terça-feira, 10 de agosto de 2004
[Em Agosto malha a gosto]
Há uma ingenuidade evidente na insensatez das férias. O sonho da quietude ondulante, o clima ameno, a paisagem de sossego, tudo isso se esmorece quando os indígenas lusos & os estrangeirados resolvem avançar direitos à civilização. Avessos a qualquer manifestação de urbanidade, os indolentes veranistas iniciam uma actividade febril, deliciosamente saloia, refervida numa algazarra de consumo pós-moderna, entre os festejos evocativos do poder local, o bálsamo da praia aquém dos nefastos bafos lisboetas e as noites tormentosas do trottoir público. Bem cedo as autarquias e demais lugarejos entenderam que seria conveniente afastar essa ideia bizarra de serem os termos de Lisboa. A transitória hospedagem em Agosto há muito deixou de ser esse paraíso de recrear o espírito e a saúde. A vida moderna estilhaçou tudo e todos. Má sorte os mistérios de Agosto.
- [dos jornais] o vulgar destes dias é a inexistência das curiosas e enternecidas reprimendas jornaleiras. Com as várias sinecuras a banhos, o requinte dos jornais e revistas reveste-se de harmoniosas prosas romanceadas, exuberantes murmúrios políticos bem limados, festas de high-life mimosas e invulgares. A carpintaria dos jornais é o "Homem". A máxima destes dias é que "o estilo é o Homem". Compreende-se. Porém, a acreditar no Editorial d'O Público do dia 7 de Agosto, José Manuel Fernandes não pratica essa colorida e movimentada etiqueta. Não está distraído. A sua perfumada peça, plena d'estilo colorido no alto do seu talento, faz referência, pela énesima vez, à suposta legalidade da invasão do Iraque. Que saudades do regresso do senhor director, do seu trabalho educativo, do seu formidável espanto. É sempre bom saber que nem os ares convalescentes d'Agosto definharam a sua linguagem florida, mesmo que o choradinho seja mero rabicho intelectual.
- [cassetes piratas] o sonho de Adelino Salvado nunca ninguém o saberá. A não ser que brote forte e rigoroso na reprodução das célebres cassetes piratas, musicando-as à cadência da sua citada comissão de serviço político-partidário, de muita estimação. O talento de senhor ex-director da PJ ficará ardentemente inscrito na envolta demissão de Maria José Morgado, na volúpia dedicada ao célebre "Apito Dourado" e, principalmente, no desvelado zelo com que defendeu o segredo de justiça. De tal modo a obra cresce, que o poder político resolve ultrapassar a justiça, com o teclado Santana Lopes e Souto Moura musicando investigações, alardeando desveladas paixonetas pela lei e a ordem do mundo da justiça. Entretanto, para que a comédia de verão não espere, o inefável jornalista Octávio, do pasquim Correio da Manhã, promove sem qualquer rebuço judicial, providências cautelares, ridicularizando tudo e todos. Por sua vez, o sr. Óscar do Sindicato anunciou qualquer coisa que ninguém entendeu, entre aventuras para jornalistas em começo de carreira e verduras protestatórias que ofusca a inteligência, enquanto a PGR lança sobre a nossas malabrutas cabeças um espantoso texto, da mais pura e casta insanidade. Como são de folia as tardes de Agosto.