sábado, 24 de abril de 2004


Ditos & Alusões piedosas de "boa-fé"

"As tragédias dos outros são sempre de uma banalidade desesperante" [O. Wilde]

A vida está feia, dizem. O mundo perigoso. Uma desordem triste, evidentemente. E tudo é gratuito neste horror: a admirável crise económica, a ladainha da retoma, a banalização da guerra e da violência, a legitimação do poder pela fatalidade e corrupção, a arrogância dos totalitarismos, o espanto e o medo. Será abusivo lembrar a náusea retórica desses "homens pequenos" (J.M.B.) teóricos da guerra, do "bem" contra o "mal", muçulmanos ou ocidentais?
Não é o claro-escuro do messianismo imperial uma mixagem de fundamentalismo cristão, um "choque e pavor" das estratégias do complexo militar-industrial e, via EUA, uma combinação entre unilateralismo externo e autoritarismo interno, numa narrativa neoliberal a cair de tédio que tudo invade em acolhimento lisonjeiro? Ou do mesmo modo, não é o terrorismo e fundamentalismo integrista islâmico a desordem civilizacional, a intolerância demente contra a pluralidade de opiniões e modos de estar no mundo, o miserabilismo obsoleto e fanático que transmite uma filosofia politica hedionda e uma irracionalidade doentia?

É nesta reserva ou eco de dor, que alguns questionam, como pecado da audácia de serem livres num mundo embriagadamente perigoso, o penoso trabalho de outros em dissimular os seus compromissos totalitários - bem costurados, diga-se - em desafinadas e imprudentes charangas argumentativas em defesa da ocupação e da barbárie no Iraque, num desfiar de mentiras sucessivas sobre factos e argumentos que engendram em carpidas prosas jornalísticas. A tais falsificação grosseiras e de "má-fé" (Sartre oblige) que numa rajada nos arremessam, fervorosamente, os pregadores azougados do novo império ou "exército do bem" - José Manuel Fernandes, Luís Delgado, Fernando Gil, Pacheco Pereira e outros - é de bom tom retribuir com um penhor de gratidão, uma voz harmoniosa e civilizada, uma altaneira e nobre saudade dos tempos em que a alegria de viver se confundia com uma ética, qualquer que ela fosse. Porque nessa "mentira sem mentirosos", a imprudente e vaidosa actividade de estamparia levada a cabo pode ser um mero espectáculo enternecedor de assombrosa "má-fé", mas nunca nos poderá impedir de preencher essa condição de estarmos condenados a sermos livres, mesmo que o homem "seja apenas o seu projecto".