segunda-feira, 13 de setembro de 2004



Aquilino Ribeiro [n. 13 Setembro 1885]

"Para Anatole France não havia leitura mais amena e sedativa que um Catálogo de livros. De facto, depois de ouvir um discurso nas Câmaras, dar-se o parecer sobre um relatório, sustentar uma polémica sobre existencialismo, não se pode encontrar entretenimento mais repousador e edificante. É como estar debruçado à janela a ver passar, sem nos coagir a nenhuma forma de zumbaia, uma vistosa procissão à antiga.

Para o letrado e fino leitor, que se deleitam no que lêem, um catálogo é como um jardim na Primavera. (...)

Para o erudito que, por onde deite os olhos, procura elementos de trabalho, semelhante tarefa permite-lhe refrescar a memória para a contextura das sua complexas e difusas bibliografias. Os livros são a sua enxada, prestantíssimos instrumentos de cultivador, trate-se de incunábulos ou folhetos de fresca data. A necessidade obriga tanto como o gosto. (...)

Há ainda os lordes Byron da bibliofilia que apreciam um livro como apreciam uma mulher, primeiro pelo aspecto, beleza da mancha, tintagem, cores do título, boa ordenação do frontispício, depois pelo que encerra de recatado e supremo: o espírito. De facto há, não podia deixar de haver, uma certa voluptuosidade em roçar, cerebralmente, esses corpos sensuais, que são os livros bonitos, ..."

[Aquilino Ribeiro, in Nota de Abertura ao "Catálogo de Livros Seleccionados", nº 3, do Mundo do Livro (de João Rodrigues Pires), 1955]