quinta-feira, 20 de maio de 2004


Ex-Libris

"Ex-Libris é um indicativo de propriedade, uma marca de posse bibliográfica, que vai desde o nome do possuidor, manuscrito na capa, na folha-de-guarda ou primeiras folhas do volume, até folha solta de papel, pano ou pele, de mais ou menos reduzidas dimensões, onde estão manuscritos ou impressos desenhos ou dizeres e que aparecem apostos geralmente no ante rosto do volume encadernado ou brochado (quando não é intercalado na encadernação, antes da primeira folha); abrangendo ainda desenhos e dizeres gravados a oiro ou a seco, nas pastas e lombadas das encadernações, ou pintados em pele ou marfim, ou ainda abertos a buril em chapas de metal, e que são apostos na parte anterior do volume, nos locais indicados." [Armando de Mattos, in Bibliomanias]

O Sindicalista [nº 1, 13 de Novembro de 1910- 1915]

"... os dezasseis anos de República democrática constituem uma fase durante a qual se vai destacar uma imprensa operária de cariz fundamentalmente sindical, claramente inserida nas estruturas sindicais e orientadas para os problemas centrais do movimento sindical(...)
«O Sindicalista» foi um semanário que claramente se inseriu na linha de orientação que se exprimiu, pela primeira vez, no diário «A Greve». Predominantemente sindicalista revolucionário este semanário vai cumprir, com êxito, uma dupla função: acompanhar muito atentamente o poderoso movimento reivindicativo dos trabalhadores portugueses que se desencadeia logo após a implantação da República e servir de suporte ao grande esforço organizativo que se segue a Outubro de 1910 e que se materializa na realização em 1911 do Congresso Sindical e em 1914 no Congresso Operário de Tomar que funda a União Operária Nacional(...)
Neste semanário, habitualmente em quatro páginas, deve assinalar-se a atenção como que são acompanhados os problemas das várias profissões, o cuidado que é posto na divulgação das suas aspirações e das suas lutas, o vigor que caracteriza a denúncia da repressão que a novel república fez abater sobre a actividade sindical e, sobretudo, sobre os trabalhadores em greve" [in, César de Oliveira, Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]

Alguns colaboradores: Bernardo de Sá (condutor de obras públicas), Severino de Carvalho (ajudante de notário), Francisco Cristo, João Pedro dos Santos, Alexandre Vieira, Augusto Machado, António Evaristo, Manuel Ribeiro (escritor de A Catedral, O Deserto, a Ressurreição, foi colaborador d'O Sindicalista, A Batalha, membro do Partido Comunista e redactor da Bandeira Vermelha, etc.) [cf, Alexandre Vieira]

quarta-feira, 19 de maio de 2004


Agradecimentos

Agradecemos as amabilidades que nos foram endereçadas. Gratos, por isso.

Ao Analiticamente Incorrecto, A Natureza do Mal, A Tasca, Avatares, Aviz, Blasfémias, Bomba Inteligente, Cabo Raso, Causa Nossa, Contra a Corrente, Eclético, Fórum Comunitário, Mar Salgado, Memória Virtual, Nova Floresta, Placard, Quartzo, Feldspato & Mica, Retórica e Persuasão, Rua da Judiaria, Terras do Nunca, Tugir, Um Blog sobre Kleist, e àqueles outros que em privado nos enviaram carinhosos suplementos de alma, um muito obrigado.

De outro modo, daqui encaminhamos as maiores felicitações ao Critico Musical, Modus Vivendi e Os Tempos que Correm, que comemoraram o seu aniversário de muita e merecida estimação.


Vladimir Mayakovsky

Catálogo XLVI da Livraria Moreira da Costa

A Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) acaba de publicar o seu Boletim bibliográfico de livros seleccionados, Catálogo XLVI, referente ao mês de Maio, de interesse monográfico e etnográfico.

Algumas referências: Alta Cultura Colonial. Discurso inaugural e conferências, 1936 [Discurso inaugural de Vieira Machado e conferências por Agostinho de Campos, Alfredo Pimenta, Manuel Múrias, Quirino da Fonseca, Reinaldo dos Santos ...] / Elucidiario do Viajante no Porto, de Francisco F. Barbosa, Coimbra, 1864 / 100 Annos de Vida . A expansão da imprensa brazileira no primeiro seculo da sua existencia Subsidios para trabalho de maior fôlego por Alberto Bessa, 1929 / Poetas e Prosadores. À margem dos livros, de Júlio Brandão, s/d / Novíssimos ou Últimos fins do Homem, pelo Barão do Castelo de Paiva, Lisboa, Typographia Universal, 1866, II vols / Contemporâneos Illustres. D. Fernando II de Portugal, de F. J. Pinto Coelho, Lisboa, 1878 / Colecção Camoneana de José do Canto, Lisboa, Imprensa Nacional, 1972 / Camões e as Artes Plásticas. Subsídios para a Iconografia Camoneana, de B. Xavier Coutinho, Porto, 1946-1948, II vols / A Ourivesaria em Portugal, por João Couto & António Gonçalves, 1960 / Mouzinho. Acção. Pensamento. A Época, de Amadeu Cunha, 1956 / A Antiga Freguesia dos Olivais, por Ralph Delgado, Lisboa, 1969 / Julgareis qual é mais excelente - No Tricentenário da Restauração de Angola, de Gastão Sousa Dias, 1948 [ref. A figuras dominantes da história de Angola] / Estudo sobre o Absentismo e a Instabilidade da Mão-de-Obra Africana, Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar, 1959, III vols / Primeira Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934 [XXI opúsculos diversos] / Ronda de Africa. Outras Terras, Outras Gentes, por Henrique Galvão / A Pátria a Luiz de Quillianan, Porto, 1884 [conjunto de reacções e homenagens prestadas ao Major Quillinan, pela reacção deste aos insultos proferidos no Parlamento Inglez, pelo deputado Jacob Bright, contra Portugal] / Exórdio em Prol da Filantropia & da Educação Física, por Fernando Pessoa, Editorial Cultura, Porto / Filosofia Tradicional dos Cabindas, de José Martins Vaz, 1969-70, II vols

terça-feira, 18 de maio de 2004


Feliz Primavera - Director!

Oferecemos hoje aos leedores caprichosos d'O Almocreve uma entrevista exclusiva com o nosso Director. Assim com D grande, que com devotos amigos e sem administração míope, a linguagem nunca é expiação.
O nosso estimado director recebe-nos no seu castelo altaneiro, nos doces campos do Mondego e, enquanto fala pausadamente em quieto jogo, vai devassando as tropelias d'O Almocreve das Petas ou não fosse um director um "decorador de interiores". A caminho da livraria, nota-se-lhe o sorriso travesso, o respeito ou paixão por coisas simples, o infortúnio da modéstia, o misticismo do olhar, o gosto e a luxúria. Diz-nos: "só é livre quem é digno da liberdade", enquanto vai afogueando o amor cívico no olhar desse vale eternamente sacro do Mondego. O rio já corre ...

[Diz-nos:] - O Almocreve das Petas é um desvelado mineiro das letras. Blog de impressões, escritos do pitoresco, que se pretendem elegantes e cuidados, uma oração ou moral disfarçada da vida para profanos sensatos. Principiou com fadigas literárias mas não pretende estacionar em isolamento suspicaz. Porque o que é assombroso e extraordinário é a tabuada politica lusitana. Assim como, as dulcíssimas palavras proclamadas em abundância pelas sentinelas liberais, o mais boçal dos dogmatismos. O rastro e soberba de alguns "infinitamente pequenos", apregoadores da "seara comum" desenvolvimentista, são meramente um agitprop "ad captandus vulgus". Virgílio Correia tinha razão quando dizia que "é mais difícil ser livre que puxar uma carroça".

[P: consta que não recebem muito bem, causam perplexidade e ...] - Meu caro, a cultura não tem preço. Não faltará n'O Almocreve atropelos à urbanidade, à etiqueta ou ofensas à gramática (Deleuze, é claro). Cada um prevarica conforme o estilo. Mas pensamos que modos finos e adamados são fadigas de desenganos, um padre-nosso liberal para ladrilhar discursos sobre a ordem do mundo. E para nós, que procuramos renascer em cada dia, o objecto da procura é mais o conhecimento do desejo do outro, daí que se deva mudar o jogo e não as peças do jogo. Não seguimos, por isso, a pastosa linguagem da chinfrineira do dia-a-dia da politika. Nessa fatwa dos escribas não desejamos cair. Como alternativa, preferimos ser mais "um cacto no cu da arte". A sugestão evocativa é mais expressiva e o rendez-vous mais malicioso.

segunda-feira, 17 de maio de 2004


[O Mar]

Era a minha vez de falar.
E disse que não somos nada.
Foi tão simples, fiquei mesmo

aliviado. E não custou nada.
Os apupos, esses, amplifiquei-os
no búzio que sempre trago

comigo. É o mar que me chama ...

[Helder Moura Pereira, Puxar ao Sentimento, in Relâmpago, nº 13]

Um Bom Português

José Mourinho é, apenas, o melhor treinador português. É um vencedor nato. Com esforço, talento, auxílio de amigos, sorte e trabalho. Como todos nós. Certamente a mãe pátria tem uma plêiade de indígenas de muita estimação, que olhamos embevecidos e puxando luminosas grandezas, para mais tarde recordar. Tanta gente feliz, por isso.

Ora, Mourinho é essa espécie de visionário à força, estudante sem cábula, valente e arrojado de tanto correr, mas enfastiado deste quintal oceânico tal a náusea que em cada testemunho nos dá conta. A bizarria assim manifestada, comum entre os altíssimos cidadãos lusitanos, dá-lhe sempre para a cantilena anedótica, para o desabafo trapaceiro, para o comentário hilariante, para a acusação gratuita. José Mourinho é o Alberto João do futebol. Uma Helena Matos de saias. Se Mourinho fosse americano estava sentado à direita de Donald Runsfeld. Como não é possível, por sadismo do futebol, passeia-se no expositor das vaidades lusas. Nem procura disfarçar. A arrogância nem bem-humorada é servida. A adoração de si mesmo é uma banalidade que tresanda a caprichos de pouca originalidade. Percebe-se porquê. Por isso, Mourinho é um bom português.

[Hoje, sem brilhantismo algum, o meu Benfica venceu. Com felicidade, mas sem favores. Lutando como podia, com o tormento de tanto tempo como praga, surpreendeu. E a imprevidente brincadeira de mau gosto e mau perder de Mourinho, documentará a história deste jogo. Para os benfiquistas é o fim do sufoco. Que nunca se duvidou.]

domingo, 16 de maio de 2004


17 de Maio - Aniversário do Almocreve


"Em forma de responso, de absolvição e de legenda"

Faz-se saber ao público, que fará amanhã um ano quando chegou o Almocreve com as petas da sua papeleira, do país e do mundo. Com dissertações úteis para criados de servir desatentos, folhetos para venda a vinagreiros lamentosos, escritos declamatórios contra a indigestão literária ou composições prudentes, já com letras, de método fácil de fazer calar as crianças quando choram, recebe na sua estalagem costumada. A festa será assombrosa. A ladainha também. A lista de mazelas não terá fim. Saúde e fraternidade.

sexta-feira, 14 de maio de 2004

Poema

"... e o sacerdote à esquerda levantou-se
e cantou
a culpa é uma carpa deserdada

e as gentes responderam o mar
apagou das nossas praias os ventos
mais amáveis que tínhamos inventado
..." [Manuel Gusmão]

A Greve [nº 1, 18 de Março de 1908]

A corrente anarquista em volta d'O Pensamento Social estava ligada teoricamente às doutrinas difundidas no "Revolté", de Reclus e Kropotkine [cf. "A Evolução Anarquista em Portugal", J. M. Gonçalves Viana, Seara Nova, 1975]. Supõe-se que a ligação foi estabelecida pela presença de "refugiados espanhóis, membros da «Mano Negra» em Lisboa e no Porto" [ibidem]. Uma polémica em torno de "um manifesto abstencionista dos anarquistas de Barcelona", levado a cabo pelo Protesto Operário (socialista) faz participar no debate Gonçalves Viana e Cardoso [ibidem], contando ainda com a própria participação de Reclus, influenciando decisivamente o desenvolvimento da corrente anarquista portuguesa. Depois do aparecimento da Revolução Social, outros grupos, mais ou menos de características comunistas-anarquistas se formam, como a Centelha, O Primeiro de Maio, Os Agitadores, Sempre Avante, Estudos Sociais, Mundo Novo, A Propaganda, A Revolta, etc, com as suas respectivas publicações.

"...A dois anos da implantação da Republica, pouco tempo depois de ter terminado a ditadura monárquica de João Franco, no ano de regicídio, os sindicalistas revolucionários decidiram concretizar, com o apoio dos anarquistas, um projecto que, tendo por certo germinado na cabeça dos mais antigos promotores do movimento operário, era impensável alguns anos antes: a publicação de um jornal diário operário, essencialmente sindical. Estava criado esse facto notável e surpreendente que foi o diário operário «A Greve» (...)
«A Greve» era propriedade do Grupo de Propaganda Social, tinha como gerente principal Evaristo Vieira e como redactor principal Alexandre Vieira [ver "Para a História do Sindicalismo em Portugal", Alexandre Vieira, Seara Nova, 1974 e Subsidios para a Hitória do movimento sindicalista em Portugal]. O jornal era redigido e composto por um colectivo de redactores e tipógrafos que trabalhavam gratuitamente e em condições praticamente artesanais e distribuído nas ruas de Lisboa, também, por operários e estudantes os quais, entretanto, haviam acabado de participar na primeira greve de estudantes, em 1907. Curiosamente o seu primeiro numero tem a data de 18 de Março (aniversário da Comuna de Paris) ..." [in, César de Oliveira, Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]

Alguns colaboradores: José Fernandes Alves, Ladislau Batalha, César Nogueira, Césa dos Santos (todos socialistas); António José de Ávila, Pinto Quartim, Hilário Marques, João Pedro dos Santos, Francisco Cristo, José Benedi. E além de Alexandre Vieira, participou ainda, o escritor Luís Calvet de Magalhães, bem como Deolinda Lopes Vieira, Rosalina Ferreira e Lucinda Tavares. [in, Alexandre Vieira, ibidem]

quarta-feira, 12 de maio de 2004

Hoje há Expresso

Na sequência de uma noticia, amplamente citada pela blogosfera lusitana, publicada no Expresso on line de uma pretensa intenção, por parte da ANACOM, em "acabar com os blogs", parece haver vários equívocos.
Em primeiro lugar, não se vê como tal poderia ser feito tecnicamente, mesmo havendo disposições regulamentares para o efeito. É verdade que a tentação de controlar a Internet tem o seu terreno aberto há já algum tempo e várias tentativas são ou estão a ser feitas para legislar sobre essa matéria. Mas a peregrina ideia de começar pelos blogs parece ser um devaneio gratuito e grosseiro. Depois existe alguma contradição entre o que é registado n'O Expresso e o que é adiantado pelo suposto "ciberpolícia" Pedro Amorim em sua defesa, conforme se pode ler num post de Vital Moreira e noutro de José Magalhães. Não sendo totalmente credível que o "institucional" Expresso ceda ao fascínio da invocação da notícia sem fundamentação alguma, e como a própria ANACOM nada nos diz no seu site sobre o assunto, conforme seria de esperar (o que desvela o tipo de sociedade de informação que pretende difundir), ficamos sem saber o que pensar.

Dito isto, reconheça-se que o que verdadeiramente está em causa, mesmo nestas condições, é esse manifesto intento de regulamentar um território, ainda não contaminada pelo(s) poder(es). O que nos faz ficar bem vigilantes. E desconfiados.

Leilão de Importante Biblioteca Particular

Algumas referências [conclusão]: A Ordem de Cristo, por Vieira Guimarães, 1936 / História da Cidade do Porto (dir. Damião Peres), 1962-65, III vols / História da Tauromaquia (coord. Jaime Duarte de Almeida), 1951, II vols / História da Arte em Portugal, por Aarão de Lacerda, 1942-53, III vols / Historia Geral de España, de Modesto Lafuente, 1877-82, VI vols / Istoria do cativeiro dos prezos d?estado na Torre de S. Julão da Barra de Lisboa ..., de João Baptista Lopes, 1833-34, IV vols / Lusitânia: revista estudos portugueses (dir. de Carolina Michaelis de Vasconcellos, 1924-27, X nums / A Idade Maçonica, por Lusol, 1943 / Cartas de José Agostinho de Macedo a seu amigo J.J.P.L., 1827, 32 cartas / Refutação dos Princípios methafysicos, e moraes dos Pedreiros Livres Illuminados, por José Agostinho de Macedo, 1816 / Obras de Rocha Martins (entre elas: D. Carlos; Episódios da Guerra Peninsular e Europa em Guerra) / Memorias em defesa da maçonaria por hum maçon portuguez, fiel ao Rei e à Pátria, por António Gregório de Freitas [s/ Inocêncio], 1861-62, 12 vols / Historia do Regime Republicano em Portugal, de Luís de Montalvor, 1930-35, II vols / Guerra da Sucessão em Portugal pelo Almirante Carlos Napier, 1836 / O Barreiro Contemporâneo, de Armando da Silva Pais, 1965-71, III vols / Bureau de Tabac, por Fernando Pessoa, Editorial Inquérito, 1952 (raro) / A Extremadura portugueza, por Alberto Pimentel, 1908 / Revista de Portugal, direc. de Eça de Queiroz, 1889-92, IV vol. (compl) / O Paço de Sintra, pelo Conde de Sabugosa, 1903 / Discursos de Salazar, 1946-67, VI vols / O Móvel Pintado em Portugal, por Artur de Sandão, 1973 / Depois do Terramoto: subsídios para a historia dos Bairros Occidentais de Lisboa, de Gustavo de Matos Sequeira, 1967, IV vols / Dicionário Bibliográfico Portuguez, de Inocêncio Francisco da Silva, 1858-1923, 22 vols / A Talha em Portugal, de Robert Smith, 1962 / Historia Genealógica da Casa Real Portuguesa, de D. António Caetano de Sousa (nova ed. revista.), 1946-55, 13 vols / Os Judeus em Portugal no século XV, por Maria José Pimenta Farro Tavares, 1982-84 / A Sé Velha de Coimbra, de António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, 1930-35, II vols

terça-feira, 11 de maio de 2004

Desafio

Passeava a formosa Laurentina
Pelos domínios do Marquês de Angeja,
E despontava a lua alabastrina
Por cima dos telhados da Igreja.

Com receio de que a mãe suponha, ou veja,
O que entre o par rebelde se maquina,
Dá-lhe ele a ela um frasco de morfina
E ela a ele um copásio de cerveja:

Toma! lhe diz, três vezes repetindo
A clara frase e paternal de - toma! -
Toma! lhe diz, e estende o braço lindo.

Mas ele, que três vezes foi a Roma,
Julgando que no frasco há fel, sorrindo:
- Duvido que haja puta que me coma!

[João de Deus, in Criptinas, ed. & ETC, 1981]

A Revolução Social [nº 1, 15 de Janeiro de 1888]

"... a corrente anarquista já presente embrionariamente em «O Pensamento Social» não cessou de desenvolver-se, enquadrando-se sobretudo nas associações de resistência operária e editando folhetos doutrinários de divulgação teórica. Em 1887 [?] começou a ser publicado o primeiro jornal anarquista, «A Revolução Social» que se definia como órgão dos grupos «comunista-anarquista». É um caso surpreendente este jornal. Surpreendente pela qualidade gráfica e de paginação, mas surpreendente também pela qualidade do seu conteúdo e pela tentativa de situar-se no quotidiano difícil dos trabalhadores portugueses (...) promoveu a sistemática divulgação do pensamento anarquista mais significativo do século XIX, fazendo inserir regularmente nas suas páginas artigos, traduções e «correspondência» de Malatesta, Cafiero, Reclus, S. Fuare, M. Netlau, J. Guillaume, etc ..."

[César de Oliveira, in Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]

Leilão de Importante Biblioteca Particular

Hotel Roma - Dias 17/18/19 e 20 de Maio, pelas 21 horas

Algumas referências [cont.]: Historia de Portugal popular e ilustrada, por Pinheiro Chagas, 1899-07 (3ª ed.), 14 vols / Cinéfilo: suplemento quinzenal de O Século, Ano I, nº 1 (2 de Junho 1928) a Ano XI, nº 578 (completo) / Circulo Camoniano: revista internacional, 1889-1892, II vol., 20 fasc. (completo e raro) / Questões histórico-coloniais, por Luciano Cordeiro, 1935-36, III vols / O Homúnculo, de Natália Correia, S/d, Ed. Contraponto (raro) / Cancioneiro chamado de D. Maria Henriques, por D. Francisco da Costa, 1956 [imp. para hist. descob., c/ bibliografia náutica port. até 1700] / Notas da Minha Vida e do meu Tempo, por Homem Christo, Lisboa, VII vols [notas do grande polemista aveirense] / Chronica de El-Rei D. Sebastião por Fr. Bernardo da Cruz, 1837 / O Diário de Notícias, a sua fundação e os seus fundadores - Alguns factos para a historia do jornalismo português, por Alfredo da Cunha, 1914 [expl. Nº 1, pertença de Maria Adelaide Coelho da Cunha, da edição especial comemorativa dos 50 anos do DN / Diálogos de Dom Frey Amador Arraiz, Bispo de Portalegre, 1846, nov. ed. / Discursos Parlamentares proferidos pelo Duque de Palmela nas Câmaras Legislatias desde 1834 até hoje, 1844, III vols / Documentos para a Historia das Cortes Geraes da Nação Portuguesa, Lisboa, 1883-89, VIII vols / Moçambique: relatório apresentado ao governo (1ª publ. 1893), 1946 (3ª ed.) / Memorias de Vila Viçosa, por Joaquim José da Rocha Espanca, 1983-86, 36 nums / O Espectro, de António Rodrigues Sampaio, nº 1 (16 de Dez 1846) a nº 63 (3 Jul 1847) [colec. completa, junto c/ "O Estado da Questão" e c/ 8 supl., deste celebre jornal clandestino português, panfletário e subversivo, de distribuição gratuita] / Pratica Criminal expendida na forma da praxe observada neste nosso Reyno de Portugal ..., por Manoel Lopes Ferreira, 1742, IV vols [considerada, na época, esta obra como "ídolo dos nossos forenses"] / As visões de um telhudo ou O Judeu Cosmopolita ..., de António José de Figueiredo, 1876 [obra polem. Anti-clerical] / Os costumes dos Israelitas, onde se vê o modelo de huma politica simples e ..., de Mons. Fleury, 1807 [trad. de Villalobos e Vasconcelos, raro] / A Folha: microcosmos literário, dir. de Faustino Sarmento, 5 séries (1868-1873), Coimbra, 54 nums [rara revista literária] / O Mistério dos Painéis, de António Belard da Fonseca, 1957-67, V vols (estimada)/ Outras Terras Outras Gentes (II vols) e Ronda de Africa (II vols), de Henrique Galvão / Império Ultramarino Português (monografia do império), por Carlos Selvagem e Henrique Galvão, 1950, IV vols / Catalogo Razonado biográfico e bibliográfico de los Autores portuguezes que escribieron en castellano, por D. Domingo Garcia Peres, Madrid, 1890 (raro) / Viagem na Minha Terra, de Almeida Garrett, 1846, II vols (1ª ed. em livro, raro)

[continua]

segunda-feira, 10 de maio de 2004

"Autoridade e liberdade são uma e a mesma coisa"

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Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada, com cães. Mas é impossível tirar-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro - nunca sairá um escravo.
Autoridade e liberdade são uma e a mesma coisa.

[Mário Cesariny, in As Mãos na Água a Cabeça no Mar, 1972]


Rumsfeld, torturas e absolvições

Alguns não estranham as sevícias feitas a prisioneiros iraquianos. Consideram que são genuínos acidentes de guerra. Que a violência sobre prisioneiros, as humilhações sexuais infringidas, a tortura repugnante como método de inquirição, a infâmia, sempre existiram e bastará um simples pedido de desculpa para que tudo regresse à normalidade. Não surpreende, por isso, que alguns desses próceros "democratas" observem com enfado a divulgação pública de tais desmandos, contestando a sua relevância. Não seria mais justificado apontar baterias a Cuba, China, Africa toda, Rússia, deixando de lado esse episódio, decerto deplorável e pouco patriótico, com os paladinos do "sol" do Mundo, berço e regaço da civilização, exclamam outros? O caso dá que pensar.

Mas, em todo este depurado argumento há um sintoma inquietante: o novo paradigma da interiorização da vulgarização do horror; a hipocrisia de um "exercício de paciência" de exportação da democracia, dita humanista; uma assumida concepção predadora à margem da probidade e firmeza de carácter; uma monstruosa manipulação dos passos em volta da guerra. Tudo à nossa volta vai muito além da "concepção substantiva do bem" (Berlin, evidentemente), pois assenta numa ideia estulta da negação do próprio homem. E essa dramática incapacidade de sermos dignos de nós próprios, paga-se sempre caro. Não há qualquer margem para dúvidas.

Leilão de Importante Biblioteca Particular

Hotel Roma - Dias 17/18/19 e 20 de Maio, pelas 21 horas

O Livreiro Antiquário Luís P. Burnay vai realizar um importante leilão de biblioteca particular, com (1500) obras compreendendo História, Memórias, Viagens, Romances, Monografias, Periódicos, Arte, Poesia, etc., muito estimadas e apreciadas. À atenção dos amantes dos livros.

Algumas referências: Teatro Popular, de Azinhal Abelho, 1968-73, VI vols / Cantigas de Santa Maria (ed. de Walter Mettman, Coimbra), de Afonso X, O Sábio, 1959-72, IV vols / Cartas de Afonso de Albuquerque, seguidas de documentos que a elucidam, ..., Lisboa, 1884-85, VII vols / Almanach para o anno de 1794, Lisboa (raro) / 18 vols de obras de Fialho de Almeida / Historia da Igreja em Portugal, de Fortunato de Almeida, 1967-171, IV vols (nova ed.) / Obras de Nicolau Tolentino, Estúdios Cor, 1968 (pref. de Alexandre O'Neill) / Os Judeus no Distrito de Bragança, pelo Abade de Baçal, 1925 / Garrett: Memorias Biographicas, por Francisco Gomes de Amorim, 1881-84, III vols / Luz da liberal, e nobre arte de cavalaria, offerecida ao Senhor D. João Príncipe do Brazil, por Manuel Carlos de Andrade, Lisboa, 1971 (ed. fac-similada) / Antologia do Humor Português (notas de Ernesto Sampaio e Vergilio Martinho, 1969, Ed. Afrodite / Antologia da Poesia Erótica e Satírica, s/d, Ed. Afrodite (selecção, pref. e notas de Natália Correia, ilustrações de Cruzeiro Seixas) / Livro de Oiro da Nobreza, por Domingos Araújo Afonso, 1932-34, III vols / Archivo Pittoresco: semanário ilustrado, Ano I (Julho de 1857) a Ano XI (1968), 11 vols + (junto c/) anuário do Archivo Pittoresco, 36 nums / Historia da Revolução Portuguesa de 1820, de José de Arriaga, 1886-89, IV vols / Atalaia contra os Pedreiros Livres ..., cujo autor seg. Inocêncio foi Joaquim José Pedro Lopes / Atlas de Fernão Vaz Dourado, c/ direc. do Visconde de Lagoa, 1948 / Inquisição em Goa ..., por António Baião, 1930-49, II vols / Arte Portuguesa, direc. de João Barreira, Ed. Excelsior, IV vols / A Maçonaria Seita Judaica: suas origens, sagacidades e finalidades anticristãs, por I. Bertrand (trad. Gustavo Barroso, c/ um apêndice s/ o Talmude e os Judeus), 1938 / O Jornalismo: esboço histórico da sua origem ..., por Alberto Bessa, 1904 / Poesias de Manuel Maria Barbosa du Bocage, 1853, VI vols / História da Universidade de Coimbra nas suas relações ..., por Teófilo Braga, 1892-1902, IV vols / Historia das Ordens Monásticas em Portugal, de Manuel Bernardes Branco, 1877-88, III vols / Branco e Negro: semanário ilustrado, ano I (5 de Abril de 1896) a ano II (27 Março de 1898), 104 nums em IV vols (colab. de R. Ortigão, Cesário Verde, Antero, Eça, Junqueiro, Fialho d'Almeida, Oliveira Martins, Bulhão Pato, António Nobre, Leite de Vasconcelos, Sousa Viterbo,... / Cadernos Coloniais, nº 1 ao nº 70, Editorial Cosmos (completa) / Cancioneiro da Biblioteca Nacional: antigo Colocci-Brancuti, 1949-64, VIII vols / Importantes Obras de Camilo Castelo Branco / A Morte Redimida, de Ferreira de Castro, 1925 (raro) e A Volta ao Mundo, 1944 / Catalogue de la Bibliotheque de M. Fernando Palha, 1896, IV vols (catalogo de uma das melhores bibliotecas portuguesas, vendida à Univ. de Harvard, com manifesto interesse Camoniano)

[Continua]

O Protesto Operário [nº 1, 5 de Março de 1882]

"Com a fundação do Partido Socialista a 10 de Janeiro de 1875 e desaparecido o «Pensamento Social» (...) dois novos jornais de carácter socialista foram, entretanto, criados: «O Protesto» e «O Operário», os quais mais tarde se haveriam de fundir para dar lugar ao «Protesto Operário», órgão do Partido Socialista e que mantinha uma redacção em Lisboa e outra no Porto.(...)
Algumas colaborações estrangeiras, obtidas por intermédio das relações internacionais mantidas pelo Partido Socialista ou devidas à permuta internacional entre jornais operários e socialistas, artigos e informações da actividade partidária e, destaque para os Documentos e decisões dos Congressos, etc..."

[César de Oliveira, in Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]

"... Karl Marx acaba de falecer em Londres quase repentinamente em resultado de uma doença de peito, contraída há pouco mais de um ano junto de sua esposa moribunda.
Desapareceu o mais eminente dos socialistas contemporâneos e um dos mais profundos socialistas da nossa época. É a ele principalmente que se deve o carácter histórico e cientifico que assumiu o socialismo utopista e sentimental da primeira metade deste século. (...)
A grande obra deste ilustre pensador «O Capital» ficou por acabar. A primeira parte dela, A Produção das Riquezas produziu uma verdadeira revolução mesmo no sentido ex-cátedra da economia politica em toda a parte onde este ensino não está completamente mumificado. A segunda parte, A Circulação das Riquezas supõe-se ficou bastante adiantada, e a ponto de poder ser publicada por Frederico Engels, o amigo mais íntimo e mais digno intérprete de Marx.
O terceiro volume História da Teoria devia ser uma análise critica de toda a literatura e economia. É para recear que apenas existam fragmentos esboçados, porquanto Marx considerava esta parte como um trabalho ligeiro e fácil ..." [Karl Marx, in Protesto Operário, ano II, nº 3 de 25 de Março de 1883, ibidem]

sexta-feira, 7 de maio de 2004


Fialho de Almeida [1857-1911]

Nasce em Vila de Frades a 7 de Maio de 1857

"... Filho de um mestre escola, fez o curso de medicina com grande dificuldades, que lhe deixaram, ele o confessa, um travo amargo na sua vida. Nunca exerceu clínica, dedicando-se exclusivamente às letras.
Foi um dos nossos maiores prosadores, este estilista magnífico, duma sensibilidade frenética. Panfletário admirável, embora um pouco versátil nas suas opiniões, era de uma ironia faiscante, ora com laivos de humorismo, ora cheia de vibrações e sarcasmo. O seu poder descritivo era assombroso. Páginas deixou, formidáveis de beleza literária, que serão imorredoiras.
Da sua obra – a parte póstuma foi publicada pelo seu livreiro e amigo A. M. Teixera, já falecido, a quem a legou, bem como a outra – constam, entre vários volumes: «Contos», «Pais das Uvas», «Os Gatos», «Vida Irónica», «Lisboa Galante», «Pasquinadas», «À Esquina», «Estâncias de Arte e Saudade» e «Figuras de Destaque»" [in, Jornal O Diabo, 17/07/1938]

Parabéns

Dois blogs, dos mais puros e verdadeiros, comemoram o primeiro aniversário. Dois blogs de liberdades livres, que dizem coisas apaixonantes, deslumbrantes & ardilosas. De muita estimação, mesmo que, daqui do castelo altaneiro do almocreve, carreguemos o fardo de todos vós. Reinventar o prazer do discurso, desnudar o vivido da política & da cultura, eis o que esperamos de todos vós. Assim a vossa libido o permita. Um abraço de felicidades.

Abrupto – Longas vigílias e trabalhos de José Pacheco Pereira. A «perestroika» laranja, em edição estimada, fogosa e subtil, sempre retomada com ventura, mesmo sabendo-se que «a única solidão é aquela que não tem passado». Mas que importa! Dos vários JPP, preferimos quase todos, menos aquela pose de viril "guerreiro do império", jeito e queda para seguir o "bem" e fugir ao "mal", mixagem de contos amargos de guerra. Palavras estranhas, um blog de eleição, uma sensibilidade encantadora. Felicidades!

Mar Salgado – 6 Marinheiros 6, Coimbra ao Luar por obra e graça de D. Dinis, altíssimo padroeiro. Eis como se bolina de encontro à vaga, que a cidade "é uma armadilha" e "nenhum navio te levará onde não podes" (Cavafy). O regime dos ventos não é aconselhável a todos, mas a navegação é, sempre, um trabalho esforçado em mar largo. Um itinerário de habilidade, quebrada as amarras em baixios pouco seguros. Saudações aos marujos, em especial ao comandante NMP e ao Pedro Caeiro.

quinta-feira, 6 de maio de 2004


O Rato Acidental

"Et admirata est universa terra post bestiam"

Era a blogosfera portuguesa um espaço maculado por devotos do arrufo, uma assuada inaudita, um monólogo de "pombas" toleironas, graciosas evocações, um monumento de posts em pieguices disparatadas, um vazio enorme. Um horror! Imersos na bruma, desconhecíamos o assombro de dias jubilosos, a vanglória do gracejo ou a verve da malícia do espírito. Não havia meninos de coro! Apenas simples alaridos. Desamparados de cintilante liberalidade, declinava-se opulentos protestatórios, quase sempre alvares e furibundos, numa vaidade pecadora e ardente de desaforos. Não tínhamos emenda. Nem musicalidade. Muito menos espiritualidade.

Com receio, sabíamos que, com Pedro Lomba a "jornalar", Coutinho deslizando n'O Expresso e Mexia em surtidas aventureiras de paixão, a blogosfera se desintegraria em singular azedume, tropelias e injúrias. Afadistada, a blogosfera portuguesa assistiria à sua derrocada. É certo que o Alberto-a-Dias passava atestados desbragados de tortuosas penitências, o Luciano Espectador condimentava as suas noutes em patológico delírio e o guarda-portão liberal surpreendia o próprio Berlin. Não seria, pois, por falta de higiene intelectual que a eloquência guaguejante dessas personagens fascinava de colorido a blogosfera, asseveram os mais preclaros bloguistas. Era correcto. Mas essa inteligência retardatária não bastava. Não era surpresa. Apenas manutenção das suas sinecuras. A festa tinha que se fazer. Com elegância.

É assim que as coisas começam. Por mistérios da política, arribou aqui, sem enfado, o assombroso génio que produziu a "A Encruzilhada", curioso trabalho de imprecação geoestratégica & geopolítica, que por modéstia assina Vasco Rato, quando em posição académica. A linguagem florida do terrorismo, a prosa adocicada sobre o "Choque das Civilizações", a desdita da urgência dos protectorados americanos nos indígenas, o requinte da ressurreição das ADM, os retoques apaixonados à silhueta de Khadaffi, a caligrafia que esmaga ou a trovoada de argumentos sobre a democratização do Iraque, equivale a uma lucidez que fuzila o espírito da chusma da blogosfera. Com o Vasco e as suas bulas, dobraremos o cabo tormentório, sairemos de profundo letargo, inchamos de comunidade internacional. O vate da Lusíada, com a louçania do seu talento, a auréola da cotação do IDN, investe na despeitada blogosfera, numa exibição babada de frases desencabrestadas, refinadas de civilidade, prenhes de cidadania. A blogosfera nunca mais será a mesma. Mesmo que o fulgor do Rato acidental, envolto em túnica branca, ameace expor a sua sensibilidade naturista às aclamações da turba do "exército do bem", estamos em perfeita ressurgência. Façam favor de afiar as esferográficas. Sorte admirável a nossa.

O Beijo de Antikonie

Ao Dórdio, meu irmão

Foi no mês alumbrado dos bruxedos
o ardente encontro. Estava eu nos trinta.
Abrasavam-te vinte chamas verdes
e enluarado me chamaste Cynthia.

Como uma puma pelos meus vinhedos
sedoso e lábil me laçaste a cinta
e encantaste-me em sala de brinquedos
da tua boca barbara e faminta
..........

Ó tremula beleza sem apoio!
Fiz-te pássaro e mato-te no voo.
Não me culpes, amor. Foi bruxaria.

[Natália Correia, in Retrato de Natália Correia]

Coincidências Kleistianas

É difícil tamanha sorte. Ao ler o Alexandre Andrade entendi que o mundo era, de facto, muito pequeno. Quantas vezes o sabemos? Não é nenhuma descoberta, talvez, mas no dia em que AA descobriu que "Luiz Pacheco também editou Kleist. "O Príncipe de Homburgo", também tivemos essa ventura. Foi no Nunes em Benfica. Cabe dizer que a versão portuguesa é de Goulart Nogueira, que apresenta uma curiosa biografia e estudo de Von Kleist. Não sabia a data (1961?, diz-nos AA), apenas se comprova que a obra é o numero 16 da belíssima colecção de Teatro de Bolso (começa com Ibsen o nº1), edição da Contraponto.

segunda-feira, 3 de maio de 2004


A Sagrada Família

Um dia a mais antiga categoria de honra do Sport Lisboa (1904-1905) fez ascender um sol intenso e alado. A Praça do Império era campo de jogos. O Nunes, em Belém, forneceu a flanela avermelhada. A farmácia do Franco servia de sede conspiratória. As redes das balizas foram tecidas por hábeis pescadores da Nazaré. "Um por todos, todos por um". A águia começava a voar. Que história admirável a nossa.

A alma colectiva vermelha, irreverente e muito prendada, ensina a voar sobre o abismo. O Benfica é uma manifestação de enternecida ternura, uma frescura de beleza, a alma da paisagem lusitana. Vede – ali, em cima - o porte aprumado dos seus jogadores, o altivo colorido das camisolas, a pose, a barba à Degas ou os bigodes fartos. Atendei às peculiares figuras do grupo fundador. Sintam a sua frescura maravilhosa. E sorriam.

Hoje, em quieto jogo, fomos felizes. Contra preces e clamores, fomos encantadores. Os dias de Maio como são brejeiros. Uma paisagem única. Mesmo que a lucidez seja breve.

"Faxina" da Primavera

Empanturrada de originalidade lusitana, a classe política anda perturbada por tresmalhadas intenções malévolas. Os ditos perfumados que berram os jornais - a lista de mazelas é um choradinho de vendas nos jornais e televisões – sobre as mais variadas formas de corruptelas, são um murmúrio entre os incautos indígenas, ao mesmo tempo que exigem uma faina comovente, uma vidinha de trabalho para a classe política, jornalistas e analistas.

Os artistas da coisa pública declaram a sua estranheza pelo singular fenómeno que atingiu Portugal. Os presidentes de câmara manifestam apreciações poéticas sobre empreiteiros e professam inocência em glória do desporto e dos clubes. Recebem, com uma espiritualidade romântica, em roupão sem monograma. O público, malicioso, fica verde de inveja e aplaude. O emproado Santana dá cambalhotas em cima dos acólitos laranjas. Marques Mendes põe-se em bicos de pés. O talento insólito de Alberto João defuma o continente. Marcelo, em improviso deslumbrante, pontifica a absolvição. Os socialistas sorriem. E Sampaio sai da preguiça para fazer rascunho presidencial.

Enquanto isso, a malta da província e do futebol, alucinada, faz cimeiras à porta dos tribunais. Depois de Felgueiras, sem outro arranjo cénico, eis Gondomar. A mesma casta, o mesmo poder, a mesma cegueira. Na poltrona da governação, Barroso, desnorteado e cansado, faz de arreliado. Pires de Lima, confessa que ainda não se esfarelou contra uma TV, por caridade cristã, evidentemente. Marcelo, muito embuchado, debita Códigos e faz reprimendas. Vasco Pulido Valente lê histórias aos quadradinhos. O País ressurgiu. A "faxina" doméstica está aí. As trapalhadas, também.
Vida

Após uma onda outra onda:
uma onda que se quebra
outra que se levanta …

Eterno e gasto
e sempre novo movimento das marés!


[Joaquim Namorado, in Aviso à Navegação]


O Pensamento Social [nº 1, Fevereiro de 1872]

"Este jornal, cuja criação tinha sido acordada nos contactos havidos entre os «internacionalistas espanhóis» e Antero, Fontana, Nobre França e outros militantes socialistas teve papel decisivo na transformação verificada na linha de conduta do movimento operário. Antero de Quental, como nos conta Nobre França na carta que escreve em 24 de Junho de 1872 a Karll Marx, publicou o folheto «O que é a Internacional» para custear as primeiras despesas com a publicação de «O Pensamento Social». Segundo o testamento de Nobre França, a organização deste jornal ficou estruturada do seguinte modo: Nobre França, Eduardo Maia e Tedeschi na redacção, José Fontana, Monteiro e Tito na administração que incluía o proprietário, Lopes. Como colaboradores destacavam-se Antero de Quental que tinha ido residir para o Norte, Oliveira Martins, Augusto Fuschini e Batalha Reis.
É em «O Pensamento Social» que vai realizar-se a divulgação das posições e dos princípios da I Internacional, dando-se nas páginas do jornal particular ênfase às decisões do Congresso de Haia que decidiu a votar a criação de Partidos Socialistas por cada país. No jornal colaborou com regularidade Paul Lafargue, genro de Marx e que estivera em Lisboa preparando o Congresso da I Internacional atrás referido; escreveu também para este periódico Morago, um dos «internacionais» espanhóis e é também neste jornal que, pela primeira vez em Portugal, se inicia a publicação de O Manifesto Comunista de Marx e Engels. …”

[César de Oliveira, in Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]


"É certo que o velho mundo pertence aos filisteus. Mas não devemos, quanto a nós, tratá-lo como um papão, arrepiando caminho. Devemos, pelo contrário, encara-lo de muito perto. Vale a pena estudar-se este senhor do mundo.
É verdade que só o é, senhor do mundo, atulhando o mundo com a sua sociedade, tal como os vermes ocupam um cadáver. A sociedade destes cavalheiros só precisa por isso de um certo número de escravos, e os proprietários dos escravos não precisam de ser livres" [Karl Marx]

sexta-feira, 30 de abril de 2004


Oliveira Martins [1845-1894]

n. em Lisboa, 30 de Abril de 1845

"… O trabalho dividido, parcellario, é a causa do embrutecimento e da miséria moral e material do trabalhador, a Economia Politica responde: fatalidade! como se na natureza podesse encontrar-se uma lei de anniquilação. As forças naturaes trazem a morte sim quando não comprehendidas; assimiladas são necessária, absolutamente a vida. O facto do embrutecimento do trabalhador pela divisão de trabalho é reconhecido por todos; Say escrevera: «Em resumo pode dizer-se que a separação dos trabalhos é um emprego hábil das forças do homem, que augmenta prodigiosamente a produção da sociedade, mas que diminue a capacidade da cada homem individualmente considerado». Tocqueville precida ainda: «Á medida que o principio da divisão do trabalho recebe uma apllicação mais completa, torna-se o operário mais fraco, mais dependente; progride a arte e o artista retrógrada». Ora se esse progresso da arte está na natureza, encontrar-se-há n'ella a diminuição do homem? Os economistas, preoccupados com a politica, calam-se, e offerecem como correctivo as escholas e a caridade. De modo que a organização do trabalho constaria de dois pólos anthiteticos: a instrução creando, o trabalho destruindo…"

[J. P. Oliveira Martins, in Theoria do Socialismo. Evolução politica e económica das sociedades na Europa, Lisboa, 1872]

Ecco dos Operarios [nº 1, 28 de Abril de 1850]

"O grande surto de Associações e Sociedades Operárias de diverso tipo inicia-se a partir da Regeneração, isto é quando começa a segunda metade do século dezanove. A Regeneração (…) procurava construir os meios que concretizassem o apelo da colaboração activa de todos os portugueses na edificação de Portugal moderno. O Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas exprime (…) o que se acabou de afirmar; Rodrigues Sampaio, Casal Ribeiro e o próprio Fontes Pereira de Melo estiveram associados, por formas diversas à actividade do Centro Promotor (…)
Mas o Centro Promotor não surge por acaso. Na verdade, em 1850, havia-se fundado o primeiro órgão de imprensa escrita claramente apostado na defesa dos interesses dos trabalhadores e no fomento do associativismo operário. Foi o «Ecco dos Operários», órgão da Associação dos Operário de Lisboa, fundado por Sousa Brandão e Vieira da Silva Júnior. O primeiro, general oriundo, como muitos dos grandes vultos da Regeneração, da Engenharia Militar e que, tendo assistido à revolução de 1848 em Paris, foi sempre um assíduo e interessado colaborador da imprensa e das Associações operárias. O segundo, operário tipógrafo, foi destacado dirigente do Centro Promotor e, íntimo colaborador de Henriques Nogueira e foi, como este seu grande amigo, um dos primeiros paladinos do republicanismo social federalista (…) Este órgão de imprensa (…) insere-se num projecto de sociedade cujo principal eixo era a colaboração ente classes para «regenerar e modernizar Portugal». Tratava-se (…) de promover a colaboração entre capital e trabalho sem que o primeiro «escravizasse o segundo».
Esta posição de fundo, facilmente detectável em o «Ecco dos Operários», vai presidir ao conteúdo de quase toda a imprensa operária até 1872 …" [César de Oliveira, in Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]

quinta-feira, 29 de abril de 2004


Pedro Oom [1926-1974]

m. a 26 de Abril de 1974

"O Escritor Pedro Oom Morreu de Comoção – O irreverente e talentoso poeta surrealista Pedro Oom, figura muito assídua do café Gelo ao tempo em que ali se reunia o grupo em que pontificavam Mário Cesariny de Vasconcelos, Luís Pacheco e outras personalidades daquela corrente estética, morreu ontem de comoção provocada pela queda do fascismo em Portugal.
O insólito autor de tão belos poemas fantásticos e escatológicos como os que publicou em «Grifo» e em «Pirâmide» não resistiu à alegria da vitória. (…)" [in, DL, 28/04/74]

"Poesia não é uma medalha para por no peito dos tiranos mas uma imensa solidão feita de pedras, onde o despotismo pode encomendar o ataúde. Cada um de nós odeia o que ama. Por isso o poeta não ama a poesia que é só desespero e solidão mas acalenta ao peito as formigas da revolta e da rebeldia, que todos os déspotas querem submissas e procriadoras. Só os voluntários da miséria e da submissão patriarcal querem a poesia na arca da aliança com a tradição pacóvia e regionalista dos pretéritos dias, glórias patrioteiras, heroicidades frustes, pirataria ignara. Todo o verdadeiro poeta despreza o pequeno monte de esterco onde o dejectaram no planeta e a que os outros chamam pátria, e só ama os grandes continentes mares e oceanos da liberdade e do amor. Só nos vastos espaços incriados a poesia serve o seu destino – catapultar o homem nos abismos do desejo incontrolado onde o próprio assassinato é um acto de poesia e de amor.
Este assassinato de que falo é o grande amplexo de homem para homem a solidariedade e a ternura, não a caridade hipócrita ou a cama de família, com todo o seu pequeno cortejo de horrores, onde a exploração do filho pelo pai dita a sua lei."

[Pedro Oom, Poema, in Grifo 1968 (?)]

[Libertos os Presos Políticos]

"Ás nove e trinta de hoje [26 de Abril de 1974] um oficial dos Fuzileiros Navais comunicou aos jornalistas, na Antónia Maria Cardoso, que a PIDE-DGS acabava de render-se ao fim de uma noite inteira de resistência ao cerco (…) Foram presos sem resistência os quarenta elementos daquela odiada Polícia secreta, que durante a noite tinham resistido no interior do cerco e que, apesar de ontem terem ameaçado matar os prisioneiros, se apresentaram aos pára-quedistas já desarmados e atitude colaborante (…) [Diário de Lisboa, 26 de Abril de 1974]


[27 de Abril de 1974 – Os três últimos presos políticos]

"A liberdade definitiva só chegou às 20 e 45 de ontem [27/04/74] para três dos presos políticos da Cadeia do Forte de Peniche. A essa hora, o major Azevedo, mandatário da Junta de Salvação Nacional, comunicou a Francisco Martins Rodrigues, Rui Pires de Carvalho d’Espinay e Filipe Viegas Aleixo que podiam abandonar livremente a casa onde lhes fora fixada residência (…)

Francisco Martins Rodrigues e Rui d’Espinay, de 46 e 31 anos, respectivamente, forma condenados a 19 anos e a 17 anos de prisão maior por serem dirigentes do Comité Marxista-Leninista Português e da Frente de Acção Popular, as primeiras organizações clandestinas que em Portugal seguiram uma linha política de tendência maoista. Exercendo a sua actividade política na clandestinidade, no interior do País, Francisco Martins Rodrigues e D’Espinay identificaram como agente provocador um elemento da PIDE, Mário Mateus, que procurava infiltrar-se naquelas organizações, e executaram-no a tiro, em Outubro de 1965. Foi o então chamado «crime de Belas». Mário Mateus, que trabalhava em ligação com o agente da PIDE de nome Cleto, lograra dar à polícia secreta pista para a prisão de João Pulido Valente, também dirigente daquelas organizações políticas revolucionárias, e libertado ontem (…)

Condenado à revelia num tribunal comum por ter participado com o capitão Henrique Galvão no assalto ao «Santa Maria», em Fevereiro de 1961, Filipe Viegas Aleixo exilou-se em França, donde partiu com Hermínio da Palma Inácio, no grupo da Liga de União e Acção Revolucionária que pretendia, em Agosto de 1968, tomar a cidade da Covilhã. Este grupo foi interceptado na zona de Moncorvo, pouco de pois de entrar em território nacional, e os seus componentes entregues à Direcção-Geral de Segurança. Torturado na Rua António Maria Cardoso, Filipe Aleixo foi condenado pelo Plenário do Porto a 19 anos de prisão maior, recolhendo depois ao Forte de Peniche donde, devido à sua idade, já não esperava sair com vida: saiu com 59 anos (…) [in, Diário de Lisboa, 28 de Abril de 1974]

quarta-feira, 28 de abril de 2004


XLV Catálogo da Livraria Moreira da Costa

Saiu o novo Catálogo de "livros seleccionados raros esgotados curiosos" da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) que pode ser consultado on line.

Algumas referências: Escriptos Humorísticos. Em Prosa e Verso do faleccido José de Sousa Bandeira …, 1874 (trata-se da transcrição de alguns artigos publicados na “Atalaia”, “Periódico dos Pobres” e no “Braz Tisana”. Era Sousa Bandeira "o decano dos jornalistas portugueses, por ser ele o que em 1826 começou a redigir em Guimarães o periódico Azemel, segundo afiança Inocêncio) / Entre Duas Reações, por Sebastião de Sousa Dantas Baracho, 1917, III vols / Poesias, de Olavo Bilac, 1945 / O Conde e o Passarinho. Morro do Isolamento, por Rubem Braga / Em Plena República, por António Cabral, 1932 / Vieira-Pregador, de P.L.G. do V. Coelho Pereira Cabral, 1901, II vols (muito apreciada) / Tradições, Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa, por Marcello Caetano, 1951 / Colónias, pelo antigo deputado José Cardoso Vieira de Castro, 1871 (com pref. de Camilo) / Anticolonialismo e Descolonização. Ensaios, por Luís Filipe de Oliveira e Castro, 1963 (com pref. de Marcello Caetano) / Diário Ilustrado, nº 1 (1 de Junho 1872) a nº 138 (31 Dezembro 1872) / Ecce-Homo. Poemas de Américo Durão, 1953 / Elementos de Euclides …, de Euclides, 1768 (1ª ed. port.) / In Memoriam de Ferreira de Castro, Braga, 1976 / Institutiones Júris Civilis Lusitani …, por Pascoal José de Mello Freire, 1791, VII vols / A Mulher no Mundo, por Maria Lamas, 1952, II vols / Tarrafal. O Pântano da Morte, de Cândido de Oliveira, 1974 / Promptuarium Juridicum …, de P. Bento Pereira, 1664 / Pharmacopeia Geral para o Reino, e Dominios de Portugal …, 1824, II vols / Obras de António Sardinha (Chuva da Tarde. Sonetos, 1923; Na Corte da Saudade, 1922; Purgatório das Ideias. Ensaios de Critica, 1929: Ao Ritmo da Ampulheta. Critica & Doutrina, 1925) / Urbino de Freitas (4 peças "para a história de um dos mais célebres processos jurídicos portugueses")

terça-feira, 27 de abril de 2004

O Inquieto Blasfémias

Alguns dos nossos bloguistas asseveram, ao longo dos seus posts, curiosos argumentos e interpretações, alguns bem delirantes, em torno do 25 de Abril e do seu posterior desenvolvimento. Parece que de repente todo o mundo deu em “historinhador” tal o uso virtuoso desse antiquíssimo modo de ser português: imaginação excessiva ou simples provincianismo, para citar Pessoa.
Partir daí para ladrilhar teorias com fundamentações mais ou menos mecanicistas, verbosas e maniqueístas, reconstruindo os acontecimentos, ainda bem recentes, a seu belo prazer, é um passo que não sabem resistir e teimam em exibir. O passado histórico é visto, quase sempre, como motivo teatral, dado que o “teatro” histórico é um simples desfile de figurinos sem que as estruturas socio-económicas e as suas correspondentes relações estejam presentes. Curiosamente, a uma vulgata marxista reaparece, agora, uma nova gramática pós-moderna assente numa interpretação da história com base numa “lógica dum poder pessoal” (exemplo disso mesmo é o olhar de VPV), sem que as relações sociais e económicas existam, as ideologias elucidem, o direito configure ou os jogos geoestratégicos e políticos determinem. A probidade desta enunciação será muito excitante para alguns, mas jamais permitirá que se diga que o 25 de Abril não foi essa “exemplaridade democrática” que nos conciliou connosco e com as nações civilizadas, nem que seja este “país habitável de todos” (EL).

O Rui d'O Blasfémias é um indivíduo investido de uma missão: deixar sair a acidez e o azedume que lhe vai na alma. O mal do Rui, já se vê, é estomacal. O seu post tem a acção que tem, pois ao que alvitra o 25A nasceu morto. Pax à sua alma, portanto.

No entanto, a novela reescrita do 25A pelo Rui – apesar de ser uma alvoroçada historieta pouco sublime – levanta um conjunto de questões, a saber: poderia uma "nova geração de políticos", saídos do regaço Marcellista, ter contribuído, com a sua chamada ao poder, para que a história do país fosse outra? Mas de que "nova geração de políticos" se fala? Que "história" seria essa, assim tão grave e empolgante, que se reconstruiria a partir do poder fascista, supostamente desarticulado, sem rupturas ou radicalidades evidentes? Ou de outro modo, como se faria essa transição sem as conflitualidades que o 25A revelou?

Ninguém saberá. Regista-se, apenas, que se caminhou, com o esgotamento do modelo salazarista em 58, para uma maior radicalização de grupos sociais, políticos e de reflexão. Que não foi por mero capricho que surgiram as crises estudantis de 62 e 69, as greves da Carris, Lisnave, Bancários, TAP, etc…, ou as movimentações de alguma parte do clero, aqui e nas colónias. E que frente à impossibilidade de qualquer abertura politica e eleitoral, os sectores católicos (O Tempo e o Modo, sectores Sergianos, a JUC e a JOC, são disso exemplo), os economistas liberais, os da tertúlia em torno da filosofia portuguesa (perseguidos e expulsos do país), o Movimento Republicano Português, os movimentos oposicionistas de tendência socialista e comunista, os dissidentes do PC, a ala liberal sempre perseguida e vilipendiada, a SEDES, etc., todos eles sentiram, subitamente, a necessidade de mudar a sua praxis politica e radicalizarem o discurso e modos de actuação. Assim sendo, de quem se fala quando se fala em "nova geração de políticos" durante o Marcellismo?

domingo, 25 de abril de 2004



Esta é a madrugada que eu esperava
0 dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

[Sophia Mello Breyner]

sábado, 24 de abril de 2004


Ditos & Alusões piedosas de "boa-fé"

"As tragédias dos outros são sempre de uma banalidade desesperante" [O. Wilde]

A vida está feia, dizem. O mundo perigoso. Uma desordem triste, evidentemente. E tudo é gratuito neste horror: a admirável crise económica, a ladainha da retoma, a banalização da guerra e da violência, a legitimação do poder pela fatalidade e corrupção, a arrogância dos totalitarismos, o espanto e o medo. Será abusivo lembrar a náusea retórica desses "homens pequenos" (J.M.B.) teóricos da guerra, do "bem" contra o "mal", muçulmanos ou ocidentais?
Não é o claro-escuro do messianismo imperial uma mixagem de fundamentalismo cristão, um "choque e pavor" das estratégias do complexo militar-industrial e, via EUA, uma combinação entre unilateralismo externo e autoritarismo interno, numa narrativa neoliberal a cair de tédio que tudo invade em acolhimento lisonjeiro? Ou do mesmo modo, não é o terrorismo e fundamentalismo integrista islâmico a desordem civilizacional, a intolerância demente contra a pluralidade de opiniões e modos de estar no mundo, o miserabilismo obsoleto e fanático que transmite uma filosofia politica hedionda e uma irracionalidade doentia?

É nesta reserva ou eco de dor, que alguns questionam, como pecado da audácia de serem livres num mundo embriagadamente perigoso, o penoso trabalho de outros em dissimular os seus compromissos totalitários - bem costurados, diga-se - em desafinadas e imprudentes charangas argumentativas em defesa da ocupação e da barbárie no Iraque, num desfiar de mentiras sucessivas sobre factos e argumentos que engendram em carpidas prosas jornalísticas. A tais falsificação grosseiras e de "má-fé" (Sartre oblige) que numa rajada nos arremessam, fervorosamente, os pregadores azougados do novo império ou "exército do bem" - José Manuel Fernandes, Luís Delgado, Fernando Gil, Pacheco Pereira e outros - é de bom tom retribuir com um penhor de gratidão, uma voz harmoniosa e civilizada, uma altaneira e nobre saudade dos tempos em que a alegria de viver se confundia com uma ética, qualquer que ela fosse. Porque nessa "mentira sem mentirosos", a imprudente e vaidosa actividade de estamparia levada a cabo pode ser um mero espectáculo enternecedor de assombrosa "má-fé", mas nunca nos poderá impedir de preencher essa condição de estarmos condenados a sermos livres, mesmo que o homem "seja apenas o seu projecto".


Jornal do Centro [nº 1, 1970 – ?] – Jornal mensal "por um homem novo numa sociedade nova", com apartado na Pampilhosa (perto da Mealhada), director Ângelo J. A. Campos e redactores Rui Carvalho, Augusto Oliveira e Carlos Cabral. Colaboração de António J. Fonseca, Carlos Marinheiro, Cipriano Pires, Joaquim A. Leal, Jorge Cardoso, L. H. Afonso Manta, Manuela Neves, … Esteve ligado a grupos de tendência maoista, tendo apoiado a FEC-ML nas primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril.

"Memórias de Américo Tomás" (II)

[Despacho número Cem] "Na comemoração de um dos aniversários do Despacho número Cem, tive ocasião de proferir o seguinte discurso:
«Comemora-se hoje em todo o País a promulgação do Despacho número Cem, um texto de grande importância para a Marinha Mercante de Portugal, e a que foi dado esse número, não por acaso mas porque ele vem na sequencia de outros noventa e nove anteriormente promulgados" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]

[O Cinema] "Eu gosto muito de cinema. Quando era novo gostava de ir ao cinema. Embora quando eu era novo, houvesse pouco cinema. Havia um piano, e atrás havia um comboio que chegava a uma estação e havia um filme muito celebre que se chamava «O arrozador arrozado».
Depois disso, o António Lopes Ribeiro, que eu tive o gosto de condecorar, fez «O 28 de Maio», em que havia um russo vestido de branco que vendia tapetes, e havia um português que vinha da Rússia para derrubar o Prof. Oliveira Salazar, à bomba.
Também gostei muito do «Ben-Hur», que via sempre que ia inaugurar a árvore de Natal do cinema S. Jorge, que era dirigido pelo sr. Cecil B. de Mille.
Prefiro cinema a cores, porque é o único cinema que dá as verdadeiras cores do mar que são, como se sabe, o azul ferrete e o branco das velas dos barcos à vela" [ibidem]

[O 25 de Abril] "Só soube do 25 de Abril em 26 de Abril. Isto é, escapou-me a data. No dia 24 de Abril tive, por instantes, a percepção de que no dia seguinte seria o 25 de Abril, embora na altura, não lhe emprestasse nenhum significado especial. Significado especial emprestei-lho a 26 de Abril, embora, nesse dia, já fosse tarde." [ibidem]

A Cantiga é uma Arma!

"As cantigas de teor politizante tiveram um papel de relevância politica na formação de toda uma consciência anti-fascista ao longo de, pelo menos, os últimos treze anos (1961-74) da ditadura terrorista de Salazar-Marcelo.
O cantor era – é! – acima de tudo, um militante, um agitador. As situações em que ele podia cantar nada tinham a ver com a segurança e a amenidade de uma sala de espectáculos. Em definitivo, a concepção de «show», de recital, é totalmente estranha à realidade da actuação do cantor de intervenção neste país.
Poder-se-á situar o aparecimento da canção de contestação nos anos 1961-62, revestindo uma forma de ruptura com as tradicionais cantigas dos estudantes de Coimbra, os fados. Os textos reflectiam a revolta contra a guerra fraticida que o povo português era obrigado a praticar em África (…). José Afonso é o iniciador do movimento, logo seguido por Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire. Mais tarde viriam, da emigração, os testemunhos de José Mário Branco, Luís Cília, Sérgio Godinho, Tino Flores, e, dentro do país, Vitorino, José Jorge Letria, Pedro Barroso, Francisco Fanhais, José Barata Moura, Aristides, o Grupo de Acção Cultural, Fausto. (…)" ["O papel do cantor de intervenção em Portugal", opúsculo s/d, n/l, 1974 (?)]


Mundo da Canção [nº 1, Dezembro 1969 – Julho 1985] – Revista mensal de "música popular" editada na cidade do Porto, teve como directores Avelino Tavares, José Viale Moutinho, A. Vieira da Silva, António José Fonseca. Colaboração, entre outras, de Teresa Horta, Jorge Cordeiro, Michel Brunet, Arnaldo Jorge Silva, Fernando Silva Cordeiro, Tito Lívio, César Príncipe, Jorge Lima Barreto, Octávio Fonseca Silva, Viriato Teles, Fernando Sylvan. [Ver aqui]