quarta-feira, 25 de maio de 2005
Ecos do défice ou a moléstia da "coisa"
O sr. Governador do Banco de Portugal aka Vítor Constâncio apareceu-nos, dias atrás, a agraciar os indígenas lusos, ao som de pandeiros e rufar de tambores, com a chibatada do défice público. A fragrância com que exala "a coisa" torna o sr. Governador um putativo sacerdote do templo do equilíbrio orçamental, a par de vultos não menos talentosos como os pregadores Miguéis (o Beleza e o Frasquilho), os jubilosos Bagão Félix & César das Neves, o Martim liberal ou essa inenarrável Dulce Franco.
Depois de um santo domingo de repouso pátrio (S.L.B. gratia plena) eis que as luminárias da política económica em geral e os negociantes do retalho orçamental em particular, regressam em força a todos os telejornais, repartições de think tank por atacado, quiosques de equilíbrio cíclico ou lupanares de politicas orçamentais de estabilização. Há mais de vinte anos que o orçamento reformado nos é contado, em historietas encantadoras. O debate pragmático torna-se um delírio da razão e a superstição em torno dos coveiros do défice um talento de retórica que está bem num qualquer liceu ou associação de estudantes, mas que não comove qualquer um. Só quem quer ir nesse preparo e em espumoso divertimento partidário.
O discurso sobre "a coisa", sua origem infecta e meios de a combater adultera o espírito dessa gloriosa plêiade de fiscalistas, orçamentalistas e economistas, abnegados trabalhadores da coisa pública. A ordem de argumentos da espantosa rincharia acaba invariavelmente na velha comédia dos malefícios do estado "gordo", na infâmia arremessada sobre os malandros dos funcionário públicos (uns gastadores compulsivos), no uso e abuso da teoria do utilizador-pagador (o novo brinde dos modernos liberais), na cientifada contra os limites do Estado-Providência (não leram Daniel Cohen, mas pouco importa) e por aí adiante. A doutrina veio para ficar.
Como se percebe do douto exercício economês os erros de criação e amamentação do "monstro" são sempre de outros. A dúvida pavorosa nunca existe. Uma tal Dulce, nomeada porta-voz da equipa de Marques Mendes, Barroso & Lopes, demonstra, com aquele ar sério que lhe faz arcar o peito, que a dita "coisa" brotou do desastre Guterrista. O bom do Ribeiro e Castro, agora sem a garotada pululante desses álgidos tempos, confessa que também sim, evidentemente. Os socialistas extasiados, em parceria Pina Moura, juram que o pai do "monstro" foi o prof. Cavaco nos tempos idos de 90.
Entretanto a inefável Ferreira Leite, judiciosamente, confessa não ter queda para números e convicção pela matemática. Oliveira Martins prepara discursata. Frasquilho sobe à estátua do Marquês e ameaça atirar-se para o túnel do Lopes se não se baixar os impostos. Miguel Beleza, o tal do défice especial, descobre que um aumento das taxas de IVA não permite falar em qualquer efeito recessivo. Silva Lopes, insondável, fica perplexo pelo estado de alma-económica do seu ex-aluno. António Nogueira Leite, entre notas de jazz e pautas orçamentais, revolve-se no sofá exigindo que se ataque a maleita do défice pelo lado da despesa, sepultando de vez o recurso das receitas fiscais. O Sérgio Figueiredo, injustamente esquecido, está a fazer a tradução de alguns estimulantes abstract da produção teórica americana e virá ... já a seguir. O dr. Medina Carreira, isolado em casa, trabalha inspirado em dezenas de tabelas e quadros analíticos e voltará para dar a etiologia da doença. O José Manuel Fernandes publicará. E nós, por aqui, nos fechamos.