline tinha começado aquilo que iria ser seu terceiro romance, de nome Casse-pipe (...)
As primeiras cem páginas desse projecto abandonado perderam-se em 1944, ficaram em Paris enquanto o seu autor procurava refugio na Alemanha e depois na Dinamarca. E em 1948 - já a «maldição célineana» se preparava para atingir o ponto alto (recorde-se o artigo de Jean-Paul Sartre em Les Temps Modernes, com um dos ataques mais violentos que lhe forma feitos; recorde-se que já tinha sido pedido a sua extradição para França) - os Cahiers de la Plêiade, e Jean Paulhan com eles, assumiram-se num altíssimo rasgo de coragem cuja amplitude é hoje difícil de avaliar: a publicação desse fragmento, com o título Casse-pipe (...)
É assim que as cem páginas de Casse-pipe ficaram como um primeiro sinal de interdição.
Ver-se-á que abrangem toda uma noite chuvosa passada num quartel, e que ainda pertencem à primeira «maneira» de Céline, aos dias do seu insaciável furor antimilitarista. Com um tom e uma escatologia digna de Rabelais, envolvem sargentos e cabos nas violências exigidas pela iniciação de um magala. São páginas que cheiram a cavalo, a suor, a urina e a bosta, que pintam magistralmente uma realidade através da alucinação provocada por essa mesma realidade ..." [Aníbal Fernandes, in De Três em Pipa, Assírio & Alvim, 1985]
Locais: Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) - pseudonym of Louis-Ferdinand Destouches / Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) / Louis-Ferdinand Céline / Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) / Dictionnaire Céline / Céline: Sobre o Estilo
quinta-feira, 26 de maio de 2005
Joaquim António de Aguiar [1792-m. 26 Maio 1884]
"... 0 nome de Joaquim António de Aguiar era já repetido com verdadeiro aplauso por todos os homens importantes do país, e aquela injustiça não foi desconhecida nem indiferente às cortes gerais e extraordinárias da nação (...) 0 restabelecimento do governo miguelista, em 1823, afervorou-lhe os brios, ao mesmo tempo que estimulou e deu vantagem aos seus inimigos. Aguiar publicara em Setembro de 1822 um folheto, que era o protesto do homem altamente; liberal. Sendo mandado sair do colégio de S. Pedro, por decreto de 8 de Novembro de 1823, teve de abandonar o magistério e refugiar-se no Porto, como aconteceu a muitos homens do seu tempo. Com as suas ideias liberais tão publicamente manifestadas, só lhe restava emigrar, ou deixar-se matar ingloriamente. Começaram então os grandes sofrimentos políticos do distinto doutor. Em 1826, sendo proclamado o governo de D. Pedro IV, voltou a Coimbra, e em Abril foi nomeado lente substituto da faculdade de Leis com exercício na cadeira analítica de Direito pátrio; nesse mesmo ano foi eleito deputado às cortes pela província da Beira, tomando assento na câmara até 13 de Março de 1823, adquirindo logo créditos de parlamentar de primeira ordem, concorrendo com as suas doutrinas para a frutificação dos princípios liberais mais avançados, da monarquia constitucional e representativa, assegurando o estabelecimento da Carta Constitucional ..." [ler aqui]
Locais: Joaquim António de Aguiar (1792-1884) / Joaquim António de Aguiar / Unificação e Apogeu [da Maçonaria]
quarta-feira, 25 de maio de 2005
Ecos do défice ou a moléstia da "coisa"
O sr. Governador do Banco de Portugal aka Vítor Constâncio apareceu-nos, dias atrás, a agraciar os indígenas lusos, ao som de pandeiros e rufar de tambores, com a chibatada do défice público. A fragrância com que exala "a coisa" torna o sr. Governador um putativo sacerdote do templo do equilíbrio orçamental, a par de vultos não menos talentosos como os pregadores Miguéis (o Beleza e o Frasquilho), os jubilosos Bagão Félix & César das Neves, o Martim liberal ou essa inenarrável Dulce Franco.
Depois de um santo domingo de repouso pátrio (S.L.B. gratia plena) eis que as luminárias da política económica em geral e os negociantes do retalho orçamental em particular, regressam em força a todos os telejornais, repartições de think tank por atacado, quiosques de equilíbrio cíclico ou lupanares de politicas orçamentais de estabilização. Há mais de vinte anos que o orçamento reformado nos é contado, em historietas encantadoras. O debate pragmático torna-se um delírio da razão e a superstição em torno dos coveiros do défice um talento de retórica que está bem num qualquer liceu ou associação de estudantes, mas que não comove qualquer um. Só quem quer ir nesse preparo e em espumoso divertimento partidário.
O discurso sobre "a coisa", sua origem infecta e meios de a combater adultera o espírito dessa gloriosa plêiade de fiscalistas, orçamentalistas e economistas, abnegados trabalhadores da coisa pública. A ordem de argumentos da espantosa rincharia acaba invariavelmente na velha comédia dos malefícios do estado "gordo", na infâmia arremessada sobre os malandros dos funcionário públicos (uns gastadores compulsivos), no uso e abuso da teoria do utilizador-pagador (o novo brinde dos modernos liberais), na cientifada contra os limites do Estado-Providência (não leram Daniel Cohen, mas pouco importa) e por aí adiante. A doutrina veio para ficar.
Como se percebe do douto exercício economês os erros de criação e amamentação do "monstro" são sempre de outros. A dúvida pavorosa nunca existe. Uma tal Dulce, nomeada porta-voz da equipa de Marques Mendes, Barroso & Lopes, demonstra, com aquele ar sério que lhe faz arcar o peito, que a dita "coisa" brotou do desastre Guterrista. O bom do Ribeiro e Castro, agora sem a garotada pululante desses álgidos tempos, confessa que também sim, evidentemente. Os socialistas extasiados, em parceria Pina Moura, juram que o pai do "monstro" foi o prof. Cavaco nos tempos idos de 90.
Entretanto a inefável Ferreira Leite, judiciosamente, confessa não ter queda para números e convicção pela matemática. Oliveira Martins prepara discursata. Frasquilho sobe à estátua do Marquês e ameaça atirar-se para o túnel do Lopes se não se baixar os impostos. Miguel Beleza, o tal do défice especial, descobre que um aumento das taxas de IVA não permite falar em qualquer efeito recessivo. Silva Lopes, insondável, fica perplexo pelo estado de alma-económica do seu ex-aluno. António Nogueira Leite, entre notas de jazz e pautas orçamentais, revolve-se no sofá exigindo que se ataque a maleita do défice pelo lado da despesa, sepultando de vez o recurso das receitas fiscais. O Sérgio Figueiredo, injustamente esquecido, está a fazer a tradução de alguns estimulantes abstract da produção teórica americana e virá ... já a seguir. O dr. Medina Carreira, isolado em casa, trabalha inspirado em dezenas de tabelas e quadros analíticos e voltará para dar a etiologia da doença. O José Manuel Fernandes publicará. E nós, por aqui, nos fechamos.
Leilão de Livros - Dias 30 e 31 de Maio no Hotel Roma
Nos próximos dias, 30 e 31 de Maio, sob direcção de Luís P. Burnay (Calçada do Combro, 43-47), realiza-se no Hotel Roma, pelas 21 horas, mais um Leilão de Livros.
Algumas referências: Adolf Hitler bilder dem leben des Fuhrers, Bilderdienst, 1936 / Portugal Artístico e Monumental, de A. Pereira d'Almeida / Santos Portugueses, por João Ameal, 1957 / Garrett: memórias biographicas, de F. Gomes de Amorim, 1881-84, III vols / Memoria sobre chafarizes, bicas, fontes e poços públicos de Lisboa ?, de José Sérgio Veloso de Andrade, 1851 / As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem brasão d'armas, por Inácio de Vilhena Barbosa, 1860-1863, III vols / Arte Portuguesa, de João Barreira / Caça [obra anónima, aliás publicada por Eduardo Montufar Barreiros], 1900, rara / Herpetologie d'Angola et du Congo, de J. V. Barboza du Bocage, 1895 [peça de colecção] / Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 1935-1977, 127+2 nums / Historia das Ordens Monasticas em Portugal, de Manuel Bernardes Branco, 1888, III vols / Ribatejo lendário e pitoresco: edição comemorativa do Oitavo Centenário da Conquista da Região Ribatejana, por Francisco Câncio, 1946-47 / Historia do descobrimento & conquista da Índia pelos portugueses, por Fernão Lopes de Castanheda, 1924-1933, IV vols / Catalogue de la Bibliotheque de M. Fernando Palha, Lisbonne, 1896, IV vols [imp. catalogo da livraria de Fernando Palha que foi vendida em conjunto para a Univ. de Harvard] / Contemporânea: grande revista mensal, dir. de José Pacheco, nº1 a nº10 (Maio 1992 a 1923), rara revista literária / Historia da Cartografia Portuguesa, de Armando Cortesão, 1969-1970, II vols / Diccionario chorográfico de Portugal Continental e Insular ..., dir. Américo Costa, 1929-1949, XII vols (imp. e valioso) / Dicionário Hípico ..., de Salvador José da Costa, 1923 (raro) / Os Judeus e os Protocolos dos Sábios de Sião, por João Paulo (Mário) Freire, 1937, IV vols / Ronda de África, de Henrique Galvão, II vols / In Memoriam de José Régio, 1970 / Inventário Artístico de Portugal [vol. VII Aveiro, vol. VII, VIII e IX, Évora] / Portugal Antigo e Moderno: Dicionário ..., por Augusto B. S. A. De Pinho Leal, 1873-1890, XII vols / Maria da Fonte: romance histórico, por Rocha Martins, II vols / A Engomadeira, por Almada Negreiros, 1917 / K4 o quadrado azul, de Almada Negreiros, 1920 (muito rara) / A Extremadura Portugueza, por Alberto Pimentel, 1908, II vols / Álbum de Caricaturas, por Raphael Bordallo Pinheiro, 1876 (raro) / O Pinhal do Rei, de Arala Pinto, 1938-1939, II vols (raro) / Portvgaliae Monvmenta Cartographica, por Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, 1960, VI vols / As Encruzilhadas de Deus, de José Régio, 1935 (raro) / Revista dos Centenários, nº1 a nº24 (1939-1940) / As Grandes Vias da lusitânia: o itinerário de Antonino Pio, por Mário Saa, 1956-1967, Vi vols / Principio, de Mário Sá-Carneiro, 1912 (raro) / Ninhos e Ovos, de Eduardo Sequeira, 1888 / Rampa, de Adolpho Rocha (aliás Miguel Torga), 1930 (raro)
segunda-feira, 23 de maio de 2005
Portugal é Vermelho
"Ser Benfiquista
É ter na alma a chama imensa"
A onda vermelha que varreu todo o Portugal é autêntica, insubmissa, não acaba nem começa. É o espírito de nobreza & glória que se reencontram. É o cadinho do nosso contentamento. È um manto de ternura sincera. Liberta.
O Sport Lisboa e Benfica é um clube do povo, nasceu dele, fraterno & nobre, jardim operário cortês mas sem deixar de ser altivo, que a saudade se quer respeitosa, aristocrática. O S.L.B. é a outra família, o nosso regaço afoito, o berço português eterno e puro. Admirável de felicidade quando triunfa, recatada quando vencida. Uma história de encantar. Uma vida maior.
Manuel Goularde, farmacêutico ... presente! Alfaiate Nunes ... aqui! José Rosa Rodrigues ... presente! Major Cruz Viegas ... pronto! Felix Bermudes ... sempre nos nossos corações! Daniel Brito ... aqui! Cosme Damião ... presente! Cândido de Oliveira ... prontos companheiros! António Ribeiro dos Reis ... presente! Borges Coutinho ... a nossa honra! A fidelidade é o melhor dos amigos. A esperança uma chama imensa.
Grato do coração Sport Lisboa e Benfica. Obrigado Trapattoni!
sexta-feira, 20 de maio de 2005
Agradecimentos
"Estou a ficar velho... Estou a ficar velho...
Hei-de andar com a dobra da calça revirada" [T.S.Eliot]
Agradecemos, com a maior gratidão, a referência e os enfeites de alma que a passagem de aniversário comemorado por este estabelecimento - que imprime letras, decora opiniões e cuida de cativos instruídos - esculpiu em rasgada felicidade. Que não se apague o vosso coração.
Ao Abrupto, Aqui há Rato, Arcádia, Avatares de um Desejo, Blasfémias, Bloguítica, Bomba Inteligente, Bombyx Mori, Contra a Corrente, Crítico Musical, Da Escola, Diotima, Fórum Comunitário, Esmaltes e Jóias, Fumaças, Ideias Soltas, Impensavel, La Force des Choses, La Pipe, Legendas & Etcaetera, Local & Blogal, Ma-Schamba, Mar Salgado, Memória Virtual, Miniscente, Montanha Mágica, Muito Cá de Casa, Musas Esqueléticas, Nova Floresta, O Vilacondense, Olho do Girino, Pantalassa, Quartzo-Feldspato-Mica, Retórica e Persuasão, Rua da Judiaria, Terras do Nunca, Tugir, Um Blog Sobre Kleist, Universos Desfeitos, Welcome to Elsinore; àqueles outros bloguistas que em privado nos enviaram testemunhos carinhosos & a leitores ou amigos que se lembraram de nós, um muito obrigado.
Ainda, daqui, se envia as maiores felicitações ao mano Critico Musical, que comemorou o seu II aniversário de merecida estimação.
terça-feira, 17 de maio de 2005
Boa Tarde
"Eis como uma coisa como que nos interessa: destruir os textos.
Passa-se que:
o caçador vai à procura de cabeças. Que é como quem diz.
Traz cabeças faz um monte.
Um monte de cabeças intempestivas, vociferantes, cabeças
rebarbativas.
Arruma tudo, limpa o ar só para elas, um monte grande
luzindo, sibilando assim (...)
...
Não se pode acreditar na beleza concentrada
da gramática
...
Destruir diz ela diz
Duras digo
dizemos quero dizer
dizemos ..." [Herberto Helder, in Cobra]
II Aniversário
Por obra e graça do nosso padroeiro e Altíssimo Protector, celebramos o nosso segundo aniversário em estilo mavioso, segundo as postumeiras querenças da mana blogosfera e gratos por continuar a fazer mandas a profanos pouco prudentes. Apaixonados pelo lazer, a nossa cantada paixão, o Almocreve das Petas é um panfleto desafogado em saudades, uma escritura licenciosa, uma pública proposta que não cansa. Somos a perfeição insolente. Oferecemos sermões aos nossos liberais assinantes. Fazemos encomendas adornadas de luxo, obra & afectos. Doutrinamos os virtuosos em glória de ardentes e antiquíssimos escribas. Somos misericordiosos. Não estamos cansados de estar cansados. Estamos soberbos. Bem hajam todos. Vale!
Como sempre o Almocreve é oferecido aos cavalleiros amantes da liberdade, igualdade e fraternidade e à Grande Alma Portuguesa. Hoje, por infinita ventura, para enfeitar este dia-ligado-a-dia sem dormir nocturno, queremos que os vossos lábios acompanhem o belíssimo poema da deusa Natália Correia - Queixa das almas jovens censuradas - para que haja um tumulto em todos vós. Ali ao lado esquerdo da pedra, pelo canto divino de José Mário Branco. Graças!
segunda-feira, 16 de maio de 2005
"... Estou-me nas tintas
para a pesca à linha das ideias
para a fila de chapéus alentejanos
em coro desafinando a esperança
...
Estou farto de fazer tricot com as próprias tripas
de beber e escrever nos intervalos
de ter por destino fumar cigarros para divertir os pulmões
até que deles saiam serpentinas e pronto
e não é isso o que quero ..." [Ant. José Forte]
EDITAL
17 de Maio - Aniversário do Almocreve
Faz-se saber ao estimado público que o Almocreve das Petas desfralda as velas do seu 2º Aniversário já amanhã, tendo tido o cuidado de encomendar remoques e chalaças, para cuidar do corpo e da alma. Está munido de água benta do rio Mondego, mandou rezar missas em blogs diferentes, cruzou a perna esquerda sobre a direita. Já pronunciou a Restauração de Portugal em forma de serpente e fez encantamentos para afastar aumento de impostos. Está mais velho e mais sábio. Está determinado em assim continuar, livre de toda a autoridade. Como Voltaire, dizemos:"a arte de chatear é contra tudo o que se sabe". Pontualmente... todas as manhãs. Com os melhores cumprimentos. Saúde e fraternidade.
Três Tristes Tigres
"uma cousa são razões, outra coisa regateiradas" [Pe. J. Agostinho Macedo]
O prof. Marcelo, absorto no espírito de comentador dos crentes, disserta inquieto sobre tudo o que é impresso no reino. E sem qualquer sensatez, bom critério ou precisão analítica, destrói tudo aquilo onde se mete. Na verdade o professor é o seu próprio coveiro. O comentador, em sucessivos pinotes de análise política, é de uma delicadeza sem limites, de uma ternura instruída, de uma provocante graciosidade, porém, o aconchego da vaidade de se ver criador de factos políticos impede-o de melhor resguardo previsional ou visão estratégica.
Este domingo, a propósito do défice orçamental, resolve zurzir em Santana Lopes e no inefável ministro Bagão Félix. De caminho aponta baterias para a (não)governação Socrática. Curiosamente, em todo este cenário de crise orçamental, a faca governativa da sra. Ferreira Leite não se vislumbra no atoleiro luso. O que nos é sugerido (e não só pelo professor, entenda-se) é uma picaresca retirada, no cenário de crise, das políticas recessiva da santa senhora. A teoria das influências marcelistas tem sempre este arrojo diletante.
Ora, em fase de pronunciamento presidencial de Cavaco Silva, a estafa alucinante do comentador é cega e grotesca. O problema do prof. Cavaco é como lidar com o desaconchego das péssimas políticas do governo de Barroso. Não nos parece que a presença de Ferreira Leite na comissão de honra do sr. Silva seja algo de bom. À sua simples enunciação a caridade do portuga vacila, o auditório range os dentes. Só o prof. Marcelo aplaude frenético. Eis, de novo, o coveiro Marcelo, no seu melhor, a verberar o militante Rebelo de Sousa. Como deve andar febril o candidato Cavaco Silva com o prosista da RTP. Até dá pena.
[Os Gatos]
"Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
Ao crítico deu ele, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a calinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários (...)
Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código. Paciente em aguardar, manso e apagado, com um ar de mistério, horas e horas, a sortida dum rato pelos interstícios dum tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, por fazer de agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, e atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ela e moendo-a, até a deixar num picado ou num frangalho.
Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato - isto é o animal de trabalho, o animal de ataque e o animal de humor e fantasia - porque não escolheremos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro ..."
[Fialho de Almeida, Meus Senhores Aqui Estão «Os Gatos»]
"Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
Ao crítico deu ele, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a calinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários (...)
Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código. Paciente em aguardar, manso e apagado, com um ar de mistério, horas e horas, a sortida dum rato pelos interstícios dum tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, por fazer de agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, e atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ela e moendo-a, até a deixar num picado ou num frangalho.
Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato - isto é o animal de trabalho, o animal de ataque e o animal de humor e fantasia - porque não escolheremos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro ..."
[Fialho de Almeida, Meus Senhores Aqui Estão «Os Gatos»]
domingo, 15 de maio de 2005
Habemus Campeão
Não sabemos se gostámos mais da infinita paciência com que o tricot encarnado baralhou a indiferença pelo jogo dos lagartos d'Alvalade ou se, por graça divina, devemos fazer afectuosa genuflexão perante o chouriço de Ricardo.
Perante o acampamento leonino no meio do terreno de jogo - sempre essa sedução de querer ver a Catedral, com calma e respeito - só por milagre a lagartagem podia ganhar. Ou por qualquer desígnio de Paulo Paraty.
Ao que parece, alguns fundamentalistas verdes, em observância ao receituário do horto d'Alvalade, juram que o lance do golo do gigante Luisão foi precedido de falta. Quer dizer, assinalam, não a falta de jeito de Ricardo mas sim a presença de uma putativa cavalgada do príncipe das alturas sobre o irreflectido guarda-redes, demasiado verde em saídas aéreas. Ora o espanto e horror dos adeptos do Sporteen é um gemido agonizante. O golo foi nítido de inocência. As regras & a cartilha do futebol não contemplam qualquer socorro ao confundido Ricardo, que num acto curioso implora ao árbitro por mão de Luisão. Oh, dor pungente! Ah, fatalidade! Eia, lagartos!
Dissemos: "Iremos ao Marquês!". E fomos. A sentença estava dada. P'rá semana, queira ou não o sr. do Apito das Antas, generosamente subiremos todos os degraus. Seremos íntegros vencedores. Com a fidalguia. E honradez. Inté!
Meme de Jour ou exercício devoto à professa Gerência
Respondemos hoje [13 Maio] à encomenda do dr. Chan e sr. Guito, paga adiantadamente em báquica libação p'la calada da noute. O Courvoisier XO Imperial foi bravo no beber. Portanto, attendite et videte na existência deste vosso pecador. E sede piedoso, ó ilustrado auditório!
- Que fazes neste momento?
Tomávamos conhecimento do silêncio meditativo dos bloguistas neoliberais sobre o caso Sobreirogate & como vão lavrando o campo da refundação da direita neste jardim da corrupção. Confeccionar o liberal libérrimo em banho de mercado é um puríssimo costume com que meneiam os neurónios. A ensaboadela económica, amputada desse charivari da livre concorrência, cria uma atmosfera absolutamente modernista. E pensar que a paixão do liberal p'la corruptela é uma magia que crepita nas abóbadas do templo de Adam Smith!? Mas lá no íntimo estávamos era a tentar partilhar a cama da vizinha, como se nota ali em cima. No pior dos cenários íamos urinar.
- Que planos tens para este fim-de-semana?
Preparar a comunhão do peito benfiquista. Vemos tantos lagartos de joelhos pelo chão, qual místicos e em silêncio desportivo, que temos o mester de lhes adubar a eucaristia na Catedral. Domar a fera, pôr as coisas no devido lugar, é coisa que se faz na Luz com simplicidade. Lá estaremos a aliviar a coisa. E Domingo, depois da janta, caminharemos p'la "cidade dos livros", em Taveiro. Em cadência triunfante para emudecer o vício.
- Que coisas te causam stress neste momento?
Além da mortificação de não termos os 70,50 mérreis finais para a entrada da tranche de um terreno na Companhia das Lezírias, nada mais temos a declarar. Só mesmo quando, em vadiagem mundana, nos ecoa a célebre máxima da Bruxa da Areosa - "mulher que sai demasiado, torna-se vadia" - é que o assombro do stress nos torna pouco heróicos. A bem dizer, o ser de prazer cai arremessado para os abismos do infortúnio. É a vida!
- Que fizeste desde o acordar até agora?
Verificámos, com alguma desconfiança (há que dizê-lo!), se os tomates não estavam enlatados, seguindo o dizer do casto Péret. Sem qualquer adversidade de permeio, valha-nos os deuses, seguimos em campo aberto para a pregação diária. Pelo caminho trememos com o "grande susto" apalavrado pelo beato José Manuel Fernandes do Público, salvo erro lá para os confins dos tempos. E, sem saber como, demos por nós a marchar para as Lísbias. Ainda era tempo de nos agasalharmos nos alfarrabistas antes que a bula do demiurgo liberal se elevasse novamente. E assim foi, de facto.
- A quem irás passar este teste fantástico?
Hesitamos entre Telmo Correia e o Tino de Rans. A experiência do trabalho trabalhado do primeiro e paixão musical do segundo é terreno sáfaro. Que fazer? (Lenin dixit). Vamos é passar o teste ao Murcon. Nestas coisas um sexólogo dá sempre muito jeito.
Saúde e fraternidade.
[P.S.: a encomenda, do Bar a Barraca, devia sair para o prelo ontem à tarde. Porém, a funcionária lá de casa, ainda não abraçou totalmente o choque tecnológico do eng. Sócrates, pelo que só agora o responso sai à estampa]
sábado, 14 de maio de 2005
Hay-on-Wye - "a capital do alfarrábio" [conclusão]
[O Rei de Hay] - "... Chama-se Richard Booth. A sua mulher é Hope. Educado, culto, com alguma fortuna, teve, há quase trinta anos, uma inspiração. Comprou o Castelo de Hay e começou a fazer uns trabalhos de restauro. Ao mesmo tempo, fundou a primeira book town: instalou, na Old Fire Station, a primeira loja de livros de segunda mão. Através de mil e uma aventuras, incêndios, intrigas, bebedeiras, lutas contra a burocracia, escândalos de toda a espécie, conseguiu aumentar o seu negócio, comprar o cinema local e transformá-lo em livraria, comprar outras casas, fazer mais obras no castelo e adaptar várias salas às necessidades do negócio. Venceu e deu o exemplo. Lentamente, locais e forasteiros forma seguindo. Hoje, o negócio do livro é a sorte desta aldeia perdida.
O homem é um génio para a publicidade. Coroou-se rei de Hay e declarou, em 1977, a independência do seu reino. Sabe que são os escândalos que contam, em particular as querelas: não perde uma. Dá-se mal com os burocratas locais, odeia as agências de turismo, tenta impedir a chegada dos armazéns nacionais (Marks and Spencer, Debenhams, Sainsbury's, Tesco, McDonald's, etc.), luta pelo afastamento das auto-estradas,é adversário da energia nuclear e opõe-se à instalação de moinhos de energia eólica. Abomina a União Europeia, o que não o impediu de candidatar a sua associação de Book Towns a subsídios europeus. Detesta socialistas, a senhora Thatcher, os conservadores, os jornais nacionais, a publicidade, a autarquia local, as autoridades de planeamento e o governo. E sobretudo Robert Murdoch. Mas vive de quem lá vem comprar livros, dos turistas e da publicidade feita, no mundo inteiro, à aldeia.
A verdade é que não só Hay se transformou na «Capital do Livro em Segunda Mão», como já muitas seguiram o seu exemplo: Flaerland, na Noruega; Redu, na Bélgica; St. Pierre de Clages, na Suiça, Fontenoy-la-Joute, Montolieu e Bécherel, em França; Bredevoort, na Holanda, Stillwater, nos Estados Unidos; Three Pistols e Sidney, no Canadá; Kampunh Buku, na Malásia; e Miyagawa, no Japão. Quase todas pediram a Richar Booth que as ajudassem (...)
["... o Rei de Hay pergunta-se se deve escolher cortinas de nylon a fim de ser socialmente aceite pela câmara local. O seu velho amigo, Taxi Davies, já falecido, sempre pensou que todos os comportamentos eram tolerados em Hay-on-Wye, desde que «o hospede não limpe a pila às cortinas». Espera-se que, dadas as posições de prestigio que ocupam, nenhum dos membros da câmara tenha tão repelente hábito" - Postal editado por Richar Booth]
[António Barreto, in Grande Reportagem, Janeiro 1997]
segunda-feira, 9 de maio de 2005
Mar Salgado
"E vós, ó coisas navais, meus velhos brinquedos de sonhos
...
Fornecei-me metáforas, imagens, literatura,
Porque em real verdade, a sério, literalmente,
Minhas sensações são um barco de quilha pró ar,
Minha imaginação uma âncora meio submersa,
Minha ânsia um remo partido,
E a tessitura dos meus versos uma rede a secar na praia" [Álvaro Campos]
2 anos em areeiro abalançado por cavalleiros soltos "pela brisa embalada do Mondego", o Mar Salgado comemoraram anos de prosa vernaculíssima. Ao luzeiro de marujos da velha Nau gratas felicitações.
Iremos ao Marquês!
Para os incautos diremos que não se trata, aqui, de qualquer manifestação libidinosa ou escrita fálica. Nem se pense em invulgar masturbação desportiva, que a suposta abstinência de títulos é neurastenia para outros, que não nós: os encarnados. Ou um acting out falhado. O espírito é, apenas, o lugar!
Meus amigos, embora sabendo que "a masturbação é uma qualidade militar" (Apollinaire, dixit) a nossa excitação não vem num qualquer manual castrense, mas sim no admirável gozo de futebol que a Catedral acolherá e eternizará, na próxima semana. Em homenagem ao Cosme Damião, ali ao lado em toillete festiva, absolutamente cismados que, passe a sórdida acção da rapaziada do apito, seremos os mais assombrosos dos campeões nacionais, iremos ao Marquês. Ou à sua Rotunda. E em oração espirituosa ao Dias da Cunha, esse génio da arbitragem do horto d'Alvalade, contra a religião do Apito do sr. Costa & cia, celebraremos o mester de campeão de futebol já no próximo domingo. Com aprumo, porque somos gente séria.
A récita será memorável.
Hay-on-Wye - "a capital do alfarrábio" [parte II]
"...Quanto aos alfarrabistas, a organização de Richard Bookshop, com cinco andares, tudo aparentemente bem organizado por temas, secções, países, géneros, etc. quando se procura, melhor, percebe-se que há regras estranhas e a única solução consiste em recorrer aos funcionários, desde que se consiga distingui-los: são tão excêntricos quanto os clientes! A ordem alfabética é respeitada, mas há temas e subtemas e secções especiais (...) Ao mesmo R. Booth pertence o Hay Castle Bookshop, onde, em dependências estranhas (antigas cozinhas, cavalariça, prisões, despensa e casas de guardas) estão vários temas arrumados: fotografia, cinema, teatro, transporte, índios americanos e artesanato.
No sopé do castelo, a mais louca secção: Honesty Books. Ao ar livre, quer chova ou fala sol, estão algumas dezenas de estantes, literalmente a abarrotar: cada livro custa cinquenta pence, mais ou menos cento e vinte escudos. Os clientes podem servir-se como entenderem. Levam o que querem. E pagam, à saída, com moedas numa antiga caixa de esmolas embutida na parede. Não há um único funcionário à vista. Devo dizer que nunca vi tantos livros absolutamente inúteis. Ainda por cima, a cheirar a mofo e humidade. Mas acrescento que sempre lá vi dúzias de clientes, curvados, com ar ligeiramente lúbrico, à procura e, o que é mais curioso, a encontrar qualquer coisa. (...) A maior parte dos alfarrabistas são especialistas. Só Booth e o cinema [Hay Cinema Bookshop] conseguem ser absolutamente generalistas e vender tudo. Cada um tem, em exposição, quatrocentos a quinhentos mil livros! Booth tem akinda, em armazém, a Warehouse, fora da aldeia, uma reserva de mais de seiscentos mil. Os mais pequenos têm entre vinte a trinta mil. Os de média dimensão chegarão aos cem mil (...) Os mais curiosos são os especialistas. Nesses, respira-se um ar próximo do das sacristias e das lojas maçónicas. Os clientes são desconfiados e têm comportamentos estranhos. (...) Os coleccionadores, mais excêntricos, são reais tarados. Podem chegar a comprar milhares de livros que raramente ou nunca abrem, podem nada saber do que compram ou dos autores, mas abem tudo das datas de edição, do encadernador, do couro da capa e das marcas de água do papel (...)
O Festival [de Literatura] realiza-se em Junho (...) Há sessões sobre biografia, viagens, memorialismo, literatura americana, o futuro do romance, literatura e sexo, livros políticos, o que se quiser. À noite, seguem-se os divertimentos: música clássica, cabarets, pura má-língua, meditação transcendental ou simples bebedeira. (...) Segundo P. Florence, discute-se tudo, do mais rebarbativo ao imprevisível. Mas há obsessões recorrentes: «sexo, política, história e jardinagem» (...)
Como não podia deixar de ser, o festival tem os seus inimigos. Alguns nativos não acham graça à invasão anual de dezenas de milhares de intelectuais smart de Londres. Comerciantes e hoteleiros consideram a iniciativa interessante, mas a maior parte dos alfarrabistas não está para aí virada: o seu negócio é de livros usados, não novos. O mais feros adversário é Richard Booth, o primeiro alfarrabista de Hay: «Esse festival é organizado pela máfia dos media e pelos intelectuais socialistas pagos pelo Murdoch. Não ajuda os agricultores locais, não cria nada de durável na aldeia (...) Essa gente vem para aqui, uma cidade de livros em segunda mão, vender livros novos; numa terra de sidra e de cerveja local, bebem champanhe francês; num sítio sossegado e pacífico, trazem milhares de carros e de camionetas. Uma máfia!» ..." [António Barreto, in Grande Reportagem, Janeiro 1997]
[a concluir: O Rei de Hay - Richard Booth]
sábado, 7 de maio de 2005
Hay-on-Wye - "a capital do alfarrábio"
Via ASS lemos, gostosamente, a coluna de JPC na Folha, onde nos conta as aventuras (ao que soubemos depois, com mais 3 portugas, também amadores de papel escrito) em Hay-on-Wye. Lembrámo-nos do excelente texto (e fotografias) de António Barreto publicado na Grande Reportagem, Janeiro de 1997. Fomos à cave e, qual proleta do Tio Patinhas (versão JPP) lá encontramos a referência. Aqui deixamos algumas notas:
"Nesta aldeia [Hay-on-Wye, segundo AB teria menos de mil habitantes], exercem a sua actividade mais de trinta alfarrabistas e várias dezenas de pubs, bares, restaurantes, hotéis e B&B (bed and breakfast). Aqui estão armazenados, para venda, mais de três milhões de livros em segunda mão. A Hay chegam, por ano, dezenas de milhares de turistas, leitores, académicos, comerciantes, jornalistas, investigadores, livreiros, coleccionadores e especialistas de todos os domínios. A receita anual da venda de livros ultrapassa os tês milhões de libras (750 mil contos), à qual se deve acrescentar a hotelaria, mais ou menos doze milhões de libras. Estamos próximos dos quatro milhões de contos directa e indirectamente gerados pelo comércio alfarrabista! Isto, repito, numa aldeia de novecentos habitantes ..."
"...Hay situa-se exactamente na fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales. A tal ponto que a sua localização administrativa é contestada: Galeses e Ingleses reclamam-na para si. Os locais não se envolvem nessa luta: pertencem a uns e outros, conforme as vantagens. Alguns acham mesmo que não pertencem a quem quer que seja, são deles próprios, uma terra de ninguém que explora as querelas burocráticas dos outros. E não falta quem tenha declarado a independência de Hay! Até o nome da aldeia traduz a dualidade: Hay-on-Wye para os Ingleses, Tragelli ou Y Gelli para os Gauleses. No tempo dos normandos a aldeia estava dividida em duas partes, a English Hay e a Welsh Hay. Terra de fronteira, teve uma vida previsivelmente agitada: a sua história é rica e, assassinatos políticos, prisões, intrigas, adultérios e vingança. Os seus habitantes ficaram com uma perene reputação de rebeldes: resistiram aos Romanos, aos Galeses e aos Ingleses. A quem viesse ..."
"... Apesar do «progresso», o turismo em Hay é diferente. Amantes da natureza, pescadores, coleccionadores, escritores e leitores formam uma «fauna» menos barulhenta do que as que se vêem noutros sítios (...)
Tudo se passa com uma cerimónia estranha (...) Antes de comprar, a fim de esconder as intenções, os tarados dos livros andam depressa e silenciosamente; depois de carregar os sacos, devagar e sorridentes. Fazem-se negócios na rua, nas esquinas, nos pubs e à mesa do restaurante. Revendem-se, com lucro, livros acabados de comprar mesmo ao lado. Vendem-se livros nas mercearias, na farmácia e no tea-room. Toda a gente sonha com descobertas: o livro raro, a primeira edição raíssima, o autografo de Churchill perdido dentro de um livro ou a gravura original do herói do cricket, W.G.Grace, publicada pela Vanity Fair. Todos esperam encontrar o pequeno tesouro que passou despercebido ao próprio livreiro (...) [António Barreto]
[a continuar: "Alfarrabistas", "O Festival de Literatura" e "O Rei de Hay"]
Locais: Hay-on-Wye / Hay-on-Wye / Bookshops in Hay-on-Wye / Hay on Wye, a world of books / Hay-on-Wye booksellers / Hay on Wye Castles / Hotels and cottages in Hay-on-Wye / "God save the King" [por João Pereira Coutinho]
Boletim Bibliográfico de Luís P. Burnay
Acaba de sair o Boletim nº 25, correspondente ao mês de Maio, do Livreiro Luís P. Burnay, Calçada do Combro, 43-47, Lisboa. Como sempre um conjunto apreciável de livros (509), referentes à literatura, história, trabalhos monográficos, esgotados ou raros e a preços diversos.
Algumas referências: Fontes do Direito Ecclesiastico Portuguez, por Joaquim dos Santos Abranches, Coimbra, 1895 / Cascais. Vila da Corte, de Ferreira de Andrade, 1964 / Memorias Históricas-Estatísticas de alguma Villas e povoações de Portugal, de PW Brito Aranha, 1871 / A Póvoa do Varzim, de Viriato Barbosa, 1937 / Portugal and Galicia ..., The Earl of Canarvon, 1848 / Portas e Arcos de Coimbra, de F.A. Martins de Carvalho, 1942 / Historia panegyrica da vida de Dinis de Mello de Castro primeiro Conde de Galveias ..., por Júlio de Mello e Castro, Lisboa, 1744 / In Illo Tempore: estudantes, lentes e futricas, de Trindade Coelho, 1902 / Soror Mariana a freira Portuguesa, por Luciano Cordeiro, 1891 / Escritos de Camilo, de Júlio Dias da Costa, 1922 / A Democracia Nacional, por Henrique de Paiva Couceiro, 1917 / Os Crimes da Formiga Branca, .... Publ. semanal em folhetos. Edit. Rocha Martins, nº1 a nº5, 1914-15 / A Sertã e o seu Concelho, pelo Pe António Lourenço Farinha, 1930 / As armas brancas do solar de Pindela, por Alfredo Guimarães, 1946 / Os Fuzilados de Outubro, por Fernando Honrado, 1995 [refª a vários elementos da Carbonária Lusitana] / A Casa Nobre de Lázaro Leitão no sitio da Junqueira, de Arthur Lamas, 1925 / Medalhas portuguesas e estrangeiras referentes a Portugal, idem, 1916 / Concelho de Nelas, de J. Pinto Loureiro, 1957 / Heróis, Santos e Mártires da Pátria, de Rocha Martins, XII fasc., s.d. / Terras da Beira: Cernancelhe e o seu alfoz, por Vasco Moreira, 1929 / A Monografia de Alvor [e a Monografia de Estombar], por F. Xavier d?Athaíde Oliveira, 1907 [1911] / Origem infecta da ralaxação da moral dos denominados Jesuítas ..., Lisboa, 1771 / Portugal Económico, Monumental e Artístico, IV vols, s.d. / A Minha Terra: breves apontamentos sobre Romariz, pelo Pe. M. Fernandes dos Santos, 1940 / Do Direito Heráldico Português, pelo Conde de São Payo, 1927 / Memórias para a vida intima de José Agostinho de Macedo, por Inocêncio Francisco da Silva, 1898 / Vida do venerável D. Fr. Bartolomeu dos Martyres da Ordem dos Pregadores ..., por Frei Luís de Sousa, 1760, II vols / Ásia Portuguesa, de Manuel Faria e Sousa, Porto, 1945, VI vols / Torres Vedras Antiga e Moderna, de Júlio Vieira, 1926 / Da Ásia de João Barrros e Diogo Couto. Nova edição, 1778-1788, XIV vols / O Amor em Visita, de Herberto Helder, ed. Contraponto, s.d. / Poemacto, idem, ed. Contraponto, 1961
sexta-feira, 6 de maio de 2005
Aniversário do Abrupto
"Este retrato vosso é sinal
ao longe do que sois, por desemparo
deste olhos de cá ..." [Sá de Miranda]
Motivo de felicitação. O Abrupto comemora o segundo ano de bem aventuranças, entre memórias e testemunhos virtuosos. Fonte de abundância discursiva, pouco acomodado às normas do politicamente correcto, impetuoso na análise e parco nos lamentos, JPP parece olhar o mundo, timidamente, como se de um imenso tumulto de tratasse. Aqueles que à sombra da bênção das instituições se procriam entendem que é pura insensatez. Puro engodo ornamental. Caso passional. Pouco complacentes, tais personagens nunca compreenderão a vida nas (das) palavras. Como o poderiam?
O desterro político de JPP, engolfado entre colunas de jornais e o blog, é a nossa ventura. A sua afoiteza intelectual, a nossa glória. O seu cativeiro partidário a nossa fraqueza. E a sua desdita. Porque JPP não tem nada em comum com tão estranha gente, porque "não há fidelidade que não seja pessoal" [H.H.]. Assim o cremos.
Muitos parabéns, acompanhados de um ror de inveja por não termos sucateiros tão ilustrados e felizes no seu trabalho. É a vida!
[foto: Vilamoura, Feira do Livro, Agosto 2001]
terça-feira, 3 de maio de 2005
Hugo Gellert [n. 3 Maio de 1892-1985]
Locais: Hugo Gellert / Hugo Gellert: índex / Hugo Gellert: History of a Controversy / A Depression Art Gallery
Niccolo Machiavelli [n. 3 Maio de 1469-1527]
"Todo aquele que, conquistando um Estado habituado a viver livre, não o destrói, deve esperar a própria destruição ... Qualquer que seja a precaução tomada, faça-se o que se fizer, se não se dissolver o Estado, se não se dispersar os habitantes, ver-se-á que na primeira oportunidade lembrarão, invocarão a sua liberdade, as suas instituições perdidas, esforçando-se por recuperá-las ..." [Maquiavel]
"... Bem se deve compreender que não é possível a um príncipe, e sobretudo a um novo príncipe, observar em seu proceder tudo quanto permite sejam os homens considerados pessoas de bem, e que muitas vezes é ele obrigado, para manter o Estado, a agir contra a humanidade, contra a caridade, contra a própria religião. Por conseguinte, é preciso que tenha o espírito bastante flexível para se voltar em todas as direcções, conforme o exigem o sopro e os acidentes da fortuna; é preciso, como se disse, que, tanto quanto possível, não se afaste do caminho do bem, mas que, se necessário, saiba entrar no do mal ..." [idem]
Locais: Machiavelli / Niccolo Machiavelli / Niccolò Machiavelli (1469-1527) / Teoria Política
[Fahrenheit 451 em corrente incendiária]
Seguindo o farol da tradição e em obediência salutar à missiva d'La Force des Choses, aqui deixamos sem empacho os nossos ditos sentenciosos, com todas as licenças necessárias. Gratia Plena.
1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
- Aquele que fosse tão simples como a textura de um lábio e que nos olhe luzente como um místico. Estamos a falar, evidentemente, nos Cantos de Maldoror. Hoje, estamos decididamente Lautréamont. Como alternativa gentil, de prazer e de luxúria, e em honra do valente Montag, preferíamos ser mais "um cacto no cu da arte"". Reinventar o livro livrado era o que era, mas sabemos que acabamos todos, um dia, no fogareiro.
2. Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
- Desde o projecto de acordar até ao dormir nocturno temos sentimentos naturais. O Fritz cá de casa é que não entende. É a vida! Confessamos que pela manhã estamos muito Nero Wolfe à volta dos ovos e do pão torrado. Pela tarde transfiguramo-nos em Lucas Corso (d'O Clube Dumas) em louvor de velhas viúvas com bibliotecas em fundo. Pode ser que uma qualquer Justine nos atravesse pelo caminho e que de repente se solte o Pursewarden que há em cada um de nós, mas nunca fiando. Ao fim da tarde, na Benard, na Mexicana ou no Casino da Figueira balança-se entre o Jean-Marc e o Duc no Fim-de-Semana, mas cedo corremos a ser Jack London. Maior ventura não pode haver.
3. Qual foi o último livro que compraste?
- Há muito que não compramos um livro. Resgata-se bibliotecas, afaga-se papéis impressos, capricha-se nas lombadas. Da última colheita registe-se alguns livros de linhagens, a Bibliografia Coimbrã de Pinto Loureiro, os Anos Vinte em Portugal do José-Augusto França, a Formação Humana no Projecto da Modernidade, de Cabral Pinto, o ultimo do Eco e Longe de Manaus do Francisco.
4.Qual o último(s) livro(s) que leste?
- As Aranhas Douradas de Rex Stout; 5 Aproximações de Yvette Centeno e o livro do Cabral Pinto, atrás citado.
5. Que livros estás a ler?
- Com gosto e para cura espiritual atacamos no antiquíssimo Maçonaria Universal do José Bernardo Ferreira (1921); folheamos deslumbrados o Jornal A Luz (1918-1928); soletramos A Literatura Clandestina de Oliveira Marques e acompanhamos aos tropeções The Plot Against America, de Philip Roth.
6. Que livros levarias para uma ilha deserta?
- Tal instrução administrativa era uma solenidade curiosa. Em abono da humanidade e meditando no que nos é dito no Fahrenheit 451 ["a temperatura a que um livro se inflama e consome"] levaria o Tratado d'Agricultura Theorico-Pratico do Dr. João António Bella, o Catálogo da Biblioteca do Dr. Rodrigo Veloso (13.000 títulos a recordar) e, evidentemente, a Obra Poética de Herberto Helder. Bastava.
7. A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
- Ao António do Opiniondesmaker, para o castigar por ser anti-lampião; ao Aly do Letteri Café, porque de facto "a vida não é um armário" e à nossa Desassossegada, por estar demasiado recatada. Saúde e Fraternidade.
domingo, 1 de maio de 2005
O Cardeal
"O futuro já não é aquilo que era" [P. Valéry]
Eis que a fábula de um Ratzinger (Cardeal) tomado como crítico radical da razão, sujeito supostamente alapado ao projecto da modernidade, subversivo & provocador na reconstrução do "projecto inacabado" da modernidade se torna o consolo, sustento e redenção da classe lusa opinadora, de finos costados liberais. O entusiasmo febril do indígena quando, após espreitadela a velhos canhenhos e sucumbido pelo cansaço de viçosas leituras filosóficas, tomou conhecimento do elogiado debate Habermas-Ratzinger mostra-nos que "razão como vontade da razão" [Habermas] pode não ser totalmente libertadora.
Um Ratzinger anti-liberal e anti-moderno, clamando contra a "abolição do homem" e pela "racionalidade da fé"; recusando a "auctoritas legislativa" porque fonte paradoxal do "domínio da maioria"; defenestrando Adam Smith por motivo que "utilitas, non veritas facit pacem"; fazendo a apologia da fé contra a política, sem lugar a qualquer promiscuidade, e ao mesmo tempo tecendo loas aos "gloriosos políticos cristãos" saídos do primeiro pós-guerra [cf. Ratzinger], o que não deixa de ser estranho se tivermos em conta Franco e Salazar; em defesa de uma lei que sendo "realmente direito" o seja pelo "ordenamento justo nas relações recíprocas em face da criação e do Criador" e "da sua verdade" [idem]; acentuando a fé e o seu mistério como salvação da razão; um Ratzinger assim ressituado fora do campo da desconstrução da modernidade e ao mesmo tempo tão louvado pelos liberais lusos, não deixa de ser curioso e grosseiramente contraditório.
A história profética do Cardeal é que não há salvação fora da Igreja Católica. A gramática Ratzingeriana ao pretender impedir a retirada do homem da história fá-lo cair definitivamente nas mãos de Deus. Compreende-se, portanto, que a "nova" querelle, em torno da "razão, liberdade, igualdade e justiça", assim suscitada, nada tenha que ver com uma qualquer Aufklarung, pois o tribunal da razão mais não é, chez Ratzinger, que a extraordinária tarefa de refundir a razão com a fé e o eterno regresso à sua Revelação primitiva. Segundo os seguidores do Cardeal a "morte de Deus", ao que parece, tem os dias contados. Assim como os conceitos de "secularização, crítica, progresso, revolução, desenvolvimento e emancipação". A dogmática está, pois, de volta e em força.
[O que é o tempo?]
"Não houve nenhum tempo em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo. Nenhuns tempos Vos são coeternos porque Vos permaneceis imutável; e se os tempos assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é pois o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras, o seu conceito? (...) O que é, por conseguinte o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer esta pergunta, já o não sei. Porém atrevo-me a declarar com certeza que se nada passasse, não haveria tempo passado, e se nada sobreviesse não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente.
De que modo existem aqueles dois tempos, o passado e o futuro, pois que o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse presente, já não seria tempo, mas eternidade. Pois se o presente, para ser tempo, necessariamente tem de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência está em esse tempo deixar de existir? Para que digamos que o tempo só verdadeiramente existe, porque tende a não ser"
[Santo Agostinho, As Confissões, XI, 14]
"Não houve nenhum tempo em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo. Nenhuns tempos Vos são coeternos porque Vos permaneceis imutável; e se os tempos assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é pois o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras, o seu conceito? (...) O que é, por conseguinte o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer esta pergunta, já o não sei. Porém atrevo-me a declarar com certeza que se nada passasse, não haveria tempo passado, e se nada sobreviesse não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente.
De que modo existem aqueles dois tempos, o passado e o futuro, pois que o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse presente, já não seria tempo, mas eternidade. Pois se o presente, para ser tempo, necessariamente tem de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência está em esse tempo deixar de existir? Para que digamos que o tempo só verdadeiramente existe, porque tende a não ser"
[Santo Agostinho, As Confissões, XI, 14]
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