domingo, 23 de janeiro de 2005


Raphael Bordallo Pinheiro [m. 23 Janeiro de 1905]

"A entrada em cena de Raphael Bordallo Pinheiro provocou uma revolução completa na nossa ilustração gráfica. Tão forte era a sua personalidade que os imitadores continuavam, várias décadas após a sua morte. Os gags dos seus cartoons foram repetidos até ao fastio; as histórias aos quadradinhos satíricos invadiram todos os jornais em todos os lados. A admiração que despertou, algumas vezes em excesso, fez esquecer os artistas que o precederam na caricatura e técnica narrativa (...)
Dizer que Raphael «inventou» os quadradinhos portugueses não é uma afirmação rigorosamente correcta, pois já Flora [pseudónimo ?] e Nogueira da Silva, pelo menos, tinham enveredado por esse caminho. Porém, foi Bordallo que lhes deu ductilidade suficiente para virem a ser utilizados de forma eficaz e duradoura" [António Dias de Deus, in Os Comics em Portugal uma história da banda desenhada, Cotovia, 1997]

"... Não era só no trabalho e na conversa que a graça irrompia da sua [Rapahel B. Pinheiro] fértil imaginação; um relance de olhos bastava para o sugestionar e a prova está no seguinte episódio. Anos seguidos frequentei as Caldas da Rainha, e nalgumas noites, finda a cavaqueira no Parque, o Rafael vinha acompanhar-se até casa, na rua do Capitão Filipe de Sousa, antiga do «Cabo da Vila» por ser da vila ali o termo. Numa delas, antes de nos despedirmos, parámos ainda a dar à língua quando, de súbito, olhos fitos no letreiro da rua fronteira à minha porta, comum sorriso manhoso me diz com toda a gravidade «Ó Scwalbach, você não acha uma injustiça este capitão Filipe de Sousa há tantos anos sem ser promovido?». Apoiei, a rir, o reparo. E ele, continuando, «Amanhã eu te direi, apanhas mais um galão!» Acercou-se do letreiro de azulejo, tomou certas medidas e ... «Até amanhã!». Para resumir, na noite seguinte sacou dum pedaço de papel, um pincelito, uma pouca de massa e onde se lia capitão apareceu major, a jogar na perfeição com o resto do letreiro. Num abrir e fechar de olhos lá estava Rua do major Filipe de Sousa: eu meti-me em casa e o Rafael safou-se para a dele. Ali pelas nove horas da manhã começou a dar-se pela promoção - borborinho, protestos indignados (...) Já lá vão 56 anos..." [Eduardo Schwalbach, in À Lareira do Passado . Memórias, Lisboa, 1944]