 O espectáculo do espectáculo: os moralistas
O espectáculo do espectáculo: os moralistas
"
Nada é mais atraente que as coisas desonestas" [
Ovídio]
Estranho 
espectáculo se assiste em torno da peripécia observada, supostamente, no debate 
Portas-Louçã e em torno dos cinco minutos passados a falar sobre o problema do aborto. A repulsa dos nossos ilustrados intelectuais contra o que denominam um "
golpe baixo" de 
Louçã, o lavor de moralização presente nalguns 
blogs liberais, a hipocrisia do moralista-mor 
Eduardo Dâmaso, a meditação progressista de 
Helena Matos ou o tricot da 
new left Ana Sá Lopes, são de desmedida agitação e subtil excitação. Confessamos que nunca assistimos a tamanho pranto e a tão vulgar retórica. 
O mais espantoso é que, de um momento para outro, o insidioso 
Louçã passa de patrono e zelador do direito de gays e lésbicas, radical sempre a rasgar "
causas fracturantes", para findar em macilento "
reaccionário" e a debitar "
fascismos genéticos", tudo num "
reaccionarismo progressista" nunca visto, terminando por ser um execrável neofascista, isto segundo o beato 
Bagão Félix. Ao mesmo tempo, 
sem qualquer pudor, hipocrisia ou vergonha na cara, o casto, virtuoso e democrata 
Portas é travestido de sujeito tolerante, paladino da verdade, da ética e dos bons costumes. Inolvidável. 
A arte apurada dos nossos 
opinadores é um exercício assaz curioso: tentar 
moralizar o pensamento moralizador do "
pastor das consciências tresmalhadas", o dr. 
Louçã. Este movimento edificador, em prol do politicamente correcto, teve sempre entre os indígenas abundantes discípulos. O gosto pelo espectáculo, embalado pelo ruído, está-lhes no sangue. Mas a distracção perante os seus ódios de estimação impede-os de reflectir, e assim o 
pronto a pensar politicamente correcto queda-se fracativo, tem demasiadas exuberâncias. 
Curiosamente, no afã do 
killer instinct argumentativo do que é ou não 
ofensivo, caem na sua própria ratoeira e desatam a tecer 
duvidosas e 
inadmissíveis conjecturas sobre a vida privada de cidadãos, sem qualquer pejo e decoro, a partir das suas (
próprias) interpretações e análises moralistas da réplica de 
Louçã a 
Portas. O instinto virulento de 
Eduardo Dâmaso é um 
study-case, dado a sua posição num jornal que se quer 
respeitável e de absoluta limpidez. E se já tínhamos o assessor do assessor, o gabinete do gabinete, resta para toldar a atmosfera lusa, estimular o moralista do futuro 
ministro da Moralidade, o qual tem 
Dâmaso como forte candidato. 
 
Afinal, no episódio enleado laboriosamente pelos novos 
patrulhadores, nunca lhes ocorreu que, face às afirmações costumeiras de 
Portas sobre os putativos 
criminosos que propugnam a despenalização do aborto, a resposta possa ser aquela, sem segundas intenções por detrás? E que, contrariamente ao que interpreta a taramelada 
Ana Sá Lopes, não se trata de assumir que só aqueles que gerem filhos têm direito de se pronunciar sobre a despenalização ou não do aborto, mas sim 
não permitir que a intolerável ladainha sobre os criminosos a favor do aborto persista? 
Por fim algumas questões mais sérias, que os nossos moralistas 
esqueceram de interiorizar, decorrentes da leitura das diferentes intervenções neste caso: o facto de permanecer uma curiosa visão 
homofóbica entre o privado e o público; a existência de um 
pronunciamento por um registo de afectos que se quer zelosamente guardado em "armários"; a consagração de um efeito discursivo 
perverso sobre a sexualidade; e que sugerem 
novas querelas, bem contempladas em textos do 
Bruno, na intervenção de 
CAA ou num post de 
Vicente Jorge Silva. Pelo menos sempre se ganhou alguma coisa, no meio de tanto moralismo serôdio.