quarta-feira, 19 de janeiro de 2005
O mártir Nuno Cardoso, o fundamentalista Sousa Tavares & outros
As façanhas assombrosas da classe política lusa, local e nacional, davam excelentes best-sellers. Por muito que os comentadores da coisa pública assobiem para o ar, entretendo-se em produzir alucinadas teorias para a salvação da pátria, nada consegue fazer esquecer o fastio da contemplação da corrupção, que é transversal a toda a sociedade portuguesa. E quando a coisa assumiu tamanha proporção não há modelos económicos, políticos ou sociais que resistam. O argumento do debate político contínuo encerra algumas virtuosidades, mas não basta aceder ao seu discurso sem que as enfermidades maiores do sistema democrático sejam resolvidas. E a corrupção, o compadrio, o deixa-andar, o apostolado partidário, o fundamentalismo de todas as matizes, admitidas com o maior dos beneplácitos pela elite indígena, tornam moribunda a sociedade civil e castra o exercício da cidadania. Ou este jogo insuportável se atenua ou a tragédia não tem fim.
Hoje calhou a vez a Nuno Cardoso. E de novo está presente a relação suspeitosa entre presidentes de câmaras, empreiteiros e clubes de futebol. Ainda os arrufos de Fernando Ruas, em defesa e lisonja dos autarcas, desabavam nos jornais, já o caso Nuno Cardoso aí estava. A fé jurada de Ruas em homenagem aos autarcas teve a sua morte prematura. A classe política lançou sementes que, curiosamente, germinaram. Por culpa de todos nós.
O caso de Miguel de Sousa Tavares, hoje em pronunciamento na TVI, desvela as cândidas oportunidades que demos a toda essa gente. Por manifesto fundamentalismo clubístico, Sousa Tavares não quer ver o que aí está. Furioso dispara para todo o lado, à maneira dos hooligans. Custa acreditar no que se está a ver. E quando só reconhece o facto se a cadeia das desgraças abraçar, também, os outros clubes rivais, então estamos perante um caso clínico grave. Não merecíamos este Sousa Tavares, arrastado pela clubite, bizarro, fanático e suplicante. Precisamos de homens livres e por inteiro. Se ainda existirem.