sábado, 18 de dezembro de 2004



Antonio Stradivari [m. 18 Dezembro 1737]

Locais: Antonio Stradivari. His Life and Work (1644-1737) / Antonio Stradivari / Antonio Stradivari / Sonatas Barrocas

[Livros & Arrumações]

Temos da "Annona ou mixto-curioso folheto semanal que ensina o methodo de cosinha e copa, com um artigo de Recreação", Lisboa, Imprensa de C. A. S. Carvalho, fim da Calçada do Garcia nº 42, nº 1 ao nº 36, 1836-1837, curiosas observações e dizeres vários. Algumas anotações:

"Doce - Manjar branco de peros. Ponham-se a coser em meia canada de leite meia dusia de peros grandes, limpos, apurados, e sem pevide, estando meio cosidos, deitem-se em um tacho, desfasem-se com a colher, e deitam-se-lhe duas canadas de leite, dois arrateis de assucar, e um arrátel de farinha de arroz, ponham-se a coser; e em quanto se cosem, refrescam-se com meia camada de leite, deitando-se-lhe pouco a pouco, e depois de cosido, deita-se-lhe agua de flor, tira-se do lume, e põe-se nos pratos" [nº20]

"Detalhes sobre a vida de Milton - Milton levantava-se da cama às quatro horas da manha no verão, e as cinco no Inverno. Trazia sempre uma borjaca de pano ordinário de mescla, estudava até ao meio dia, jantava frugalmente, e dava o seu passeio com o seu conductor, cantava pela tarde, tocando qualquer instrumento, conhecia as regras da harmonia, e tinha uma voz agradável. Sabia a arte da esgrima. E quem ler com attenção o seu Paraíso Perdido, verá que amava apaixonadamente a musica, e o cheiro das flores; ceava cinco, ou seis azeitonas, e uma pouca de agua, deitava-se às nove horas da noute, e alli compunha algumas obras; quando compunha alguns versos, repetia-os a sua mulher, ou a seus filhos; em dias de sol, sentava-se em um banco à sua porta ..." [idem]

"Poesia - Dois sujeitos, e ambos muito feios, andavam continuamente motejando-se um ao outro; um deles entrando certo dia no quarto do outro, a tempo que este fazia a barba, com grande trejeitos, que ainda o tornavam mais horrendo, lhe improvisou o seguinte soneto

"Boca, e mais boca de letrinea casta!
Penca, e mais penca té ao cu descida;
Horrenda, e sempre eterna prosseguida,
Carranca enorme a quem eu cedo, e basta!

Mal haja o sabonete que se gasta,
Em lavar-se essa tez ennegrecida;
Mal haja essa navalha envillecida,
Que a barba hirsuta do cartão te affasta!

Oh! quem pudera da fealdade excesso.
Arrumar-te em logar de banho morno,
Dois peidos nessas ventas d?arremesso:

Oh! quem te dera para teu adorno,
Por agua escarros, por espelho o cesso,
Por sabão merda, e por navalha um corno.
" [nº 21]


The most beautiful sleeves of 2004

quinta-feira, 16 de dezembro de 2004


Olavo Bilac [n. 16 Dezembro de 1865-1918]

"Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
- Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
- Mais abaixo, meu bem! - num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
- Mais abaixo, meu bem! - disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci..."

[Delírio, por Olavo Bilac]

Locais: Biografia / Olavo Bilac / O. Bilac / Poesia / Bilac / Aviso aos pais ou Bilac Erótico

Geração Rasca

Os episódios políticos, a crise laudatória e a cacofonia destes dias não têm nada de empolgante, nem de virtuoso. A estratégia política foi há muito exumada e nem a língua de trapos, destas semanas, pode servir de paródia a quem quer que seja. Os disparates em série de um conjunto de homenzinhos da classe política, et pour cause seguido de chacota bem humorada, evidencia o que muitos referem sem mistério: estamos perante uma classe política rasca, que sem se saber porquê veste a farda da governação e usurpa o poder. Não há memória de tamanha obscenidade. Custa acreditar em tão desabridos acontecimentos.

A singular arribação destes novíssimos gestores governamentais tem de ter alguma explicação sob pena de estarmos decisivamente condenados. Sabia-se que a invasão do aparelho político era prometedor para quem tem da administração a vaidade de subir de vida, sem aborrecimento pelo trabalho, com um perfil e preparação técnica tacanha e grotesca, sem esforço intelectual ou ético visível. Sabia-se que quase todos lá chegam, unicamente, via benesses político-partidárias. Mas ninguém pensou, decerto, que estávamos a assistir à sua massificação, no meio de uma algazarra extravagante e perturbadora.

O desaire do exercício presidencial do dr. Sampaio; a declaração conjunta de Lopes & Portas em bom estilo pimba, embuçados em juras d'amor até ao espinote final daqui a dias; as atabalhoadas e vergonhosas afirmações do santanista Paulo Pereira Coelho, em excelente prosápia do que foi a atmosfera destes anos de jogos florais em terras figueirenses; as fantasias desafinadas de Bagão Feliz quanto ao deficit, aos agentes financeiros e ao pessoal indígena; as maquinações condimentadas de Morais Sarmento; as lamúrias improvisadas de Dias Loureiro; as tiradas vazias e torpes do afadistado Pires de Lima Filho ou as cogitações de Nuno Thomaz; são apenas a ponta do iceberg. Porque o aparecimento deste rebanho de novos políticos na pista governamental é o mais singular testemunho do desastre nacional. E que irá perdurar por tempos intermináveis. Como alguém já disse, "a ignorância é muito atrevida". O abismo aí está.
[Dezembro]

"O entendimento foi concebido de molde a guiar o coração; desgraçadamente, tanto neste mês como nos seguintes, os homens deixar-se hão arrastar pelo sentimento, cavalo fogoso e sem vista.
É costume cada um gravar as injúrias em bronze e os benefícios e finezas na areia ou na onde fugidia. As belas almas têm uma só lápide: a das boas obras recebidas.
Há povos infortunados hoje, ora e sempre. São os que fazem depender a fé e suas acções resultantes da decisão dos homens (...)
A ambição é um golfo em que só há escolhos e penas. Àqueles que se mantenham no cairel, os aplausos do mundo fá-los hão esquecer que podem escorregar ... e escorregam (...)"

[Cavaleiro de Oliveira, in Recreação Periódica, vol II, 1922]


Philip K. Dick [n. 16 Dezembro 1928-1982]

terça-feira, 14 de dezembro de 2004

[Amôre]

"O Amôre, graça de mau gosto,
muitas vezes na boca, sempre no sentimento,
veio, trota trotando, ter comigo.

Trazia a língua de fora, tropeçava nela,
fazia-se cansado, era apenas piegas.

Por que volta a bestiúncula
a rondar-me o terreiro?

É camaradagem
ou aragem de cama?

Desapossados é que estamos livres para caminhar."

[Alexandre O'Neill]

Bom dia Jane. Faço ideia do alvoroço que vai por aí. Uma Avé Maria por cada olhar, um pecadilho por ouvido. O ideal seria cantares sob protecção divina. O fruto ainda não caiu ... de vez.

Naquele tempo "uma mulher passou quando eu dormia ou acordava" [H.H.]. Não sei bem. Ter apenas memória que a vida es sueno. Feliz aniversário.


[DOWNLOADS]

The Clash - Discography [via KingBlind]

Meus senhores é entrar e downloadar para afastar o tédio aqui na lusa Pátria acanhada à espera de toda essa gente coligada que o Bettencourt já botou faladura o Delgado cultiva ideias ad-curativas e o sismo Lopes pode ocorrer que ninguém consegue escapar ao destino nem à pachorra destas noites sem entrarmos em alvoroço poético. Vivam as brigadas Clash recauchutadas. Tenha um bom dia.

"Ninguém entra em pânico / Todos se prostituem / e tudo canta minha gente / por dentro do gaiolame / Os modelos morais cobrem os muros / ... / A rádio diz-me o que devo dizer / a rádio os jornais e a televisão todos mo dizem / ... / E como é pá pra veres o teu tempo interior / na TV? / ..." [Ninguém entra em pânico, The Clash, in Pravda nº1, 1982]

segunda-feira, 13 de dezembro de 2004


Heinrich Heine [n. 13 Dezembro 1797 - 1856]

"Põe sempre os nomes aos bois
Nas histórias que contares.
Ou logo os burros depois
Se queixam de os retratares:
«Mas são as minhas orelhas!
Este azurrar é o meu!
Se estas são minhas guedelhas!
Ai este burro sou eu!
Nâo me nomeie ele embora,
Toda a Pátria vai agora
Saber-me por burro, hin-hã!
Ai que eu, hin-hã, hin-hã!»
- Quiseste a um burro poupar
Logo doze hão-de zurrar."

[Heinrich Heine, in Bom Conselho, trad. Jorge de Sena]
Futebol - Reservado o direito de admissão

"Quando nasci já trazia um «deficit» de dois whiskies" [Charles Montague]

Toda a idade tem beleza. O SLBGlorioso» para os fidalgos da bola) tem um século respeitável, um encanto opulento. Qualquer manifestação de retórica rústica, com atropelos à civilidade e à etiqueta, é um desperdício de trabalho. Assim se obram compêndios para cidadãos. Álbuns de glórias. Para que conste.

Porém, a garden-party do Restelo foi um quieto jogo para desenganos dos néscios. Estamos numa canseira bizarra. Os nossos nem num pastel de Belém se chegam à frente. Os modos finos e adamados desta equipa de Vieira & Veiga, Lda são uma curiosa demência histórica. Aquela equipa de mendigos extenuados, saltitando em alegre rincharia sobre a relva, babando-se à perfídia dos cavaleiros de Cristo, é uma afronta.

As massas desditosas queriam castigar uns pastéis de Bélem. Saiu-lhes um vulgar jesuíta. Ninguém nos convence que não há mão Presidencial nisto tudo.

[PS: Ao que parece, ninguém esclareceu o respeitável público qual a equipa que perdeu aos penaltys com aqueloutra das Antas. Está mal! Depois de não se saber o que sucedeu de Segunda para Terça-feira passada em Bélem, era o que faltava que, agora, nem uma simples informação se dê sobre essa notável equipa que perdeu, algures no Japão. A ignorância nunca é de louvar. Seja como for, aplaudimos aquele rapaz de nome Maniche, outrora muito honrado, nas Antas, com interjeições à moda da Ribeira quando vestia o fato de gala do Benfica. Bem-haja.]

ANÚNCIOS completamente grátis

* Primeiro-Ministro, idóneo, bem parecido, com inimigos à perna, em excelente situação financeira, procura companhia para coligações futuras. Absoluto sigilo. * Prof. universitário, grande capacidade de trabalho, com carro e cruzeta, resmas de livros para ler, em crise de comentários, marca encontra na TV. Urgência. * Presidente de clube, por motivo de saída, troca posição. Indicar curriculum * Bloguista, 20 anos incompletos, óptimo aspecto, possante, deseja conhecer jornalistas para almoços na Bica do Sapato. Assunto sério * Palácio de Belém, um lugar de sonho a seus pés. Mostra o próprio no local * A Quem Achou ministro em bom estado, completamente fatela, totalmente azeiteiro, agradeço a esmola de o não devolver. Dão-se alvíssaras

[FILMES] * Natal Radical - comédia para governantes e drama para os eleitores. Uma família coligada "farta da comunidade reaccionária em que vive" corre atrás do "bom rebanho". História encantadora, radical, repleta de amigos e inimigos, que ora ressuscitam o messias Cavaco, ora clamam pelo santo Guterres. Realização de Jorge Sampaio. A não perder. * Ligações de Alto Risco - um thriller apaixonante, pleno de chuis do Fisco a mando de Bagão Félix. Kim Basinger, no papel de Ferreira Leite, vê fugir o deficit porque não sabe a tabuada, encontra Santana Lopes num jantar com Portas a debater os aumentos de ordenado, enquanto Rui Gomes da Silva aparece como empregado de copa. Inolvidável. Especialmente dedicado a funcionários públicos.

[Pechinchas]

"... Perguntar a um bibliófilo quanto ele pagou por um livro é uma indiscrição, mas perguntar quanto vale é pedir uma informação. Não se chame novo-rico àquele que lhe disse logo quanto pagou por um belo exemplar. Geralmente, é porque pagou barato e tem vaidade de ter feito uma pechincha. Os pechincheiros muito vaidosos chegam até a diminuir o preço que pagaram. Há, também, os que pensam valorizar seus livros, aumentando o custo. São os vaidosos espertos que só enganam os leigos.

É curioso notar como, ente os bibliófilos, há muita gente sovina. São, geralmente, os mais ricos. Talvez haja no coleccionador um instinto de posse mais agudo que no comum dos mortais. Talvez, até a bibliofilia seja uma forma de avareza. Mas, é uma forma especial: o coleccionador apaixonado não dá valor ao dinheiro, mas ao objecto. É, talvez, por isso que todo o bibliófilo goza duplamente um livro, quando o compra barato. A ambição de muito bibliófilo é fazer pechincha. É unir o prazer de possuir, de entesourar, com o instinto recalcado de gastar o menos possível. Esse prazer é tanto maior quanto mais difícil está se tornando essa realidade. É muito difícil fazer reais pechinchas hoje em dia. Os livreiros estão ficando muito sabidos ..."

[Rubens Borba de Moraes, in O Bibliófilo Aprendiz, 1975 (2ª ed.)]

sábado, 11 de dezembro de 2004

[O Segredo]

"O segredo
está em não deixar o tempo devorar-me,
mas devorá-lo eu
com dentes de terra
e medo

Mastigar tudo,
as sombras, as bocas,
as pedras,
o céu,
os ossos pendentes das caras
e as deusas a cavalo
- patas nas searas,
crina de faúlhas ao vento ..."

[José Gomes Ferreira]

Averroes [m. em Marrakesh a 11 Dezembro 1198]

"Averroes (Abu al-Walid Mohammed Ibn Rushd, 1126-1198), chamado de "il commenttattore" devido ao seu comentário às obras de Aristóteles. Averroes admitia a existência de duas verdades contraditórias: a da ciência e a da revelação. Sua filosofia colocava as leis da natureza acima das crenças muçulmanas e cristãs. Propôs que não havia uma alma imortal e individual, que distinguisse os homens dos outros animais, mas que o intelecto era função exclusiva do cérebro, que deixava de existir após a morte. Sua tese foi contestada por Tomás de Aquino"

Locais: Averroes / Ibn Rushd (Averroes) / Averroes (filósofo) / Averroes / Islamic political philosophy / Abul-Waleed Muhammad Ibn Rushd (Averroes) / Ibn Rushd ( Averroës ) / "The Incoherence of the Incoherence" E-text Edition / Averroes-Database
[Pública Governação]

"... Aí temos o pórtico da pública governação com os seus ministros dentro.
- Truz truz truz!
- Quem é?
- Está em casa o Governo?
- Que lhe há-de querer? Se é peditório, pode entrar: se traz problema, S. Ex.ª saiu neste mesmíssimo instante para o palácio.
Ficamos sabendo (...) de uma boa vez para sempre, que o Governo se não ocupa das questões. É inútil sugerir-lhas, expender-lhas, propor-lhas, explicar-lhas, amenizar-lhas, impor-lhas na ponta de um cajado, ou mandar-lhas a casa numa travessa com ramos de salsa à roda e com limão em cima. O Governo o que não tem é tempo. Bem! Não se fala mais nisso. O tudo é haver quem explique as coisas! ..."

[Ramalho Ortigão, in As Farpas]

sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

MÁRIO SOARES - 80 ANOS


Mário Soares é o "avô" que estimamos ter. Um luminoso e simpático cidadão que desperta episódios admiráveis, uma alegria na alma. Que bom ficar à lareira a ouvir histórias de antanho. A luz sempre lhe alumiou o caminho. Por isso, Soares é um vigilante. Um fiador da nossa liberdade, mesmo que ela só proceda de nós. E que nos enche o coração, em dias de amargura, em tempos de tormento. Republicano por nascimento, democrata por paixão, um lutador orgulhoso. Eis um percurso de virtude nestes dias tão cinzentos. Sempre de rosto levantado, soube aproveitar a idade. Fez 80 anos. Bem bonito rol.

Saúde e fraternidade, dr. Mário Soares.
 

Futebol & democratas-a-dias

É necessário muito desvelo e gratidão para encontrar um democrata em todas as horas. Nós incluídos. O desprazer que inunda as almas dos fanáticos do futebol indígena, lá para as bandas das Antas, torna-se afinal num incómodo civilizacional.

O modelo de virtudes que o patriarca Jorge Nuno Pinto da Costa provoca nos democratas-a-dias é um ornamento beato que anima as hostes azuis e brancas, principalmente nos intelectuais enérgicos e na populaça doméstica, uma idolatria obscena, uma golpada na cidadania. Que imaginação rica. É bom seguir as delicadas tiradas e atestados, ou os opiniosos protestatórios dos sempre assombrosos intelectuais lusos, sempre lestos a autopsiar os males da Nação e a compor hossanas ao bom governo, em defesa bem humorada, sem amargos de boca, da situação decorrente do caso Apito Dourado.

Sousa Tavares exibe o crachá de padroeiro das Antas, enquanto Lobo Xavier despeitado do seu tirocínio de fiscal da SAD faz figas ao mau-olhado. Os amotinados socialistas da cidade do Porto, com o avantajado Nuno Cardoso com vestes de honestidade à la mode, estão em todas. A rapaziada da direita, dita liberal, não aceita os regulamentos jurídicos, muito menos o intervencionismo do Magistério Público, que o Papa será sempre o delegado imaculado na Naçon.

As malfeitorias, evidentemente, estão sempre mais abaixo ou mais acima do território das Antas. A nossa cruz, é bom de ver, estará confinada aos casos de pedofilia, um ou outro aeroporto de Macau, dois ou três presidentes de Câmara com proficiência de empreiteiro, ao acompanhar da mão fatídica que desassossegou os financiamentos dos partidos, à comiseração dos que se esqueceram dos impostos, aos encantamentos reflexivos de Pires de Lima Filho, ao verbo de Nuno Thomaz, ao fato do Paulinho das Feiras, à inteligência cerrada de Guilherme Silva, à prosa de César das Neves e ao espírito em pessoa do boxeur Morais Sarmento. O resto, o resto ... são almas arrependidas.

Livros & Arrumações

Curioso e estimado livro de Emanuel Ribeiro, "Como os nossos avós aprenderam uma profissão", 1930. Começando pela oficina caseira, descreve as condições miseráveis e humilhantes do trabalho dos aprendizes, a sua "vida de sacrifício", a "estúpida obcecação do segredo" pelos mestres, dado o espírito da concorrência de então, o seu vínculo a superstições várias, as "castas existentes" entre as profissões, de como a liberdade era quase que uma "heresia", um "sacrilégio". Apresenta uma bibliografia final, e um capítulo curioso, intitulado "Profissões e seus oragos".

Refira-se algumas: Advogado (S. Cesário); Alfaiate (N. S.ª das Candeias e S, Casimiro); Almocreves (S. Vital); Actores (S. Porfírio); Banheiros (S. Jorge); Barbeiros (S. Jorge); Barqueiros (S. Fausto); Bombeiros (S. Marçal); Boticários (Sto Emílio); Caçadores (S. Umberto); Canteiros (S. José e S. Aquilino); Carpinteiros de Moveis (N. S.ª da Encarnação); Carpinteiros (S. José); Carvoeiros (S. Maurício e Sto Alexandre); Ceifeiros (S. Bernabé); Chapeleiros (S. Tiago); Cozinheiros (S. Ciríaco); Criadas de Servir (Sta Marcela); Dentistas (Sta Apolónia); Embaixadores (S. Gabriel) Encadernadores (S. Catarina), Esteireiros (S. Tiago de Amarante); Estudantes (S. Francisco de Sales e S. Luís Gonzaga); Ferradores (S. Baldomero); Ferreiros (N. S.ª da Silva); Floristas (Sta Doroteia); Lavradores (S. Casimiro); Livreiros (Sta Catarina, S. João e S. Pedro Celestino); Louceiros (Sta Júlia e Sta Rufina); Médicos (S. Cosme e S. Damião); Merceeiros (S. Francisco); Mestras de Meninas (Sta Caiana); Mestres de Meninos (S. Luciano); Moleiros (S. Eugénio); Músicos (S. Cecília); Oradores (Sto Ambrósio); Padeiros (Sto Honorato e S. Guilherme); Pasteleiros (N. S.ª das Mercês); Pedreiros (Sta Luzia e Sto Aqulino); Pescadores (S. Pedro); Pintores (S. Lucas Evangelista); Procuradores de Causas (S. Fulgêncio); Trolhas (Sta Luzia); Vidraceiros (S. Jacob, alemão); Sapateiros (S. Crispim e S. Crispiniano); Serralheiros (S. Jorge e N. S.ª da Slva), etc...

sexta-feira, 3 de dezembro de 2004

Lembrar Fernando Assis Pacheco [1937-30 Novembro 1995]

"... descubro uma carta do ano de 1978 enviada de Pardilhó. Nessas linhas é ele quem fala, não eu. E conta-me coisas saborosíssimas nessas linhas com aquela escrita tão arguta e tão travessa que tanto lhe admiro. Sim, a escrita. Esperei toda a vida dele que, por excepção, alguém da merda dourada dos lobbies deste país tivesse um instante de sensibilidade para analisar com mínimo de gosto e de inteligência a pessoalíssima construção literária de Fernando Assis Pacheco. Em vão.
Lá chegaremos um dia, é mais que certo. Mas nessa altura os eruditos daquele tempo já estarão em metamorfose de vermes a borbulhar na própria merda..." [José Cardoso Pires, in "Um recado entre muitos", Revista Espacio/Espaço Escrito, nº15 y 16, 1998]

"... Um homem tem de viver.
E tu vê lá não te fiques
um homem tem de viver
com um pé na Primavera.

Tem que viver
Cheio de luz. saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
Cantará coisas, irá nadando
Por dentro da sua alegria ...
"

[F. Assis Pacheco, A Musa Irregular, 1996]
Um Presidente com humor

Depois da audácia vigorosa do dr. Sampaio em suprimir o Parlamento, logo após nos ter ofertado quatro meses disparatados, tinha que regressar à cena pátria o humor. Nestas ocasiões, onde alucinadas personagens tricotam oratórias arrevesadas, o senhor Presidente da República deu um ar da sua bonomia ao empossar secretários de estado e dar o amém ao novíssimo orçamento de estado. Quer dizer: o presidente-arrependido Sampaio, reprova o pitoresco da política da maioria nestes quatro meses e, com requintes de malvadez, mantém as excentricidades da política de Lopes & Portas. Absolutamente delirante. O aborrecimento do dr. Sampaio é uma diatribe despeitada. Eis um Presidente que ficará, decrto, na história lusa. Inolvidável.

Apitos & jornais

A lista de mazelas que o caso do Apito Dourado atesta é curiosa. As manhas furtivas que o assunto encerra também. A prosápia dos jornalistas, principalmente da área desportiva, ao longo deste caso, é um agravo deplorável. Se o sucesso do Apito Dourado acontecer algum dia, começando pelo Norte e acabando em terras do Sul, ficaremos a saber aquilo que há muito toda a gente sabia: da corrupção no futebol, entre presidentes, árbitros, empresários e que mais se verá. E que os jornalistas desportivos, esses prestidigitadores de tácticas avulsas, esses intelectos de bancada, esses embuchados por jogadores e balneários, ou são estranhos ingénuos ou vivem manejando a voz do dono. É que em todos estes anos, nem um só um trabalho de investigação sobre corrupção no futebol demandou nas suas croniquetas jornalísticas. Talvez um dia se compreenda porquê. Tenha-se esperança.
Anotações

O "Catálogo Anotado de uma importante e valiosa colecção de obras (livros e opúsculos) portugueses e estrangeiros, concernentes a Bibliografia, Biografia, Bibliologia, Bibliofilia, Biblioteconomia, Encadernação,..., organizado e inventariado por José dos Santos, Livraria Castro, 1942" é notável. Tudo é absolutamente utilíssimo para os amantes dos livros. Na hora em que José dos Santos se retirou da vida profissional, deixou este "livro de memórias, memórias de um livreiro de velhos livros, onde conte as manias de todos nós que, de há meio século para cá, ia-mos pela Calçada do Combro em busca do livro que nos faltava, do livro que falta a todo o bibliófilo e que por artes do Diabo este não encontrará nunca" [Albino Forjaz de Sampaio, in prefácio ao Catálogo]

Notas: Livres Perdus. Essai bibliographique sur les livres devenus introuvables ..., Bruxelles, 1882, por Gustave Brunet / Subsídios para um dicionário bio-bibliografico dos calígrafos portugueses, por Henrique de Campos Ferreira Lima, Lisboa, 1923 / Catalogo de Algumas obras de Authores portuguezes ou Espanhoes, em portuguez, Espanol, (sic) Latim e hebraico ..., Manuscrito original de fins do século CXIII [traz "descrição bibliográfica das «Edições hebraicas feitas em Portugal no século XV», as primeiras produções tipográficas hebraicas portuguesas" (dizem)] / Catálogo da Magnifica Livraria que pertenceu a um distinto bibliófilo comprendendo uma preciosa colecção de interessantes e raros livros ... e uma curiosa colecção de obras sobre Ciências Ocultas ..., organizado pelas livrarias Fernando Machado ..., Porto, 1934 / Le Conseiller du Bibliophile ..., directeur M.C. Grellet, Paris, 1877 / Bibliothèque dês Initiations Modernes. Bibliographie de l'Ordre dês Templiers (Imprime et Manuscrits) ..., por M. Dessubré, Paris, 1928 [tem uma parte consagrada a Portugal, onde aparec a "Notice sur la vie et les travaux de M. Correia de Serra", a obra de Alexandre Ferreira, "Suplemento Histórico, ou Memorais e Noticias de (sic) celebre Ordem dos Templários" (há uma edição original na BGUC e foi reeditada há pouco) e o Catalogo dos Mestres da Ordem do Tempo, por Lucas de Santa Catarina].

quarta-feira, 1 de dezembro de 2004


[Dia da Restauração]

"... Naqueles ditosos tempos (mas menos ditosos que os futuros) nenhuma coisa se lia no mundo senão as navegações e conquistas de Portugueses. Esta História será o silêncio de todas as histórias. Os inimigos lerão nela suas ruínas, os émulos suas invejas e só Portugal suas glórias. Tal é a História, Portugueses, que vos presento, e por isso na língua vossa ..." [Padre António Vieira, in História do Futuro, INCM, 1982]

"Já o tempo desejado
é chegado,
segundo firmal assenta.
Já se cerram os quarenta
desta era, que se ementa
por um Doutor já passado.
O rei novo é levantado
já dá brado,
já assoma sua bandeira
contra a Grifa parideira,
logomeira,
que tais prados tem gastado.
Saia, saia esse Infante
bem andante!
O seu nome é Dom João" [Bandarra]

[A Cambalhota do dr. Sampaio]

Deu ontem uma elevada cambalhota, seguida de um prudente flic-flac, o senhor Presidente da República, decerto para que os indígenas celebrassem, viçosamente, o Dia da Restauração. Depois de há quatro meses o dr. Sampaio enaltecer as virtudes do bom governo, contra a gratidão da populaça, entendeu agora dissolver o Parlamento. O dia estava predestinado. O governo moribundo de Lopes & Portas estava crivado de farpas por todos os lados, arrastava-se numa lenta agonia e intempestivas desditas. A governação era um calvário comovente. A utilidade temporal deste Parlamento que a tudo diz amém, na sua doméstica devoção, era nenhuma. A coisa tinha de se dar.

Mas a ilusão de óptica de contemplar o progenitor abatendo o seu dilecto fruto, não é coisa de estima geral. A reflexão presidencial consumiu-se numa cabriolada entre o devir formalista constitucional e os desamores presidenciais. E ninguém, de boa fé, entende a sua tardia inspiração. Daí o espanto.

A situação económica e política estão envoltas num caos. A espada de Ferreira Leite contra o deficit, ou aquilo que estrondosamente se denomina "consolidação orçamental", se muito jubilosa para muitos curiosos da economia política, não pode deixar de confessar-se que é um singular engodo. O País está pior do que no tempo do eng. Guterres e do inenarrável Pina Moura. Vale a pena dizer, sem qualquer rebuço, que a causa disso não pode ser apontada a Santana Lopes. A vida pode ser uma sucessão de movimentos, mas a economia tem os seus timings, quase religiosos. E isso já se sabia, quatro meses atrás. Ora os dois anos de ferrete Barrosista, mais o ano que se lhe segue (eleições em Fevereiro) corresponde a vários anos de atraso económico e social, que muito dificilmente será revertido. O País, decididamente, descolou da civilização. Culpas? De todos nós. E não temos absolvição.

terça-feira, 30 de novembro de 2004

[Momento]

" ... Ó Grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje
" [Álvaro de Campos]

[1935, às 20h30m, Fernando Pessoa liberta-se do corpo]

"Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar era simbólica. Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver" [in, Livro do Dessassossego]

"Como o presente é antiquíssimo, porque tudo, quando existiu, foi presente, eu tenho para as cousas, porque pertencem ao presente, carinhos de antiquário, e fúrias de coleccionador precedido para quem me tira os meus erros sobre as cousas com plausíveis, e até verdadeiras, explicações científicas e baseadas. As várias posições que uma borboleta que voa ocupa sucessivamente no espaço são aos meus olhos maravilhados varias cousas que ficam no espaço visivelmente" [ibidem]

"Guy mais um minuto e é amanhã"

"... Fundador da Internationale Situationniste e autor de um livro, «A Sociedade de Espectáculo», que marcou a geração de Maio de 68, era um homem que vinha de longe: das vanguardas artísticas dos anos 50, descendentes do dadaísmo e do surrealismo. Da crítica da arte, à crítica da mercadoria e do espectáculo, Debord foi um dos xamãs dos miúdos que se revoltaram nas barricadas parisienses. Matou-se como Lafargue, porque não aceitava a decadência. «Guy, mais um minuto e é amanhã», sussura uma rapariga, num dos seus filmes ..."

[Torcato Sepúlveda, in Jornal Público, 02/12/1994]

[m. Oscar Wilde , 30 de Novembro 1900]

"... A desobediência, aos olhos de qualquer pessoa que tenha lido história, é a virtude original do homem. Através da desobediência é que se têm feito progressos, através da desobediência e através da rebelião (...) Posso compreender aquele homem que aceita as leis que protegem a propriedade privada, admitindo que esta acumule, enquanto que ele mesmo, sob estas condições, tenha possibilidade de realizar, de uma forma ou de outra, uma vida formosa e intelectual. Mas não posso compreender que aquele a quem essas leis destroçam e tornam a vida horrível, possa esta de acordo em que as mesmas continuem (...) É por esta razão que os agitadores são absolutamente necessários. Sem eles, no estado incompleto em que nos encontramos, não haveria qualquer avanço da civilização ..." [Oscar Wilde, in A Alma do Homem sob o Socialismo, Lisboa, 1975]

segunda-feira, 29 de novembro de 2004


Giacomo Puccini [m. 29 de Novembro de 1924]

[Fuga & Queda]

Dito e feito. Quando a crise é anunciada progressivamente, com ou sem escândalo, por homens como Vítor Constâncio, Miguel Cadilhe, Belmiro de Azevedo, Cavaco Silva, Mário Soares, Ferraz da Costa, Freitas do Amaral, et al, é certo e sabido que os "ratos" começam a abandonar o navio. Quando, além de prenunciada, ela entra, furiosamente, por todas as portas, todos curvam os joelhos e se afastam da governação. Nunca há palmas para o martírio. Nunca há paixão na tormenta. Sobre os destroços do que vem por aí, nenhum quer estar.

Coube a Henrique Chaves a graça de dar início às hostilidades. Figura curiosa esta. Tanto alvoraça o Congresso em amparo do chefe, como de repente desaparece. O tom panfletário que aplica no seu pedido de demissão é de uma estranheza invulgar. E, depois das afirmações produzidas por João Sá contra Cadilhe, só mesmo esta caricata cena de auto-despedimento, com justa causa, para animar a semana.

A capacidade receptiva e a margem de manobra de Jorge Sampaio esgota-se. A nossa paciência, também. Depois dos dois últimos anos de desgovernação Guterrista, levámos com a cruz da incompetência Barrosista, para cairmos no ungido Santana, rei da trapalhada e populista-mor de serviço à Nação. Pior não era possível. Só o dr. Sampaio não entendeu que primeiro que "o regular funcionamento das instituições" estava o País. E não há nenhum país que resista a todos esses anos, sem perder a sensatez e a vergonha.

Como sair disto tudo? Tem Santana Lopes condições pessoais e políticas para estar à frente do governo? Pode o dr. Sampaio fazer agora, o que não quis fazer meses antes, isto é utilizar a "bomba atómica" da dissolução da Assembleia? Tem Sampaio garantias que a continuação do governo é possível e desejável? É praticável a dissolução da Assembleia numa altura em que o orçamento de estado está em marcha? Está o PPD de Santana Lopes interessado em eleições? Ainda tem apoiantes credíveis? Para onde cairá Morais Sarmento? Está Sócrates preparado para governar? Ou espera que Lopes & Portas se consumam ainda mais? Que fazer desta desordem? O País aguenta tanto?
[Dona Política)

"... Todos falam de política, muitos compõem livros dela e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. Atrevo-me a afirmar isto assim, porque, com eu ter poucos conhecimentos dela, sei que é uma má peça e que não fariam bons entendimentos se a conheceram de pais e avós, tais que querem lhos souber mal poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas (...) é de saber que no tempo em que Herodes matou os inocentes, deu um catarro tão grande no diabo que o fez vomitar peçonha e desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex matéria putridi, ao qual chamaram os críticos «Razão de Estado», e esta Senhora saiu tão presumida que tratou de casar, e seu pai a desposou com um mancebo robusto e de más manhas, que havia por nome «Amor Próprio», filho bastardo da primeira desobediência. De ambos nasceu uma filha a que chamaram Dona Política. Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia postiça (...) E eis quem é a Dona Política ..."

[in Arte de Furtar, atribuída ao Padre António Vieira ou a João Pinto Ribeiro ou Tomé Vieira da Veiga ou António de Sousa de Macedo ou António da Silva e Sousa, ou Padre Manuel da Costa, Amesterdão, 1652 ou Lisboa, 1743 (aliás 1937, Livraria Peninsular Editora)]

sábado, 27 de novembro de 2004


In Memoriam de Fernando Valle [1900-2004]

Fernando Vale era "um homem bom, a todos os títulos, excepcional. Primeiro, é um homem de bem, impoluto, de uma seriedade exemplar. Depois, é um homem bom, de boa e recta consciência, de um só rosto e uma só fé, amigo do seu amigo, de incomparável generosidade"

[Mário Soares, in Fernando Valle, Um Aristocrata da Esquerda, de Fernando Madaíl, 2004]

Dissemos nós: Fernando Valle nasceu na Cerdeira, Arganil, em 30 de Julho de 1900. Estudou inicialmente em Coja, tendo ido para Coimbra continuar os estudos liceais, completando posteriormente o curso de medicina. Foi exercer a profissão em Arganil, onde fez um trabalho meritório em prol do Hospital e das sociedades culturais e recreativas locais. Manifestando um interesse particular por questões sociais e políticas, este médico e maçon (o mais velho do mundo, possivelmente) é demitido de cargos públicos por apoiar a candidatura de Norton de Matos, apadrinha a candidatura de Humberto Delgado, é preso em 1962 (partilhou a cela com José Mário Branco), preside à reunião inicial da fundação do Partido Socialista, na Alemanha, tendo pertencido à Comissão Administrativa de Arganil a seguir ao 25 de Abril e, pelo I Governo Constitucional, exerceu o cargo de Governador Civil de Coimbra.
Uma vida inteira dedicada a lutar "pela libertação do homem ... um regime de direito em que seja possível, de facto, a paz, a liberdade e a justiça social".

"Eis senão quando vem Fernando Vale
Com o seu cabelo banco e seu sorriso
Traz consigo uma velha trilogia
Liberdade (diz ele) E há nos seus olhos
Uma bandeira a conduzir o povo
Igualdade (diz ele) E chegam guerrilheiros
Com as suas armas e sua festa
..........
Fraternidade (diz) E aí estamos nós
De novo de mão na mão
Prontos para o combate
E para o não ...
"

[Manuel Alegre, in Fernando Valle, Um Aristocrata da Esquerda, de Fernando Madaíl, 2004]
[Os Filhos-da-Puta]

"... os filhos-da-puta (...) conhecem-se bem uns aos outros, pelos lugares que ocupam e só podem ser ocupados por eles [Quando não é este o caso, processa-se a conhecida cerimónia de «apresentação», na qual os intervenientes se esforçam por mostrar que sabem ocultar o que não querem mostrar ...]; deste modo é fácil associarem-se para fazer as coisas mencionadas e outras, muitas outras, públicas e particulares. Por vezes, negoceiam particularmente o bem público se isto porém é dito publicamente, ofendem-se porque consideram que se trata de um ingerência particular na sua vida particular. Todo o filho-da-puta é altamente cioso da sua vida particular, porque a vida particular dos filhos-da-puta é quase sempre, de uma ou outra maneira, pública. Todo o filho-da-puta tem sempre um motivo público para os seus actos particulares e um motivo particular para os seus actos públicos ..." [Alberto Pimenta, in Discurso sobre o filho-da-puta, 1977]

Filho-da-Puta & Outros

Um dos garotos de Paulo Portas, em tom encomiástico, decerto no tédio da sua assessoria, lança-nos o epíteto de filho da puta. A urbanidade e o tom brando do miúdo fez-nos, evidentemente, ficar preocupados. As palavras laudatórias, mesmo que singelas, segredavam às nossas orelhas. De onde conhecíamos o espécimen é que não estava esclarecido. Nunca tomámos o café juntos na Bénard e temos ideia que jamais subimos braço-no-braço o Príncipe Real, a caminho dos antiquários ou em visita ao Pacheco. A verdade é que não o reconhecemos como conviva do Tavares e estamos plenamente convencidos não ter visto ninguém a pavonear-se no Largo do Caldas, como um histrião de feira, recentemente. Sabemos que a vida mundana é monótona e a paisagem estranha. Porém, a única vez que assomámos ao Parque Eduardo VII foi para seguir uma magistral prelecção de Gonçalo Ribeiro Teles, sobre ruas e jardins. Poderia ser que nos tivéssemos cruzado na FNAC do Chiado, mas decerto as futilidades mundanas não ganham espírito de assessoria. Da Pastelaria Versailles nem pensar. O mistério, devemos confessar, era excessivo. Até que voz amiga nos confidenciou, por desgraça nossa, que o memorial laudativo era dirigido aos acólitos do assessor, por ser dia de despacho. Descansámos, finalmente.

quinta-feira, 25 de novembro de 2004


[Confessionário]

- de Pedro Mexia. O eco da dor que cobriu de luto a confissão de Pedro Mexia às manápulas dos miúdos do Portas & Cia é uma desgraça do seu mérito admirável. Ser obediente, em gratidão eterna, uma fadiga com paixão. Ser pouco diligente nos trabalhos apostólicos da extrema-direita é um gemido, uma alforria irreligiosa e ímpia. Ser insultado por estes senhores, um sublime espectáculo. Não há salvação para Pedro Mexia. O homem virtuoso deve fazer jejum para esquecer quanto vale. O homem prudente não busca instruir além do que a educação permite. Não procura indulgências. Nem exercita a virtude do contraditório. O erro de Pedro Mexia é ser crédulo. O que convenhamos é raro nos tempos d'hoje.

- de Santana Lopes a Judite de Sousa. A oratória do nosso primeiro sobre a providência governamental foi curiosa. Na crítica, da crítica crítica com que brindou os indígenas lusos, é necessário confessar que o espírito frívolo de Lopes não é a sua fraqueza. As confissões políticas fazem os homens diferentes. A criatura é uma lamúria pegada. De aflição em aflição, de desgraça em desgraça, a noite venturosa foi depois. Estava ainda Judite de Sousa posta em sossego, os jornalistas ainda aturdidos e o Portas a pregar doutrina a quem se oferece, eis que numa infinita misericórdia o primeiro-ministro, atraiçoado pelas sombras da noite, sepultou o Gomes da Silva dos assuntos Para-lamentar(es). O insólito de tão tocante estratégia admirável só encontra eco na figura desfalecida do Silva do contraditório antes de lhe fugir a luz dos holofotes televisivos. Doravante, o desamparado Silva será o Santana de Santana, o extremado protector daquele que afastou os olhos da relaxação dos homens da coligação. E Morais Sarmento, cruelmente erigido como central de intoxicação, provará talvez o capricho de tomar a rédea de um PPD inadvertidamente só em campanha eleitoral. Exultemos.
[Ecos da Alma]

- Aniversário. Da Causa Nossa. A política revelada, a iluminura coimbrã, o trabalho generoso. O espanto. A escrita como prazer. A política sem chagas. Daqui, dos campos sacrossantos do Mondego, uma especial saudação. Mesmo que bastante fora de tempo. Mas por causa dos tempos. Parabéns!

- 2 Livros 2

Pois bem. Eis "uma demanda de corpos e palavras. Porque «é difícil dizer o que os corpos sentem quando se dão». Sem «instruções de montagem»". Um livro "Talismã". De Carlos Alberto Machado. Campo dos Afectos. De muita saudade.

Dizem:"As Não-Metamorfoses é a última aventura extra-virtual de Alexandre Andrade". Um livro de contos. 10 contos publicados pela Editora Errata. Cá estamos para acompanhar. A blogosfera está linda.