sábado, 5 de fevereiro de 2005


[Ainda Fernando Pessoa e a Maçonaria]

Foi dito que o tema Pessoano é inesgotável. No entanto, além do que antes se referiu sobre a (não) filiação maçónica de FP, uma outra questão ocorre e a ela associada. Trata-se de um velha tema: o comprometimento individual do poeta com o nacionalismo nascente formatado pelos adeptos do Estado Novo ou seus compagnons de route. De facto, a violência verbal da réplica ao artigo de F.P. entre os diversos encarregados da Ordem Nova Salazarista et al, é espantosa. E se pensarmos, também, que os oposicionistas nunca entenderam a posição do poeta face aos acontecimentos vertiginosos do seu tempo, então a confusão é ainda maior. Será conveniente ler a série de artigos saído em publicações, onde a incredibilidade de alguns e a raiva de outros, manifestam a impiedade perante a defesa assombrosa por F.P. da Maçonaria e das Sociedades Secretas. E anotar como F.P. tinha um domínio absoluto sobre a matéria em debate, uma fina e rara inteligência argumentativa, um cáustico humor.

Porque alguns desses artigalhos estão esquecidos, apresenta-se um pequeno extracto de um texto de Tomás Ribeiro Colaço, publicado pela revista Fradique, que fazia a apologia de Salazar e do fascismo, em carta-aberta a Fernando Pessoa [sublinhados nossos]

"Li a estirada página em que Você traçou no Diário de Lisboa (...), um dos seus costumados pregões de competência própria e uma defesa da Maçonaria. Página triste, errada, ela foi enlutar o sector mental para quem o nome de Fernando Pessoa representava (...)

Coloco-me, para escrever-lhe esta carta, no campo de raciocínio desempoeirado e aberto em que a mocidade anda a procurar verdades, a demandar luzes claras de pensamento, a reaprender o gosto de sentir e o dever de pensar. (...) Onde arranjou Você descrença e cansaço que o tornassem mais velho? Como não viu que se condenava gravemente ao dar por «corrente» viva, nesta era de cabelo cortado, uma trança lastimosa de cabelos brancos? (...) Se nem Você, que ama e venera a Maçonaria ao ponto de vir, por ela, subscrever enganos, se nem Você é mação, - como não sente que não será em ritmos e rituais de feitio maçónico que as sedes novas de verdades novas poderão moldar-se? (...)

A moderna geração não quer saber de Maçonaria, considera-a e sente-a como problema de outra linguagem. Mais do que ódio à maçonaria ou fervor pela Maçonaria, o que Você encontrará no seu tempo, se souber tomar-lhe o pulso, - e seja qual for a corrente que a demande - é uma sensação de pitoresco que passou e não volta. (...)

Veio, aliás puerilmente, ameaçar a sua terra com o poder maçónico de além fronteiras; veio tentar instilar-nos o temor de cinco ou seis milhões que amanhã, lá fora, se mobilizariam contra nós. (...) Não pense nisso. Deixe as carochinhas no seu vaguear dolente, em paz e sem auditório. (...) Você em vez de perder tempo e virtude a chamar maçónicas as obras de arte erguidas por talentos de cujos portadores se disse que eram maçãos, - descrever-nos-ia o conhecimento de Portugal, o amor por Portugal, os serviços as Portugal, o apoio a Portugal, conhecimento, amor, serviços e apoio nascidos desses milhões de estrangeiros por força desse nexo que nos quer mostrar tão forte (...)

E acredite-me

Vivemos uma hora de que não entendemos ainda a beleza, - porque lhe sentimos mais vivamente a ansiedade incómoda, o calor doloroso, a sedenta febre. Hora de gestação, de vida que ressurge, de alvoroço a moldar-se, ela pode parecer infeliz ao individuo desintegrado do seu tempo, a quem falta o animo para acertar passo pelo novo ritmo (...) Há forças, grandes forças que me apetece chamar de noção colectiva, contra as quais nada pode a inteligência que se isola em si mesma, se fecha (...)"

[Thomaz Ribeiro Colaço, O Elogio da Maçonaria Carta Aberta a Fernando Pessoa, in Fradique, Ano II, nº 54, 7/12/1935]