quinta-feira, 16 de setembro de 2004
Da Educação ou os pecadilhos de David Justino
"A seus pés, sentados, os dois rapazes sorriam perplexos, cépticos, contrariados, irritados por tanta ideia, tanto pensamento, tanta informação, tanta coisa que nada lhes dizia" [Jorge de Sena, in Andanças do Demónio]
O texto, sumário e pretensamente recenseador, de David Justino sobre o "inventário" de fim de exercício da governação à frente do Ministério da Educação, para além da multivariedade de leituras que o debate necessariamente sugere, estabelece confusões, ambiguidades e perplexidades várias, que no invés de serem noviciadas enunciam a repetida pragmática situacionista dos que se movem nas malhas do sistema e do seu discurso. Ao conjunto de problemas que envolvem estruturas, pessoas, práticas e relações, que o território escolar configura e que a cultura de massas há muito desestabilizou, David Justino, deixando de lado tais sequelas porque, presume-se, sociologicamente inúteis, inscreve um exercício intelectual onde é visível a aproximação insuspeita entre objectivos educacionais e a política económica. Daí que o desassossego educativo, as práticas instrutivas ministeriais e a catástrofe das várias luminosas reformas educativas, só sejam explicitadas a partir de um velho/novo economicismo na tutela do Estado, um verdadeiro oásis do economicus, evidentemente sob a domesticação dos burocratas da política.
A situação é esta. Ao estabelecer um paralelismo entre os métodos de reorganização do Sistema Educativo e o sistema industrial pós-moderno, os novos desafios de David Justino assumem uma necessária reestruturação do sistema de ensino de modo a acompanhar a relação funcional entre a Escola e o processo produtivo, e portanto com recurso a modernas teorias de gestão empresarial, aplicação da teoria e prática do management, projecção de critérios de máxima racionalidade, planificação da gestão e avaliação do processo educativo. A performatividade escolar assim entendida caminhará, necessariamente no futuro, para uma separação entre direcção e gestão escolar, ultríssima panaceia para a solução dos problemas educativos.
Ao considerar-se tal paradigma, a Escola é tomada como uma qualquer organização formal sem "construído cultural" e na qual os vários clientes escolares cooperam com inteira liberdade, mantendo-se ao mesmo tempo como agentes livres. E à gestão diária das relações escolares na lógica empresarial menospreza-se competências científicas e pedagógicas, sociais, culturais e afectivas. Suprema ilusão.
Por recato, David Justino, não impõe a figura do reitor (como Bénard da Costa sugere), aparentemente supondo que o órgão não faz a função. Mas nunca fiando. É que, de facto, a organização escolar, sendo uma "realidade que organiza", estrutura-se a partir de regras formais, não formais e informais, possuindo uma cultura e identidade própria, o que sugere a inscrição de práticas e jogos comunicacionais entre os seus clientes, em estruturas democráticas. Assim, o curriculum, os conteúdos programáticos, os métodos de ensino, a avaliação de alunos e docentes, a aceitabilidade de regras impostas à comunidade, o controlo disciplinar de alunos e professores, para além do repensar da linha orientadora em cada ciclo de ensino e da consagração da autonomia escolar, são referências fundamentais ou tópicos de reflexão e acção urgentes. Manifestamente David Justino entende que tais conceitos são meros estereótipos comuns, sem qualquer fundamentação ou linha conceptual credível. É é pena que assim seja.
quarta-feira, 15 de setembro de 2004
No dia nascimento de Bocage [n. 15 Setembro 1765]
"... Enquanto houver tesões, e enquanto o cono
Fôr de arreitadas picas lenitivo,
Sempre hei de recordar-me, alto patrono,
De que és de meus gostos o motivo:
Pois me dás glória no elevado trono,
E já, como o veado fugitivo
Que o caçador persegue, eu corro, eu corro
A procurar as bordas porque morro"
[Bocage, in Ribeirada]
"... Enquanto houver tesões, e enquanto o cono
Fôr de arreitadas picas lenitivo,
Sempre hei de recordar-me, alto patrono,
De que és de meus gostos o motivo:
Pois me dás glória no elevado trono,
E já, como o veado fugitivo
Que o caçador persegue, eu corro, eu corro
A procurar as bordas porque morro"
[Bocage, in Ribeirada]
O Discurso da Coisa
- Paulo Pereira Coelho, aparachick laranja, andava aguilhoado de consciência. Depois de escarpar em terras da Figueira da Foz, onde deixou farta sementeira cinzelando confrontos curiosos, resguardou-se para lides mais nobres na CCDRC, estando, de momento, ornamentado com o inteligente título de secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna. Não lhe bastava o chorrilho de trabalho que com gravidade manifesta em acidentais convívios tribais, para num rasgo vibrante em louvor de glória futura anunciar o prometido processo por difamação aos vereadores da oposição no município da Figueira da Foz, a propósito da alienação feita pela edilidade com os terrenos da ponte Galante. A coisa não ficará, pois, por menos.
Doravante, seguindo o receituário do Estado de Direito, que a classe política perfuma quando sufocada, se qualquer IGAT eminentíssimo reconhecer como válida uma chalaça como a venda em causa, será ocasião para os governantes fustigarem nos tribunais os indígenas que enxergam a pouca solidez de tais singulares negócios e perseguirem a emperrada linguagem da plebe com o chicote da lei. Excelente ideia.
- a peixeirada no PS em torno dos trágicos acontecimentos da lota de Matosinhos durante a campanha do saudoso prof. Sousa Franco promete. O insólito de não se prescrever, clara e definitivamente, a expulsão do Seabra & do Narciso do feudo de Matosinhos e da vida partidária; a manifesta hipocrisia do bestial José Lello e do tedioso Francisco Assis face ao pretenso timing do relatório dos incidentes e, presume-se, sobre o seu conteúdo, revelando o poder do aparelho e a afronta de carácter desses sujeitos, é simplesmente brutal. Não se percebe como, um dia destes, podem aparecer, afinadíssimos, a fazer juras de pax democrática, credibilidade política e de seriedade legítima. Ninguém os poderá entender. Se alguma vez o conseguiram. É triste.
segunda-feira, 13 de setembro de 2004
Salvé Natália Correia [n. 13 Setembro 1923]
"... teu levantar de saias oh resplendor de púbis!
o joelho agressivo das espadas flectia
e na face dos homens deixavas a penugem
das nuvens que as ancas movias.
Eras mansa eras dança e génio de balança
que as estações pesava. Fazias sol chovias
cada homem enchia com frutos o seu crânio
e na alma caíam as roupas que despias ..."
[Natália Correia, in Mátria]
Ofertório
Infindo Bagão Feliz, nós profanos indígenas oferecemos o sacrifício do PEC em boa hora ressuscitado e pela graça provada de Ferreira Leite, elevada pecadora acima de todos os défices e de todos os orçamentos, rogando-vos que alcanceis a produtividade, prática de virtude vigilante para consolo dos trabalhadores nativos e sofrimento dos pecadores capitalistas e demais gestores cheios de graça, indicando as indulgências em honra do prelado César das Neves e do Santo d'O Público Carlos Rosado de Carvalho, afugentando os inimigos visíveis e invisíveis da CGTP, defendendo a causa dos homens junto de Belém e S. Bento, concedendo-nos a eterna salvação.
Temos sede, amabilíssimo Bagão, de sofrer e morrer por vós, pelo vosso santo amor social cristão, pela castidade da liquidez, pelo sagrado mystério da bem-aventurada retoma, pelo eterno descanso dos servos Lopes & Portas, dulcíssimos senhores concebidos sem pecado, e vos consagramos os salários de miséria, dando graças pelos vossos inúmeros benefícios e a inefável doçura oratória; pela vossa piedade, Santo, Santo, Santo Bagão Feliz, imploramos o vosso poderoso patrocínio para purificares o vício da paixão ruim pelo aumento d'ordenado, volvendo na TV os olhos para o povo malévolo e humildemente pedimos, Príncipe das Finanças, que precipiteis no Inferno os espíritos malignos anti neo-liberais, e nunca nos deixais cair nas emboscadas do Estado Providência. Amém.
(365 dias de indulgências na récita de uma só vez, e uma plenária no mês rezando-a com devoção todos os dias)
Aquilino Ribeiro [n. 13 Setembro 1885]
"Para Anatole France não havia leitura mais amena e sedativa que um Catálogo de livros. De facto, depois de ouvir um discurso nas Câmaras, dar-se o parecer sobre um relatório, sustentar uma polémica sobre existencialismo, não se pode encontrar entretenimento mais repousador e edificante. É como estar debruçado à janela a ver passar, sem nos coagir a nenhuma forma de zumbaia, uma vistosa procissão à antiga.
Para o letrado e fino leitor, que se deleitam no que lêem, um catálogo é como um jardim na Primavera. (...)
Para o erudito que, por onde deite os olhos, procura elementos de trabalho, semelhante tarefa permite-lhe refrescar a memória para a contextura das sua complexas e difusas bibliografias. Os livros são a sua enxada, prestantíssimos instrumentos de cultivador, trate-se de incunábulos ou folhetos de fresca data. A necessidade obriga tanto como o gosto. (...)
Há ainda os lordes Byron da bibliofilia que apreciam um livro como apreciam uma mulher, primeiro pelo aspecto, beleza da mancha, tintagem, cores do título, boa ordenação do frontispício, depois pelo que encerra de recatado e supremo: o espírito. De facto há, não podia deixar de haver, uma certa voluptuosidade em roçar, cerebralmente, esses corpos sensuais, que são os livros bonitos, ..."
[Aquilino Ribeiro, in Nota de Abertura ao "Catálogo de Livros Seleccionados", nº 3, do Mundo do Livro (de João Rodrigues Pires), 1955]
sexta-feira, 10 de setembro de 2004
É a Rentrée, ...
Pensando bem, a rentrée política alcança a celebridade quando ilustres escribas, tricotando ajuntamentos de palavras em artigos de opinião, formulam ex cathedra implacáveis desgraças, cáusticas composturas, respeitáveis queixumes sobre a dissoluta nação portuguesa e a súcia de indígenas que a habitam. A candura das suas petições, a perseverança das suas ordenações ano após ano, provoca sempre, por esta altura do ano, um vendaval nos jornais enquanto um arrepio de infelicidade perpassa pelos costados dos viciosos nativos lusos. Trata-se da rentrée, evidentemente.
O ferrete decorre na mais serena placidez. Embora este ano a moda seja os barcos de guerra em terras figueirenses, soubemos do encanto da rentrée por esse extraordinário texto de João Bénard da Costa sobre a escola (Público, 20 e 27 Agosto), afinal assunto recorrente todos os santos anos. O divertimento desse olímpico mau aluno liceal, confuso a soletrar a pérfida matemática e mártir da física-química, é fazer aparecer o cartaz do admirável reitor como panaceia para os males do sistema de ensino. Está tudo explicado.
O requinte de tal maniqueísmo sociológico, peça perfumada por uma historieta de longos arrufos contra docentes e discentes, não só ousa trazer em desordenada correria ilustres pedagogos como Delfim Santos, Vieira de Almeida ou Virgínia Rau, não se sabe a que propósito e com que ocultação, mas faz, também, sair à liça o talento esforçado de António Barreto em copioso artigalho, como era de esperar. O figurino da rentrée é, afinal, o espírito da escola. Esse fantasma que os atormentou em pequeno. A movida não acabará, evidentemente, por aqui. Por entre os papéis da Torre do Tombo, Maria Filomena Mónica, em estilo colorido e sob névoa very british, distrai-se certamente a tricotar novo queixume sobre tão clamoroso assunto. E não estivesse o comentador d'O Público, José Manuel Fernandes, a banhos, já teríamos sido atingidos pela elevada concepção da sua moderna reforma educativa. Mas não esperamos pela demora. A reprimenda vem já.
2 - Aniversários - 2
Na excelsa Blogosfera Portuguesa dois aniversários garbosos. Um, comemorado no princípio do mês pelos manos da Grande Loja, de pena caprichosa e grande empenhamento político-jurídico. Outro, pelos também manos do Barnabé, de excelente irreverência, capacidade imaginativa e talento de audácia. Parabéns a ambos.
Na excelsa Blogosfera Portuguesa dois aniversários garbosos. Um, comemorado no princípio do mês pelos manos da Grande Loja, de pena caprichosa e grande empenhamento político-jurídico. Outro, pelos também manos do Barnabé, de excelente irreverência, capacidade imaginativa e talento de audácia. Parabéns a ambos.
De regresso. Os vales e as ondas calmas deixam saudade, é certo. Há dias assim, eternamente sacros. Entre grandes trabalhos e lastimosas cousas, aconteceu-nos umas férias. Que o descanso nunca amargou. Embora as noites fossem quentes. E "a ternura húmida". Estamos de volta, ainda que o tempo nos confunda. E o país seja o mesmo. Estamos de regresso. Para ficar. Vale!
quinta-feira, 2 de setembro de 2004
Juan L. Ortiz [Juanele] (1896-1978)
m. a 2 de Setembro de 1978
"Un silencio cortés, extremadamente cortés, ante las cosas y los seres... Ellos debían aparecer con su vida secreta, sólo llamando el silencio, pero con cuidados infinitos, ah, y con humildad infinita..." [Juan L. Ortiz]
"Regresaba
- ¿Era yo el que regresaba? -
en la angustia vaga
de sentirme solo entre las cosas últimas y secretas.
De pronto sentí el río en mí,
corría en mí
con sus orillas trémulas de señas,
con sus hondos reflejos apenas estrellados.
Corría el río en mí con sus ramajes.
Era yo un río en el anochecer,
y suspiraban en mí los árboles,
y el sendero y las hierbas se apagaban en mí.
¡Me atravesaba un río, me atravesaba un río!"
Locais: Biografia / Una voz subterrânea / Juan L. Ortiz: la intemperie sin fin / Para que los hombres (Poema)
O tempora, O mores!
[Quo usque tandem abutere, Portugal, patientia nostra?]
- o Presidente da Republica de turno esta semana lembrou, a propósito da "campanha alegre" da organização "Woman on Waves", que "era comandante supremo das forças armadas". A inventiva do dr. Sampaio teve a frescura de um discurso grave e insólito. Raramente se ouvia, na costumeira chateza espiritual do presidente de turno, tal assombro. Louvemos esta pujança de fim-de-estação.
Porém, ao que parece, o putativo Lopes, muito serenamente e com a tolerância emprestada do velho Botas de S. Comba, faz coro na missa pontifical do casto Portas. O "brio patriótico" iluminado pelo glorioso vaso de guerra em vigia aos perigosos "terroristas" do "Barco do Aborto" premeia a fúria louca neoconservadora e moralista. O que é magistralmente estupendo pelo resultado conseguido. Mesmo assim, a originalidade do dr. Sampaio, comovente "até às lágrimas", não obteve o resultado esperado. Ainda não foi desta que tivemos comandante. Per supoesto!
- as opiniões dos adeptos nativos e demais autoridades do futebol de bancada estão cada vez mais judiciosas. Os folhetos que imprimem nos jornais, televisão, rádio e blogs, são uma declaração surpreendente de espalhafatosas profecias, a saber: o temível FCP, sob o patrono desse jongleur Pinto da Costa, vai vassourar "cientificamente" as equipas adversárias. Implacável, a (agora) consolidada equipa azul e branca, irá registar, além de um futebol de ataque de grande fulgor filosófico e de uma viçosa defesa que causa inveja, infames vitórias sobre os ímpios. Os simpatizantes do Estádio do Dragão estão estimulados. A rapaziada indígena dos outros clubes, ao que parece, está resignada. Que malvadez! Deve o excelso campeonato continuar? Ou vamos ao próximo!? E há tempo?
Livros & Arrumações
- publicação do Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1935, de uma conferência realizada pela ocasião do Curso de Férias, de Eva Seifert, intitulada "Uma volta pelos arabismos da terra ibero-românica". Lê-se: "O legado dos muçulmanos oferece-nos como sopa a açorda, feita de pão, azeite e alhos; alguns preferirão talvez outra coisa: alfitete de ovos, açúcar, vinho e manteiga com uma fatia de pão. Esta última palavra deriva de fitãta «miga» e com ela formou-se o vocábulo alfitete. Haverá quem deseje um (a)tabefe «iguaria feita de leite, ovos e açúcar» ou «soro de leite coalhado» ou uma sopa de cúscus, «grânulos de farinha» (...) Para bem cozinhar, precisamos do azeite e do açúcar que tempera o alfenim, «massa de açúcar e óleo de amêndoa doce» e a aféloa, «massa de açúcar». No Minho comeríamos a falacha, «bolo de castanhas»".
- publicação "não periódica das Secções das Associações de Estudantes", de Março de 1966, dita "Cadernos Culturais", nº 1, com textos de: Eduardo Prado Coelho (Faculdade de Letras), "Questões prévias ao estudo da cultura universitária"; um texto de Arnaldo de Matos (Faculdade de Direito), "Cultura Universitária"; um outro de Jorge Veludo (Fac. Ciências), "Universidade e Cultura"; além da participação de Hélder Costa (Fac. Direito), Manuel Marcelino (Fac. Medecina), Vasco Teixeira da Silva (Fac. Medecina) , "A Situação da Arte na Sociedade Contemporânea" e de Sérgio Pombo Martins (Belas-Artes). Como nota final surge um esclarecimento sobre a proibição de um Curso de Sociologia e do Ciclo António Sérgio levado a cabo pelo Ministério de Educação. Estimado.
- publicação do Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1935, de uma conferência realizada pela ocasião do Curso de Férias, de Eva Seifert, intitulada "Uma volta pelos arabismos da terra ibero-românica". Lê-se: "O legado dos muçulmanos oferece-nos como sopa a açorda, feita de pão, azeite e alhos; alguns preferirão talvez outra coisa: alfitete de ovos, açúcar, vinho e manteiga com uma fatia de pão. Esta última palavra deriva de fitãta «miga» e com ela formou-se o vocábulo alfitete. Haverá quem deseje um (a)tabefe «iguaria feita de leite, ovos e açúcar» ou «soro de leite coalhado» ou uma sopa de cúscus, «grânulos de farinha» (...) Para bem cozinhar, precisamos do azeite e do açúcar que tempera o alfenim, «massa de açúcar e óleo de amêndoa doce» e a aféloa, «massa de açúcar». No Minho comeríamos a falacha, «bolo de castanhas»".
- publicação "não periódica das Secções das Associações de Estudantes", de Março de 1966, dita "Cadernos Culturais", nº 1, com textos de: Eduardo Prado Coelho (Faculdade de Letras), "Questões prévias ao estudo da cultura universitária"; um texto de Arnaldo de Matos (Faculdade de Direito), "Cultura Universitária"; um outro de Jorge Veludo (Fac. Ciências), "Universidade e Cultura"; além da participação de Hélder Costa (Fac. Direito), Manuel Marcelino (Fac. Medecina), Vasco Teixeira da Silva (Fac. Medecina) , "A Situação da Arte na Sociedade Contemporânea" e de Sérgio Pombo Martins (Belas-Artes). Como nota final surge um esclarecimento sobre a proibição de um Curso de Sociologia e do Ciclo António Sérgio levado a cabo pelo Ministério de Educação. Estimado.
sexta-feira, 27 de agosto de 2004
Uma Miserável Direcção
"Já andei para marinheiro, mas pus óculos e fiquei em terra" [O'Neill]
Pensar o que seriam os nossos dias sem as mazelas do futebol é empreendimento que ninguém consegue contemplar. O futebol inspira a paróquia lusitana, educa a mocidade indígena, faz editoriais nos jornais, corre de boca em boca. O assunto infunde os actos mais lascivos aos seus associados e simpatizantes. A desonra da derrota é um putatio familiar. A boçalidade, a grosseria, a injúria, as imprecações, tudo isso não passa de dedicados e ternurentos gorjeios de linguagem, uma espiritualidade irreverente, um plebeísmo profano, e quando acompanhados de picarescos gestuais então atinge excelentes resultados. Longe de nós evitar tais afectos comovidos de caridade futebolística. As massas têm esse decoro domingueiro que ninguém deve lamentar.
Ora, evidentemente, o Benfica é a putain respecteuse da nação. Manda avisar os incautos que o Glorioso, mesmo que conspurcado pelos afazeres de Luís Filipe Vieira & Veiga, Vilarinho Lda, não perde a serenidade fidalga e a paciente luta de espírito. Porém, a prelecção desta semana contra os jogadores, o tempero lingual evidenciado ou a gramática impetuosa reproduzida, não revela uma justa lucidez e o brilho de antanho. É que as vergastadas, assim confeccionadas, foram incorrectamente direccionadas. Ao que parece a pandilha dos Filipe Vieira e seus amigos - os tais que formaram esse extraordinário arco constitucional, da direita à esquerda da classe politica, contra a direcção infame de Vale & Azevedo - não foram devidamente surpreendidos. Não é evidente que esta actual e miserável direcção de amigos do "alheio" (nisto bem mais eficaz que a de Vale & Azevedo), esta dissoluta união nacional anti-benfiquista que transviou o clube e o embrenhou nas trevas por longos anos, merecia continuados e esforçados manguitos? Faleceu a coragem aos entusiastas benfiquistas? Poderá ser?
Livros & Arrumações
- curiosa separata dos Anais da Faculdade de Farmácia do Porto (vol. XXII), intitulada "Inventário de uma Botica Conventual do Século XVIII", por A. C. Correia da Silva, Porto, 1972. Depois de uma curta historiografia da farmácia em Portugal, salientando a "botica conventual do Mosteiro de Alcobaça" como a primeira, refere a primeira Farmacopeia publicada, a "Pharmacopea Lusitana" (1704) de Frei Caetano de Santo António, "boticário do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra". A partir do informação da existência de "um Inventário da Botica do Mosteiro de Grijó", documento datado de 1770, e após uma explicação sobre esse mesmo mosteiro, parte para a exposição do documento, descrevendo "termos de juramento" dos boticários, "boticários avaliadores", bem como as "variadas drogas e medicamentos, desde as plantas medicinais ainda hoje em uso, aos produtos e preparações mais estranhas (que o autor descreve nas suas notas), como o óleo de minhocas ou de ratos, os bofes de raposa em pó ou os olhos de caranguejo, tudo perfeitamente de acordo com os mais genuínos usos da terapêutica setecentista". Por fim, e antes do inventário, propriamente dito, que é extraordinário para neófitos, refere um conjunto de livros citados no próprio inventário, todos de interesse bibliográfico. Estimado.
- pelas Edição das Oficinas Gráficas, Lisboa, na Colecção Estudos Sociais, um opúsculo de propaganda nacional-sindicalista, sobre "sindicalismo orgânico", aliás "manual do sindicalismo orgânico" por Rolão Preto, 1930, intitulado "Balisas". Na contracapa refere a publicação da "Técnica da Revolução Nacional" de António Pedro, que desconhecemos. O opúsculo escrito em termos de pergunta-resposta, versa a "Economia Liberal e Economia Colectiva", "A Produção", "o Sindicalismo Orgânico", bem como uns curiosos princípios da produção que configuram a "Orgânica do Estado Integral". Diz-nos: "Negamos a solidariedade do proletariado universal por cima e contra as fronteiras sagradas das nações"; "condenamos a liberdade de trabalho, a livre concorrência, a liberdade do comércio, por contrários à Produção,...".
- curiosa separata dos Anais da Faculdade de Farmácia do Porto (vol. XXII), intitulada "Inventário de uma Botica Conventual do Século XVIII", por A. C. Correia da Silva, Porto, 1972. Depois de uma curta historiografia da farmácia em Portugal, salientando a "botica conventual do Mosteiro de Alcobaça" como a primeira, refere a primeira Farmacopeia publicada, a "Pharmacopea Lusitana" (1704) de Frei Caetano de Santo António, "boticário do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra". A partir do informação da existência de "um Inventário da Botica do Mosteiro de Grijó", documento datado de 1770, e após uma explicação sobre esse mesmo mosteiro, parte para a exposição do documento, descrevendo "termos de juramento" dos boticários, "boticários avaliadores", bem como as "variadas drogas e medicamentos, desde as plantas medicinais ainda hoje em uso, aos produtos e preparações mais estranhas (que o autor descreve nas suas notas), como o óleo de minhocas ou de ratos, os bofes de raposa em pó ou os olhos de caranguejo, tudo perfeitamente de acordo com os mais genuínos usos da terapêutica setecentista". Por fim, e antes do inventário, propriamente dito, que é extraordinário para neófitos, refere um conjunto de livros citados no próprio inventário, todos de interesse bibliográfico. Estimado.
- pelas Edição das Oficinas Gráficas, Lisboa, na Colecção Estudos Sociais, um opúsculo de propaganda nacional-sindicalista, sobre "sindicalismo orgânico", aliás "manual do sindicalismo orgânico" por Rolão Preto, 1930, intitulado "Balisas". Na contracapa refere a publicação da "Técnica da Revolução Nacional" de António Pedro, que desconhecemos. O opúsculo escrito em termos de pergunta-resposta, versa a "Economia Liberal e Economia Colectiva", "A Produção", "o Sindicalismo Orgânico", bem como uns curiosos princípios da produção que configuram a "Orgânica do Estado Integral". Diz-nos: "Negamos a solidariedade do proletariado universal por cima e contra as fronteiras sagradas das nações"; "condenamos a liberdade de trabalho, a livre concorrência, a liberdade do comércio, por contrários à Produção,...".
quarta-feira, 18 de agosto de 2004
Simplesmente ... Sampaio & Moura
"Bem merece o engano, quem creu mais o que lhe dizem, que o que viu" [Camões]
Este voluptuoso país, com a sua Presidência da República sólida de improviso legalista e extremada de oferendas inenarráveis ao estado de direito, com uma PGR alquebrada entre os interstícios do regime judiciário e irredutível em actos de contrição, tornou-se uma fastidiosa demonstração de mesquinhas guerrilhas marteladas um pouco por todo o lado, uma patética e irreparável comédia caseira, uma bizarria para a geração vindoura.
As ferventes posições do dr. Sampaio, sem talento e sem probidade alguma, em prol da hospedagem de tudo o que é mais duvidoso do sistema judicial português, segurando e assumindo a defesa de quem - como Souto Moura - não sabe (ou não pode) governar a sua própria casa, que é afinal a morada primeira do sistema judicial indígena, há muito deixou de ser surpresa ou provocar qualquer tipo de estupefacção.
O dr. Sampaio, com a naturalidade que lhe assiste, pretende ser uma espécie de rainha de Inglaterra, abstendo-se de qualquer ritual de descortesia para com os interesses da partidocracia estabelecida. E se bem o pensou, melhor o fez. As laudatórias ao senhor Souto Moura pelo PR, concebidas em judiciosos pareceres que ninguém, de boa fé, entende ou acata com tranquilidade, o suposto pronunciamento de Santana Lopes por "pactos" de regime, certamente substanciosos e geniais aos olhos do bloco central, bem como as inacreditáveis afirmações do senhor PGR sobre fugas de informação e violação de segredo de justiça na sua própria morada, tornarão imortal essas bizarras figuras, Sampaio & Moura. E mesmo que amanhã o país saiba de novas tragédias e singulares acontecimentos, pois que a desgraça humana é fértil e os jornais subsistem, a lição encantadora que se espera do prudente e piedoso português é que se incline, genuflexo, diante da têmpera de tão inquebrantável duo. Deo Gratias!
Nota ou prancha: os confrades da GLQL, pela pena ígnea do Manuel e em clamor retumbante a uma posta almocrevada, não gostaram de andar na ilustre companhia dos escribas do CM, de parte luminosa do MP e da gratidão da governação laranja. Temos pena da comovente angústia da GL. Porém é disso que se trata, nada a fazer. A linhagem das afirmações proferidas, ao longo de vários posts limianos, vai nesse sentido, pois dimana-se a defesa, a qualquer preço e sem condições, do trabalho do senhor PGR e do MP no tumultuoso sistema judiciário português. Mais, compreende-se a defesa viçosa, pelo Manuel, do MP contra os vilões da política, bem distribuídos que foram os arremedos feitos a CAA, a Vital Moreira e a JPP. Apesar das certezas da GL, o sistema judicial português caminha para o caos, com tudo o que isso implica para o Estado de Direito. Para uns, como a GL, o influxo judicial faz-se com o actual PGR como companhia, para outros, nesse sacerdócio não entra tal magnifica figura. É tudo.
Livros & Arrumações
- curioso opúsculo de Simeão Pinto de Mesquita - monárquico integralista, colaborador da "Nação Portuguesa", advogado, que com outros, dá parecer jurídico, em defesa do testamento de D. Manuel e da constituição da Casa de Bragança, apoiando o protesto de D. Duarte Nuno -, intitulado "Unidade e Permanência da Revolução Mundial", publicação da conferência "aos estudantes de Coimbra, em Março de 1928", e publicada somente em 1937. O autor divaga sobre a "existência de um propulsor secreto e constante da Revolução", a partir de uma conjuração da Maçonaria (cuja prosa é hilariante), dos ditos "Iluminados" de Adão Weischaupt (que, pasme-se, nos é dito que se infiltraram na Maçonaria de antanho, o que não deixa de ser espirituoso), da Carbonária, da I Internacional (apresentada como possível "emanação exteriorizada dessas seitas") de Marx, Mazzini e Bakunine. Refere, ainda, que as "doutrinas bolchevistas são as do manifesto comunista, são as de Babeuf e de Weishaupt". Apresenta, no início, uma bibliografia curiosa sobre a temática.
- admirável texto "aos moradores e frequentadores do Concelho de Cascais", por José Nunes da Matta, "Arborização do Concelho de Cascais e sua Influência no Futuro deste Concelho", datado de 1926. O autor apresenta interessantes aspectos a ter em conta: "regularização das chuvas por meio da arborização", a "acção directa das árvores para a infiltração da água nos depósitos subterrâneos", "a falta de arvoredo na bacia hidrográfica das ribeiras e rios dá lugar a cheias bruscas e turvas", etc. Conclui a dado passo: "Por isso a besta fera e vilão brutal e infame que dentro deste Concelho roubar ou destruir árvores de matas particulares ou de estradas públicas, não é apenas um torpe selvagem e desprezível ladrão, mas também um traiçoeiro e infame assassino".
- curioso opúsculo de Simeão Pinto de Mesquita - monárquico integralista, colaborador da "Nação Portuguesa", advogado, que com outros, dá parecer jurídico, em defesa do testamento de D. Manuel e da constituição da Casa de Bragança, apoiando o protesto de D. Duarte Nuno -, intitulado "Unidade e Permanência da Revolução Mundial", publicação da conferência "aos estudantes de Coimbra, em Março de 1928", e publicada somente em 1937. O autor divaga sobre a "existência de um propulsor secreto e constante da Revolução", a partir de uma conjuração da Maçonaria (cuja prosa é hilariante), dos ditos "Iluminados" de Adão Weischaupt (que, pasme-se, nos é dito que se infiltraram na Maçonaria de antanho, o que não deixa de ser espirituoso), da Carbonária, da I Internacional (apresentada como possível "emanação exteriorizada dessas seitas") de Marx, Mazzini e Bakunine. Refere, ainda, que as "doutrinas bolchevistas são as do manifesto comunista, são as de Babeuf e de Weishaupt". Apresenta, no início, uma bibliografia curiosa sobre a temática.
- admirável texto "aos moradores e frequentadores do Concelho de Cascais", por José Nunes da Matta, "Arborização do Concelho de Cascais e sua Influência no Futuro deste Concelho", datado de 1926. O autor apresenta interessantes aspectos a ter em conta: "regularização das chuvas por meio da arborização", a "acção directa das árvores para a infiltração da água nos depósitos subterrâneos", "a falta de arvoredo na bacia hidrográfica das ribeiras e rios dá lugar a cheias bruscas e turvas", etc. Conclui a dado passo: "Por isso a besta fera e vilão brutal e infame que dentro deste Concelho roubar ou destruir árvores de matas particulares ou de estradas públicas, não é apenas um torpe selvagem e desprezível ladrão, mas também um traiçoeiro e infame assassino".
sábado, 14 de agosto de 2004
[Da Súcia-dade]
O regaço do poder político é um acto preliminar que desnuda qualquer virtude ansiosa. E sabe-se a tentação do lusitano pela delação, facécia e torpeza, que ciclicamente surge na batalha das ambições políticas, mesmo que aqui e ali subsista a lenda de egrégias santidades, evocadas entre burlescas vaidades e sublimes actos de fé pela coisa pública. De facto, a peça político-policial que assistimos, via processo Casa Pia, tornou-se uma venda a retalho de informações entre jornalistas, a classe política e responsáveis de Instituições, um lugar comum da denúncia, uma comédia maledicente, uma vida torpe, que o indígena afastado da azáfama do exercício do poder muito aprecia. Somos sempre deliciosamente esforçados em qualquer obscenidade.
O assunto das K7s (presumivelmente) roubadas adensou a curiosidade do Portugal profundo. Suspeitamos que, ungido de luar, não há nenhum português, supostamente ilustrado, que não murmure adocicadas análises e enfastiadas urdiduras em noutes de passeio à beira-mar. Pior ainda: dão-nos requintadas teorias, sarcásticas insinuações, cínicos prantos, curiosos pastiches. Modulando e manipulando informações a seu belo prazer, à putativa nobreza da dor que furtivamente expelem em artificiosas efabulações resta a pouca serenidade com que lançam dissimulados avisos à navegação, reparos desbragados sob a lei e o direito, visando neutralizar qualquer reflexão sobre o estado da justiça e o exercício da cidadania. Ao que se presume, cabe unicamente às elites o entretimento, a inteligência e o saber dessa demanda, enquanto o povo ironicamente sobrevive, por iliteracia técnica-jurídica e política, graças às emoções das leituras dos jornais, revistas e blogs.
Assim, as diversas peças paridas à volta desta intriga de Verão são, manifestamente, para todos os gostos e suspiros.
Há a chacota da maquinação e descredibilização do processo Casa Pia pelos beneditinos jornalistas do CM (extraordinário trio de ex-jornalistas desportivos, os 2 Octávios mais o Marcelino) que engordaram o improviso da investigação à custa de ilegalidades pífias e manipulações graciosas e que agora, convertidos que foram ao estado de indignação legalista, despertam caricaturalmente para a defesa da lei, com o Sindicato dos Jornalistas como patrono e o MP ausente. Rodeados de "fontes" que controlam sem qualquer incomodidade, o requinte manipulador do Octávio e Cia empolgam a movimentada plateia de probos defensores do estado de direito. Como está em marcha o tal processo de descredibilização, pouco importa assuntos perfeitamente inócuos, como o segredo de justiça, a ética jornalística ou a manipulação de informações. Aliás se tais episódios sempre existiram, porquê perder tempo como isso? Estão nesta sensibilidade veneradora o CM, parte do MP e do Governo, o "prisioneiro" desnudado Souto Moura, o excomungado Salvado e os fogosos Manuel & José da GL. Aliás, os resfolegantes posts destes últimos opiniosos bloguistas atingem o paradoxo de instruírem a plebe da blogosfera sobre os malefícios de ilicitudes havidas, via a autópsia de um post de JPP - o que não deixa de ser hilariante procedente de quem vem - a par d'outras calcetadas pistas a seguir, em deslumbramento e inspiração.
Noutro lado, persiste a comédia de capa e espada da cabala contra o PS e Ferro Rodrigues, agora claramente vigorosa dada as transcrições d'O Independente, o posicionamento da PGR e a delinquência entre jornalistas e importantes figuras institucionais. Por outro lado, a entrevista a desoras do ex-director nacional da PJ - revelando desconhecer "o quid obscurum do métier" - é um remoque a quem o incumbiu de singularíssima tarefa, que por ora se desconhece. O que não deixa de ser significativo e perturbador.
Por último, os frémitos desta semana parecem não abalar a monotonia da PGR, se tivermos em conta o anterior caudal de comunicados proferidos e a precedente chinfrineira de mau gosto de Souto Moura, face aos agora muito mal-amanhados comentários sobre todo este caso. A trapalhada é para continuar. Avancem os próximos.
[In Memoriam António Domingues - 1920/2004]
"... Na Cervejaria
dizia
um senhor e sua mulher de azul e mise exactamente
no momento em que leve
ágil
animal
pisa o chão duro e frio do salão
um valente Rodolfo Valentino conhecido
do casal
Alarga-se o sorriso de gambas róseas
na boca do senhor
um adeusar de sua mão papuda
em louvor
do amigo Rodolfo
Ela de faces em rosácea e alva dentadura
logo revelada
fica enlevada
mas honesta na Cervejaria pensa:
- Meu marido dá-me todo o conforto do lar
dá-me gambas ao jantar
e mais logo dá-me quatro horas de Ben-Hur na plateia
onde a moda nova oferece as minhas pernas
às vistas desarmadas
dá-me futuro
recheio no seguro e o Rodolfo
só me daria aquilo com que sonhei durante
tanto tempo
amor, amor, amor apenas"
[António Domingues, in Primeira Imperial]
terça-feira, 10 de agosto de 2004
[Em Agosto malha a gosto]
Há uma ingenuidade evidente na insensatez das férias. O sonho da quietude ondulante, o clima ameno, a paisagem de sossego, tudo isso se esmorece quando os indígenas lusos & os estrangeirados resolvem avançar direitos à civilização. Avessos a qualquer manifestação de urbanidade, os indolentes veranistas iniciam uma actividade febril, deliciosamente saloia, refervida numa algazarra de consumo pós-moderna, entre os festejos evocativos do poder local, o bálsamo da praia aquém dos nefastos bafos lisboetas e as noites tormentosas do trottoir público. Bem cedo as autarquias e demais lugarejos entenderam que seria conveniente afastar essa ideia bizarra de serem os termos de Lisboa. A transitória hospedagem em Agosto há muito deixou de ser esse paraíso de recrear o espírito e a saúde. A vida moderna estilhaçou tudo e todos. Má sorte os mistérios de Agosto.
- [dos jornais] o vulgar destes dias é a inexistência das curiosas e enternecidas reprimendas jornaleiras. Com as várias sinecuras a banhos, o requinte dos jornais e revistas reveste-se de harmoniosas prosas romanceadas, exuberantes murmúrios políticos bem limados, festas de high-life mimosas e invulgares. A carpintaria dos jornais é o "Homem". A máxima destes dias é que "o estilo é o Homem". Compreende-se. Porém, a acreditar no Editorial d'O Público do dia 7 de Agosto, José Manuel Fernandes não pratica essa colorida e movimentada etiqueta. Não está distraído. A sua perfumada peça, plena d'estilo colorido no alto do seu talento, faz referência, pela énesima vez, à suposta legalidade da invasão do Iraque. Que saudades do regresso do senhor director, do seu trabalho educativo, do seu formidável espanto. É sempre bom saber que nem os ares convalescentes d'Agosto definharam a sua linguagem florida, mesmo que o choradinho seja mero rabicho intelectual.
- [cassetes piratas] o sonho de Adelino Salvado nunca ninguém o saberá. A não ser que brote forte e rigoroso na reprodução das célebres cassetes piratas, musicando-as à cadência da sua citada comissão de serviço político-partidário, de muita estimação. O talento de senhor ex-director da PJ ficará ardentemente inscrito na envolta demissão de Maria José Morgado, na volúpia dedicada ao célebre "Apito Dourado" e, principalmente, no desvelado zelo com que defendeu o segredo de justiça. De tal modo a obra cresce, que o poder político resolve ultrapassar a justiça, com o teclado Santana Lopes e Souto Moura musicando investigações, alardeando desveladas paixonetas pela lei e a ordem do mundo da justiça. Entretanto, para que a comédia de verão não espere, o inefável jornalista Octávio, do pasquim Correio da Manhã, promove sem qualquer rebuço judicial, providências cautelares, ridicularizando tudo e todos. Por sua vez, o sr. Óscar do Sindicato anunciou qualquer coisa que ninguém entendeu, entre aventuras para jornalistas em começo de carreira e verduras protestatórias que ofusca a inteligência, enquanto a PGR lança sobre a nossas malabrutas cabeças um espantoso texto, da mais pura e casta insanidade. Como são de folia as tardes de Agosto.
Livraria Modo de Ler
Vítor Silva & Santos apresenta o seu 21º Catálogo da Livraria situada no Porto (Praça Guilherme Gomes Fernandes, 38, 2º A). Em pleno Agosto faz bem receber catálogos assim.
Algumas referências: Escrita da Terra e outros Epitáfios, de Eugénio de Andrade (tiragem fora do mercado, de 310 expls), 1974 / Sete Livros Sete Retratos, por Eugénio de Andrade (tiragem especial em caixa própria, em homenagem ao poeta na atribuição do prémio Camões), Porto, 2001 / Árvore - Folhas de Poesia, 1951-53, IV fasc. (compl.) / Litoral a Oeste, de José Loureiro Botas, 1940 / Contemporânea - Revista mensal, dir. de José Pacheco, Lisboa, 1922-24, X números (incompl.) / Daqui Houve Nome Portugal (antologia de verso e prosa sobre o Porto, c/ pref. de Eugénio de Andrade), 2000 / In Memorian Eça de Queiroz (org. de Eloy do Amaral e Cardoso Martha), Lisboa, 1922 / O Mês de Dezembro e outros Poemas, por Vasco Graça Moura (c/ guaches de Júlio Resende), Porto, 1976 / Uma Mão Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma, por Irene Lisboa (rara) / Flores e Canções, de Cecília Meireles (ilust. de Vieira de Silva), Rio de Janeiro, 1979 (ed. rara) / Céu em Fogo, de Mário de Sá-Carneiro, Lisboa, 1915 (rara) / Camões dirige-se aos seus contemporâneos e outros textos, por Jorge de Sena, Inova, 1973 (tir. de 310 expl) / Antologia dos Economista Portugueses (sec. XVII), por António Sérgio, Lisboa, 1924 / O Algarve na Obra de Teixeira-Gomes (c/ 40 des. de Bernardo Marques, Lisboa, 1962 (ed. 500 expls) / Poemas Malditos, de Paul Verlaine (c/ desenhos eróticos de José Rodrigues), 1981 / A Vida Começou Assim (Novelas), por António Vitorino
domingo, 1 de agosto de 2004
Pierre Bourdieu [n. 1 Agosto 1930-2002]
"... o livro de P. Bourdieu e de J. C. Passeron, Les Héritiers, permanece actual (...) este livro chama a atenção para os mecanismos que, no interior da própria escola, transformam as desigualdades sociais em desigualdades escolares. Em particular, desmistifica a ideologia do dom, que olha como «natural» o que é, afinal, herança cultural de classe. «Os estudantes mais favorecidos», escreve, Bourdieu e Passeron, «não só devem ao meio de origem os hábitos, o treino e as atitudes que lhes são mais úteis nas tarefas escolares, mas herdam também saberes e um savoir-faire, gostos e um bom gosto, cuja rendibilidade escolar, embora indirecta, não deixa de se verificar (...)
Assim, estes dois autores concluem que nem as desigualdades esconómicas nem a vontade política bastam para explicar a discriminação escolar - o sistema educativo contribui também, através da sua própria lógica, para assegurar a perpetuação do privilégio. A igualização formal face à escola (a «igualdade de oportunidades») jamais conseguirá, portanto, superar as desvantagens dos alunos oriundos das classes trabalhadoras ..." [Maria Filomena Mónica, in Escola e Classes Sociais, GIS, 1981]
Locais: P. Bourdieu / Pierre Bourdieu (1930-2002) / Pierre Bourdieu Bibliography / Pierre Bourdieu sociologue énervant / Le constructivisme structuraliste de Pierre Bourdieu / La vie Sociologique de Pierre Bourdieu / Sociólogo Cidadão / Hommage à Pierre Bourdieu / En Memoria de Pierre Bourdieu / Lire Pierre Bourdieu / Obituary
sexta-feira, 30 de julho de 2004
[Secam as fontes]
"Secam as fontes e os rios.
ardem as searas e a nossa casa
a as arvores nuas amaldiçoam o céu,
sem sabermos porquê!
Morrem os jovens antes de se amarem
e os poetas com os seus poemas inacabados
e as crianças olhando espantadas para o céu,
sem saberem porquê! ..."
[Tomaz Kim, in Os Quatro Cavaleiros, 1943]
"Secam as fontes e os rios.
ardem as searas e a nossa casa
a as arvores nuas amaldiçoam o céu,
sem sabermos porquê!
Morrem os jovens antes de se amarem
e os poetas com os seus poemas inacabados
e as crianças olhando espantadas para o céu,
sem saberem porquê! ..."
[Tomaz Kim, in Os Quatro Cavaleiros, 1943]
Breviário Luso
- antes e depois dos incêndios que, decididamente precipitaram de novo o país, nada permanecerá para contar. A mesma incúria já cansada, a imprudente vaidade de todos os governos maviosamente ineptos, os sempre desinquietantes episódios da nossa incapacidade de sermos solidários, o doloroso abandonado de cidadãos, dos mais pobres e mais débeis que o país fará por esquecer, o descomunal embuste desta nossa civilização sem dor nem revolta. A culpa morrerá solteira. A nossa canseira é imensa. Que vida é a nossa? Alguém sabe?
- fomos fustigados ao longo de dois tenebrosos anos, sem qualquer gosto ou prazer nosso, pela senhora Manuela Ferreira Leite e Cia Lta. Fizemos de bobos da corte Barrosista. Os sábios economistas a soldo governamental, os jornalistas petulantes dos diários da especialidade, os demagogos da coisa pública, os jovens efebos neo-liberais, todos eles engendraram a maior das aleivosias em torno do cumprimento do PEC, pela saúde das contas públicas. A fraude era demais evidente, mesmo para putativos gorjeios académicos. A monumental mentira aí está, tal como qualquer mortal equidistante de paixões sempre assumiu. A realidade é outra, sempre foi outra. Não esqueceremos os serviçais a soldo da senhora ex-ministra das Finanças. Podem ter a certeza.
- fez bem ouvir o candidato Manuel Alegre na sua intervenção de formalização de candidatura à direcção do PS. Preste-se homenagem às suas palavras profundas, solenes, arrebatadoras, sentidas, que o desassombro ainda existe. Pode-se gostar ou não do poeta Alegre, mas o certo é que ele é insuspeito de qualquer tergiversação. Foi demasiado claro. Como poucos, hoje, sabem ser. Pode não ganhar nada, mas o "espírito da coisa" ficou. Compreende-se como está, nobremente, feliz o Tugir. Porque os ventos ainda sopram.
- a chiadeira de Moita Flores n'O Independente é uma peça incrível, uma fantástica mixórdia cantarolada em louco desatino. A singular Carta Aberta é tão repelente que merece ser investigada, se ainda se souber por quem de direito. Suspeita-se que muitos ficaram engasgados. A questão a saber é: quem nos salva desta historieta remelosa? Onde está a decência? Onde reside a verdade? Quem nos tira deste ridículo?
Livros & Arrumações
- uma selecção curiosa de artigos publicados em organismos gráficos por Alexandre Vieira, agora publicada em livro, "No Domínio das Artes Gráficas", de edição do autor, 1967, com uma dedicatória manuscrita a Joaquim Gonçalves Piçarra, "colega e amigo dos tempos heróicos". O livro, do importante militante sindicalista e operário tipógrafo, recolhe textos dos periódicos O Gráfico (Á volta do salário mínimo, ...), O Tipógrafo (... E o Amanhã, Exortação aos Jovens, ...), refere ainda vários poetas tipógrafos como Joaquim dos Anjos, Libânio da Silva, João Salustiano Monteiro (ou «João Black»), Manuel Pedro. Oferece, ainda, uma transcrição do importante artigo saído n'O Gráfico nº 61 de 1955, "Tipógrafos Distintos. Para a História das Artes Gráficas em Portugal".
- livro de Artur Portela, "Norberto Araújo. O Jornalista e o Escritor", Lisboa, 1953, onde nos diz: "... Norberto Araújo foi mais do que um grande mestre do jornalismo; foi toda uma escola, uma época, uma geração, na síntese luminosa do que elas tiveram de mais representativo (...) A biografia de um jornalista é, essencialmente, o jornal onde trabalhou. É o caso de Norberto de Araújo, no Diário de Notícias (...) Rachador literário, denominou-se ele uma vez quando Guerra Junqueiro o visitou em casa, depois de um diálogo em que o revolucionário da «Velhice do Padre Eterno» e o cristão humilde dos «Simples», o deve ter levado, de pensamento em pensamento, através da curva do infinito".
- uma selecção curiosa de artigos publicados em organismos gráficos por Alexandre Vieira, agora publicada em livro, "No Domínio das Artes Gráficas", de edição do autor, 1967, com uma dedicatória manuscrita a Joaquim Gonçalves Piçarra, "colega e amigo dos tempos heróicos". O livro, do importante militante sindicalista e operário tipógrafo, recolhe textos dos periódicos O Gráfico (Á volta do salário mínimo, ...), O Tipógrafo (... E o Amanhã, Exortação aos Jovens, ...), refere ainda vários poetas tipógrafos como Joaquim dos Anjos, Libânio da Silva, João Salustiano Monteiro (ou «João Black»), Manuel Pedro. Oferece, ainda, uma transcrição do importante artigo saído n'O Gráfico nº 61 de 1955, "Tipógrafos Distintos. Para a História das Artes Gráficas em Portugal".
- livro de Artur Portela, "Norberto Araújo. O Jornalista e o Escritor", Lisboa, 1953, onde nos diz: "... Norberto Araújo foi mais do que um grande mestre do jornalismo; foi toda uma escola, uma época, uma geração, na síntese luminosa do que elas tiveram de mais representativo (...) A biografia de um jornalista é, essencialmente, o jornal onde trabalhou. É o caso de Norberto de Araújo, no Diário de Notícias (...) Rachador literário, denominou-se ele uma vez quando Guerra Junqueiro o visitou em casa, depois de um diálogo em que o revolucionário da «Velhice do Padre Eterno» e o cristão humilde dos «Simples», o deve ter levado, de pensamento em pensamento, através da curva do infinito".
quinta-feira, 29 de julho de 2004
Darfur
O terror e os crimes contra a humanidade que ocorrem em Darfur não têm indulto. Este aluvião de constantes violações do respeito pela vida humana, contra populações indefesas e os crimes de guerra praticados, revelam a situação onde o Mundo hoje se encontra: num beco sem saída. Com ou sem ONU, mesmo que ofendida pela cegueira dos EUA e baralhada pelos interesses próprios da China, do Paquistão e da Rússia, teremos de confessar que a audácia do governo sudanês e os crimes das ditas milícias Janjaweed e demais rebeldes (?), são a vergonha da comunidade internacional, a nossa vergonha. E o senhor Kofi Annan, de má memória, no seu desvario de virgem ofendida, sem qualquer capacidade de decisão e, como tal, falho de carácter, pois preso que está a compromissos que a invasão do Iraque cedo revelaram, não lhe basta recolher à discursata vulgar ou baixar a cabeça em impotência despeitosa. Porque a limpeza étnica que assistimos não pode ficar impune. A história não o absolverá.
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