sábado, 14 de fevereiro de 2004

Em dormência: por motivos de saúde o Absurdo faz uma pausa. Regressa em Março. Para nos beijar. Que um poeta "beija a própria boca". Nós restamos na espera. Até lá, as rápidas melhoras.

Resnais na Retorta, e há quanto tempo o não víamos ... Deus meu. O Ano Passado em Marienbad, um "amor insatisfeito", "um sedutor insinuante", "um apaixonado vencido" [Serafim Ferreira, pref. a O Ano Passado em Marienbad, de Alain Robbe-Grillet, Início, 1967] Falta de facto mais alguma coisa em O Ano Passado em Marienbad? Poderá existir este hotel? Poderão existir realmente estas pessoas? E efectivamente, tudo pode existir … "(ibidem)


Santana Agraciado

"E eu que não digo / eu que não deixo /eu que mim migo / só pelo queixo" [MCV]

Temos, agora, depois da benzedura da Agustina, o júbilo do fugaz Portas e a devoção de Alberto João, o negócio resolvido. Santana Lopes, afiou a língua, e quer ganhar "as presidenciais", ande ou não o prof. Cavaco a lançar livros no dia internacional das mulheres. O que mais importa, diz o exaltado Lopes, é "unir PSD e CDS/PP". Contrariando a máxima que "são ínvios os caminhos da verdade", o homem gatinha no primeiro jornal que lhe aparece, esperando os aplausos das almas laranjas. O sentimento é claro: ou Barroso faz o panegírico do novo candidato ou irá contorcer-se sob um montão de areia ... governamental.

Blog de Esquerda ... Mágico

A rapaziada noviciada do Blog de Esquerda enveredou pela milícia activa em assuntos esotéricos, tendo o admirável Luís Rainha granizado erratas e encenações em torno do Caso da Boca do Inferno, a pretexto de um artigalho de Pedro Mexia, presume-se por falta de fé pessoana. Ao que nos é dito, a tramóia entre Crowley, Pessoa & amigos não seria mais que uma tentativa de evitar as nádegas de senhoras mal benzidas pelo mago negro, ou quanto muito para iludir as cantilenas dos credores. Ora, este insubmisso exercício coreográfico entre o vate Fernando Pessoa e um obreiro da Golden Dawn assim escarranchado em posta no Blog de Esquerda, fez sorrir. Nunca se tinha visto tamanha vigília face à obra pessoana desde os escritos memoráveis do saudoso Gaspas, ou a magia do défice de Ferreira Leite. O furor da posta nos meios iniciáticos lusos, pela intuição intransponível de Rainha nos desígnios do oculto, despertou a mais viva comoção. Afinal, se não fosse o Rainha que seria de nós?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004


Julio Cortázar [1914-1984]

m. em Paris, a 12 de Fevereiro de 1984

"Me consideraré hasta mi muerte un aficionado, un tipo que escribe porque le da la gana, porque le gusta escribir…. La literatura ha sido para mí una actividad lúdica, una forma de amor... Me ha hecho muy feliz sentir que en torno a mi obra había una gran cantidad de lectores, jóvenes sobre todo, para quienes mis libros significaron algo, fueron un compañero de ruta. Eso me basta y me sobra" [Cortázar]

"(Quando Irene sonhava em voz alta eu acordava logo. Nunca pude habituar-me a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos, e não da garganta. Irene dizia que os meus sonhos consistiam em grandes saculões que às vezes faziam cair o cobertor. Os nossos quartos tinham a sala entre eles, mas de noite ouviam-se todos os ruídos da casa. Ouvíamo-nos respirar, tossir, pressentíamos o gesto que leva ao botão do candeeiro, as mútuas e frequentes insónias.
À parte isso estava tudo calado na casa. De dia eram os ruídos domésticos, o raspar metálico das agulhas de fazer malha, um ranger ao virar as folhas do álbum filatélico. A porta de carvalho, creio tê-lo dito, era maciça. Na cozinha ou no quarto de banho, que ficavam ao lado da parte ocupada, punha-mos a falar em voz alta, ou Irene cantava canções de embalar. Numa cozinha há demasiado ruído de louça e vidros para que outros sons a invadam. Muitas poucas vezes permitíamos ali o silêncio, mas quando regressávamos aos quartos e à sala de estar, então a casa ficava calada e à média luz, até caminhávamos mais devagar para não nos incomodarmos. Julgo que era por isso que de noite, quando a Irene começava a sonhar em voz alta, eu acordava logo)"

[]úlio Cortázar, in Bestiário, Dom Quixote, 1971]

Locais: Julio Cortázar Año Internacional 2004 / Julio Cortázar / J. Cortázar / Cortázar / Biografia / Julio Cortázar (1914-1984) / La pagina de Julio Cortázar / Juego y compromiso político (entrevista) / Cortázar por Cortázar (entrevista) / Entrevista / Un tal Julio Cortázar / Ensayos y Estudios sobre Julio Cortázar / Histórias de cronópios e de famas / Sobre Che Guevara / Obra on line / Julio Cortázar en la red

Aqueduto de S. Sebastião [II]

"Conflito com os de Santa Cruz era sempre sério, e estes, sempre prontos a levantar dificuldades, desviaram a agua do Chafariz de Sansão, abastecido pelas fontes aludidas, e habituados a fazerem quanto queriam levaram a Câmara, reunida em sessão conjunta de vereadores, fidalgos e vinte e quatro, a eleger um cidadão, que fosse à Corte demonstrar a el-rei a justiça dos Crúzios, ao mesmo tempo que se mandava a Heitor Borges pedir a sua presença na Câmara para ser ouvido sobre a conveniência de suspender as obras, até vir resposta del-rei. Estiveram nesta vereação todos os seus membros: o vereador Diogo de Castilho, juiz de fora pela ordenação, Jorge Barbosa, António Leitão e Pêro Barbosa, pela Universidade, Simão Travaços, procurador-geral e os dois procuradores dos mesteres, Jerónimo Francisco e Pêro Afonso (...)
A resposta de D. Sebastião é enérgica e decisiva. Em alvará de 20 de Junho revoga pura e simplesmente todos os privilégios, liberdades e jurisdições do Mosteiro de Santa Cruz, tão grande era o seu desejo de ver erguida a obra gigantesca e utilíssima, a mais útil com que o tempo se poderia dotar a Cerca de Almedina. (...) Heitor Borges vencera a resistência dos Crúzios, mas faltava ainda derrotar três adversários de respeito - Diogo de Castilho, afamado arquitecto e juiz de fora, vereador, bem como Jorge Barbosa, também vereador, que fora vários anos chanceler, juiz dos órfãos e alferes da bandeira, mais o escrivão da Câmara, Pêro Cabral, partidários confessos dos de Santa Cruz (...)
Vindos expressamente de Lisboa por causa de todo este complicado assunto, foi encarregado de os julgar o Doutro Tomé Nunes de Gaula, fidalgo da Casa Real, do Desembargador del-rei e Corregedor do Crime (...)"

[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004


William Fox-Talbot (1800-1877)

"This negative created in 1835 predates the historically recorded "birth" of photography by four years. Before this time there were no photographic prints and until the turn of the twentieth Century there was no means of photo-mechanical reproduction." [in William Henry Fox Talbot]

Aqueduto de S. Sebastião [I]

"Heitor Borges Barreto, lente que fora de direito na Universidade e depois desembargador del-rei, estava em Coimbra desde os meados de Janeiro de 1569. Viera, não para matar saudades, mas com plenos poderes do «Desejado» para levantar o grandioso Aqueduto de S. Sebastião, mais conhecido naquele tempo por Cano Real, forte e elegante mole de pedra, com os seus vinte e um arcos, por cima dos quais correria a água da Fonte del-rei e da Fonte da rainha, para abastecer abundantemente a Alta, perto do Convento de Tomar (...) Os frades crúzios, riquíssimos e absorventes, há muito tempo eram os seus detentores e foram os primeiros a protestar energicamente contra o projectado melhoramento, por palavras e actos, intrigando, levantando dificuldades e pretextos, aliciando partidários.
D. Sebastião principiara por expropriar as duas fontes em carta escrita à câmara aos 13 de Dezembro de 1568, por ser «serviço de Deus, dele e bem do povo» trazer a água à Feira dos Estudantes e ao Adro da Sé, ao mesmo tempo que ordenava à Câmara, Corregedor da Comarca e Conservador da Universidade, mandassem limpar aquelas fontes, restituindo-as ao seu primitivo estado. Os cónegos regrantes tinham-se mexido e tinham, até certo ponto, conseguido modificar a opinião camarária, que até aí, estivera contra os crúzios e a favor de que fosse trazida a agua a Almedina. No último dia de Janeiro recebem os vereadores carta enérgica de el-rei, estranhando a contradição e ordenando, para bem do povo, que a cidade não só obedeça, mas favoreça mesmo o Desembargador em todos os trabalhos e facilidades por ele exigidos. Portanto, com rapidez, se faça e se erga o Cano Real, sobre as ruínas do antigo, talvez romano, que se descobriram agora e não vacile o Desembargador em lançar sobre a cidade o imposto ou finta que for necessário" (cont)

[A. da Rocha Brito, in Primeiro de Janeiro, 1944 (?)]

Anotações

[Algumas peças presentes no Catálogo da Biblioteca do poeta e Crítico de Arte D. José Blanc de Portugal, sob descrição bibliográfica de Luís Burnay, para a Dinastia, 2001]

Mission de l'Inde en Europe: Mission de l'Europe en Asie, la Question du Mahatma et sa solution, por Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1949, 213 p. [Livro maldito. O autor de 1885, recebeu a ordem sob pena de morte de a destruir, o que fez, embora em 1909 o editor Dorbon tenha feito uma tiragem muito limitada desta obra a partir de um exemplar único. Em 1940 desde que as tropas nazis ocuparam França e sobretudo Paris, perseguiram e destruíram todos os exemplares desta edição que conseguiram encontrar] / Mission des Juifs, de Saint-Yves d'Alveydre, Paris, 1956 (nova ed.) / The Magus, or Celestial Intelligencer; being a complete system of Occult Philosophy, in three books; containing the Antient anda Modern Pratice of the Cabalistic Art, Natural anda Celestial Magic ..., por Francis Barrett, London, Allen and Jo, 1801 / Les origines de l'Alchimie, por M. Berthelot, Paris, 1885 / Discursos sobre los Comércios de las Dos Índias, por Duarte Solis Gomes, ed. e pref. de Moses Bensabat Amzalak, Lisboa, 1943 [reed. clássico livro de economia] / Histoire de l'abolition de l'Ordre des Templiers, Partis, Chez Belin, 1779 / Operação 1, c/ org. de E. M. de Melo e Castro, Lisboa, 1967, (27)f: il; 51 cm [volume nº 1, desta rara revista literária e artística, com participação de Ana Hatherly, António Aragão, José Alberto Marques, Melo e Castro, Pedro Xisto, João Vieira, etc.] / Submundo, Mundo, Supramundo, pelo Visconde de Figanière, Porto, Chardron, 1889

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004


A Nau Colonialista

"Ao que parece, é no mar que a dor acalma e os alicerces da alma esquecem"

Esse compêndio do cidadão que é o Mar Salgado, justamente apreciado pelo escol em serviço, foi excedido pelas maravilhas caprichosas de um seu marujo, que modestamente assina VLX, onde se contam as delícias e glórias da "nossa colonização", evidentemente "das melhores do século XX". Recorrendo a argumentos devastadores, em discurso erudito semelhante aquele em que cantou a "grandeza pessoal e científica" de Bissaya Barreto, Oliveira Salazar e Marcello Caetano, o infatigável navegante da história pátria VLX, desencalhou a nau da sua costumeira bonança, pensando ter vento próspero e o gentio distraído em lides mais varonis. Temendo o engodo democrata, e sem nenhum temor, alargou-se em "disculpas" e abonações várias, referindo até o "feitio" bem português de querer integrar. Oh! para nós a integrar.
Perante o repasto dessa comemoração esfusiante, o caminho marítimo colonialista assim (des)encalhado obrigou o comandante e verdadeiro rebocador NMP, entretido que estava a bolinar entre o choque fiscal e os gentios, a suster a veracidade que a colonização estava debuxada no mapa, e entre ventos e trovoada tamanha na mar-gosfera tentou marear a nau, alijando a côdea "da superioridade moral da democracia" sobre os incautos marítimos que o liam, evitando ficar enxorado no areal da praia. A festa promete, que a plebs pulla. Enquanto pode.

Anúncios:

- V. Exª deseja uma boa trip? No Mar Salgado - 6 bloguistas 6 - 5 dos quais com computadores ligados à rede internacional, serviço aos quartos, magnífico salão com motivos coloniais justamente reputado como o melhor, Bar Americano a preços moderados. Acordos especiais para estadias prolongadas.

- Confraria União dos Blogues Livres - Informa que reunirá brevemente para apreciar diversos assuntos de interesse para a Ordem, entre os quais o escrito assaz curioso de VLX, que aliás usará da palavra na sessão, contra o engodo democrata do anti-colonialismo. O mesmo instruído orador fará uma prelecção intitulada: "O Santíssimo Milagre da liberdade antes do 25 de Abril, que contem abreviadamente a historia completa do Santo Milagre do Botas de Santa Comba e a reabilitação das Colónias". Necessário quotas em dia.

- Colonialista. Mostra o próprio no local. Assunto sério. Resposta ao nº 1974

domingo, 8 de fevereiro de 2004

O MILAGRE DO RANKING



Depois do sublime mi(ni)stério da educação ter inaugurado a publicação de rankings de escolas, o país atónito, dá por si a acordar todas as semanas com mais opúsculos, numa sabatina esplendorosa, que faz corar por timidez os indígenas lusos.

A actividade febril dos funcionários políticos laranjas e os seus amigos da camisa azul para a reconstrução do ranking das cunhas, é notável. De igual modo, é absolutamente fantástico acompanhar o ranking dos economistas e gestores profícuos que prestam serviço em defesa do PEC (leia-se, respeitosamente, esse ranking de notáveis, bem manejados por Rosado de Carvalho no seu painel amestrado), ou o cliché de ilustres que se inquietam com as presidenciais, e até mesmo o extraordinário ranking de erros, gaffes e aldrabices, copiosamente servido pelos diversos mi(ni)stérios da governação. Os portugueses não se queixam. Não murmuram trivialidades. E têm razão.

De qualquer modo, ficaram perplexos ao saber que "Portugal ocupa a última posição no ranking do desenvolvimento empresarial" da (futura) Europa dos 27. E mais ainda, ao saber que 500 luminárias da gestão indígena se iam recolher nos claustros do Convento do Beato em meditação doméstica. A bem do PEC e do "Compromisso Portugal", já se vê. E o terror dos exercícios espirituais do impetuoso António Borges, do grão-comendador Ferraz da Costa, do reverendo Braga de Macedo, do cintilante Miguel Frasquilho, do soberbo Nuno Ribeiro da Silva, do benemérito José Homem de Mello, do devoto António Nogueira Leite, todos irmanados no fervor económico da novíssima geração e com a supervisão do venerando José Manuel Fernandes, caiu sobre todos nós. Ó doce ironia! Ó supremo desatino! Ó falsos aleivosos do ranking! Se como diria Herculano, "a desgraça é expiação", santificados dos que ainda acreditam. Amem!

SERÃO TRÊS VEZES ...


[Serão três vezes]

"Serão três vezes dados os sinais...
Três vezes a incerteza seguirá...
E três vezes a esperança voltará,
Sobre três intervalos siderais

Tudo em três vezes, firmes e fatais,
Se irá passando como escrito está...
E o livro do destino se abrirá
Por três vezes distintas e iguais...
"

[Augusto Ferreira Gomes, in Quinto Império, 1934]

ÉLIPHAS LÉVI [1810-1875]



n. em Paris, a 8 de Fevereiro de 1810

"Os franco-maçons tiveram sua lenda secreta; é a de Hiram, completada pela de Ciro e de Zorobabel. Eis a lenda de Hiram: Quando Salomão mandou construir o templo, confiou seus planos a um arquitecto chamado Hiram. Este arquitecto, para por ordem nos trabalhos, dividiu os trabalhadores segundo sua habilidade e como era grande o número deles, a fim de reconhecê-los, quer para empregá-los segundo seu mérito, quer para remunerá-Ios segundo seu trabalho, ele deu a cada categoria de aprendizes, de companheiros e aos mestres palavras de passe e senhas particulares... Três companheiras quiseram usurpar a posição de mestres, sem o devido merecimento; puseram-se de emboscada nas três portas principais do templo, e quando Hiram se apresentou para sair, um dos companheiros pediu-lhe a palavra de ordem dos mestres, ameçando-o com sua régua. Hiram lhe respondeu: "Não foi assim que recebi a palavra que me pedis". O companheiro furioso bateu em Hiram com sua régua fazendo-lhe uma primeira ferida. Hiram correu a uma outra porta, onde encontrou o segundo companheiro; mesma pergunta, a mesma resposta, e esta vez Hiram foi ferido com um esquadro, dizem outros com uma alavanca. Na terceira porta estava o terceiro assassino que abateu o mestre com uma machadinha (...)

Cada grau da ordem possui uma palavra que lhe exprime a inteligência. Não há senão uma palavra para Hiram, mas esta palavra pronuncia-se de três maneiras diferentes. De um modo para os aprendizes, e pronunciada por eles significa natureza e explica-se pelo trabalho. De outro modo pelos companheiros e entre eles significa pensamento explicando-se pelo estudo. De outro modo para os mestres e em sua boca significa verdade, palavra que se explica pela sabedoria. Esta palavra é a de que servem para designar Deus, cujo verdadeiro nome é indizível e incomunicável..." [Eliphas Lévi, Lenda de Hiram]

Locais: Biografia / Eliphas Lévi / Eliphas Levi (1810-1875) / Levi, Eliphas / Éliphas Lévi was a freemason / A Chave dos Grandes Mistérios / O Livro dos Sábios / Fiches de Lecture

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

ANOTAÇÃO SOBRE O MARTINISMO



[Pascoal Martins] "era um hebreu português foragido em França, onde reorganizou o kabalismo maçónico (Lojas em Bordéus, Marselha, Tolosa) (1760) e Paris (1768) tendo, segundo J. Bertrand (L'Occultisme Ancien et Moderne, Paris 1900) como discipulos principais Van-Loo, Saint-Martin e Bacon de la Chevalerie. Ao principio algumas tradições maçónicas não ligaram importância ao movimento. É o que se deduz da Biblioteca Maçónica, dedicada aos Orientes Lusitano e Brasiliense por um Cav. Rosa-Cruz, pag. 118, 1º vol. Em França parece que só se conhece o 1º volume desta rara e interessante publicação, dando-se como único publicado. Possuímos os quatro volumes publicados em França, os três primeiros em 1840 e o quarto em 1834 (o que supõe outras edição, tendo o quarto servido a bastas iniciações)

O Martinismo ainda hoje se mantem espalhado por toda a América e Europa (...) Gil Eanes ou Gil Rodrigues de Valadares andou imerso e apagado no agiologios até a aspiração romântica de Almeida Garrett (D. Branca e Viagens na Minha Terra). Fidelino de Figueiredo reduziu-o a uma interpretação naturalista (Serôes vol. XIII), António Correia de Oliveira criou-lhe uma aura panteísta (Tentações de S. Fr. Gil), o dr. Teófilo Braga reevoca-o num poema, encarnando sedentamente o platonismo (Fr. Gil de Santarém). A ementa agiologica pode ver-se nessa obra. José Pereira Sampaio aborda-o rapidamente (...) Goethe abordou a tragedia da psicose magica porque era um iniciado (...) Depois de ter recebido a iniciação em Francfort o grande dramaturgo estudou, dirigido po M.elle de Kletenberg, o Opus Mago-Cabalisticum de Weling, a Áurea Catena Homeri e as obras de Paracelso, da Agripa, etc. Os hermetistas alemães chamam ao Fausto, o Livro dos Sete Selos (Das Buch mit Sieben Siegeleng)

(...) De Dom Francisco Manoel foi publicado com as licenças da Inquisição o «Tratado da Sciencia Cabala» (1724) em edição póstuma. É um estudo rudimentar mas curioso (...) O Visconde Miguel Maria de Figanière, autor do Mundo, Sub-Mundo e Supra-Mundo, que Inocêncio não cita, primo co-irmão de Serpa Pinto, a quem dedica esta obra, pela afinidade das suas convições teosóficas, é pouco menos que ignorado em Portugal. (...)

[João Antunes, in nota de pé-página (p. 127) de Oedipus A Historia e a Filosofia do Hermetismo, Lisboa, 1917]

"A vida é mesmo assim"

A Expansão Vertiginosa entrou em pousio. Para leedores caprichosos e soberbos, lobo em deserto puro, deu-nos ao longo de 6 meses prosa admirável, reflexões devotas e curiosidades mil. Antiquíssimo cantar da ciência, da arte ... da vida. Poemactos. Feitos por um cavaleiro da ciência, para nós ... profanos. A Expansão Vertiginosa entrou em dormência. Outros desafios, presumo. Até breve.

[Agosto de 1979 ?] Na mão, um rascunho de missiva manuscrita para o Luso, feita, talvez, depois da bica no Crespo ou a altas horas parida na Torre altaneira. Miscelânea de sinopses. Lá estavam, admiráveis de frescura, Sraffa, a equação de Bethe-Salpeter, Frobenius, Almada, o pêndulo de Foulcault, Luiz Pacheco (saindo insidioso da livraria Leitura), F. Pessoa, Manuel de Lima, os Smiths, Miles Davis e Filles de Kilimanjaro, Borges e Mishima, as máximas de Occam (filósofo e monge franciscano do sec. XII) com ligação aos Rosa Cruz de Max Heindel, o L'Ésprit, Antonioni à cause de "identificação de uma mulher", Deleuze/Guatarri (sempre!), a querida Natália Correia, a Sociedade literária e filosófica de Manchester e a teoria cinética. E tantos mais. 1979 (?). Jogava-se xadrez, fustigava-se o computador, ensaiava-se o pau chinês no bridge, saudava-se os amigos com garrafas de Porto, saídas de velhas caixas de madeira, made D. Adelaide Ferreira (a Barca Velha ficou para depois), Monte Cristo 4, tudo na mais deliciosa das confusões. E vigiava-se a Praça. A Torre era opulenta. Nós espantosamente vivos. Deo Gratias!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Discurso sobre a Paz

"Já no final de um discurso extremamente importante
o grande homem de Estado engasgando
com uma bela frase oca
escorrega
e desamparado com a boca escancarada
sem fôlego
mostra os dentes
e a cárie dentária dos seus pacíficos raciocínios
deixa exposto o nervo da guerra:
a delicada questão do dinheiro.
"

[J. Prévert, Discurso sobre a Paz, trad. S. Santiago]

Jacques Prévert [1900-1977]

n. em Neuilly-sur-Seine, a 4 de Janeiro de 1900

"... Jacques Prévert parece que a saltar ao eixo, é o termo, conseguiu a proeza de passar do primeiro ao terceiro estádio, e não só conseguiu como soube manter-se em posição de renovar o salto em sentido inverso, e assim sucessivamente. Um pé no ele, outro no eu, este último quanto possível diferençado do supereu postiço, ou então melhor e como ele próprio disse, «um pé na margem direita, outro na margem esquerda e o terceiro no rabo dos imbecis», dispõe soberanamente da concisão susceptível de nos transmitir num relâmpago toda a caminhada sensível e esplendorosa da infância, e abastecer ao infinito os reservatórios da revolta" [in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]

"... Era tudo tão verdadeiro, deliciosamente encantador, e de gosto tão fino, que à chegada do presidente com uma sumptuosa cara de ovo de Colombo foi o delírio.
- Era simples, mas tínhamos de puxar pela cabeça - diz o presidente ao desdobrar o guardanapo, não podendo os convidados refrear a emoção perante tanta malícia e simplicidade; um grande industrial derrama verdadeiras lágrimas de alegria através dos olhos cartonados de crocodilo, outro mais pequeno mordisca a mesa, lindas mulheres esfregam suavemente os seios e, arrastado pelo entusiasmo, o almirante bebe uma taça de champanhe pelo lado contrário, trinca de pé pregado à balaustrada da cadeira, gritando: «Primeiro as crianças!».
Por estranho acaso a mulher do naufrago confeccionara de manhã, e a conselho da criada, uma espantosa cara de viúva de guerra com duas grandes rugas de desgosto aos cantos da boca e duas bolsinhas de dor por baixo dos olhos azuis ..." [ibidem, trad. Aníbal Fernandes]

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2004

“... Quam alto fui para o que todos são!
Quam baixo para quanto quis em mim!
Vi e toquei o que a outros é visão
Em sombras ou desejos, vaga e escura,
Na confusão da confusão sem fim
Sou hoje a minha própria sepultura
Tenho deserto e alheio o coração ...

[F.P., 61B-9. (dt)]

Anotações

"Normalmente os místicos não são ocultistas - Santa Teresa d'Ávila, São Francisco de Assis, Santo António, entre outros, são grandes místicos, mas não entram pela "via oculta", que é pertencente às Escolas de Mistérios. Por sua vez, os ocultistas, que estudam toda a parte filosófica e iniciítica, têm as Escolas de Mistérios destinadas para si, pois através da mente uma pessoa pode fazer um estudo e uma série de exercícios, desenvolvendo, pouco a pouco, a cordialidade, o lado do coração. [António de Macedo, in Lusophia]

"Portugal é um país, por enquanto, oculto. Aliás, o Lima de Freitas chama a atenção para o facto de os mitos mais proeminentes da mitogenia portuguesa (os "mitolusismos") não serem referidos nem pelo René Guénon, nem pelo Mircea Eliade, que viveu em Lisboa e deu aulas cá, e ele cita outros; eles citam o mito do imperador que há-de regressar, citam o mito do Encoberto, citam o mito do Preste João e nunca citam Portugal, além de não referirem o Sebastianismo quando se referem ao mito do Encoberto. Portugal é um país que, por qualquer razão misteriosa, não existe e tem de se manter oculto." [ibidem]

"O problema da portugalidade é um reencontrar das origens. é por isto que os livros, por exemplo, do Paulo Loução considero interessantes, pois faz um trabalho de campo muito importante... E estou totalmente de acordo com a ideia do Franclim da "verticalização da Lusitânia". Tudo ocorreu naturalmente. As pessoas começaram a chamar Lusitânia a Portugal... Portugal tem uma missão espiritual, mas sobretudo mistérica. E há bastante gente que está em Portugal a encontrar os mitologemas portugueses e a linha tradicional própria da portugalidade, que, a partir do século XVII, se distanciou bastante da europeia, até, então, existia uma linha esoterológica comum. Com a Inquisição, com o surgimento do rosacrucianismo, a nossa linha iniciítica quebrou-se da corrente iniciítica. Depois do culto do Império e do Divino Espírito Santo veio o Bandarra; no século XVII, tivemos o gigantesco Vieira, que acompanhou o século XVII todo. Ele foi buscar o mito do Quinto Império ao profeta Daniel e a Frei Gil de Santarém. Então, ficámos com os mitos diferentes: o bandarrismo, o Quinto Império, o Sebastianismo e as festas do Espírito Santo. De repente, temos uma linha iniciítica própria, que tem sido trabalhada por autores interessantes, desde o Leonardo Coimbra, o Sampaio Bruno, o Fernando Pessoa, o Almada Negreiros, Lima de Freitas, etc. e muitos outros artistas e investigadores portugueses do século XX." [ibidem]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004


Haja Decência!

- As afirmações proferidas na Quadratura do Círculo pelo inenarrável Lobo Xavier, com a aquiescência de Pacheco Pereira, a propósito do episódio Celeste Cardona são inaceitáveis, e mesmo burlescas. Se no caso do presumido Lobo Xavier não é de estranhar, mesmo a coberto de uma reputação de expert em legislação fiscal ou tributária com que ele sem pejo se autoproclama, abundantemente, e que está longe de se provar, o mesmo não se pode dizer do deputado europeu e comentarista Pacheco Pereira. Nestas ocasiões, Pacheco Pereira alegando desconhecimento conceptual, pouco interessado em instruir-se na matéria que interessa ao comum dos cidadãos, o que revela algum menosprezo pelos leitores e ouvintes que o acompanham interessadamente, quase sempre recusa pronunciar-se. E pasme-se, hoje nem sequer fez qualquer leitura política dos tristes acontecimentos ocorridos. Nada se passou, presume-se. Ora, para além de se saber se há ou não crime fiscal teremos de concordar, aliás como disse Marcelo Rebelo de Sousa, passe possíveis estratégicas políticas que o podem mover, no mais óbvio: é incompetência pura. E só havia um caminho a seguir, se vivêssemos num país civilizado, a demissão. Pense, meu caro Pacheco: há mais vida para além dos livros. Eu que o diga.

- As cenas desavergonhadas levadas a cabo numa conferência de imprensa, após o jogo Sporting-FCPorto, por duas personagens ridículas são o sinal dos tempos. José Mourinho e Eduardo Bettencourt não têm lugar onde existem pessoas decentes. São de uma alarvidade inacreditável. O primeiro, desejoso de ir carpir as mágoas de sujeito incompreendido pelos indígenas lusos para terras britânicas, entendeu ser o momento para pressionar a sua saída do FCP. Cabotino como poucos, julga que a civilidade está algures e que nada tem a dizer sobre isso. Engana-se. É preciso ser-se homem para se banhar de civilização. O segundo, revela um humor demasiado negro para uso em palestras. As afirmações ditas em tom grave, para excitação dos fundamentalistas leoninos, desvela o seu carácter e o mau gosto. Não há paciência. Nem decência. Estamos tramados.

Bertrand Russell [1872-1970]

n. em Ravenscroft, Wales, a 2 de Janeiro de 1872

"Wittgenstein me faz sentir que minha existência vale a pena" [Russell]

"Têm existido no mundo, em várias épocas, diferentes filosofias de solitários, umas mais nobres do que outras. Os estóicos e os primitivos cristãos pensavam que o homem podia realizar o supremo bem que a vida humana é capaz por meio da sua própria vontade, sozinho, ou pelo menos sem outra ajuda humana; outros encararam o poder como a finalidade da vida e para outros ainda essa finalidade resumia-se aos prazeres pessoais. Todas estas filosofias são filosofias de solitários na medida em que o bem se supõe ser realizável em cada pessoa separadamente e não apenas numa sociedade maior ou menor de indivíduos. Em minha opinião, tais ideias são falsas, não só consideradas como teoria de moral, mas também como expressão do que há de melhor nos nossos instintos." [Bertrand Russell, in A Conquista da Felicidade]

"Acuso a recepção da sua carta ... Não me admira que tanto o Sr. como o Sr. Lewis hesitem entre chamar-me ateu ou agnóstico, porque eu próprio tenho as minhas dúvidas e ora me considero uma coisa como outra. Penso que sob o ponto de vista estritamente filosófico, na medida em que duvido da existência de objectos materiais e que ponho a hipótese de que o mundo pode ter apenas cinco minutos de existência, me devo considerar um agnóstico; mas sou, na prática um ateu. Não considero a existência de um Deus cristão mais provável que a existência dos deuses do Olimpo ou a de Walhalla. Para dar outro exemplo: ninguém pode provar que entre a Terra e Marte não anda um bule de porcelana a descrever uma órbita elíptica, mas ninguém considera a hipótese suficientemente provável para a encarar a sério. Penso que o Deus dos cristãos é igualmente improvável."
[Bertrand Russell, Carta a ... 18 de Maio de 1958]

domingo, 1 de fevereiro de 2004

Refrões

"Um avião esvoaça
Um lábio traça
sua cor e sua taça

O sexo desgraça -
docemente esgarça

E surge a morte à caça
como um saco
a traça"

[Luiza Neto Jorge, in Os Sítios Sitiados, 1973]


Cuidem-se!

O esmifrante sociólogo Luciano Espectador prepara-se para cantar nos 100 anos do nascimento de Raymond Aron (2005) algumas triviais banalidades do autor de "As Etapas do Pensamento Sociológico", sugeridas ao que se sabe pelo extraordinário e "conhecido" sociólogo português Eduardo de Freitas, como a fradesca defesa contra o pecado carnal do amor livre, a discussão entremeada sobre as gulodices das drogas e a vigorosa defesa contra a homossexualidade. Tudo bem regado pelo Maio de 68 em França, com os libertinos estudantes parisienses em pano de fundo. Ao que se sabe, não situará na obra de Aron a luta anti-colonialista, em memória do aroniano e casto ministro da defesa de Portugal. Aproveitará, porém, para malhar em Foucault e Derrida, ou mesmo nesse petulante Sartre, autores que, como se sabe, nunca existiram, não têm obra, nem se viram e ouviram nesses fatídicos dias de Maio de 68. A performance, culminará numa teorização assombrosa sobre o horror dos intelectuais europeus contra os EUA, lendo opúsculos de Bush, intervalados com uma oratória sobre a obra "Ópio dos Intelectuais", expurgando, evidentemente, as alusões a Lord Keynes. Por último, confessa Luciano que não pretende falar de Sokal, não irá referir o que pensa Isaiah Berlin de Aron, e jura que o prof. Maltez não se amotinará da cadeira. No final, a Sociedade dos Intelectuais, assim rejuvenescida, irá em romaria fazer a queimada das "Dezoito lições sobre a Sociedade Industrial", para a qual convidou um assombroso anti-sindicalista eborense, porque na verdade "history is again on move". Bom trabalho.
José Marinho [1904-1975]

n. a 1 Fevereiro 1904

"(...) José Marinho foi, como se sabe, discípulo de Leonardo Coimbra e é necessário situar a orientação do seu pensamento ente a filosofia nocturna de Sampaio Bruno e a filosofia diurna do Mestre. O poeta com quem mais proximidade dialogava era Teixeira de Pascoaes, em cuja poesia se conciliam o sentido gnóstico da ausência e do exílio próprio de Sampaio Bruno e o sentido apolíneo e pagão da presença imediata de Deus na sensação, isto é, no mundo das formas sensíveis, com maior ou menor erro tido por natureza (...)"

[António Telmo, in A Teoria do Instante em José Marinho, Revista Leonardo, nº2, 1988]

sábado, 31 de janeiro de 2004


Centenário da REAL REPÚBLICA DO PRÁ-KYS-TÃO


[Coimbra, fundada em 1951]


"Da carunchosa linhagem dos Cabedos"

Viri Doctissimi

O debate mensal na Assembleia da República foi esclarecedor. O prócere dr. Barroso a matraquear promessas para o próximo ciclo eleitoral; o liliputiano Marques Mendes a fazer de ponto nessa vil comédia brejeira; a senhora do défice, Ferreira Leite, ar patriótico de orgulho por não ter perdido os 3 por cento do PEC, respeitavelmente meditabunda, pensando quiçá na próxima espoliação aos funcionário públicos; a rapaziada desmemoriada do PP em pânico e à beira da extrema-unção. Uma estucha, é claro.

Inimputável, diz Louçã sobre a política levada a cabo pela senhora ministra da Justiça. Absolutamente. Só resta saber se a senhora ministra, a quem alguém com piada disse que sabia de fiscalidade, é de facto ministra. Até hoje, temos dúvidas. Daí o assombro.

O berrador Pires de Lima, barão viril da extrema-direita com assento parlamentar, desata em impropérios vários contra o anti-colonialismo de Mário Soares, ao mesmo tempo que a sua bancada ameaça processar o deputado do BE, Francisco Louçã em tribunal por ter considerado ser a ministra (?) Celeste Cardona inimputável politicamente. Curiosamente tudo isto aconteceu no dia em que a TSF apresenta uma sondagem eleitoral (TSF/DN/Marktest). Coincidências?

Em entrevista a Carlos Vaz Marques (Pessoal ... e Transmissível), a escritora Agustina Bessa Luís confessa que "gostaria de fazer milagres". Que Deus seja louvado. É que depois de ter patrocinado a luminária da intelectualidade indígena o dr. Santana Lopes, qualquer milagre é absolutamente desnecessário.

Norman Mailer

n. em New Jersey, a 31 de Janeiro de 1923

"O senhor se define como um conservador de esquerda. O que é isso?
MAILER: Acredito que há coisas extraordinárias neste mundo que estão em vias de extinção e que temos de lutar para que sobrevivam. Por exemplo, a arquitetura antiga, como a de Edimburgo, ameaçada pela enorme feiúra das novas construções. Acredito que as sociedades humanas deveriam se basear numa cooperação que não estivesse centrada no dinheiro, mas na experiência concreta do homem. Meu conservadorismo de esquerda é a denúncia dos aspectos opressores e totalitários das novas tecnologias, é uma tentativa de conservar o que há de bom neste mundo. Não creio na utopia da ciência: "confie em nós e viverá 200 anos com as mesmas condições que tinha aos 50". É totalmente falso. Não podemos fazer nada contra a lei natural da energia.

Seu último livro fala da guerra do Iraque.
MAILER: Opus-me radicalmente a ela porque se disseram coisas inventadas. Não encontraram sequer uma arma de destruição em massa. Saddam é um monstro, mas não tinha vínculos com Bin Laden. Pelo contrário, eram rivais. As pessoas não importam para nossos líderes, o que fazem é matá-las às centenas. Para quê? Nada pode levar a democracia a um povo, esta é uma idéia equivocada. A democracia é um estado de graça que só é alcançada por povos com muitíssima gente conscientizada. As únicas coisas que levamos ao Iraque foram violência e morte.

O senhor conheceu pessoalmente presidentes americanos como John Kennedy e Ronald Reagan. O que pensa de Bush?
MAILER: Por trás da guerra do Iraque está o seu desejo de se apoderar do Oriente Médio e do mundo. É perigoso: segunda sua própria confissão, crê que Deus o livrou do alcoolismo para o levar até a Casa Branca. Isso dá medo.

[Entrevista de Norman Mailer, La Vanguardia]

sexta-feira, 30 de janeiro de 2004



Boris Spassky

n. em Leningrado a 30 de Janeiro de 1937

[Spassky - Nickolaevsky Kharkov, 1963]

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Catálogo nº 18 de Luís Burnay, Janeiro 2004

O livreiro-antiquário Luís Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa) lançou a sua lista nº 18 (nova série) do mês de Janeiro com 552 obras, a preços muito acessíveis. Depois de um excelente leilão, Burnay aí está com o seu novíssimo catalogo.

Algumas referências: Almanach histórico e illustrado de Villa Viçosa para o anno de 1910, Évora, 1909 (c/ um listagem dos administradores da vila) / Almanach Liberal para 1876, 1º anno da sua publicação, Coimbra, 1875 (raro) / O Archivo da Torre do Tombo ..., por António Baião, 1905 / Leal Conselheiro, o qual fez Dom Duarte …, por Don Duarte Rei de Portugal, Pariz, 1854 (c/ introd. do Visconde de Santarém) / Da Vida e Morte dos Bichos (subsidio para o estudo da fauna de Angola e noas de caça), de Teodósio Cabral, Abel Pratas & Henrique Galvão, Lisboa, 5 vols / Arqueologia Árabe em Portugal, de Correia de Campos, Lisboa, 1965 / Taxas dos Ofícios Mecânicos da Cidade de Coimbra no ano de 1623, de J. M. Teixeira de Carvalho, Imp. Univ., 1923 / Dictionnaire des Operas (Dictionnaire Lyrique) ..., de Félix Clemént & Pierre Larousse, Paris / Manual Politico do Cidadão Portuguez (2ª ed.), por Trindade Coelho, 1908 / Soror Marianna a Freira Portugueza (2ª ed.), de Luciano Cordeiro, Lisboa, 1891 / Cultura da Granza, ou Ruiva dos Tintureiros ..., Lisboa, 1803 (opúsculo raro de botânica) / Descrição abreviada do Concelho de Cabeceiras de Basto principalmente da freguezia de S. Miguel de Refoyos sua capital por um Cabeceirense, Lisboa, 1874 (rara monografia) / D. Afonso Henriques e a Fundação da Nacionalidade Portuguesa, por Tomaz da Fonseca, Coimbra, 1949 / A Arte em Portugal, de José Augusto França (Séculos XIX e XX) / Manual do Navegante: regras e preceitos da lide do mar por Guilherme Ivens Ferraz, (da Biblioteca de Instrução Profissional de Bordalo Pinheiro) / Do Restauro dos Painéis de São Vicente de Fora, por António Manuel Gonçalves, Lisboa, 1960 / A Ermida Românica de Santa Catarina de Monsaraz, 1969 (junto c/ O Fesco dos Paços da Audiência de Monsaraz, 1966), Évora / O Nuno Gonçalves da Phaidon: erros, omissões e plágios, de Adriano Gusmão, 1956 (polémico) / Les Poesies d'Horace, avec la traduction du R.P. Sanadon de la Compagnie de Jesus, 1756, 2 vols / História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa ..., Lisboa, CML, 1950-1972, 2 vols / Theatro Cómico Portuguez, ou Collecção das Operas Portuguezas, que se representarão nas Casas dos Theatros Públicos do Bairro Alto ... por +++, 1787-1792, 4 vols (raro) / Inventario Artístico de Portugal (Distrito de Aveiro), por A. Nogueira Gonçalves, 1991 / O Templo das Siglas: a Igreja da Ermida do Paiva, por Aarão de Lacerda, 1919 (raro) / O Senhor dos Passos da Graça, de Gomes Leal, 1904 (polémica) / Marchas, Danças e Canções próprias para Grupos Vocais ou Instrumentos Populares (Lopes Graça, versos de Armindo Rodrigues, Carlos de Oliveira, Edmundo Bettencourt, JJ Cochofel, Joaquim Namorado, José Gomes Ferreira, José Ferreira Monte, Mário Dionísio),Seara Nova, 1946 / A Arte dos Jugos e Cangas do Douro Litoral, por Armando de Matos, Porto, 1942 (des. de Gouveia Portuense) / O Supremo Conselho do Grau 33 e o Grande Oriente Lusitano Unido, Lisboa, GOLU, 1914 / Diccionario Histórico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Constructors Portuguezes ou a serviço de Portugal, coord. de Sousa Viterbo, 1899-1922, 4 vols / O Culto do Chá, de Wenceslau de Moraes, Typ. do Kobe Herald, 1905 (peça de colecção)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

PREGADORES INSTRUÍDOS



"O homem verdadeiramente sábio è aquele que não despreza coisa alguma"

De novo a questão da vida e da morte. Nunca daí saímos. Fecha-se a alma, clamam alguns. Fugir da morte, desembaraçar-nos dela, praticam outros. "Redescobrir a mágica estranheza, a singularidade das coisas evidentes" [Álvaro Siza] é o que é preciso.
 
Os sermões morais em torno da san(t)idade comportamental da populaça, proferidos por alguns intelectuais (intelectual=aquele que se desdobra, Camus dixit), sobre as manifestações de espanto e pesar na morte de um jogador de futebol são extraordinárias. Tais pregadores instruídos, do alto do seu catecismo chic, patenteiam uma nova liturgia de vida, receituário a imitar pela plebe inculta, que faria sorrir se nao estivesse encoberta pela costumeira alusão aos malefícios dos media, que curiosamente tão sabiamente utilizam e manipulam. O expediente constante ao flagelo dos media, vindo de quem vem, permite assim, com elegância, afastar qualquer debate ou controvérsia sobre esse estranho mundo dos intelectuais pregadores.
 
Porque, afinal, o que está em jogo é a eterna controvérsia sobre a vida e os seus interstícios, mal ou bem interiorizada ou vivida, e não uma qualquer "pornografia" mediática que todos nós estaríamos devotamente consumindo. Portanto, "saudade da vida", paixão ou espanto, prazer ou desprazer, saber e consciência, sentido que seja da vida ou da morte, permanece além de uma qualquer experiência conversável. Compreende-se que assim seja. Mas não nos comove. Na verdade, "para se achar que a vida pode ser bela e fácil, é necessário não a ter conhecido" [Camus]
Pornografia

Este é um governo de expedientes, manhas e truques, doença mental sempre em hora de telejornal. Aqui a vida é redonda. A arte é ser conformista. Celeste Cardona na TV anuncia: "Para que haja um crime fiscal é preciso que haja a apropriaçao de um património. É preciso que haja a intenção fraudulenta". Aconteceu-me fiscalidade diz um governamental. Evidentemente, diz a mioleira de Lobo Xavier. Quem age são os exportadores. Exportam. O Fisco não larga o Iva. Liberdade pornográfica, pois então. Quem diria! O Alberto João veio a Lisboa regularizar com Durão. Quanto o aluguer? Aberração: "o caminho em linha recta vai do querer ao ter, pelo poder" [António Pedro] Distraidamente os milhões para a investigação caiem. É raro florirem rosas em Janeiro, sorri Durão. O Tribunal de Contas está muito Alfredo e pouco Sousa. Preferimos o choque pornográfico, dizem. José Manuel de Mello muito seco pede Hispânia por favor. Ludgero Marques privatizações. A minha avó Leopoldina "apanhava comboios com um anzol". Sem preço.

"Basta
O público está fatigado
Mas não serei eu quem favorecerá esse desejo
Porque se o publico adormece
Não há feijão este ano
" [Breton]

ANOTAÇÕES


"This is Moleskinerie, a blog dedicated to the proposition that not all notebooks are created equal. (...) Moleskine is not my obsession, it’s an attitude. I use other journals also. This site is not here to pontificate. It just is." / an Eudæmonist › ciceronian / [Via Whiskey Bar] Davos Discovers the Blogs

"Hoje a sociologia entrou na ordem natural das coisas. Há sociólogos mais à esquerda, outros mais à direita, e provavelmente a média dos sociólogos situa-se mais à esquerda do que a média dos nossos economistas. Mas não deixa de ser sociologicamente significativo que entre os anúncios da secção "Relax" de uma grande quotidiano português apareça esta sugestiva proposta: "Inesquecível socióloga, 26 anos, exótica, elegante, corpo perfeito, convive distinto cavalheiro." A semiótica poderia deter-se nas conotações deste "distinto cavalheiro". Mas uma visão mais sociológica não poderá deixar de considerar como particularmente interessante esta "inesquecível socióloga". Será inesquecível enquanto socióloga? Será inesquecível apesar de ser socióloga? De qualquer forma, ser socióloga é manifestamente uma mais-valia e imaginamos como uma relação erótica poderá ser completada por uma animada conversa sobre a polémica entre Luhmann e Habermas, as críticas de Jeffrey Alexander a Bourdieu, o sentido da sociedade de risco de Beck ou a terceira via de Giddens." [Eduardo Prado Coelho, in Publico]

terça-feira, 27 de janeiro de 2004

WOLFGAMG AMADEUS MOZART [1756-1791]



n. em Salzburgo, a 27 de Janeiro de 1756

"Salve sagradas criaturas que se impõem através da noite!
Agradecimentos a vós, Osiris e Isis, sejam apresentados!
A força venceu, e como recompensa
Apresenta a eterna coroa à beleza e à sabedoria".

[Flauta Magica]


CATÁLOGO Nº 3 DA LIVRARIA D. PEDRO V


A Livraria D. Pedro V (Rua D. Pedro V, 16, Lisboa) lança o seu Catálogo 3 (nova série) com 286 peças raras umas, esgotadas todas, a preços interessantes. Julgo que ainda está à frente da D. Pedro V a Catarina, que aqui apresenta um cuidadoso conjunto de obras de estimação a ter em conta.

Algumas referências: Cartas de Amor de Sóror Mariana ao Cavaleiro de Chamilly, de Sóror Maria Alcoforado, Livr. J. Rodrigues, 1925 (ilustrações de Alberto de Souza, e prefácio de Gustavo Matos Sequeira) / Alquimias, por Al Berto, Sines, 2001 / Recolhimento do Arcanjo S. Miguel (Alguns Apontamentos para a Historia de Guimarães) As Beatas de Chapéu, 1923 / Portuguese Hebrew Grammars anda Grammarians, de Moses Bensabat Amzalak, 1928 / Chorographia Estatística do Districto de Coimbra, por Agostinho Rodrigues d'Andrade, Coimbra, 1896 / Judeus em Montemor-o-Novo, de António Alberto Banha de Andrade, 1977 / Contra a Obscuridade, de Eugénio de Andrade, 1992 / Os Poemas de Luís Buñuel, de J. F. Aranda (trad. de Mário Cesariny Vasconcelos), Arcádia, 1974 / Inventario de Lisboa, por Norberto de Araújo & Durval Pires Lima, 12 vols, 1944-56 / Homenagem a Camilo no seu Centenário, por António Baião (refere a suposta ascendência israelita de Camilo), 1925 / Cadernos de Literatura (nº 1 ao nº 25), Coimbra, 25 vols, 1978-86 / Biografias Figueirenses, por José de Sousa Cardoso, F. Foz, 1947 / Iconografia e Simbólica do Políptico de São Vicente de Fora, por José dos Santos Carvalho, Lx, 1965 / Pequenos Mundos Novas Civilizações, de Ferreira de Castro, 1938 / Á Volta do Mundo, de Ferreira de Castro, 1938 / Os Transportes Populares em Portugal. Carros e Barcos, por Luís Chaves, 1958 / Inscrições na Quinta do Viso, por José Coelho, 1928 / Cristo como os Pintores, Escultores e Poetas Portugueses o Viram, Sentiram e Entenderam, Estúdios Cor (texto de José Régio), 1952 / Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo, por José Gomes Ferreira (publicada anteriormente sob o pseudónimo O Avô do Cachimbo, no jornal de Lisboa), 1963 / Ronda de Africa, por Henrique Galvão, 2 vols, 1942 / A Caça no Império Português, de Henrique Galvão et all, 2 vols, 1943-45 / Primeira Parte da Historia dos Religiosos da Companhia de Jesus, pelo Padre Sebastião Gonçalves, 3 vols, 1957-62 / Commigo, de Manuel Laranjeira, 1923 / Livro do Centanário de Eça de Queiroz, 1945 / Leitos e Camilhas Portuguesas (junto com Cadeiras Portuguesas), por J. F. Nascimento & Augusto Cardoso Pinto (reed.), 1998 / Olleboma Culinária, Lisboa, Empresa Diário de Noticias, 1928 (imp. livro de cozinha portuguesa) / Para uma Cultura Fascinante, de Ernesto Sampaio, 1959 / Os Primitivos Portugueses, de Reynaldo dos Santos (3ª ed.), 1958 / Loiça Brasonada, por José de Campos Souza, 1962 / Marcas de Contastes de Ourives Portugueses, de Manuel G. Vidal & Fernando Moitinho de Almeida, 2 vols, 1974

segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

FLORES PARA MIKI FEHÉR



Sabemos da bondade da vida. Quantas vezes se julga que não a sabemos merecer. No entanto o lugar que ocupamos "é o único temível porque nos prende". Hoje os deuses esqueceram-se de Miklós Fehér. Ou foram os homens? A tristeza embala-nos os olhos, enquanto o que a TV mostra, nos mata aos poucochinhos. Um sorriso nos lábios, o coração a ceder, inclinação e morte. É demasiadamente perturbante para ser verdade. Magoa-nos. Torna-nos inúteis. É noite e hoje aqui não está ninguém. Até sempre Miki.

domingo, 25 de janeiro de 2004

VIRGINIA WOOLF [1882-1941]



n. em Londres, a 25 de Janeiro de 1882

"Discutamos, pois, com a maior brevidade possível, o tipo de educação necessário. Dado que a história e a biografia - as únicas provas ao dispôr de estranhos - provam, aparentemente, que a antiga educação das antigas faculdades não provocam particular respeito pela liberdade, nem particular ódio pela guerra, é evidente que deverá reconstruir a sua faculdade em moldes diversos. Está ainda no começo e é pobre; deixe-a, por conseguinte, tirar vantagem dessas qualidades e tomar como base a pobreza e a juventude. Deve, portanto, ser obviamente uma faculdade experimental, uma faculdade temerária. Deixe que se construa com estruturas próprias. Não deve ser construída em pedra talhada e com vitrais, mas em qualquer material barato e de combustão fácil que não crie nem perpetue tradições. Não faça capelas. Não instaure museus e bibliotecas, com livros de encadernações luxuosas e edições metidas em vitrinas. Vale para que todos os quadros e livros sejam novos e estejam sempre a mudar. Deixe que cada geração a decore com as suas próprias mãos e processos baratos. O trabalho dos vivos não é dispendioso; oferecem-no muitas vezes, apenas a troco de deixarem que o produza. (...)

Os professores deveriam ser escolhidos entre os «bon vivants» e os bons pensadores". [Virginia Woolf , in Os Três Guinéus, Veja, 1978]

Locais: Virginia Woolf / Virginia Woolf (1882-1941) / Virginia Woolf (biografia) / Virginia Woolf forum, links / Virginia Woolf's Texts / The International Virginia Woolf Society / Virginia Woolf's Psychiatric History / Virginia Woolf Her Life and Works / Virginia Woolf and Modernism / Virginia Woolf (Um Tecto Todo Seu) / Virginia Woolf: a androginia como desconstrução / Virginia Woolf Seminar [1-9 Junho 2004]

sábado, 24 de janeiro de 2004

BAIRRO LIVRE - JACQUES PRÉVERT





















[Bairro Livre]

Puz o boné na gaiola
saí com o pássaro na cabeça
E então
já não se faz continência
perguntou o comandante
Não
já não se faz continência
respondeu o pássaro
Ah bem
desculpe julguei que se fazia
disse o comandante
Não há de quê toda a gente pode enganar-se
Disse o pássaro

[Jacques Prévert, Bairro Livre, trad. Jorge de Sena]

SOLIDARIEDADE COM A FUNÇÃO PÚBLICA



"O Homem é um secular malvado, que, por perversão ou estupidez, construiu uma civilização de canibais, cem vezes mais malvada do que ele" [Gomes Leal]

A requintada hipocrisia com que alguns mencionam a Função Pública, ontem em greve por melhores condições de vida e qualidade de trabalho face a uma administração e gestão ruinosa, inoperante e incompetente que anos a fio a classe politica amamentou, pelos ditos assombrosos proferidos, na maior das soberbas e com entoações do mais profundo desprezo pela dignidade de quem trabalha, desvela bem os sinais dos tempos.

Dum lado os acólitos do neo-liberalismo balofo e de sacristia, para quem toda a perfeição reside na gestão privada, enquanto lá vão piscando os olhos aos amigos, entretidos a espoliar o Bem Público, fugindo aos impostos, praticando a corrupção moderna, com a eficácia e a produtividade conhecida. Outros, os ressaibiados que por fastio, acomodação servil e falta de qualificações técnico-profissionais foram atirados para a selva do mercado de trabalho, tão de agrado dos novos liberais, dobrados que lhes foram a espinha vertical, desatam em impropérios vários, quase sempre bem maledicentes e espumosos de servilismo e arrogância. Por fim aqueles que em papeletas avençadas, os opinativos serventuários dos seus donos bem amados, clamam com o dedo no ar contra a alimentação do monstro, bem sustentado que foi pelo cavaquismo nos tempos áureos do oásis e depois continuado em alegro folgazar pelos que lhe seguiram, burilam teorias orçamentais que fariam corar o Botas de Santa Comba.

A desorientação é evidente e total. Aliás é vê-los a dissertar sobre o vencimento dos assessores ministeriais (hi! Marques Mendes) e outros cérebros partidários, o pagamento da antiquíssima dívida da República ao poupado Jardim madeirense, o aumento e descontrolo das dívidas das autarquias locais a bem dos colegas de carteira, a qualidade técnica e profissional dos gestores públicos, ou das políticas de saúde e educação, para se entender de que se fala quando se fala de modo obstinado e boçal sobre as revindicações dos trabalhadores da Função Pública. Estamos disso crentes. [foto: Henri Cartier-Bresson, Bolsa de Londres, 1955

sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

O JUDEU NO POLÍPTICO DE SÃO VICENTE


A Rua da Judiaria faz alusão aos Painéis do Museu das Janelas Verdes ou Políptico de São Vicente, identificando o homem gordo com um livro aberto, no Painel dito da Relíquia, como um judeu, e logo o famoso Isaac Abravanel.

Pode ser que sim, mas a longa controvérsia em torno dos "mistérios dos painéis" desde a publicação do ensaio inicial de Joaquim de Vasconcelos em 1895 não permite, com toda a segurança, afirmá-lo.

Aliás tudo à volta do políptico de S. Vicente é absolutamente extraordinário. E a paixão que o debate suscita, com alguma violência diga-se e tragédia mesmo (exemplo disso foi o suicídio de Henrique Loureiro), sugere que se seja prudente nalgumas das "certezas" proferidas. Quer no que toca a execução dos Painéis para a Sé de Lisboa, às diferentes interpretações e significados esgrimidos (Tese Vicentina, Fernandina, esotérica, etc), quer ao reconhecimento das diferentes figuras aí representadas, o que conduz a dizer que se está ainda longe da sua inteira compreensão. Paradoxalmente, ou talvez não, os historiadores remetem-se a um prudente silêncio interpretativo.

De facto, a questão não é pacífica e requer um cabedal de conhecimentos, desde o domínio da cultura da época e a leituras e saberes iconográficos, mitológicos, cabalísticos mesmo, que não estão ao alcance de qualquer um. Como exemplo da dificuldade existente, refira-se a arrumação primitiva das tábuas, o patrocinador do trabalho, ao debate sobre o menino do gorro (Painel do Infante), à suposta confusão entre o Infante D. Henrique (que ainda hoje é representado nos livros de historia como aquele homem do chapéu grande, que se vê no Painel do Infante) pela figura de D. Duarte, etc.

Como exemplo da controvérsia, diga-se que ao suposto judeu que a tese oficializada defendia há ainda poucos anos, o Dr. Belard da Fonseca há muito a resolveu a partir da leitura do texto que o homem gordo mostra, e de pesquisas feitas, e que diz tratar-se do borgonhês Olivier de la Marche. O texto decifrado pode ser lido na obra Os Mistérios dos Painéis - O Cardeal D. Jaime de Portugal, de Belard da Fonseca, que depois o traduziu. A cruz referida na Rua das Judiaria seria a Cruz de Santo André, e a cor da loba e do barrete usado, verde escura, era a libré dos "pannetiers" da casa de Bergonha. Inútil explicar quem era Olivier de La Marche. Apenas se pretende referir que não é fácil ter certezas nesta questão. Ficaria assim posta de parte tratar-se da figura de Abravanel, alquimista, sábio, bibliófilo e conselheiro de D. Afonso V, astrólogo ["A Era Messiânica manifestar-se-á quando Saturno e Júpiter estiverem conjuntos no signo Peixes (particularmente influente no que respeita a Israel por ser signo água ...)", in Dicionário do Milénio Lusíada, de Manuel Gandra, referindo-se a Isaac Abravanel]. Curiosamente D. Afonso V era um interessado por alquimia, tendo ao que alguns dizem escrito um livro (julgo que só circula policopiado), denominado "Tratado Alquímico". Para uma consulta bibliográfica sobre a questão dos Painéis, aqui se deixa algumas referências:

Obras a consultar: Joaquim de Vasconcelos, Tábuas da Pintura Portuguesa do Século XV, in Comercio do Porto, 27/28 Junho de 1895 / José de Figueiredo, O Pintor Nuno Gonçalves, Lisboa, 1910 / Alfredo Leal, Os Painéis do Infante e a Obra do Sr. José de Figueiredo, Lisboa, 1917 / José Saraiva, Os Painéis do Infante Santo, Leiria, 1925 / Affonso Dornelas, Os Painéis do Mosteiro de S. Vicente, Elementos para a sua Identificação, II vols, 1931 / Albino Lapa, História dos Painéis de Nuno Gonçalves, 1935 / Artur da Motta Alves, Os Painéis de S. Vicente num Códice da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Lisboa, 1936 / Georges Kaftal, Essai Iconographique sur Les Paneaux Atribués à Nuno Gonçalves, in Boletim dos Museus Nacionais, vol II, fas. 6, 1942 / Garcez Teixeira, O Significado dos Painéis de S. Vicente, Museu, vol. IV, 1945 / João Couto, Nuno Gonçalves, O Políptico de S. Vicente, Col. Museu, 1954 / Reynaldo dos Santos, Nuno Gonçalves, London, 1955 / Adriano de Gusmão, O Nuno Gonçalves da Phaidon – Erros, Omissões e Plágios, Eur. Amer., 1956 / Adriano de Gusmão, Nuno Gonçalves, Colecção saber, 1957 / António Belard da Fonseca, O Judeu, o seu Livro e a Crítica, 1958 / Vitorino Magalhães Godinho, in Revista de História, nº 37, São Paulo, 1959 / Armando Vieira Santos, Os Painéis de São Vicente de Fora, 1959 / António Belard da Fonseca, O Mistério dos Painéis as Personagens e a Armaria, 1959 / António Belard da Fonseca, O Mistério dos Painéis, IV vols, 1959-1967 / António Belard da Fonseca, Dom Henrique? Dom Duarte? Dom Pedro?, Lisboa, 1960 / António Manuel Gonçalves, Do Restauro dos Painéis de São Vicente de Fora, Museu, 1960 / Jorge de Sena, Os Painéis ditos de 'Nuno Gonçalves', in Revista Ocidente, nº 305/306, 1963 / José dos Santos Carvalho, Iconografia e Simbólica do Políptico de São Vicente de Fora, 1965 / Charles Sterling, Les panneaux de Saint Vicent e leurs Enigmes, in Revue d’Art, nº 159, 1968 / Jaime Cortesão, "A Historia dos Painéis de S. Vicente", in Historia dos Descobrimentos Portugueses, Circulo de Leitores, 1979 / José Luís Conceição Silva, Os Painéis do Museu das Janelas Verdes, Guimarães, 1981 / Jorge Segurado, Painéis de S. Vicente e Infante Santo, Ed. Noticias, 1984 / Paula Freitas & M. Jesus Gonçalves, Painéis de S. Vicente de Fora uma questão inútil?, 1987 / Dagoberto L. Mark, O Retábulo de S. Vicente da Sé de Lisboa e os Documentos, Caminho, 1988 / Theresa Schedel de Castello Branco, Os Painéis de S. Vicente de Fora - As Chaves do Mistério, 1994

quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

AUGUST STRINDBERG [1849-1912]



n. em Estocolmo, a 22 de Janeiro de 1849

"Sinto-me melhor porque li Strindberg. E não o li por ler, antes porque desejava aninhar-me contra o seu peito. Agarra em mim com o braço esquerdo, como se eu fosse uma criança, e ali fico feito homem sentado numa estátua. Dez vezes senti o perigo de cair mas à décima primeira instalei-me solidamente. À minha frente segurança e uma vasta perspectiva ... Enorme Strindberg, essa raiva, essas paginas conquistadas a murro ..." [F. Kafka, in August Strindberg, Inferno, Edições &etc, 1978]

"... Só completamente só, janto no quarto e como tão pouco que o empregado solícito fica penalizado. Há uma semana que não dou palavra e, por falta de exercício, o som da minha voz começa a sumir-se. Não tenho tostão. Preciso de cigarros e selos. Num esforço supremo concentro a minha vontade. Quero fazer ouro pela via seca e pelo fogo. Dinheiro há-de arranjar-se, as muflas, os cadinhos, as brasas, o fole, as pinças (...)

O inferno? Fui educado no mais profundo desprezo pelo inferno. Ensinaram-me que não passava de fantasia a rejeitar para a lista dos preconceitos. A verdade, porém, é que não posso negar a novidade que agora encontro na interpretação das penas ditas eternas. Já nos encontramos no inferno. A terra é o inferno, prisão construída por uma inteligência superior, de forma tal que não podemos dar um passo sem ferir a felicidade alheia e os outros não podem ser felizes sem nos fazer sofrer..." [August Strindberg, ibidem]

Locais: August Strindberg / August Strindberg (1849 - 1912) / August Strindberg (Life and work) / (Johan) August Strindberg (1849-1912) / Strindbergs unofficial Homepage / August Strindberg Interviews Himself / Strindberg the Fertile (1963) / O Catecismo Radical de Strindberg / A Ciência Política e o teatro Intimista de A. Strindberg

À VOLTA DOS BLOGS & CIA



* João Oliveira dá missiva no seu blog sobre a produção da comunidade bloguística da zona de Aveiro * Sous les pavés, la plage - o regresso em versão blog de alguns dos fazedores do saudoso projecto Zona Non. De novo Coimbra e os seus encantamentos. Bem-vindos Rui Bebiano, Tiago Barbosa Ribeiro, Tó Lopes e Carlos Osório * Fernando Pinto Amaral, Nuno Júdice, Mário de Carvalho, Hélia Correia, Francisco José Viegas, Mia Couto, os rostos da escrita postados pela Silvana da Costa no Cometas * Regresso do Outro Eu, cada vez mais prendado e de merecida estimação. Transmissível ... sempre! * O Princípio da Atracção de Teresa Direitinho, ou o amor à luz da Ciência como nos foi indicado por um amigo. A ler, evidentemente. * Para leedores caprichosos, eis que saiu o número de Janeiro 2004 da Revista de Cultura Agulha: Ciência e surrealismo de Estela Guedes; Heidegger e Artaud: o percurso da angústia, por Wilson Coelho; Picasso versus Duchamp e a crise da arte atual, por Alberto Beutenmuller; Poesia Completa, de Cecília Meireles: a edição do centenário, por Antonio Carlos Secchin; Saramago e Drummond: o verdadeiro senhor dos arquivos, por Maurício Matos; Surrealismo e marxismo? por Claudio Willer; desenhos de Júlio Resende.

Nota: O Rio já corre. O venerável escriba do blog sem mancha e patriarca do Correio da Manhã, jornal para intelectuais debutantes ou espaço lúdico fogoso e subtil para seguir o bem e afugentar o mal, esta de volta. Com ditos sentenciosos, espirituais & morais, deu à estampa uma prudentíssima posta, bem esgalhada por sinal, que perdura entre um relato de futebol a João Marcelino e uma vigorosa discursata Bushiana, varrendo sem empacho as postumeiras dissertações do terrível Sousa Tavares. Na verdade "pretium laborum non vile". Evidentemente.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

GEORGE ORWELL [1903-1950]



Morre a 21 de Janeiro de 1950

"A essência da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas do produto do trabalho humano. A guerra prefigura a forma ideal de despedaçar, de lançar na estratosfera ou de afundar nos abismos marítimos produtos que, de outro modo, poderiam servir para dar às massas um conforto excessivo, e por conseguinte, a longo prazo, torná-las extremamente lúcidas. Mesmo que o armamento não chegue a ser de facto destruído, o seu fabrico, ainda assim, ocupa, na prática, forças de trabalho sem nada produzir que possa ser consumido.Se todos tivessem igual acesso ao lazer e à segurança, a grande maioria dos seres humanos, que normalmente vivem embrutecidos pela pobreza, instruir-se-iam e aprenderiam a pensar pela sua própria cabeça; a partir daí, cedo ou tarde concluiriam que a minoria privilegiada não desempenhava qualquer função, e acabariam com ela".

[George Orwell, 1984]

VÍTOR CONSTÂNCIO: UM FUNCIONÁRIO ZELOSO


A entrevista dada pelo Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, à RR e abundantemente divulgada pelos media é exemplar. As suas previsões optimistas sobre a economia portuguesa, atiradas do alto do Banco de Portugal sobre as nossas cabeças malabrutas, fazem a delícia dos analistas económicos, sobretudo daqueles que frequentam a gamela do aparelho de estado ou correm às sua migalhas, mas não são perceptíveis a partir das magras bolsas das famílias portuguesas e da miséria da sua situação económica e financeira, nem sequer do ponto de vista da ciência económica pode tal ser entendido.

Afinal, desconhece-se os fundamentos macroeconómicos com que se baseia o insigne economista, agora impulsionado como altar iluminante pela governação, para tais inauditas previsões e demais bênções à política orçamental.

Compreende-se o esmero de Vítor Constâncio. Funcionário zeloso e irrepreensível do Banco Central Europeu, a politica fundamentalista dos seus patrões não pode ser posta em causa. O controle da inflação como única variável explicativa dessa abencerragem do pacto de estabilidade não o incomoda nada. Nem os efeitos que tal máxima de estabilidade comporta na frágil economia portuguesa, sequer o atrapalham. Fica, sim, extasiado em discursos à volta da teoria dos ciclos económicos, esquecendo o que sobre eles foi dito por Robert Lucas, numa vaidade irritada e irritante à boa maneira de Mr. Jekyll & Mr. Hide. Dizem que é socialista. É possível que sim, não sabemos. Porém, pode crer que o seu nome ficará, independentemente do lugar que ocupa e da sua função, irremediavelmente ligado a um dos ciclos mais nefastos da economia portuguesa. Para bem ou para o mal.

CATÁLOGO Nº 80 DO LIVREIRO ALFARRABISTA MARTINHO


Saiu o Catálogo 80 do Livreiro Alfarrabista Martinho [Outeirinho do Mirante, 5, Lisboa] com livros esgotados, alguns raros e a preços convidativos.

Algumas referências: Álbum de Pensamentos, Máximas, etc, por Francisco Pimentel Carvalho, 1901 / Auxiliar do Ferroviário, por Jorge F. Teixeira, Lisboa, 1929 / Coimbra e António Nobre Homenagem ao Poeta, Coimbra, 1940 / Documentos para a História da Universidade de Coimbra (1750-1772), Coimbra, 1959 / Fel, de José Duro, 1898 / Elogio Histórico de Anselmo José Braamcamp, Porto, 1887 / A Memoria das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim, por José Gomes Ferreira, Lisboa, 1966 / O Mundo dos Outros-Histórias e Vagabundagens, por José Gomes Ferreira, Lisboa, 1969 / Aldeia Nova, por Manuel da Fonseca, Ed. Forja, 1975 / Inventario da Criação dos Expostos do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia, Lisboa, 1998 / Memorias Extraordinárias do major Calafaia, Páginas Desconhecidas, por Reinaldo Ferreira (Repórter X), Lisboa, 1945 / Os Lusíadas de Luís de Camões, Edição Comemorativa do IV Centenário da Publicação, 1972 / A Confissão de Lúcio, por Mário Sá-Carneiro, Edição do Autor, 1914 (raro) / As Portas que Abril Abriu, de José Carlos Ary dos Santos / Tarrafal Testemunhos – Trabalho Colectivo de Sobreviventes do Tarrafal, Editorial Caminho, 1978 / O Senhor Ventura, de Miguel Torga, Coimbra, 1943 / Traços de União - Temas Portugueses e Brasileiros, por Miguel Torga, 1955 / Relance da Alma Japonesa, de Wenceslau de Moraes, 1925