quarta-feira, 26 de janeiro de 2005


António Sérgio [m. a 26 Janeiro 1969]

"Muitíssimo grato lhe estou pelos persistentes esforços que tem feito para me encontrar um emprego em Espanha. Já não espero que daquelas terras me venha solução para o meu duro problema actual. Recomeço a pensar nas Africas. Tenho passado a vida inteira a aprender o significado pleno da palavra resignação. Olho para trás, e vejo a minha existência toda cheiinha de fainas de ganha-pão áridas, cordialmente detestadas por mim, avessas às minha aptidões e ao meu feitio. Os momentos de trabalho a meu gosto têm sido raríssimos, fugidios, gozados como se goza um [cume?], e angustiosamente pagos logo depois. Sinto fugirem-me os últimos anos de lucidez, sem a menor esperança de a empregar. A minha vida foi toda ela um naufrágio contínuo, suportado com uma resignação aparentemente risonha ..." [António Sérgio, Carta a Joaquim de Carvalho, 29/06/1931, in António Sérgio no Exílio, Coimbra, 1983]

[Sobre Antero] "...Dois Anteros, fantasio eu; chamemos-lhes, por comodidade, o Apolíneo e o Nocturno (ou Romântico). Ao primeiro, domina-o o espírito crítico do filósofo; ao segundo, o temperamento mórbido do homem. Canta o primeiro a lucidez do intelecto, o heroísmo apostólico, o claro sol; prega o auto-domínio e a consciência plena, a concentração da personalidade e da actividade pensante; afirma ao mesmo tempo uma filosofia da imanência, intelectualista e aristocrática, e exalta o Amor e a Razão, concebidas como sendo irmãs, fontes de ordem e de harmonia no individuo e na sociedade; o segundo, pelo contrário, canta a noite, o sonho, a submersão, a morte, as «regiões do vago esquecimento», a dissolução da personalidade e o repouso da alma no Deus transcendente, na «humilde fé de obscuras gerações» ..." [A.S., in Ensaios IV, 1934]

"O Manuel - O interesse público tem de ser defendido. È preciso reconhecer que quem governa tem em relação ao interesse nacional responsabilidades graves que não pode trespassar a outros, e nos casos duvidosos tem fatalmente de prevalecer o seu juízo.

A Tia Joaquina - O teu raciocínio pressupõe dois dogmas: Primeiro: o do que todos os cavalheiros que governam no Estado possuem fatalmente do «interesse público» uma noção mais justa que os que não governam. Segundo: o de que os manitus que estão no governo são mais inteligentes, são mais sabedores, são mais justos e desinteressados que os que não governam. Dogmas absurdos, ambos eles falsíssimos. Quanto ao primeiro ..." [A.S., in Pátio das Comédias das palavras e das pregações, Jornada Quinta, 1958]