terça-feira, 3 de maio de 2005


[Fahrenheit 451 em corrente incendiária]

Seguindo o farol da tradição e em obediência salutar à missiva d'La Force des Choses, aqui deixamos sem empacho os nossos ditos sentenciosos, com todas as licenças necessárias. Gratia Plena.

1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
- Aquele que fosse tão simples como a textura de um lábio e que nos olhe luzente como um místico. Estamos a falar, evidentemente, nos Cantos de Maldoror. Hoje, estamos decididamente Lautréamont. Como alternativa gentil, de prazer e de luxúria, e em honra do valente Montag, preferíamos ser mais "um cacto no cu da arte"". Reinventar o livro livrado era o que era, mas sabemos que acabamos todos, um dia, no fogareiro.

2. Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
- Desde o projecto de acordar até ao dormir nocturno temos sentimentos naturais. O Fritz cá de casa é que não entende. É a vida! Confessamos que pela manhã estamos muito Nero Wolfe à volta dos ovos e do pão torrado. Pela tarde transfiguramo-nos em Lucas Corso (d'O Clube Dumas) em louvor de velhas viúvas com bibliotecas em fundo. Pode ser que uma qualquer Justine nos atravesse pelo caminho e que de repente se solte o Pursewarden que há em cada um de nós, mas nunca fiando. Ao fim da tarde, na Benard, na Mexicana ou no Casino da Figueira balança-se entre o Jean-Marc e o Duc no Fim-de-Semana, mas cedo corremos a ser Jack London. Maior ventura não pode haver.

3. Qual foi o último livro que compraste?
- Há muito que não compramos um livro. Resgata-se bibliotecas, afaga-se papéis impressos, capricha-se nas lombadas. Da última colheita registe-se alguns livros de linhagens, a Bibliografia Coimbrã de Pinto Loureiro, os Anos Vinte em Portugal do José-Augusto França, a Formação Humana no Projecto da Modernidade, de Cabral Pinto, o ultimo do Eco e Longe de Manaus do Francisco.

4.Qual o último(s) livro(s) que leste?
- As Aranhas Douradas de Rex Stout; 5 Aproximações de Yvette Centeno e o livro do Cabral Pinto, atrás citado.

5. Que livros estás a ler?
- Com gosto e para cura espiritual atacamos no antiquíssimo Maçonaria Universal do José Bernardo Ferreira (1921); folheamos deslumbrados o Jornal A Luz (1918-1928); soletramos A Literatura Clandestina de Oliveira Marques e acompanhamos aos tropeções The Plot Against America, de Philip Roth.

6. Que livros levarias para uma ilha deserta?
- Tal instrução administrativa era uma solenidade curiosa. Em abono da humanidade e meditando no que nos é dito no Fahrenheit 451 ["a temperatura a que um livro se inflama e consome"] levaria o Tratado d'Agricultura Theorico-Pratico do Dr. João António Bella, o Catálogo da Biblioteca do Dr. Rodrigo Veloso (13.000 títulos a recordar) e, evidentemente, a Obra Poética de Herberto Helder. Bastava.

7. A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
- Ao António do Opiniondesmaker, para o castigar por ser anti-lampião; ao Aly do Letteri Café, porque de facto "a vida não é um armário" e à nossa Desassossegada, por estar demasiado recatada. Saúde e Fraternidade.