quarta-feira, 1 de dezembro de 2004


[A Cambalhota do dr. Sampaio]

Deu ontem uma elevada cambalhota, seguida de um prudente flic-flac, o senhor Presidente da República, decerto para que os indígenas celebrassem, viçosamente, o Dia da Restauração. Depois de há quatro meses o dr. Sampaio enaltecer as virtudes do bom governo, contra a gratidão da populaça, entendeu agora dissolver o Parlamento. O dia estava predestinado. O governo moribundo de Lopes & Portas estava crivado de farpas por todos os lados, arrastava-se numa lenta agonia e intempestivas desditas. A governação era um calvário comovente. A utilidade temporal deste Parlamento que a tudo diz amém, na sua doméstica devoção, era nenhuma. A coisa tinha de se dar.

Mas a ilusão de óptica de contemplar o progenitor abatendo o seu dilecto fruto, não é coisa de estima geral. A reflexão presidencial consumiu-se numa cabriolada entre o devir formalista constitucional e os desamores presidenciais. E ninguém, de boa fé, entende a sua tardia inspiração. Daí o espanto.

A situação económica e política estão envoltas num caos. A espada de Ferreira Leite contra o deficit, ou aquilo que estrondosamente se denomina "consolidação orçamental", se muito jubilosa para muitos curiosos da economia política, não pode deixar de confessar-se que é um singular engodo. O País está pior do que no tempo do eng. Guterres e do inenarrável Pina Moura. Vale a pena dizer, sem qualquer rebuço, que a causa disso não pode ser apontada a Santana Lopes. A vida pode ser uma sucessão de movimentos, mas a economia tem os seus timings, quase religiosos. E isso já se sabia, quatro meses atrás. Ora os dois anos de ferrete Barrosista, mais o ano que se lhe segue (eleições em Fevereiro) corresponde a vários anos de atraso económico e social, que muito dificilmente será revertido. O País, decididamente, descolou da civilização. Culpas? De todos nós. E não temos absolvição.