Bem fica ou Benfica eis a questão
"Como o palhaço, vamos fazendo as nossas cabriolas, simulando sempre, adiando sempre o grande acontecimento. Morremos a lutar para nascer. Nunca fomos, nunca somos. Estamos sempre na contingência de vir a ser, separados, desligados, sempre. Sempre do lado de fora" [Henry Miller]
Apetecia-nos partir depressa para o bridge mas temos o futebol ainda na cabeça, os ovos-moles na boca e as mãos teimam em dobrar o lenço que se agita em enxovalho. Mau grado as olheiras pisadas por um qualquer Tanque Silva visando a baliza de Quim e os brindes à moda da Luz, temos por nós que a malapata se deve à pieguice desse malfadado meeting entre o cangalheiro Filipe Vieira e o piegas Dias da Cunha. A tamanha coscuvilhice em público o jovem Silva não entendeu. Inculto! E eu com o bridge à perna e as noites vazias. Senhor tende misericórdia.
Pronto. E lá vamos, que se faz tarde. A récita para esconjurar o demo está feita. Suspeita-se que ainda vamos a grande cheleme. Cuidado. Há noites abundantes.
domingo, 23 de janeiro de 2005
sábado, 22 de janeiro de 2005
Lord Byron [n. 22 Janeiro de 1778-1824]
Lord Byron, acompanhado pelo "seu fiel criado" Hobhouse, embarcou num navio em Talmouth, nos tempos idos de Junho 1809, com destino Lisboa. Sabe-se que visitou, também Sintra e Mafra, partindo depois para Sevilha. Deixou algumas anotações sobre a sua visita a Portugal, nas suas Peregrinações.
"Pobre povo de escravos! Nascidos em tão delicioso clima! - Ó Natureza, por que hás tu prodigalizado teus dons a tal gente? O aspecto variado dos vales e das colinas de Sintra, se nos oferece como um novo Éden! Ah! que mão poderá guiar o pincel ou a pena para seguir a vista deslumbrada através dos lugares mais deslumbrantes para a contemplação dos mortais, como essas maravilhas descritas pelo poeta que ousou franquear ao mundo surpreso as portas do Eliseu?" [Estância XVIII das Peregrinações, in Lord Byron, por João Paulo Freire (Mário), Lisboa, 1944]
"Assim Mafra retê-lo-á um momento. Esta residência da infeliz rainha da Lusitânia, reuniria a igreja e a corte, os frades e os cortesãos; às missas sucediam-se os banquetes. Mistura estranha, sem dúvida; mas aqui a prostituta da Babilónia construiu um palácio tão sumptuoso, que os homens esquecem o sangue que ela tem derramado, e ajoelham perante a pompa que se esforça por emprestar ao crime enganoso"
[diz JP Freire (Mário) - «Em nota, Byron escreve: "A amplidão do Convento de Mafra é prodigiosa; reúne um palácio, um convento e uma igreja magnifica. Os seis órgãos que existem nesta igreja são os mais belos que jamais hei visto (?) Classifico Mafra o Escourial de Portugal?. Em carta a sua irmã Augusta, Byron diz-lhe que visitou a Livraria do Convento e falou latim com os frades, que lhe perguntaram se na sua pátria também havia livros ...» - Estância XXIX, ibidem]
Locais: The Life and Work of Lord Byron (1788-1824) / Lord Byron - Life Stories, Books, and Links / Lord Byron / Lord Byron (1788-1824) / George Gordon, Lord Byron 1788-1824 / Crede Byron / Selected Poetry of George Gordon Lord Byron (1788-1824) / The Diary of John Cam Hobhouse (Portugal, July 7th-23rd 1809) / The Oxford Byron Society
sexta-feira, 21 de janeiro de 2005
Flash eleitoral
"O segredo do demagogo é fingir ser tão estúpido quanto a sua plateia, para que ela pense ser tão inteligente quanto ela" [?]
A seriedade desta campanha eleitoral assegura-nos o mesmo de sempre: desânimo. Os pantomineiros do costume, na falta de informação, ideias e trabalho de casa, animam estes dias de sol imprudentemente suaves no tempo e na fortuna. A nova lida eleitoral é um ambicioso trabalho de separação entre o ético e o político, uma manifesta falta de qualquer código moral e uma paixão declarada de manipular o gado eleitoral. O que profundamente está em causa, não é a apresentação de linhas orientadoras governativas e propostas programáticas político-partidárias, mas um matraquear constante de fait-divers, uma retórica em torno de milagres para conversão da plebe, tudo isso envolto num entusiasmo infantil de luta pessoal, contra inimigos internos e externos.
Os motivos estão à vista. As prodigiosas facadas que todos os dias, sem misericórdia, os impetuosos compagnon-de-route Santanistas se aprestam a dar à criatura em chefe, são de uma ambição desmedida. Absorvidos no enlevo de se verem livres do homem, para poder mudar de amo e de negociatas, não se dão conta que foram eles que o levaram aos ombros para o trono e para nossa desdita. Ontem Morais Sarmento, hoje Aguiar Branco. É que todos estiveram no mesmo barco: o da incompetência. Ainda temos memória.
Da parte de Sócrates, a regra é ser palrador-mor. Sem que se saiba o que pretende para o país e para o mundo - e tantos dias foram já passados -, o seu único cântico é tentar contrariar as sondagens e obter a maioria absoluta, no meio de um discurso errático e vulgar. Como clonado de Santana, não possui a virtude de ser líder forte de modo a conter a tralha do seu partido e as diatribes dos seus correligionários. O episódio das miseráveis declarações de Nuno Cardoso aí está para o comprovar. Numa única semana, desbaratou capital eleitoral que dificilmente regressará. O que falta ainda percorrer revelará a dimensão da tragédia.
Olhando para o PP e para os gemidos animados do seu putativo governo, a lição é que a desgraça nunca vem só. Debatendo-se entre a urgência de dar um ar respeitável e civilizado e a tortura de não poder espinotear por aí, mais a garotada que o venera, Paulo Portas pouco tem a dizer. O vazio de ideias que manifesta é total. Encharcado de angustias quando lhe falam no seu parceiro da coligação, debatendo-se na cadeira quando ouve falar dos seus inefáveis ministros, crispado por saber que nada sabe, Paulo Portas tem a tragédia de só poder falar no trabalho do seu ministério. O resto do país passa-lhe ao lado, como foi bem visível no debate com Francisco Louçã. E este, inteligente e estudioso, vai capitalizando ideias e votos, numa argumentação irrepreensível. Compreende-se que os novos liberais, mesmo os que habitam a blogosfera, se sintam desconfortáveis. Esquecem que o mundo mudou. Estão velhos, sem ideias e sem bandeiras. O que não deixa de ser um paradoxo.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2005
D. Sebastião [n. 20 Janeiro de 1554]
"Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?" [F. Pessoa, in Mensagem]
"O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade de indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroísmo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo. A história resume-se quase numa série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas. Sobretudo depois de Alcácer. Povo messiânico, mas que não gera o Messias. Não o pariu ainda. Em vez de traduzir o ideal em carne, vai-o dissolvendo em lágrimas. Sonha a quimera, não a realiza?
[Guerra Junqueiro, in Pátria]
Portugal & Sebastianismo
"D. Sebastião continuará o mito do Rei Artur, como modelo exemplar da soberania; do rei que, oficiante e vítima, se oferta e imola no sacrifício ritual do seu reino, dele seu representante, a ele identificado transcendentemente; e o que, após longa dormição, o virá salvar. E assim como os Cavaleiros da Távola Redonda foram exterminados na batalha de Camlan, assim o forma os cavaleiros da nobreza do reino lusíada na batalha de Álcacer Quibir: mas também depois de sua morte, seu longo período de pausa e ocultamento, o rei salvador voltará ressuscitado, purificado e iniciado, para redimir e ressuscitar o seu povo. E entretanto, como Artur ficou permanecendo na ilha de Avalon, centro do mundo, assim também D. Sebastião ficou permanecendo na sua Ilha Encoberta, como outro centro do mundo" [Dalila Pereira da Costa, A Nau e o Graal, 1978]
"Ser navegador ... Ser navegador
Não é termos sido é sermos ainda
É irmos a Vénus ou seja onde for
Esperar os cornos onde o espaço finda
É haver Camões como uma revolta
E haver Gil Vicente como um desafio
A esse Encoberto que nunca mais volta
Porque é pretexto do nosso vazio"
[Natália Correia, in De Comunicação, 1959]
[Na Posse de George W. Bush]
Bush's Bluff (Emil Guillermo) / Bush Interview to The Washington Post / Free Iraq (Imad Khadduri's Blog) / How conservatives became so terribly oppressed (Jim Phillips) / George Bush's Vietnam (Edward Kennedy) / Iran: The Next Strategic Target / None So Blind (The Nation) / The Coming Wars. What the Pentagon can now do in secret (The New Yorker) / The Cult of George (Geov Parrish) / Who is Bush take two? (The Guardian)
quarta-feira, 19 de janeiro de 2005
O mártir Nuno Cardoso, o fundamentalista Sousa Tavares & outros
As façanhas assombrosas da classe política lusa, local e nacional, davam excelentes best-sellers. Por muito que os comentadores da coisa pública assobiem para o ar, entretendo-se em produzir alucinadas teorias para a salvação da pátria, nada consegue fazer esquecer o fastio da contemplação da corrupção, que é transversal a toda a sociedade portuguesa. E quando a coisa assumiu tamanha proporção não há modelos económicos, políticos ou sociais que resistam. O argumento do debate político contínuo encerra algumas virtuosidades, mas não basta aceder ao seu discurso sem que as enfermidades maiores do sistema democrático sejam resolvidas. E a corrupção, o compadrio, o deixa-andar, o apostolado partidário, o fundamentalismo de todas as matizes, admitidas com o maior dos beneplácitos pela elite indígena, tornam moribunda a sociedade civil e castra o exercício da cidadania. Ou este jogo insuportável se atenua ou a tragédia não tem fim.
Hoje calhou a vez a Nuno Cardoso. E de novo está presente a relação suspeitosa entre presidentes de câmaras, empreiteiros e clubes de futebol. Ainda os arrufos de Fernando Ruas, em defesa e lisonja dos autarcas, desabavam nos jornais, já o caso Nuno Cardoso aí estava. A fé jurada de Ruas em homenagem aos autarcas teve a sua morte prematura. A classe política lançou sementes que, curiosamente, germinaram. Por culpa de todos nós.
O caso de Miguel de Sousa Tavares, hoje em pronunciamento na TVI, desvela as cândidas oportunidades que demos a toda essa gente. Por manifesto fundamentalismo clubístico, Sousa Tavares não quer ver o que aí está. Furioso dispara para todo o lado, à maneira dos hooligans. Custa acreditar no que se está a ver. E quando só reconhece o facto se a cadeia das desgraças abraçar, também, os outros clubes rivais, então estamos perante um caso clínico grave. Não merecíamos este Sousa Tavares, arrastado pela clubite, bizarro, fanático e suplicante. Precisamos de homens livres e por inteiro. Se ainda existirem.
Alexander Woollcott [n. 19 Janeiro 1887-1942]
"Há muitos chás em moda, porém nenhum como os de Dorothy Parker e seus cavaleiros. É que nos tempos confusos da Lei Seca, nos E.U.A., eles se reuniam em torno da Távola Redonda do Hotel Algoquin para bebericar xícaras e xícaras de ... Uísque! E, isso mesmo. Era o uísque que lhes aquecia as tardes nova-iorquinas dos anos vinte, liberando as línguas para o vituperioso exercício de falar mal da vida alheia. Maldade com classe, é bom frisar. (...) Era um grupo formado pelos melhores artistas da época. Figuras como o comediante Harpo Marx, o editor da New Yorker, Harold Ross, o teatrólogo Robert Sherwood, o editor da Vanity Fair, Frank Crowninshield, o crítico Alexander Woollcott e muitos outros" [in O chá de Dorothy Parker e sua loira burra]
"Tout juste avant de devenir un adulte, je caressais trois rêves : devenir un héros comme Lindberg, apprendre le chinois et adhérer à l'Algonquin Round Table" [J. F. Kennedy]
Locais: Alexander Woollcott / Alexander Woollcott (1887-1942) / Alexander Woollcott - The Man Who Came to Dinner / Miss Kitty Takes to the Road, August 1934 / The Algonquin Round Table / "The Algonquin Round Table" / Algonquin Round Table / Algonquin Round Table (Caricature) / The Algonquin Hotel, New York
[Manias de bibliófilos 2]
"... Há por aí alguém que tenha conhecido o Pereira Merelo! (...) Esse tinha outra mania. Tudo lhe prestava, contanto que tivesse forma de livro. Velhas crónicas, livros de missa, números soltos de jornais, romançada de três ao pataco, edições princeps, relatórios de associações, tudo encontrado, depois da morte daquele célebre corretor de Bolsa, metido em sacos de linhagem, à laia de batatas ou feijão em fundo de armazém. Tenho essa informação de Teófilo Braga que prefaciou essa aventesma bibliográfica que é o catálogo do leilão Merelo.
Mas no meio daquele entulho livresco, que os ratos e as baratas já começavam a rilhar, quantos manuscritos preciosos, quantos exemplares únicos de incunábulos e livros do quinhentos e seiscentos.
Merelo foi o tipo de bibliófilo hermético. Livro que lhe caísse nas mãos era alma que caía no inferno: nunca mais ninguém lhe punha a vista em riba. Não há notícia de pesquisador a quem o famoso corretor permitisse a conslta dum livro..."
[Cardoso Martha, in Almanaque do Jornal O Século, 1931]
"... Há por aí alguém que tenha conhecido o Pereira Merelo! (...) Esse tinha outra mania. Tudo lhe prestava, contanto que tivesse forma de livro. Velhas crónicas, livros de missa, números soltos de jornais, romançada de três ao pataco, edições princeps, relatórios de associações, tudo encontrado, depois da morte daquele célebre corretor de Bolsa, metido em sacos de linhagem, à laia de batatas ou feijão em fundo de armazém. Tenho essa informação de Teófilo Braga que prefaciou essa aventesma bibliográfica que é o catálogo do leilão Merelo.
Mas no meio daquele entulho livresco, que os ratos e as baratas já começavam a rilhar, quantos manuscritos preciosos, quantos exemplares únicos de incunábulos e livros do quinhentos e seiscentos.
Merelo foi o tipo de bibliófilo hermético. Livro que lhe caísse nas mãos era alma que caía no inferno: nunca mais ninguém lhe punha a vista em riba. Não há notícia de pesquisador a quem o famoso corretor permitisse a conslta dum livro..."
[Cardoso Martha, in Almanaque do Jornal O Século, 1931]
terça-feira, 18 de janeiro de 2005
Ary dos Santos [m. 18 Janeiro de 1984]
"... A poesia é de mel ou de cicuta?
Quando um poeta se interroga e escuta
ouve ternura luta espanto ou espasmo?
Ouve como quiser seja o que for
fazer poemas é escrever amor
a poesia o que tem de ser é orgasmo" [Ary]
"Isto vai meus amigos, isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente
Isto vai meus amigos isto vai
O que é preciso é ter sempre presente
Que o presente é um tempo que se vai
E o futuro é o tempo resistente ..." [Ary, in O Futuro, 1978]
"... Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!" [Ary]
Locais: Ary dos Santos / José Carlos Ary Santos / Ary dos Santos (1937-84) / Biografia / A Máquina Fotográfica / Queixa e imprecações dum condenado à morte / Poemas / Aqui Jaz Ary dos Santos sentado no muro do cemitério a ver passar a classe operária
Momento absolutamente desportivo
"Who has good luck is good, Who has bad luck is bad" [Brecht]
Apartados do mundo - oh eterno bridge p'la noute dentro - não acompanhámos o mistério do gozo e vil penar dos aspirantes ao título de campeon nacional de futebol. Mas generosidade amiga, em terras do Mondego, com o senhor Reytor lá no cimo venerando, contou-nos a dedicaçon que os emissários do Norte transportaram no jogo com os estudantes da Briosa. Espíritos devassos confessam o desgosto de não se tirar proveito da alegre passeata dos azuis e brancos e, evidentemente, de não lhes ter ensinado a tabuada. Ah meus caros amigos, como soys caprichosos!
Em banhos na Madeira, Peseiro & seus formosos muchachos, tiveram o mayor dos recolhimentos. As fadigas de Sá Pinto, a decoração defensiva de Polga e a energia de Paíto são salutares temperos na fecunda equipa d'Alvalade. Os assuntos futebolísticos dos verdes são cada vez mais lavrados em inocentes jogatinas em versão solteiros contra casados. Só a fé é que os salva. E o Dias da Cunha. Não vale a pena ruborizarem-se. Convertei-vos!
Ah! e que dizer da eloquência do futebol avermelhado? Daquele momento heróico, cheio de Mantorras, temperado por Simãozinho, que a eternidade gravou? Vós, educados nos sãos princípios do futebol, submissos ao belo e severos às lides da bola respigai soidades. Prestai homenagem. E vós ímpios, nada de prantos! Aproxima-se a inevitável hora. Fazei vénia. Disse.
[Manias de bibliófilos]
"... Um falecido estanceiro, bibliófilo amador, que mercê de muitos contos de réis conseguiu reunir uma preciosa livraria, esse esperava nos leilões que o volume desejado excedesse o lanço de cinquenta mil réis para o arrematar. Até esta altura, o livro não era digno dele - era entulho sem valor. Mas logo que o desejado calhamaço excedesse a bitola dos cinquenta, tínhamos homem. Já não o largava.
Eu ainda conheci um patusco que comprava todas as Artes de Furtar, da hipotética autoria do Padre António Vieira, que topasse à venda em alfarrabistas ou de que tivesse notícia por catálogos ou informações pessoais. Assim alcançou uma duas ou três dezenas. Um dia, tendo os encharcados previamente de petróleo, deitou-lhes o fogo num pátio interior da casa onde morava, no meio dos protestos da vizinhança, escamada com a fumaceira que invadia os prédios circundantes até às águas furtadas.
Queria o bom homem - vejam lá esta ratice! tornar rara aquela obra. Tempo perdido, porque a Arte de Furtar ainda hoje não figura no elenco das raridades ..."
[Cardoso Martha, in Almanaque do Jornal O Século, 1931]
"... Um falecido estanceiro, bibliófilo amador, que mercê de muitos contos de réis conseguiu reunir uma preciosa livraria, esse esperava nos leilões que o volume desejado excedesse o lanço de cinquenta mil réis para o arrematar. Até esta altura, o livro não era digno dele - era entulho sem valor. Mas logo que o desejado calhamaço excedesse a bitola dos cinquenta, tínhamos homem. Já não o largava.
Eu ainda conheci um patusco que comprava todas as Artes de Furtar, da hipotética autoria do Padre António Vieira, que topasse à venda em alfarrabistas ou de que tivesse notícia por catálogos ou informações pessoais. Assim alcançou uma duas ou três dezenas. Um dia, tendo os encharcados previamente de petróleo, deitou-lhes o fogo num pátio interior da casa onde morava, no meio dos protestos da vizinhança, escamada com a fumaceira que invadia os prédios circundantes até às águas furtadas.
Queria o bom homem - vejam lá esta ratice! tornar rara aquela obra. Tempo perdido, porque a Arte de Furtar ainda hoje não figura no elenco das raridades ..."
[Cardoso Martha, in Almanaque do Jornal O Século, 1931]
segunda-feira, 17 de janeiro de 2005
Calderón de la Barca [n. 17 Janeiro de 1600-1681]
"Apurar, ó céus, pretendo,
já que me tratais assi,
que delito cometi
contra vós outros, nascendo;
que, se nasci, já entendo
qual delito hei cometido:
bastante causa há servido
vossa justiça e rigor,
pois que o delito maior
do homem é ter nascido ..." [in La Vida es Sueño, trad. Jorge de Sena]
Locais: Calderón de la Barca / Pedro Calderón de la Barca / La vida es sueño / Poemas
A mezinha de Barreto, a sabatina do Espada e o ministro Rosado Carvalho
O que seriam as nossas vidas sem as croniquetas e as oratórias dos divinos António Barreto, João Carlos Espada e Carlos Rosado de Carvalho? Decerto a dor de não tresler a tribuna sagrada de António Barreto no Público seria um tormento horrendo, um choro desvalido, uma maldade moderna. Não aludir nas conversetas de café o ímpeto neo-liberal do profeta Espada nas páginas d'O Expresso, um desaforo severo, uma insensatez pedante. Deixar de ouvir o putativo ministeriável Rosado de Carvalho e a sua economia amestrada, na SIC-Notícias, um esquecimento mesquinho. A obediência a estes preclaros doutores, que com a pena e a palavra instruem os indígenas lusos e quiçá europeus, é um sentimento nobre e a esperança que o País, embevecido, contempla a sua própria ruína. A obra libertadora com que adoçam os seus queixumes sobre a horrível ralé, a média burguesia ou o pé descalço, arrisca-se a ganhar a imortalidade. Portugal, com tais apologistas, brilhará para todos nós. Sigamos os mestres, pois.
Cumpre-nos referir, no entanto, aos sábios e inocentes pregadores que as venturosas sabatinas que temos o privilégio de atender andam tumultuosas. Esta semana, por exemplo, a mezinha de Barreto diz-nos que o problema do ignóbil Portugal pode ser resolúvel pelo pacote do sistema de círculos uninominais. Mais, não sabendo bem como seria a sua configuração, Barreto assegura-nos uma certeza: na impossibilidade de mudar de país, contra os políticos populistas e deputados inúteis, resta-nos alterar o sistema eleitoral. Era, pois, certo e sabido que doravante chegaríamos ao topo da Europa e da civilização. O povo, resignado, inculto e iletrado compreenderia, e castigaria, na sua bondade democrática, os caciques distritais e nacionais, os suspeitos do costume. Um mar de rosas.
Por fim, a sabatina de Espada sobre "O desafio do Oriente", no Expresso, é de uma grandeza libertária inolvidável. Ficámos persuadidos. Pois, se até o director do departamento de ciência política da Universidade de Sun Ya Tsen (longa vida camarada Mao) fala "inglês fluente", porque razão não entramos já nesse novo campeonato mundial de baixa de impostos!? Absolutamente, professor. E que dizer do temerário Rosado de Carvalho que garantiu na SIC, a propósito da eliminação dos benefícios fiscais, e contrariando os desígnios de Lopes & Sócrates, que se deve liquidar não uma classe média, mas duas ou três, de preferência (sic)!? Genial o douto politólogo. Ainda vai a ministro. Oremos.
[Em 1966 "Sounds of Silence" por Simon and Garfunkel. Nunca mais fomos os mesmos. Nunca mais ficámos quietos no incêndio do nosso coração. Nunca mais.]
"Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.
...
«The words of the prophets
are written on the subway walls
And tenement halls»
And whisper'd in the sounds of silence". [The Sound of Silence]
Locais: Simon and Garfunkel / Simon and Garfunkel / The Simon and Garfunkel Homepage / Poet Musician Artist - A Critical Commentary / The Sound of Silence / The Sound of Silence (Lyrics) / Sounds Of Silence (Lyrics - tradução)
sábado, 15 de janeiro de 2005
[A Bem da Nação]
"Os homens parecem-se como corvos de olhos fixos que levantam voo por sobre os cadáveres e todos os peles-vermelhas são chefes de estação" [Francis Picabia]
Desfilaram esta semana um conjunto apreciável de sujeitos nas festas eleitorais. Enquanto a gravidade económica do país era assinalada, curiosamente também pelos que mais participaram na sua mediocridade, cá dentro e nos países civilizados, os diferentes espíritos da coisa pública, em discursos buliçosos, entravam no mais perfeito dislate. Supõe-se que os parcos aplausos eram todos "a Bem da Nação".
A crónica inicia-se pela apologia inenarrável do despeitado turista acidental, Morais Sarmento, a banhos em S. Tomé. A fraseologia usada revela-se de pouca singularidade. Fosse o ministro Sarmento um qualquer gentio da província, um ilustre desconhecido da administração pública, tivesse vestido a farpela fútil d'algum secretário de estado ou ministro-a-dias, que a palestra em sua defesa não existiria. O tiroteio seguido de intensa emoção, que o facto desvelaria, percorreria o país de lés-a-lés, e os frémitos contra o desafortunado turista produziriam em todas as bancadas espasmos colossais. Mas o homem era outro. Neste caso, passe o dito cheio de graça de Lobo Xavier que jura que Sarmento é homem de sucesso (curiosamente, todas as luminárias da politica o são, caso do próprio Xavier), a classe política juntamente com alguns opinion makers de serviço à Nação fizeram a desafronta e chibataram a plebe. Que não deve ter gostado da reprimenda.
Quanto ao cada vez mais clone de Santana Lopes, o eng. Sócrates, o caso é deveras admirável. A sua afoiteza em jurar eterno apoio do Estado aos mais pobres, "aqueles que se encontram abaixo do limiar da pobreza", fez lembrar com eterna saudade o outro engenheiro, de nome Guterres. A gaffe é elucidativa. A história repete-se. Como dizia o outro, "a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa". A peça espectaculosa sobre a eliminação ou não dos benefícios fiscais num futuro governo de Sócrates foi clarificadora. Diz-se uma qualquer coisa, não importa o quê, contra o governo com a alegação que a classe média é penalizada, que não há equidade fiscal, e noutro momento, imperturbavelmente, faz-se o elogio da estabilidade fiscal Santanista. Não há paciência para iluminadores assim. Ninguém resiste a tal grotesco.
Leilão de Livros na Leiria & Nascimento
[Dia 19 de Janeiro, 15 h e 21,30h - Pavilhão das Exposições da Tapada da Ajuda]
O primeiro leilão do ano inicia-se com um conjunto de valiosas e estimadas peças, catalogadas por José Vicente (da Livraria Olisipo), a cargo da leiloeira Leiria & Nascimento, "provenientes de várias bibliotecas", que pode ser consultado on line.
Algumas referências: Breve Compendio Di Maravigliosi Secreti Appronati con felice sucesso nelle Indisposition Corporali ..., de Fr. Doménico Auda... Per il Remondini (Séc. XVII) / Dom Miguel, ses Aventures Scandaleuses, ses Crimes et son Usurpation, Par un Portugais de distinction.Traduit par J. B. Mesnard. Paris. Ménard, Libraire, 1833 (Feio Barreto, obra publicada anónima) / Vida do Apostólico Padre António Vieyra da Companhia de Jesus Chamado..., pelo Pe. Andrade Barros, 1746 / Luz, & Calor Obra Espiritual..., pelo Pe. Manuel Bernardes, 1724, 2ª ed. / Historia Dela disunione del Regno di Portugallo..., scritta Dal Dottore Giovanni Battista Birago, Novamente Corretta, emendada illustrada, 1647 (rara) / Epitome Chronologico Genealogico & Historico, ... composto pelo Padre António Maria Bonucci, 1706 [«O autor foi missionário no Brasil e secretário do Padre António Vieira. Fez recolha e cópia de cerca de 300 cartas do Pe.A.Vieira, que enviou ao Papa Clemente XI»] / Opera Varia Quorum posthac exstat Catalogus Cum Indicibus necessaris & ... Geneve, por Robert Boyle, 1677 / Os Lvsiadas De Lvis de Camões, Lisboa, Paulo Paulo Craesbeeck, 1644 (raro) / Art de la Guerre par Príncipes et par Regles ..., por Jean François Chastenet Marechal de Puysegur, 1749, II vols / An Universal History of Arts anda Sciences ..., por Dennis de Coetlogon, London, 1745, II vols / Dell'Vnione Del Regno Di Portogallo Alla Corona di Castiglia..., de Ieronino Conestaggio ["também é atribuída a D. João da Silva, Conde de Portalegre", Rara], 1592 / Dicionário de Adágios e Princípios Jurídicos, de António Simões Correia, 1958, II vols (raro) / Tratado Singular Composto de Regras Certas e infalliveis, pelas quaes se descobrem os, principios por onde se purifica, affina, e legalmente se póde fabricar prata com pureza ..., por Luís Gonzaga da Costa, 1709 (raro) / Voyage Pittoresque et Historique au Brésil..., de J. B. Debret, Rio de Janeiro, 1965, III vols / Mort D'Abel Poème de Salomon Gessener, A Paris, 1793 / Saducismus Triumphatus Or Full and Plain Evidence Concerning Witches and Aparitions..., por Joseph Glanuil, 1682, II vols [«Rara obra sobre Aparições, Levitação, Bruxaria, etc»] / A Lanterna. Folha Política, Lisboa, 1868 (a 1871) / Historia y Tragedia de los Templários, Por Santiago Lopes, Madrid, 1813 / [Ms] Certidão da Torre do tombo, assinada pelo Cronista Gomes Eanes de Zurara e D. Afonso V, contendo as inquirições das Igrejas de S. Paio de Roilhe, julgado de Penafiel, feita por D.Afonso, Conde de Bolonha, e da Vila de Mós, passada a 14 de Junho de 1463 / Primera y Segunda Parte de La Diana de George de Montemayor, Madrid, 1622 / Collection Historique dês Ordres de Chevalerie Civils et Militaires existant chez les différens peuples du Monde, suivie d'un tableau chronologique des ordres éteint, por A. M. Perrot, 1820 / O Minho e as suas Culturas, pelo Visconde de S. Romão, 1902 (raro) / Secreti Nobilissimi Dell'Art Profvmatoria..., in Venetia, 1678 [«Raro tratado de cosmética seiscentista. Publicado anónimo»] / Historia da guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal..., por Simão José da Luz Soriano, 1866-1890, VIII tomos / Reflexions sobre El Derecho Espiritual y Temporal del Ordem de Calatrava..., por Plácido Francisco Sotelo, 1767
quarta-feira, 12 de janeiro de 2005
In Memoriam de Augusto Nunes - Livreiro Alfarrabista
Um dos mais estimados alfarrabistas de Lisboa, um dos mais queridos profissionais que gerações de amantes dos livros conheceram e respeitaram, faleceu no passado dia 9 de Janeiro. Um cidadão exemplar.
Augusto Nunes, o Nunes de Benfica como era conhecido, com livraria aberta na Rua São Domingos de Benfica nº 5, em Lisboa, era um homem notável, um homem bom e um excelente profissional. As suas histórias sobre bibliotecas e livros, que amava exemplarmente, as curiosas peripécias passadas ao longo da sua vida na profissão que orgulhosamente gostava, a franca amizade que mantinha com todos os amantes dos livros, novos ou velhos, são sentimentos de um espírito bom. Um virtude rara.
A sua perda é irreparável. Decerto que todos os seus clientes e amigos se sentem consternados pela triste notícia e apresentam as mais sentidas condolências à sua família, em especial ao seu filho, que continuará a obra do seu ilustre pai. Que descanse em paz.
terça-feira, 11 de janeiro de 2005
Alberto Giacometti [m. 11 Janeiro de 1966]
"Tout n'est qu'apparence, non?" [A. Giacometti]
Locais: Alberto Giacometti Page / Alberto Giacometti / The Museum of Modern Art / Alberto Giacometti (1901-1966) / Alberto Giacometti Stampa (Grisons), 1901 - Coire, 1966 / Guggenheim Museum
Nos 80 anos passados da morte de António Sardinha [10/01/1925]
"... o Amadis é o espelho cristalino da profunda natureza lírica da nossa raça. A delicadeza do seu coração não exclui das práticas vigorosas de cavaleiro intemerato. Lembremo-nos de que, sendo estruturalmente lírico o génio português, não deixamos de ser por isso um povo de acção, - um ninho permanente de descobridores e de navegadores. A nossa epopeia que, além de nacional, é cheia de universalismo em relação ao sonho inquieto da Renascença, por quem foi concebida e escrita, senão por um lírico? O que é o mito supremo do Encoberto senão uma condensação colectiva de lirismo? (...)
(...) E, transmitido dos Cancioneiros ao Amadis, prolonga-se em inolvidáveis criações literárias da Menina e Moça à Diana, de Jorge de Montemor ..."
[António Sardinha, "Um romântico esquecido", in Nação Portuguesa, IV Série, tomo I, 1946]
Maçonaria Portuguesa
[a propósito das afirmações de Paulo Noguês, citadas no jornal Público, em que era dito que a maçonaria portuguesa "ou tem capacidade de projectar o futuro ou acaba"]
"... Em quanto o Maç. vulgar, satisfeito com uma apparencia mystica, se contenta se saber pronunciar algumas palavras, de que ignora o verdadeiro sentido, o Maç. philosopho se lança aos séculos passados, e lá vê as causas primeiras e os fins reaes da Instituição Maç. (...) [in Historia da Franc-Maçonaria ou dos Pedreiros Livres pelo autor da Bibliotheca Maçónica [Miguel António Dias], capítulo IV, Lisboa, 1843]
"A Bulla do papa João XXII de 19 de Março de 1319, pela qual foi fundada a Ord. de Christo em Portugal; a Ractificação da mesma por el-rei D. Diniz, feita em Santarém aos 5 de Maio do mesmo ano; e a Bulla do Papa Júlio III, de 4 de Janeiro de 1551, pela qual se fez a união dos Mestrados das Ord. de Christo, de San-Iago, e Aviz, à Coroa Portugueza, são documentos irrecusaveis, e provam que a Iniciação primitiva, fonte de Franc-Maç. actual, existiu primeiro em Portugal, do que em outras Nações da Europa (...)" [in Annaes e Codigo dos Pedreiros Livres em Portugal pelo auctor da Bib. Maç. e Arch. Mystica, etc, , p. 4 , Lisboa, 1853]
[Nota: o autor, a partir do que foi acima transcrito, procura, curiosamente ou não tanto, demonstrar que a origem da introdução da maçonaria em Portugal nada deve à Ordem dos Templários e muito menos à Ordem de Cristo, dado afirmar, estranhamente, que tais Ordens nada tinham de iniciáticas. Seja como for, os vários livros publicados, anonimamente, por António Miguel Dias são fundamentais para a história da Maçonaria Portuguesa]
"... Por conclusão, diremos mais que Portugal precisa reformar a sua Maçonaria, reduzindo todos os Ritos e todos os Orientes a um só Rito, e a um só Oriente - Não se diga que uma reforma entre os maçons portuguezes é hoje impossível: pelo contrário, sendo desejada de todos os verdadeiros maçons, como é, só lhe falta quem do coração lhe dê um impulso franco e sincero ..." [in Arch. Mystica do Rito Francez ..., 5843 (aliás 1843)]
Dashiell Hammett [m. 10 Janeiro de 1961]
"Hammett gave murder back to the kind of people that commit it for reasons" [Raymond Chandler]
"... Em Hammett, a conexão entre literatura e vida é radical e se processa de modo especialíssimo. Sustentei isso em outras ocasiões, e insisto: o melhor dele são os contos da fase inicial. Com o tempo, ganhou em fôlego e ambição, mas Estranha Maldição (The Dain Curse) é reciclagem de contos, emendados um ao outro. Sua última narrativa, A Ceia dos Acusados (The Thin Man) é, notoriamente, a mais fraca. Mesmo na obra-prima, O Falcão Maltês, há reaproveitamento de contos e inconsistências. Seu livro mais bem-acabado é aquele mais próximo do romance social, A Chave de Vidro. Encerrado o período produtivo de 12 anos, não fez mais nada. Tentou, buscou outros caminhos, saindo da esfera das histórias de detective, mas não conseguiu nem mesmo expandir lampejos de narrativa psicológica, a exemplo do belo conto Medo de Tiro, que está nesta colectânea, Tiros na Noite, sobre o covarde moribundo que, depois de seu único ato de coragem, quer refazer a vida para ir atrás de todos os que o haviam humilhado (...)" [ler aqui]
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2005
O turista Morais Sarmento
Morais Sarmento, numa ladainha déjà vue, deplora a "lamentável falta de sentido de Estado" dos portugueses que pagam os seus impostos, que não usam e abusam dos privilégios do aparelho do estado (que ainda os há, pasme-se!) e que, muito justamente, consideram despropositado a fadiga do turista Sarmento em terras de S. Tomé e Príncipe, em suposto trabalho porfiado de cooperação no audiovisual. Numa linguagem de trapos, o ministro da Presidência consente que o seu gabinete pronuncie uma enternecida e putativa indignação ministeriável aos estupefactos indígenas lusos, de uma grosseria nunca vista. Bem podem os habituais colunistas da pátria reclamarem, mais uma vez, da inveja lusitana, da grosseria do lumpen, da latrina da plebe. Sabemos os que os move.
A historieta é de tal modo dementada, que Santana Lopes se aproveitou, de imediato, do vigor emotivo e patriótico do seu ministro, para se dissociar do seu extenuante trabalho. A vingança em Santana Lopes costuma servir-se fria. De outro modo, o encantador presidente da RTP, misteriosamente nada nos diz sobre as desventuras do seu patrão em terras de S. Tomé. Afinal, se o incansável presidente da RTP não tem autonomia para assinar acordos na sua área, necessitando dar boleia a outros, para que é que serve? Pode-se saber?
domingo, 9 de janeiro de 2005
n. Kurt Tucholsky [9 Dezembro 1890-1935]
"Nothing is more difficult and nothing requires more character than to find oneself in open opposition to on's time and to say loudly: NO!"
"Si les élections pouvaient changer le cours des choses, elles seraient interdites"
"La censure n'existe pas en Suisse, mais elle y fonctionne très bien"
"People in Europe are proud of:
Being German.
Being French.
Being British.
Not being German.
Not being French.
Not being British" [K.T., in What People are Proud of in Europe, 1923]
"Ach, tivemos muitos senhores,
Tivemos tigres e hienas
Tivemos águias e porcos
Se foram melhores ou piores?
Ach, a bota sempre foi igual à bota.
E em nós deu,
Compreendem, quero dizer,
Que não precisamos doutros senhores
Senão de nenhuns" [K. T., trad: noosfera]
Locais: Kurt Tucholsky Literaturmuseum / Kurt Tucholsky - Gesellschaft / Kurt Tucholsky / Biographie / De la Philosophie Sociologique des Trous (Kurt Tucholsky) / Départ (poème de 1928) / A nosa terra: Kurt Tucholsky / Kurt Tucholsky Jornalista e escritor alemão / Kurt Tucholsky (poesia) / Tucholsky e Karl Kraus
"They who lose today may win tomorrow" [Cervantes]
A cantilena do nosso amigo inglês, bem nutrido de Cervantes, sobre aquele jogo no sítio d'Alvalade, pareceu-nos adulterada. Os brados da rapaziada verde eram pouco misericordiosos. O inglês não mostrava desvelo algum pelo pormenor. Bem tentámos apelar ao pecador, fã incondicional de Ferguson, para a generosidade do seu fervor à lide da bola, como se estivesse em Old Trafford. A imaginação não ocorreu, ao que julgamos.
Lá explicámos, que nada mais humilhante que brincar ao futebol sem qualquer espírito de confiança, linha de rumo, fio de jogo, eu sei lá que mais. Até, por iluminação divina, revelámos compreender o modo com que os vermelhos da Sagrada Luz, permitiram deixar correr o cerimonial do jogo a favor dos abnegados jovens d'Alvalade. A rédea solta ao ímpio era para confundir, tá claro. O tom paternal não vingou. O amigo inglês começava, logo, a falar do Bruno Aguiar, dum tal João Pereira, daquele velho senhor que estava sentado no banco a ordenar.
Bem tentámos replicar que o que gramávamos era que o Filipe Vieira & Veiga concorrem-se à câmara do Porto, lado a lado com o exemplo vivo do intelectual tripeiro, Pôncio Monteiro & Costa, Inc.. Mas não houve convencimento. Há momentos em que o coração não pratica discursos, só prantos. E se o inglês continuava pouco complacente ... Valeu-nos um bar irlandês, para nossa vingança. O amigo de Sir Alex restou um túmulo. Fomos felizes na táctica escolhida.
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