terça-feira, 8 de fevereiro de 2005


Boletim Bibliográfico nº23 de Luís P. Burnay

O Livreiro-Antiquário Luís Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa) publica o seu Boletim Bibliográfico, com edições muito estimadas.

Algumas referências: Álbum Figueirense, Revista mensal regionalista , Junho 1934 a Fevereiro de 1936, Figueira da Foz, 21 nums / O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna, pelo Pe. Teodoro d?Almeida, 1786, III vols / D. Maria I (1777-1792), por Caetano Beirão, 1934 / Camillo Homenageado O Escritor da Graça e da Beleza, 1921 / Echos Humorísticos do Minho. Publ. Quinzenal [Camiliano], Porto, 1880, IV nums / O Vinho do Porto processo d'uma bestialidade ingleza, por Camillo Castello Branco, 1907 / Noticia Histórica e Descritiva da Sé Velha de Coimbra, de Augusto Mendes Simões de Castro, 1881 / O Brasão de Coimbra, Augusto M. S. de Castro, 1872 / Na Brecha (Pampheletos), por João Chagas, 1893-94 / Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal, de Dom Maur Cocheril, 1978 / Bibliografia Sintrense, por Francisco Costa et al, 1940 / O Diário de Notícias, a sua fundação e os seus fundadoes, por Alfredo da Cunha, 1914 / Das Ordens Religiosas em Portugal, por Pedro Diniz, 1853 / Conquista, antiguidade, e nobreza da mui insigne, e ínclita Cidade de Coimbra, por António Coelho Gasco, 1805 / Manual do Brazão. Vianna, por L. de Figueiredo Guerra, 1902 / In Memorian Conde de Sabugosa, 1924 / Coimbra no Passado, de J. Pinto Loureiro, 1964 / Manual Bibliographico de Livros Raros, por Ricardo Pinto de Matos (pref. de Camilo), 1878 / Livro da Falcoaria de Pêro Menino, 1931 (publ. de Rodrigues Lapa) / Violão no Morro. Tem Xácara, tem samba, tem Farsa Dramática ?, por Vitorino Nemésio, 1968 / Análise da Vida mental Portugueza, por Fernando Pessoa, Porto (1ª ed., Petrus) / Sociologia do Comércio, por Fernando Pessoa, Ed. CEP (Petrus) / O Processo dos Tavoras (anot. de Pedro Azevedo), 1921 / Camões no Maranhão, por Mário Saa, 1922 / A Filosofia na Alcova do Marquês de Sade, Afrodite (1º ed.), 1966 / O Valor da Raça, de António Sardinha, 1915 / Constituiçoens do Arcebispado de Évora, 1754 / Bibliotheca Lusitana, de Diogo Barbosa Machado, 1965-66, IV vols / de António Nobre, Paris, 1892 (raro)

sábado, 5 de fevereiro de 2005


[Ainda Fernando Pessoa e a Maçonaria]

Foi dito que o tema Pessoano é inesgotável. No entanto, além do que antes se referiu sobre a (não) filiação maçónica de FP, uma outra questão ocorre e a ela associada. Trata-se de um velha tema: o comprometimento individual do poeta com o nacionalismo nascente formatado pelos adeptos do Estado Novo ou seus compagnons de route. De facto, a violência verbal da réplica ao artigo de F.P. entre os diversos encarregados da Ordem Nova Salazarista et al, é espantosa. E se pensarmos, também, que os oposicionistas nunca entenderam a posição do poeta face aos acontecimentos vertiginosos do seu tempo, então a confusão é ainda maior. Será conveniente ler a série de artigos saído em publicações, onde a incredibilidade de alguns e a raiva de outros, manifestam a impiedade perante a defesa assombrosa por F.P. da Maçonaria e das Sociedades Secretas. E anotar como F.P. tinha um domínio absoluto sobre a matéria em debate, uma fina e rara inteligência argumentativa, um cáustico humor.

Porque alguns desses artigalhos estão esquecidos, apresenta-se um pequeno extracto de um texto de Tomás Ribeiro Colaço, publicado pela revista Fradique, que fazia a apologia de Salazar e do fascismo, em carta-aberta a Fernando Pessoa [sublinhados nossos]

"Li a estirada página em que Você traçou no Diário de Lisboa (...), um dos seus costumados pregões de competência própria e uma defesa da Maçonaria. Página triste, errada, ela foi enlutar o sector mental para quem o nome de Fernando Pessoa representava (...)

Coloco-me, para escrever-lhe esta carta, no campo de raciocínio desempoeirado e aberto em que a mocidade anda a procurar verdades, a demandar luzes claras de pensamento, a reaprender o gosto de sentir e o dever de pensar. (...) Onde arranjou Você descrença e cansaço que o tornassem mais velho? Como não viu que se condenava gravemente ao dar por «corrente» viva, nesta era de cabelo cortado, uma trança lastimosa de cabelos brancos? (...) Se nem Você, que ama e venera a Maçonaria ao ponto de vir, por ela, subscrever enganos, se nem Você é mação, - como não sente que não será em ritmos e rituais de feitio maçónico que as sedes novas de verdades novas poderão moldar-se? (...)

A moderna geração não quer saber de Maçonaria, considera-a e sente-a como problema de outra linguagem. Mais do que ódio à maçonaria ou fervor pela Maçonaria, o que Você encontrará no seu tempo, se souber tomar-lhe o pulso, - e seja qual for a corrente que a demande - é uma sensação de pitoresco que passou e não volta. (...)

Veio, aliás puerilmente, ameaçar a sua terra com o poder maçónico de além fronteiras; veio tentar instilar-nos o temor de cinco ou seis milhões que amanhã, lá fora, se mobilizariam contra nós. (...) Não pense nisso. Deixe as carochinhas no seu vaguear dolente, em paz e sem auditório. (...) Você em vez de perder tempo e virtude a chamar maçónicas as obras de arte erguidas por talentos de cujos portadores se disse que eram maçãos, - descrever-nos-ia o conhecimento de Portugal, o amor por Portugal, os serviços as Portugal, o apoio a Portugal, conhecimento, amor, serviços e apoio nascidos desses milhões de estrangeiros por força desse nexo que nos quer mostrar tão forte (...)

E acredite-me

Vivemos uma hora de que não entendemos ainda a beleza, - porque lhe sentimos mais vivamente a ansiedade incómoda, o calor doloroso, a sedenta febre. Hora de gestação, de vida que ressurge, de alvoroço a moldar-se, ela pode parecer infeliz ao individuo desintegrado do seu tempo, a quem falta o animo para acertar passo pelo novo ritmo (...) Há forças, grandes forças que me apetece chamar de noção colectiva, contra as quais nada pode a inteligência que se isola em si mesma, se fecha (...)"

[Thomaz Ribeiro Colaço, O Elogio da Maçonaria Carta Aberta a Fernando Pessoa, in Fradique, Ano II, nº 54, 7/12/1935]

Nos 70 anos da publicação de "As Associações Secretas" por Fernando Pessoa

A Revista da Maçonaria, sob direcção de Paulo Noguês, reaparece neste seu número 3 (Dez/Jan./Fev. de 2005), com um conjunto de textos significativos. Em primeiro lugar refira-se a homenagem feita a Luís Nunes de Almeida, por Luís Conceição e Carlos Santamaria, ambos da Respeitável Loja de S. João Convergência, nº501 a Oriente de Lisboa (G.O.L.) e da qual foi LNA primeiro Venerável. Depois um importante documento de Fernando Marques da Costa, "Cronologia das relações entre o Supremo Conselho dos Grandes Inspectores Gerais do Grau 33 do REAA para Portugal e o Gr. Or., 1840-1993"; um texto de José Anes sobre a "Maçonaria e o Islão"; um artigo de Carlos Morais dos Santos sobre "A Seara Nova", etc.

Por último, dois olhares curiosos sobre a relação entre Fernando Pessoa e a Maçonaria, um por António Arnaut (G.O.L.) e outro por Trovão do Rosário (G.L.L.P.). Dizemos curioso, no sentido que não é muito frequente virem a lume, apesar de existir um conjunto expressivo de reflexões provindo de linhagem maçónica sobre a suposta filiação maçónica de Pessoa, de entre os quais refira-se, mais perto de nós, o livro de José Anes, "Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos" (Ésquilo Edições) e "O Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa", por Jorge de Matos (Hugin). Existem outros, de circulação mais restrita, onde a questão é objecto de copioso debate.

Passados 70 anos da publicação do artigo de Fernando Pessoa no Diário de Lisboa (4/02/1935) intitulado "As Associações Secretas", em defesa evidente da Maçonaria e contra o projecto-lei do deputado José Cabral, o interesse sobre a sua filiação maçónica do poeta mantém-se. Tenha sido ou não Fernando Pessoa iniciado em qualquer obediência ou Ordem, como a da Suprema Ordem do Real Arco, seja a da Estrita Observância, ou da A.'. A.'. (Ordem Argenteum Astrum) ou mesmo numa Loja Martinista, e tenha ou não existido ligações entre o poeta e o mistério da Quinta da Regaleira, o certo é que o tema parece inesgotável.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005


O Choque-Debate ou Lopes versus Sócrates

Era para ser um debate proveitoso, foi pura ilusão. Era local para acolher e esclarecer temas sérios, mesmo se o talento e erudição estivessem à margem, mas foi de uma ligeireza incómoda. Era, segundo os jornalistas, um debate ambicioso, resultou em venialidades medíocres. Só a demonstração de fé partidária não foi ignorada. No resto, restou um choque de lugares-comuns previsíveis.

A ideia da formatação do debate em modelo americano, longe do vigor esperado pela inteligentzia mediática, foi de uma pretensão parola e exibicionista. Tanto vigor cénico evocado, com luzes bruxuleando perante olhares dos indígenas e um dispositivo formal onde o jogo dos olhares estava omisso, que se esqueceu o fundamental: o contraditório dos jornalistas. Nunca os moderadores foram exigentes perante as respostas, algo difusas e pouco substantivas, dos candidatos. Em tempo algum enfrentaram o seu fragilíssimo discurso televisivo. Por isso o debate foi constrangedoramente fraco e de pouca capacidade persuasiva. Como é possível permitir-se que candidatos a primeiro-ministro dispensem a clareza e o rigor nas soluções que referem para os programas que defendem? Acaso não era este o local para esse exercício de virtude cívica?

Por isso, fora o embaraço de Santana Lopes em defesa da sua anterior prestação maledicente em comício femeeiro, o debate resultou numa enorme sensaboria. A parte do debate económico, então, foi verdadeiramente insuportável, tal a profusão de disparates proferidos. O espectáculo tinha de continuar. E assim foi. Até ao próximo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005


Georg Trakl [n. 3 Fevereiro de 1887-1914]

"Junto à cerca, os girassóis e seu brilho,
Doentes sentados ao sol, sem alento.
No campo, as mulheres cantam no trabalho,
Ouvem-se ao longe os sinos do convento.
Os pássaros contam lendas de encantar,
Ouvem-se ao longe os sinos do convento.
Há um violino no pátio a gemer.
E já o vinho escuro vão recolhendo.
Todos parecem felizes, libertos,
E já o vinho escuro vão recolhendo.
Os jazigos dos mortos estão abertos,
Pintados pelo sol que vai entrando"

[Georg Trakl, No Outono, trad. João Barrento]

Locais: Georg Trakl / Georg Trakl (Salzburg, 1887-Cracòvia, 1914) / Prose & Poetry - Georg Trakl / Poemas / Georg Trakl Déclin d'une terre, passion d'un home / Georg Trakl, El Profeta de Occidente

O amotinado Nobre Guedes

"O olhar trocou-se.
Não se trocou o cheiro
" [Alexandre O'Neill]

Tinha de ser. A resignada máscara civilizacional de Nobre Guedes, tão sabiamente espalhada pelo Portugal profundo e agora arvorada em terras conimbricenses, declarou-se de vez. O conhecido militante da garotada de Paulo Portas, convertido às delícias ambientais de Souselas e inimigo fidagal da co-incineração, com ar sério e grave, "apela a levantamento popular para impedir entrada de Sócrates em Coimbra". O embuço que tão laboriosamente tricotou na afeição da política deu ares de utilidade ridícula. A obscura personagem que arribou na cidade dos estudantes, promiscuamente despenhou-se naquilo que a cidade nunca revelou: intolerância, perseguição partidária, atestados de miopia política. As incendiárias palavras do amotinado Nobre Guedes, sendo a revelação da moléstia de extrema-direita do PP, terão a resposta devida dos cidadãos.

O Fantástico Mundo de Santana Lopes

Triste e penoso é a caminhada furibunda do PSD. As desastradas retóricas de Santana Lopes, amigos & clientes arrastam-se numa agonia sem fim à vista. Useiro e vezeiro de discursos desconexos, vazio de ideias, alucinante em argumentação, banalíssimo de habilidades muito mal amanhadas, a campanha do PSD vai-se atolando em afrontas de má fé, ignomínias várias, calúnias pífias, sem que ninguém lhes ponha cobro.

A oratória Santanista, entregue que foi às bacorices desatinadas de Pedro Pinto, Miguel Relvas, com ajuda do inenarrável figueirense Miguel Almeida e a vocação de Jacóme da Paz, está posta ao ridículo. É esse o fantástico mundo de Santana Lopes e seus apoiantes. O PSD é, hoje, guarida do lumpen da política, sujeitos sem escrúpulos, que não se sabe bem como tomaram de assalto o partido social-democrata.

O PSD não pode ter, nem tem, nada a ver com essa gentalha. Mas a pergunta fica: como foi possível essa afronta? Que significou a tomada da direcção do PSD por esses desvairados da civilização? Como explicar o apoio e o fervor Barrosista, ou a protecção do misterioso e obstinado aparelho partidário laranja, a isso tudo? Onde estão, afinal, os sociais-democratas? Pode-se saber!?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005


James Joyce [n. 2 Fevereiro de 1882-1941]

"Pádua longe, do outro lado do mar. A silenciosa idade média, noite, escuridão da história dorme na Piazza delle Erbe sob a lua. A cidade dorme. Sob as arcadas das ruas escuras, perto do rio, os olhos das prostitutas procuram descobrir fornicadores. Cinque servizi per cinque franchi. Uma onda de sentidos, escura, outra e outra e outra vez.

Meus olhos falham na escuridão, meus olhos falham
Meus olhos falham na escuridão, amor

Outra vez. Basta. Amor negro, ânsia escura. Basta. Escuridão"

"Mio padre: ela executa os mais simples actos com distinção. Unde deivatur? Mia figlia há una grandíssima ammirazione per il suo maestro inglese. A cara do velhote, formosa, corada, com fortes traços judaicos e longas suíças brancas, vira-se para mim enquanto descemos a colina. Oh! Bem dito: cortesia, benevolência, curiosidade, confiança, suspeita, naturalidade, extremo cansaço da idade, ousadia, franqueza, urbanidade, sinceridade, cuidado, pathos, compaixão: uma mistura perfeita. Que santo Inácio de Loyola, me valha e depressa!"

"A saia levantada por um súbito movimento de joelho; uma renda branca, remate de saiote levantado sem descrição; uma meia de rede pela perna acima. Si pol?"

[James Joyce, in Giacomo Joyce, Hiena Editora, 1984]

Locais: James Joyce / James Joyce (1882-1941) / Joyce'Poems / Poems by James Joyce / The Finnegans Wake Society of New York / The International James Joyce Foundation / The James Joyce Centre / The James Joyce Literary Supplement / The James Joyce Society

terça-feira, 1 de fevereiro de 2005


Psst! Psst!! Ó Bruno Pratas!?

"Os fermosos limoens ali, cheirando
Estão virgineas tetas imitando
" [MB]

Gostamos, cá por casa, do profeta Bruno Pratas, o talentoso curveteador da tribo das Antas. Dia onde não se leia n'O Público a copiosa torrente de delírios do instruído jornalista do mundo do futebol é dia que nunca existiu. Acima do sofrimento pela falta das rogativas futeboleiras do Pratas só o anúncio do restabelecimento febril de Santana Lopes. O homem é uma autoridade. Um sobrenatural. Devia ser estudado nas sebentas. Consultado no parlamento. A graça futebolística com que foi fadado à nascença é uma fortuna e uma homenagem à virtude.

O seu cuidado no acolhimento de Del Neri foi um requiem assombroso. O Costa do Apito cedo reconheceu a palavra espiritual do vate, sucumbiu ao vidente e recambiou o italiano. Os indígenas das Antas congratularam-se pela bem-aventurança do Pai do Porto e deram 13 voltas às Antas em acção de graças. Nós, por aqui, ruídos de inveja, olhávamos enfastiados para o morgado de Alverca. Ultrajante.

Com Victor Fernandez veio o génio, a luz da verdade, a excelência do filósofo no relvado, a canonização. Entre o brotar de flores, cobrindo a Torre das Antas, o mestre Pratas esvoaçava. Nós, em pânico, depositávamos o olhar no missionário Trap. Desfalecíamos de vergonha.

Hoje, porém, o sábio Pratas desapareceu. Não pregou desumanidades por aí. Não foi nosso amparo celestial. Desapareceu. Inconsoláveis, fomos ler o programa do CDS/PP, um prosa gloriosa de César das Neves e as confissões de Helena Matos à garotada liberal. Mens sans em corpore sano. Sempre!

Um dedo contra os Terrorismos

As eleições no Iraque foram uma manifestação saudável dos seus cidadãos, uma caminhada apressada contra todas as formas de terrorismos, uma saudade da vida. Prostrados numa dor profunda, que a estreiteza política neoconservadora americana originou, como antes a perseguição de Saddam e seus acólitos alimentou, a população do Iraque, entre ferros, foi votar. Fez bem, que dos tormentos também se fazem heróis.

Mas é claro que a coragem manifestada pelos cidadãos iraquianos, um triunfo contra morte avisada, nada pode ter a ver com as acções e as palavras proferidas pelos criminosos de guerra Bush, Blair & seus amigos sobre o evento. As virtudes eleitorais assim abençoadas na boca desses senhores & fiéis amigos, são enganos mil, infames hipocrisias. Porque o espectáculo que assistimos do fumo de sangue jorrado em solo do Iraque tem as suas assinaturas. E a desumanidade e terror que transportaram, em suspeitoso pensamento de plantação da democracia no mundo, a nossa vergonha.

Assim foi. Um dedo levantado contra os terrorismos, mesmo que não se saiba o que vem depois. Uma jornada de liberdade, um grito contra o martírio da ocupação, um brado pela vida. Extenuados os corpos que o inferno amaldiçoou, resta não empalidecer na espera. Mesmo se a dor, o medo e o espanto retornem, amanhã.

[Fevereiro]

"... Os romanos celebravam neste mês festas expiatórias para conjurar os espíritos malignos, chamados Februales e que dedicavam a Neptuno, deus do mar, esposo de Anfitrite, filho de Saturno e irmão de Júpiter e Plutão; portanto, a divindade do mês de Fevereiro é Neptuno; o diabo Leviatham, monstro horrendo descrito na Bíblia; o animal, o cavalo; a ave, o cisne e a árvore, o ulmeiro.
No calendário da grande revolução, Fevereiro figurava entre o Pluviose e o Ventose. O primeiro dia era o 13º do Pluviose, denominado também Loureiro e o 28º era o 10º do Ventose que também se chamava Enxada ..." [in, Almanaque Pensamento, 1932]

sábado, 29 de janeiro de 2005


Emanuel Swedenborg [n. 29 Janeiro de 1688]

"Graças quero dar ao divino
Labirinto das causas, dos efeitos
Pela diversidade das criaturas
Que formam este singular universo,
Pela razão, que não deixará de sonhar
Com um plano do labirinto,
......
Por Swedenborg,
Que conversava com os anjos nas ruas de Londres ...
" [J. L. Borges]

"Taller than the others, this man
Walked among them, at a distance,
Now and then calling the angels
By their secret names. He would see
That which earthly eyes do not see:
The fierce geometry, the crystal
Labyrinth of God and the sordid
Milling of infernal delights.
He knew that Glory and Hell too
Are in your soul, with all their myths;
He knew, like the Greek, that the days
Of time are Eternity's mirrors.
In unadorned Latin he went on listing
The unconditional Last Things." [Borges, in Emanuel Swedenborg]

Repertório eleitoral

A colecção de factos políticos que inspiram os funcionários da política é assombrosa. A fantasia que estes novíssimos candidatos põem na lida eleitoral, os seus remoques empolgantes e imprevistos aos adversários, as suas cabrioladas cegas, as blagues constantes, irão ficar na história dos actos eleitorais lusos. Enquanto isso, os indígenas amortecidos pelo sono sorriem, entre o asco e a indiferença. Nunca se tinha descido tanto em tão pouco tempo. Um espanto.

O pranto de alguns perante as afirmações de Freitas do Amaral, lembram mães extremosas a educar os seus rebentos. Desatentos, todos estes anos, entretidos que estavam a dar a bênção à Leitaria Barroso & Leite, Lda, esqueceram que havia gente com vida lá fora. Daí a estupefacção pelo apoio do professor aos socialistas. Um dos heróis da governação, o casto Bagão Félix, vergado no peso institucional de ministro, ameaça todos numa assuada pouco cristã. E sabe-se, notícias de reprimendas assim fazem sempre efeito contrário. Para lá de abrir a passadeira presidencial a Freitas do Amaral, a balbúrdia comporta penalizações eleitorais que nenhuma sondagem não deixará de revelar. Há dias assim.

Aniversário do Tugir

Dizem que falam em voz baixa, que não querem dar sinal de si. Pode ser, mas não acreditamos. Estão bem presentes. Sem tugir (dizem) a sua inocência é que têm nos lábios uma demanda: transfigurar a paisagem. E sem desesperança, com desvendada liberdade, vão evocando a verdade em hora feliz. Um ano de vida, uma grande viagem ainda. Parabéns.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005


60 Anos da Libertação de Auschwitz

"Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não
Considerai se isto é uma mulher
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração.
Estando em casa andando pela rua
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara" [Primo Levi, Shemá]

"Quando alguém escreve sobre Auschwitz deve saber que Auschwitz, pelo menos em certo sentido, deixou a literatura em suspenso. Sobre Auschwitz só se pode escrever um romance negro ou - desculpem a expressão - um folhetim cuja acção começa ali e ainda não acabou. Com isto quero dizer que desde Auschwitz não aconteceu nada capaz de o suprimir ou impugnar" [Imre Kertész]

Locais: An Auschwitz Alphabet / Auschwitz / Auschwitz and Birkenau Homesite / Auschwitz-Birkenau / Auschwitz-Birkenau became the killing centre / Auschwitz concentration camp / Last Expression / Mémorial de la Shoah / Paul Celan (Poema Fuga de muerte,...) / Paul Celan, en el fondo...La producción de cenizas / Primo Levi / The Auschwitz Album / The Simon Wiesenthal-Center

Sofá, Futebóis & um Vintage Niepoort's de 1955

"Preguicemos em todas as coisas, menos no amor e na bebida, e menos na preguiça" [Lessing]

Perdão. Isto foi futebol sincero e um arreda devaneios do nosso coração. A malquerença tem pergaminhos e a virtude quer-se bela. Ainda pairámos, alapados no sofá que o nosso mister era cair na penumbra aluarada. O dia tinha sido de merecimento e "dormir faz bem às palavras". Porém, o dedo no comando não resistiu à súplica da Luz. Ao ressoar do apito, sem Valentim & Costa bem entendido, já caminhávamos para a ruína duma interminável noute de futebóis, com Seabras e Nobre Guedes a milagrar pelo meio e o Seinfield ali ao lado, na espera.

Aos 3 minutos éramos tocados pela fortuna de Geovanni e pelo sabor dum Niepoort's, que abriu as hostilidades. Ainda o Chelsea não tinha levantado ferro, nem Sá Pinto invocado qualquer tradutor de serviço em versão mouro, já tínhamos gelado a lagartagem. Bem sabemos que a coisa foi breve, mas 10 minutos dá, sempre, para várias considerações. Lá pró fim, o salvador de serviço, Simão de seu nome, evitou a desgraça de se abrir uma segunda garrafa. Era a perdição e o terror na garrafeira. Brindemos aos Tiagos, então. Dois hip hurras ao do Chelsea e um bem-haja ao verde d'Alvalade. E, já agora, parabéns Mourinho. Aliás parabéns a todos. Dois jogos assim são uma afronta ao mau futebol. Uma resistência ao mau gosto. Pena o vintage ser fugidio, como o descanso e os futebóis.
Livraria Moreira da Costa - Novidades

A Livraria Moreira da Costa, no Porto, tem disponível no seu site, o catálogo referente a Dezembro de 2004 e novidades já de 2005.

Algumas referências: Memórias Biographicas, de Francisco Gomes de Amorim, 1881-1884, III vols / Memória Histórica da Antiguidade do Mosteiro de Leça, chamada do Balio, por António do Carmo Velho de Barbosa, 1852 / Terra Fria, por Ferreira de Castro, 1934 / História do Bispado e Cidade de Lamego, por M. Gonçalves da Costa, 1977-1992, VI vols / Leonardo Coimbra Testemunhos, 1950 / A Triste Canção do Sul (Subsídios para a história do Fado) + As Alegres Canções do Norte, por Alberto Pimentel, 1904 [1907] / Repertório Geral, ou índice Alphabetico das leis Extravagantes do Reino de Portugal, ... ordenadas por Manoel Fernandes Tomaz, Coimbra, 1815, II vols / Methodo de Conhecer e Curar o Morbo Gallico. Primeira Parte, por Duarte Madeira Arraes, 1674 / A Carteira do Artista. Apontamentos para a História do Theatro Portuguez e Brazileiro, por Sousa Bastos, 1898 / Lengua y Estilo de Eça de Queiroz, de Ernesto Guerra da Cal, 1975-1984, V tomos / Tribunal de Ordinandos ... Pelo Reverendo Diogo Cardozo Coelho, Prior da Paroquial Igreja do Salvador da notavel Villa da Covilhã..., Lisboa, 1731 / Porto da Figueira da Foz (Separata), de Adolfo Loureiro, Lisboa, 1905 / Ordenações, e Leys do Reyno de Portugal. Confirmadas e estabelecidas Pelo Senhor Rey D. João IV. Novamente impressas ... (1747) + Repertório das Ordenações e Leys do Reyno de Portugal novamente correcto (1749) + Appendix das leys Extravagantes, Decretos e Avisos ...(1760), VI vols ao todo ["Trata-se da edição geralmente conhecida por Vicentina, segundo Inocêncio, mandada fazer com todo o luxo e magnificência por el-rei D. João V"]

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005


Lamentamos, mas hoje ... não há moralistas à vista!

Bom dia Mónica. Há 7 anos atrás a vida era muito ofegante. Os negócios bizarros e o corpo pleno. Os recursos ardentes aos olhos eram dores para os moralistas, uma questão de máquina desejante. Tinhas o Kenneth Starr à perna, atrás dos cortinados da Casa Branca. Não sabias que os affairs são sempre pecaminosos, evidentemente. Graciosamente ainda não tinhas acedido ao Manual de Puericultura de Graça Franco, não sabias como se pode perturbar a harmonia e a ordem. Má sorte. Mas antes isso que cinemizares por aí a veres o Closer, com o César das Neves. Imagina se fosses às putas, a noute passada, com o sociólogo Lopes!? O que seria de ti. O que diriam de ti na Casa dos Limas? Que desgraçada noute perdida era. Bem dizias tu que "não se copiam obras, mas sim linguagens". Barthes, dixit. Tu, também. Pois! E nós a moralizar por aqui. Santo dia.

António Sérgio [m. a 26 Janeiro 1969]

"Muitíssimo grato lhe estou pelos persistentes esforços que tem feito para me encontrar um emprego em Espanha. Já não espero que daquelas terras me venha solução para o meu duro problema actual. Recomeço a pensar nas Africas. Tenho passado a vida inteira a aprender o significado pleno da palavra resignação. Olho para trás, e vejo a minha existência toda cheiinha de fainas de ganha-pão áridas, cordialmente detestadas por mim, avessas às minha aptidões e ao meu feitio. Os momentos de trabalho a meu gosto têm sido raríssimos, fugidios, gozados como se goza um [cume?], e angustiosamente pagos logo depois. Sinto fugirem-me os últimos anos de lucidez, sem a menor esperança de a empregar. A minha vida foi toda ela um naufrágio contínuo, suportado com uma resignação aparentemente risonha ..." [António Sérgio, Carta a Joaquim de Carvalho, 29/06/1931, in António Sérgio no Exílio, Coimbra, 1983]

[Sobre Antero] "...Dois Anteros, fantasio eu; chamemos-lhes, por comodidade, o Apolíneo e o Nocturno (ou Romântico). Ao primeiro, domina-o o espírito crítico do filósofo; ao segundo, o temperamento mórbido do homem. Canta o primeiro a lucidez do intelecto, o heroísmo apostólico, o claro sol; prega o auto-domínio e a consciência plena, a concentração da personalidade e da actividade pensante; afirma ao mesmo tempo uma filosofia da imanência, intelectualista e aristocrática, e exalta o Amor e a Razão, concebidas como sendo irmãs, fontes de ordem e de harmonia no individuo e na sociedade; o segundo, pelo contrário, canta a noite, o sonho, a submersão, a morte, as «regiões do vago esquecimento», a dissolução da personalidade e o repouso da alma no Deus transcendente, na «humilde fé de obscuras gerações» ..." [A.S., in Ensaios IV, 1934]

"O Manuel - O interesse público tem de ser defendido. È preciso reconhecer que quem governa tem em relação ao interesse nacional responsabilidades graves que não pode trespassar a outros, e nos casos duvidosos tem fatalmente de prevalecer o seu juízo.

A Tia Joaquina - O teu raciocínio pressupõe dois dogmas: Primeiro: o do que todos os cavalheiros que governam no Estado possuem fatalmente do «interesse público» uma noção mais justa que os que não governam. Segundo: o de que os manitus que estão no governo são mais inteligentes, são mais sabedores, são mais justos e desinteressados que os que não governam. Dogmas absurdos, ambos eles falsíssimos. Quanto ao primeiro ..." [A.S., in Pátio das Comédias das palavras e das pregações, Jornada Quinta, 1958]

domingo, 23 de janeiro de 2005


O espectáculo do espectáculo: os moralistas

"Nada é mais atraente que as coisas desonestas" [Ovídio]

Estranho espectáculo se assiste em torno da peripécia observada, supostamente, no debate Portas-Louçã e em torno dos cinco minutos passados a falar sobre o problema do aborto. A repulsa dos nossos ilustrados intelectuais contra o que denominam um "golpe baixo" de Louçã, o lavor de moralização presente nalguns blogs liberais, a hipocrisia do moralista-mor Eduardo Dâmaso, a meditação progressista de Helena Matos ou o tricot da new left Ana Sá Lopes, são de desmedida agitação e subtil excitação. Confessamos que nunca assistimos a tamanho pranto e a tão vulgar retórica.

O mais espantoso é que, de um momento para outro, o insidioso Louçã passa de patrono e zelador do direito de gays e lésbicas, radical sempre a rasgar "causas fracturantes", para findar em macilento "reaccionário" e a debitar "fascismos genéticos", tudo num "reaccionarismo progressista" nunca visto, terminando por ser um execrável neofascista, isto segundo o beato Bagão Félix. Ao mesmo tempo, sem qualquer pudor, hipocrisia ou vergonha na cara, o casto, virtuoso e democrata Portas é travestido de sujeito tolerante, paladino da verdade, da ética e dos bons costumes. Inolvidável.

A arte apurada dos nossos opinadores é um exercício assaz curioso: tentar moralizar o pensamento moralizador do "pastor das consciências tresmalhadas", o dr. Louçã. Este movimento edificador, em prol do politicamente correcto, teve sempre entre os indígenas abundantes discípulos. O gosto pelo espectáculo, embalado pelo ruído, está-lhes no sangue. Mas a distracção perante os seus ódios de estimação impede-os de reflectir, e assim o pronto a pensar politicamente correcto queda-se fracativo, tem demasiadas exuberâncias.

Curiosamente, no afã do killer instinct argumentativo do que é ou não ofensivo, caem na sua própria ratoeira e desatam a tecer duvidosas e inadmissíveis conjecturas sobre a vida privada de cidadãos, sem qualquer pejo e decoro, a partir das suas (próprias) interpretações e análises moralistas da réplica de Louçã a Portas. O instinto virulento de Eduardo Dâmaso é um study-case, dado a sua posição num jornal que se quer respeitável e de absoluta limpidez. E se já tínhamos o assessor do assessor, o gabinete do gabinete, resta para toldar a atmosfera lusa, estimular o moralista do futuro ministro da Moralidade, o qual tem Dâmaso como forte candidato.

Afinal, no episódio enleado laboriosamente pelos novos patrulhadores, nunca lhes ocorreu que, face às afirmações costumeiras de Portas sobre os putativos criminosos que propugnam a despenalização do aborto, a resposta possa ser aquela, sem segundas intenções por detrás? E que, contrariamente ao que interpreta a taramelada Ana Sá Lopes, não se trata de assumir que só aqueles que gerem filhos têm direito de se pronunciar sobre a despenalização ou não do aborto, mas sim não permitir que a intolerável ladainha sobre os criminosos a favor do aborto persista?

Por fim algumas questões mais sérias, que os nossos moralistas esqueceram de interiorizar, decorrentes da leitura das diferentes intervenções neste caso: o facto de permanecer uma curiosa visão homofóbica entre o privado e o público; a existência de um pronunciamento por um registo de afectos que se quer zelosamente guardado em "armários"; a consagração de um efeito discursivo perverso sobre a sexualidade; e que sugerem novas querelas, bem contempladas em textos do Bruno, na intervenção de CAA ou num post de Vicente Jorge Silva. Pelo menos sempre se ganhou alguma coisa, no meio de tanto moralismo serôdio.

Centenário do falecimento de Raphael Bordallo Pinheiro

Locais: Rafael Bordalo Pinheiro Desenhador, ceramista: 1846-1905 / Bordalo Pinheiro (Rafael) / Caricatura Rafael Bordalo Pinheiro / Rafael Bordalo Pinheiro (21/3/1846-23/1/1905, Portugal) / Rafael Bordalo Pinheiro na reabertura do seu museu / Rafael Bordalo Pinheiro (Fanzine) / 100 Caminhos até Bordalo / Centenário da morte de Rafael Bordalo Pinheiro comemorado em Caldas e Lisboa / Museu da Imprensa inaugura exposição de homenagem a Bordalo Pinheiro / Zé Povinho: Os Portugueses aos olhos de Bordalo Pinheiro

Raphael Bordallo Pinheiro [m. 23 Janeiro de 1905]

"A entrada em cena de Raphael Bordallo Pinheiro provocou uma revolução completa na nossa ilustração gráfica. Tão forte era a sua personalidade que os imitadores continuavam, várias décadas após a sua morte. Os gags dos seus cartoons foram repetidos até ao fastio; as histórias aos quadradinhos satíricos invadiram todos os jornais em todos os lados. A admiração que despertou, algumas vezes em excesso, fez esquecer os artistas que o precederam na caricatura e técnica narrativa (...)
Dizer que Raphael «inventou» os quadradinhos portugueses não é uma afirmação rigorosamente correcta, pois já Flora [pseudónimo ?] e Nogueira da Silva, pelo menos, tinham enveredado por esse caminho. Porém, foi Bordallo que lhes deu ductilidade suficiente para virem a ser utilizados de forma eficaz e duradoura" [António Dias de Deus, in Os Comics em Portugal uma história da banda desenhada, Cotovia, 1997]

"... Não era só no trabalho e na conversa que a graça irrompia da sua [Rapahel B. Pinheiro] fértil imaginação; um relance de olhos bastava para o sugestionar e a prova está no seguinte episódio. Anos seguidos frequentei as Caldas da Rainha, e nalgumas noites, finda a cavaqueira no Parque, o Rafael vinha acompanhar-se até casa, na rua do Capitão Filipe de Sousa, antiga do «Cabo da Vila» por ser da vila ali o termo. Numa delas, antes de nos despedirmos, parámos ainda a dar à língua quando, de súbito, olhos fitos no letreiro da rua fronteira à minha porta, comum sorriso manhoso me diz com toda a gravidade «Ó Scwalbach, você não acha uma injustiça este capitão Filipe de Sousa há tantos anos sem ser promovido?». Apoiei, a rir, o reparo. E ele, continuando, «Amanhã eu te direi, apanhas mais um galão!» Acercou-se do letreiro de azulejo, tomou certas medidas e ... «Até amanhã!». Para resumir, na noite seguinte sacou dum pedaço de papel, um pincelito, uma pouca de massa e onde se lia capitão apareceu major, a jogar na perfeição com o resto do letreiro. Num abrir e fechar de olhos lá estava Rua do major Filipe de Sousa: eu meti-me em casa e o Rafael safou-se para a dele. Ali pelas nove horas da manhã começou a dar-se pela promoção - borborinho, protestos indignados (...) Já lá vão 56 anos..." [Eduardo Schwalbach, in À Lareira do Passado . Memórias, Lisboa, 1944]
Bem fica ou Benfica eis a questão

"Como o palhaço, vamos fazendo as nossas cabriolas, simulando sempre, adiando sempre o grande acontecimento. Morremos a lutar para nascer. Nunca fomos, nunca somos. Estamos sempre na contingência de vir a ser, separados, desligados, sempre. Sempre do lado de fora" [Henry Miller]

Apetecia-nos partir depressa para o bridge mas temos o futebol ainda na cabeça, os ovos-moles na boca e as mãos teimam em dobrar o lenço que se agita em enxovalho. Mau grado as olheiras pisadas por um qualquer Tanque Silva visando a baliza de Quim e os brindes à moda da Luz, temos por nós que a malapata se deve à pieguice desse malfadado meeting entre o cangalheiro Filipe Vieira e o piegas Dias da Cunha. A tamanha coscuvilhice em público o jovem Silva não entendeu. Inculto! E eu com o bridge à perna e as noites vazias. Senhor tende misericórdia.

Pronto. E lá vamos, que se faz tarde. A récita para esconjurar o demo está feita. Suspeita-se que ainda vamos a grande cheleme. Cuidado. Há noites abundantes.

sábado, 22 de janeiro de 2005


Lord Byron [n. 22 Janeiro de 1778-1824]

Lord Byron, acompanhado pelo "seu fiel criado" Hobhouse, embarcou num navio em Talmouth, nos tempos idos de Junho 1809, com destino Lisboa. Sabe-se que visitou, também Sintra e Mafra, partindo depois para Sevilha. Deixou algumas anotações sobre a sua visita a Portugal, nas suas Peregrinações.

"Pobre povo de escravos! Nascidos em tão delicioso clima! - Ó Natureza, por que hás tu prodigalizado teus dons a tal gente? O aspecto variado dos vales e das colinas de Sintra, se nos oferece como um novo Éden! Ah! que mão poderá guiar o pincel ou a pena para seguir a vista deslumbrada através dos lugares mais deslumbrantes para a contemplação dos mortais, como essas maravilhas descritas pelo poeta que ousou franquear ao mundo surpreso as portas do Eliseu?" [Estância XVIII das Peregrinações, in Lord Byron, por João Paulo Freire (Mário), Lisboa, 1944]

"Assim Mafra retê-lo-á um momento. Esta residência da infeliz rainha da Lusitânia, reuniria a igreja e a corte, os frades e os cortesãos; às missas sucediam-se os banquetes. Mistura estranha, sem dúvida; mas aqui a prostituta da Babilónia construiu um palácio tão sumptuoso, que os homens esquecem o sangue que ela tem derramado, e ajoelham perante a pompa que se esforça por emprestar ao crime enganoso"

[diz JP Freire (Mário) - «Em nota, Byron escreve: "A amplidão do Convento de Mafra é prodigiosa; reúne um palácio, um convento e uma igreja magnifica. Os seis órgãos que existem nesta igreja são os mais belos que jamais hei visto (?) Classifico Mafra o Escourial de Portugal?. Em carta a sua irmã Augusta, Byron diz-lhe que visitou a Livraria do Convento e falou latim com os frades, que lhe perguntaram se na sua pátria também havia livros ...» - Estância XXIX, ibidem]

Locais: The Life and Work of Lord Byron (1788-1824) / Lord Byron - Life Stories, Books, and Links / Lord Byron / Lord Byron (1788-1824) / George Gordon, Lord Byron 1788-1824 / Crede Byron / Selected Poetry of George Gordon Lord Byron (1788-1824) / The Diary of John Cam Hobhouse (Portugal, July 7th-23rd 1809) / The Oxford Byron Society