sábado, 24 de abril de 2004



Jornal do Centro [nº 1, 1970 – ?] – Jornal mensal "por um homem novo numa sociedade nova", com apartado na Pampilhosa (perto da Mealhada), director Ângelo J. A. Campos e redactores Rui Carvalho, Augusto Oliveira e Carlos Cabral. Colaboração de António J. Fonseca, Carlos Marinheiro, Cipriano Pires, Joaquim A. Leal, Jorge Cardoso, L. H. Afonso Manta, Manuela Neves, … Esteve ligado a grupos de tendência maoista, tendo apoiado a FEC-ML nas primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril.

"Memórias de Américo Tomás" (II)

[Despacho número Cem] "Na comemoração de um dos aniversários do Despacho número Cem, tive ocasião de proferir o seguinte discurso:
«Comemora-se hoje em todo o País a promulgação do Despacho número Cem, um texto de grande importância para a Marinha Mercante de Portugal, e a que foi dado esse número, não por acaso mas porque ele vem na sequencia de outros noventa e nove anteriormente promulgados" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]

[O Cinema] "Eu gosto muito de cinema. Quando era novo gostava de ir ao cinema. Embora quando eu era novo, houvesse pouco cinema. Havia um piano, e atrás havia um comboio que chegava a uma estação e havia um filme muito celebre que se chamava «O arrozador arrozado».
Depois disso, o António Lopes Ribeiro, que eu tive o gosto de condecorar, fez «O 28 de Maio», em que havia um russo vestido de branco que vendia tapetes, e havia um português que vinha da Rússia para derrubar o Prof. Oliveira Salazar, à bomba.
Também gostei muito do «Ben-Hur», que via sempre que ia inaugurar a árvore de Natal do cinema S. Jorge, que era dirigido pelo sr. Cecil B. de Mille.
Prefiro cinema a cores, porque é o único cinema que dá as verdadeiras cores do mar que são, como se sabe, o azul ferrete e o branco das velas dos barcos à vela" [ibidem]

[O 25 de Abril] "Só soube do 25 de Abril em 26 de Abril. Isto é, escapou-me a data. No dia 24 de Abril tive, por instantes, a percepção de que no dia seguinte seria o 25 de Abril, embora na altura, não lhe emprestasse nenhum significado especial. Significado especial emprestei-lho a 26 de Abril, embora, nesse dia, já fosse tarde." [ibidem]

A Cantiga é uma Arma!

"As cantigas de teor politizante tiveram um papel de relevância politica na formação de toda uma consciência anti-fascista ao longo de, pelo menos, os últimos treze anos (1961-74) da ditadura terrorista de Salazar-Marcelo.
O cantor era – é! – acima de tudo, um militante, um agitador. As situações em que ele podia cantar nada tinham a ver com a segurança e a amenidade de uma sala de espectáculos. Em definitivo, a concepção de «show», de recital, é totalmente estranha à realidade da actuação do cantor de intervenção neste país.
Poder-se-á situar o aparecimento da canção de contestação nos anos 1961-62, revestindo uma forma de ruptura com as tradicionais cantigas dos estudantes de Coimbra, os fados. Os textos reflectiam a revolta contra a guerra fraticida que o povo português era obrigado a praticar em África (…). José Afonso é o iniciador do movimento, logo seguido por Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire. Mais tarde viriam, da emigração, os testemunhos de José Mário Branco, Luís Cília, Sérgio Godinho, Tino Flores, e, dentro do país, Vitorino, José Jorge Letria, Pedro Barroso, Francisco Fanhais, José Barata Moura, Aristides, o Grupo de Acção Cultural, Fausto. (…)" ["O papel do cantor de intervenção em Portugal", opúsculo s/d, n/l, 1974 (?)]


Mundo da Canção [nº 1, Dezembro 1969 – Julho 1985] – Revista mensal de "música popular" editada na cidade do Porto, teve como directores Avelino Tavares, José Viale Moutinho, A. Vieira da Silva, António José Fonseca. Colaboração, entre outras, de Teresa Horta, Jorge Cordeiro, Michel Brunet, Arnaldo Jorge Silva, Fernando Silva Cordeiro, Tito Lívio, César Príncipe, Jorge Lima Barreto, Octávio Fonseca Silva, Viriato Teles, Fernando Sylvan. [Ver aqui]


Jornal Opinião [nº 1, Junho 1973 – Junho 1976] – Semanário com redacção na cidade do Porto, teve como director João Huet Viana Jorge e director-adjunto, António Macedo Varela.

Jornal Notícias da Amadora [nº 1, 1958] – Semanário com redacção e administração na Amadora, teve como directores António de Jesus (1958-1959), A. Conceição e Silva (1960-1961), Domiciano P. Valente (1961) e Domingos Janeiro (1961-1963), e a partir dessa data, com a direcção de Orlando Gonçalves, Sérgio Ribeiro e Carlos Carvalhas, chefe da redacção João Paulo Guerra, converte-se um jornal de culto para alguns sectores de oposição à ditadura. Registe-se a colaboração de Oliveira Marques, Adelino Gomes, Afonso Cautela, Afonso Praça, Alexandre Cabral, Alfredo de Sousa, Artur Bual, Ary dos Santos, Abelaira, Baptista Bastos, Bento Vintém, Borges Coelho, Carlos Marinheiro, Cipriano Dourado, Correia da Fonseca, Eduardo Gajeiro, Emídio Santana, Ernesto Sampaio, Assis Pacheco, Fernando Belo, Lopes Graça, Piteira Santos, Salgado Zenha, Helena Marques, João Carreira Bom, Joaquim Leal, José A. Salvador, Cardoso Pires, José Gomes Ferreira, José Saramago, Luiz Pacheco, Maria Velho da Costa, Mário Castrim, Mário Dionísio, Miller Guerra, Nelson de Matos, Nuno Bragança, Óscar Lopes, Pedro Alvim, Raul Rego, Rui D’ Espiney, Sá Carneiro, Sidónio Muralha, Tito Lívio, Vergílio Ferreira, … [Ver aqui]. Ainda se encontra em actividade.

quarta-feira, 21 de abril de 2004


"Memórias de Américo Tomás" (I)

"Eu por mim próprio, não me decidi a escrever as «Minhas Memórias». Decidiram-me. É que, estando quase toda a gente, ex-chefes de gabinete, ex-subsecretários de Estado, ex-secretários de Estado, ex-ministros, ex-chefes de Governo, escrevendo as suas memórias, a minha família começou a insistir comigo para que escrevesse as minhas «Memórias», na medida em que, disseram-me, mal me ficaria não escrever, também eu próprio, as minhas «Memórias».
Habituado a falar e não a escrever, contando, segundo as minhas contas, nove mil trezentos e sessenta e quatro alocuções por sobre o território nacional, isto é, continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, não minto!, nove mil trezentos e sessenta e cinco alocuções por sobre o território nacional e internacional, ligadas ao meu cargo de Presidente da República, - eu nunca me afeitei a usar a caneta, coisa que disse repetidamente a minha família.
Não tive sucesso, como é obvio, dado que me compraram uma caneta e ma deixaram fechada na mão.
Foi então que, pegando na caneta, carreguei no botão do gravador e comecei: "Senhor bispo da diocese, senhor ministro das Obras Públicas, senhor governador civil, senhor presidente da câmara municipal, senhor presidente da junta de freguesia, minhas senhoras e meus senhores" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]

"É esta, portanto, a ultima cerimónia que se passa na cidade da Guarda e eu não quero deixar passar esta oportunidade sem agradecer ao bom povo desta terra o seu entusiasmo, o carinho com que recebeu o Chefe do Estado. A chuva não teve qualquer influência no entusiasmo das populações. Elas vivem numa terra de granito, e a chuva não as apoquenta (…) A Guarda é um distrito de bons portugueses, de portugueses de uma só face, portugueses, portanto, sempre prontos a defender a terra que os viu nascer. E a Guarda tem uma particularidade: é a cidade mais alta da Metrópole" [ididem, discurso na Guarda, in Século]

"… É uma terra [Gouveia] bem interessante, porque estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude. Pois o que desejo, sr. Presidente, para poder pagar, de qualquer forma a dívida que contraí, é que esta gente tenha um futuro feliz, abençoado por Deus. Que assim seja, para contentamento vosso e para contentamento meu …" [ibidem, em Gouveia, segundo O Século, 1/6/1964]

Jornal República [nº 1, 15 de Janeiro 1911- 1976]

Dirigido por António José de Almeida (vidé alguns artigos seus em «Quarenta Anos de Vida Literária de Política»), de forte tradição republicana e maçónica, teve uma importância politica grande durante a 1ª Republica e marcou ao longo do Estado Novo um lugar à parte na oposição à ditadura, apesar da atenção que lhe movia a censura. A partir de 1971, com a entrada e o controle de pessoas ligadas à ASP ("percursora do Partido Socialista") sofre alterações significativas, ganha maior "fôlego" e importância. Teve como directores, Carvalhão Duarte, Raul Rego e, por fim, durante o chamado «Caso República» (1975) Belo Marques. Participaram além de António José de Almeida, Alfredo Pimenta, Rocha Martins, Dias Amado, Costa e Melo, Gustavo Soromenho, Álvaro Guerra, Mário Mesquita, Carlos Correia, José Augusto Seabra, Armando do Vale Sereno, …

"… Desde 1926 até hoje [1969] não houve um só dia em que a imprensa portuguesa fosse livre. Tem sido realmente a base da sobrevivência do regime totalitário entre nós (…) podemos dizer que ela [censura] se exerce com dureza sobre o noticiário politico, económico, social e educativo, assim como sobre toda a colaboração literária ou outra. Quase inteiramente livres de Censura só o noticiário do desporto, os jornais desportivos, de modas e quejandos …" [Raul Rego, in Horizontes Fechados, 1969]

[sobre o Caso República, Maio de 1975] – "Os trabalhadores do "R" entraram em luta para que o jornal fosse independente e ele acabou por ser encerrado. Iniciam então uma outra luta, os "50 dias", pela defesa dos postos de trabalho e pela reabertura do jornal, coisas indissociáveis (…) Antes, o problema era forçar a direcção de Rego a modificar a orientação do jornal. Agora, queiram ou não, o problema é inventar um jornal (…) O projecto que se elabora é o de um jornal popular e revolucionário (…) o tom fundamental é logo dado pelo Estatuto Editorial. Este aponta para um jornal "de classe", de apoio às lutas, porta-voz de comissões, que dá a palavra a quem os outros negam …” [in, Gazeta do Mês, nº 1, Maio de 1980]

segunda-feira, 19 de abril de 2004


Boletim Bibliográfico nº 19 de Luís Burnay, Abril 2004

O Livreiro-Antiquário Luís Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa) acaba de publicar o seu 19º Boletim de Livros antigos, esgotados e raros, que é excelente. Com uma forte temática literária, encontra-se, ao longo de 625 peças para venda, um expressivo conjunto de poetas e escritores portugueses com obras há muito esgotadas, outras peças de colecção. Com evidente interesse bibliográfico e a preços muito convidativos. Aliás, será curioso fazer o confronto entre o preçário praticado pelos antiquários/alfarrabistas lisboetas e os da cidade do Porto, para avaliar e entender a situação do mercado do livro antigo e dos processos (estranhos) nesta área.

Algumas referências: Fernando Pessoa e a Magia, de Luiz Moitinho de Almeida (raro) / Memórias de Alegria: antologia de verso e prosa sobre a Coimbra, org. de Eugénio de Andrade, 1971 / Poesia: antologia temática e Mário de Andrade, Alger, s/d (policopiado) / Anteu: cadernos de Cultura, nº1 e nº2, Lisboa, 1954 (raro) / Na Senda da Poesia, por Ruy Belo, 1969 / Ternos Guerreiros, de Agustina Bessa Luís, 1960 / Baionetas da Morte, por António Boto, 1936 / Ruy Cinatti [conjunto apreciável de obras: Borda d’Alma … (1973); Conversa de Rotina (1973); Import-Export … (1974); Memória Descritiva … (1971); Novo Salmo (folha volante com poemas de distribuição para amigos (?) / Obra poética de Afonso Duarte, 1949 / Escola Formal: revista mensal (dir. de Afonso Botelho, Orlando Vitorino), 1977-78, VI nums / Balanço das Actividades Surrealistas em Portugal, de José Augusto França, 1948 (opúsculo raro) / Engrenagem, por Soeiro Pereira Gomes, Porto, ed. SEM, 1951 / GRAAL (ver. dir. de António Manuel Couto Viana, 1956-57, IV nums / Anagramático, de Ana Hatherly, 1970 / O Corpo O Luxo A Obra, de Herberto Helder, 1978 (raro) / À Liberdade (no dia 16 de Maio de 1958), de David Mourão-Ferreira (folha volante com ded. Manuscrita) / Mito-Alegria-Simbolo, por Almada Negreiros, Sá da Costa, 1948 / Orpheu, de Almada Negreiros, 1965 / Varandas de Pilatos, por Vitorino Nemésio, 1927 / O Missionário, por Eduardo Noronha, 1927 / Entre a cortina e a vidraça (poemas com 1 disco), de Alexandre O’Neill, 1972 / O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor, de Luiz Pacheco, Contraponto / Apenas uma Narrativa, de António Pedro, 1942 / Clepsydra, por Camilo Pessanha, Ed. Lusitânia, 1920 / Uma carta a Teixeira de Pascoaes: Cadernos de Poesia (separata rara), de Fernando Pessoa / O Dinossauro Excelentíssimo, de Cardoso Pires, 1972 / Odes Modernas, por Antero de Quental, Coimbra, 1865 / Indícios de Oiro, por Mário de Sá-Carneiro, 1937 / Oito Séculos de Arte Portuguesa, por Reinaldo dos Santos, 1970, III vols
Museu do Neo-Realismo:

O nosso amigo do Lugar Efémero regista (e nós agradecemos) que "o espólio da Vértice, assim como a colecção da Seara Nova, e muitas outras publicações ligadas ao período do neo-realismo, mas não só, como o Sol Nascente, o Diabo, Horizonte, o Tempo e o Modo, o Via Latina, inúmeras páginas literárias e culturais de outros periódicos (quer em colecção completa, quer em números avulsos) podem ser consultados por investigadores no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira. Além de possuir espólios e outros materiais literários, de artes plásticas, gráficos, áudios, vídeos respeitantes a personalidades e acontecimentos desta época”. Obrigado.

Links: Museu do Neo-Realismo / In Câmara Municipal Vila Franca de Xira /

quinta-feira, 15 de abril de 2004


[Para o Luís da Natureza do Mal … para que não pense que o dedico a outro]

Passa por mim na Livraria

"Par délicatesse / j’ai perdu ma vie"

Não há paixão maior que deambular, com carinho e ternura, entre estantes de papéis novos ou velhos, poeirentos ou não, salvo a alegria e a paciência de encontros d'amores furtivos. Que o livro, como diria Joaquim Pessoa, é como uma mulher e no qual o amante-leitor "observa com os olhos apaixonados, mexe com um frémito de emoção, palpa com gozo, cheira, luta por ele e, quando o conquista, uma alegria enorme, uma alegria de posse lhe invade as quatro assoalhadas do coração". Eu sei que este "brincar da criança" (chez Freud), este sobressalto na alma de ver, ali, apertados em tão doce desordem tamanhos fólios, é uma maviosidade sem qualquer perdão. Compreendo como somos prisioneiros de um qualquer opúsculo, manuscrito, novela ou romance, seja pela impressão, papel, corte das folhas, corpo do livro, margens, pelos ferros a ouro nas lombadas, pelas gravuras em separado, simplesmente brochado ou mesmo encadernado. Mas também, confesso, que o local dessa inesperada declaração de amor não é indiferente. E as livrarias são esse lugar do "corpo revoltado", "moral de prazer" ou simples locus de cumplicidade.

A nossa "indisciplina”" começou por uma pequena drogaria da Avenida Madrid onde se comprava revistas e livros em segunda mão. Não mais lhe perdemos o gozo. Depois, já liceal (Camões, evidentemente) e pela companhia do mestre e amigo Freire de Andrade, frequentámos a Barata na Av. Roma, para a rápida vistoria diária. Quando descobrimos as livrarias da Baixa e do Bairro Alto (ao mesmo tempo que a Capela do Rato) foi uma desaustinada emoção. A Barateira era um mergulho imprevisto, o Castro e Silva um baque retumbante, a Livraria Popular um desafio. Na Bertrand lambuzávamos as prateleiras, na Bucholz professávamos exclamações, na Opinião rimávamos. O tempo era de partida, e em Ovar na Livraria Carvalho abríamos gavetas, bem ocultadas com JPP e livros da Centelha. Havia, também, a "biblioteca" e os LP’s rolante de M. Freire, a Estante em Aveiro e outras mais que o tempo esqueceu. E o Porto ali tão perto. Na Leitura era o alarido, na Lello o olhar ofegante, na Cedofeita esgadanhávamos resmas em perfeito desassossego. Sempre sem trair as palavras. Abençoadas livrarias.

Discretos, nos tempos de Coimbra, desembestávamos (por vezes em bando) na Baixa. Na saudosa Atlântida despejámos o segundo andar; na Bertrand não fazíamos cerimónia, no Machado d'Almedina acumulámos esplendor. Não havia a Finisterra, mas a Unitas e o armazém do Soveral resolvia o mau humor. Depois ... depois ficámos mais inspirados. Até hoje. Com aprumo lá vamos à Ler Devagar, FNAC do Chiado, novamente a Bertrand. Nunca fomos vencidos pela fadiga, mas agora mais refinados, gostamos de ficar a escarafunchar nos alfarrabistas, pescar na Feira da Ladra, depenicar em pequenos armazéns ainda escondidos. É sempre bom voltar à Histórica Ultramarina, ao Nunes de Benfica, ao Artes & Letras (descansando o corpo), ao actual Bobone, à Barateira, ao Arquimedes no Carmo, à prelecção com o Ferreira da Livraria Antiga do Carmo e ... muitas mais. A peregrinação continua. Amanhã lá estaremos. Na boca um sorriso. Sempre!

quarta-feira, 14 de abril de 2004

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
..........
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo
..........
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro
..........
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino ...

[Natália Correia, in Dimensão Encontrada, 1957]

Seara Nova [nº 1, Outubro 1921- nº 1599 de Janeiro 1979]

"Revista quinzenal de doutrina e crítica", nascida de uma "cisão da revista Águia", de intervenção pedagógica, literária e social, com uma matriz de reflexão cultural forte e polémica, marca toda a oposição ao Estado Novo e à ditadura, envolvendo-se em intensa actividade editorial e de campanha cívica e politica. Foram directores, sucessivamente: Aquilino Ribeiro, António Sérgio, Câmara Reys, Rogério Fernandes, Augusto Abelaira, Rodrigues Lapa, José Garibaldi, Ulpiano de Nascimento.
Da activa colaboração havida saliente-se os seguintes nomes: Abel Salazar, Adolfo Casais Monteiro, Afonso Duarte, Agostinho da Silva, Alberto Ferreira, Alexandre Cabral, Alexandre O’Neill, Alfredo Margarido, Almada Negreiros, Álvaro Cunhal, Alves Redol, Américo Durão, António Aragão, António José Saraiva, António Ramos Rosa, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Assis Esperança, Augusto Abelaira, Augusto da Costa Dias, Bento de Jesus Caraças, Carlos de Oliveira, Carlos Queiroz, Castelo Branco Chaves, Daniel Filipe, David Mourão-Ferreira, Eduardo Lourenço, Emílio Costa, Eugénio de Andrade, Lopes Graça, Fernando Pessoa, Ferreira de Castro, Fialho d’Almeida, Flausino Torres, Henrique de Barros, Irene Lisboa, Jaime Cortesão, João de Barros, Gaspar Simões, João José Cochofel, Joaquim Namorado, Jorge de Sena, José-Augusto França, Cardoso Pires, José Gomes Ferreira, José Régio, Rodrigues Miguéis, José Saramago, Luís Pacheco, Manuel Ferreira, Maria Archer, Mário Sá-Carneiro, Mário Dionísio, Mário Sacramento, Melo e Castro, Miguel Torga, Natália Correia, Nuno Bragança, Óscar Lopes, Pedro Oom, Raul Brandão, Raul Proença, Raul Rego, Reynaldo dos Santos, Rodrigues Lapa, Sant’Anna Dionísio, Sttau Monteiro, Teixeira de Pascoaes, Teixeira-Gomes, Victor de Sá, Vergílio Ferreira, Vitorino Nemésio, …

"Renovar a mentalidade da elite portuguesa tornando-a capaz dum verdadeiro movimento de Salvação; criar uma opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias; defender os interesses supremos da nação opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classes e partidos; protestar contra todos os movimentos revolucionários e todavia defender e definir a grande causa da verdadeira revolução; contribuir para formar acima das Pátrias, a união de todas as Pátrias – uma consciência internacional bastante forte para não permitir novas lutas fraticidas" [in Dicionário das Ver. Lit. Portuguesas, de Daniel Pires]

segunda-feira, 12 de abril de 2004

A Senha

Ser na acção em cada instante igual
à outra metade de si à sua imagem
de tal modo que o rigor acerte
o fraterno encontro com os outros

que a palavra
no lugar que lhe cabe
dê à frase a evidente verdade
em que todos se reconheçam


[Joaquim Namorado, in Vértice nº 363, Abril, 1974]

Vértice [nº 1, Maio 1942, …]

"Revista de cultura e arte" editada em Coimbra (1942), sob direcção de Carmo Vaz, Raul Gomes, Joaquim Namorado, e que ainda se publica (a partir de 1988, sob direcção de Francisco Melo), acompanhou o movimento neo-realista (de que foi perfeito porta-voz) e outras tendências, promovendo intensas reflexões, debates culturais, estéticos e políticos que marcaram a época. A par da "doutrinação critica e literária" que cedo revelou, do combate estético-literário comprovado ou da "divulgação ideológica" propagandeada, a sua longevidade e uma activa rede de colaboradores torna a Vértice incontornável na história literária e política portuguesa. Da vasta colaboração havida (pode-se consultar o seu Índice de Autores (para os primeiros 45 anos), recolhido por Carlos Santarém Andrade, 1987) registe-se os seguintes: Cristóvão Aguiar, Luís de Albuquerque, Álvaro Sampaio, Aníbal de Almeida, Eugénio de Andrade, Armando Bacelar, José Oliveira Barata, Baptista Bastos, Mário Braga, , Nuno Bragança, João Freitas Branco, Casimiro de Brito, Alexandre Cabral, Gomes Canotilho, Jesus Caraça, Papiano Carlos, Orlando de Carvalho, Jaime Rodrigues Viana, Ferreira de Castro, Fernando Catroga, João José Cochofel, Eduardo Prado Coelho, António Vale (Álvaro Cunhal), Augusto da Costa Dias, Saul Dias, Mário Dionísio, Afonso Duarte, Rui Feijó, Alberto Ferreira, José Gomes Ferreira, Vergílio Ferreira, Lima de Freitas, Eduardo Geada, Aureliano Lima, Campos Lima, Irene Lisboa, Maria Gabriela Llansol, Eduardo Lourenço, Álvaro Manuel Machado, João Medina, José Manuel Mendes, José Ferreira Monte, Adolfo Casais Monteiro, Vital Moreira, Sidónio Muralha, Fernando Namora, Rebordão Navarro, Vitorino Nemésio, Avelãs Nunes, Carlos de Oliveira, Fernando Assis Pacheco, José Cardoso Pires, António Pedro Pita, Júlio Pomar, Cândido Portinari, Paulo Quintela, Julião Quintinha, Luís Francisco Rebelo, Alves Redol, José Régio, Aquilino Ribeiro, Armindo Rodrigues, Urbano T. Rodrigues, António Ramos Rosa, Vítor de Sá, Mário Sacramento, Abel Salazar, Arquimedes da Silva Santos, Piteira Santos, António José Saraiva, José Saramago, José Sasportes, António Sérgio, Joel Serrão, Antunes da Silva, Gaspar Simões, José Carlos Vasconcelos, Alberto Vilaça, Mário Vilaça,

"Não pode a uma revista de cultura portuguesa ser indiferente a politica nacional e muito menos no momento em que se decide o Futuro, o nosso próprio Destino. Vértice toma posição apoiando as revindicações dos democratas portugueses, enquadrando-se no seu movimento em prol de eleições onde o país possa manifestar livremente a sua vontade..." [nº17/21, in Dicionário das Rev. Lit. Portuguesas, de Daniel Pires]

"…Romeu, tu conheces o Namorado?
- O poeta Joaquim Namorado, o director da revista Vértice, de Coimbra?
- Esse mesmo.
- É claro que conheço. Não te esqueças que eu sou colaborador da Vértice.
- Dizem, não sei se é verdade mas dizem que foi o Namorado quem, para iludir a PIDE e a Censura, camuflou de "neo-realismo" o tão falado "realismo socialista" apregoado pelo Jdanov...
Ri-se, abana afirmativamente a cabeça.
- É capaz de ser verdade, o Namorado sempre gostou de brincar às escondidas com a PIDE e a Censura ... Lembras-te daqueles pensamentos na contracapa de cada número da Vértice?
- Sim, estou a ver.
- Pois o Namorado, durante alguns números, publicou pensamentos do Karl Marx mas assinados com o pseudónimo Carlos Marques. E um dia aparece na redacção um agente da PIDE a intimidar: "Ó Senhor Doutor Joaquim Namorado, avise o Carlos Marques para ter cuidadinho, que nós já estamos de olho nele"... [in Romeu Correia]

quinta-feira, 8 de abril de 2004

"Notícias do Bloqueio" [Nos vinte anos da Intima Fracção. Obrigado Francisco Amaral]

"Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar noticias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos
..........

Dirás como trabalhamos em silêncio
como comemos em silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento

Vai pois e noticia como um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga
..........

Diz-lhe que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se"

[Egito Gonçalves, Arvore nº 4]

O Tempo e o Modo [nº 1, Janeiro 1963 ao nº 126, 1977]

"Revista de pensamento e acção" publicada em Lisboa (1963), dirigida sucessivamente por António Alçada Baptista, João Benard da Costa (a partir do nº 69/70) e Luís Matoso, foi inicialmente um projecto de jovens católicos (JUC) não-conformistas de antanho interessados em "desvincular toda uma geração do laço orgânico da versão salazarista do catolicismo" (Eduardo Lourenço), uma "revolução silenciosa" (idem) face à ditadura, uma "luta contra a desordem estabelecida" (Benard da Costa), de dissidência estética/politica/literária e, de facto, de crucial interesse para toda uma geração que não se revia na corrente dominante da oposição à ditadura. Caminhou, portanto, do "personalismo" à L'Esprit sob a direcção de Alçada Baptista (surgem debates sobre a problemática da função da arte e da crítica, ciência e filosofia, teatro e ensaio literário, no que conta com a participação de Herberto Helder, Sophia Mello Breyner, António Ramos Rosa, Vergílio Ferreira, Jorge de Sena, Cardoso Pires, Nuno Bragança, Abelaira, Murilo Mendes, Nuno Júdice, José Bento, Casais Monteiro, António Pedro, Agostinho da Silva, Agustina Bessa Luís, Alberto Ferreira, Almeida Faria, Angel Crespo, António Franco Alexandre, António José Saraiva, António Osório, Baptista-Bastos, Edgar Morin, Eduardo Lourenço, , Eduardo Prado Coelho, Fiame H. P. Brandão, João Rui de Sousa, José Augusto França, José Blanc Portugal, , José Gomes Ferreira, Rodrigues Miguéis, José Marinho, Palla e Carmo, Francisco Rebelo, Mário Soares, Jorge Sampaio, Michel Foucault, Paulo Quintela, Ruy Belo, Ruy Cinatti, Vasco Pulido Valente, Benard da Costa, Jorge Sampaio; Vítor Matos e Sá, etc.), para a partir do nº 69/70 enveredar, sob a direcção de João Benard da Costa, e principalmente a partir de Luís Matoso para uma maior influência na formação da "nova esquerda portuguesa", assumindo, já perto de 1974, uma posição marxista-leninista, versão EDE/MRPP, sob a direcção de Guerreiro Jorge.

"... Assim, pretendemos lutar, a nosso modo e também, contra a geral «desordem estabelecida», isentos de qualquer confessionalismo ou partidarismo politico concreto, preocupados em localizar e fazer incidir o nosso esforço sobre a análise, clarificação e resolução dos problemas que afectam o nosso tempo particular, propondo-nos especialmente – reflectindo uma concepção libertadora e progressiva da História e da Pessoa Humana, que acentue o primado desta sobre as necessidades materiais e técnicas colectivas em que se baseia o desenvolvimento – estudar com atenção crítica todas as formas de regressão e entrave a esse seu progressivo desenvolvimento..." [Editorial do nº 1, Janeiro de 1973]

quarta-feira, 7 de abril de 2004

A MEMÓRIA DO ELEFANTE




 A Memória do Elefante [Porto, nº 1, 1971- nº 13, 1974 (?)]

Jornal de Música Popular, Jazz, Rádio, com origem na cidade do Porto, saiu ente 1971 e 1974, com direcção de Joaquim Lobo, Editor Jorge de Morais, Relações Públicas João Afonso Almeida, Supervisão de Pedro Nunes, colaboração de António José Fonseca, Mário Gonçalves, Octávio da Fonseca e Silva, Jorge Lima Barreto, Pedro Proença, António Barredo Oliveira, Renato Silva, ...

"A Memória do Elefante tem sido e continua a ser por enquanto, um trabalho quase só de amadores não remunerados cuja acção procura concretizar um ideal de crítica. Estamos alheios aos jogos de interesses que orientam, subrepticiamente ou não, muitos representantes da nossa informação profissional (orgulhosamente). Os nossos redactores não têm obrigação de, como último recurso de incapacidade, encher umas quantas folhas de papel com as futilidades mais incríveis da vida mundana de personalidades pseudo-importantes do nosso putrefacto meio artístico, precisamente as personalidades «progressistas» (ah! ah!) que conduzem à recuperação da contra-cultura. A Memória do Elefante não é de, nem para escatófagos (...)" [A Memória do Elefante, nº 11, Janeiro de 1974]

"... A música urbana, na noção ideal, está ligada à vanguarda e à revolução sob todas as formas. Neste sentido pode dizer-se que em Portugal não há música urbana. Está, por aqui, num estado embrionário, simplista e pseudo-artístico. Abortadas que resultaram as experiências bem desenvolvidas mas inacabadas da Filarmónica Fraude e Quarteto 1111, não há para já perspectiva de uma música nova ..." [Octávio Fonseca e Silva, in José Afonso, ibidem]

"Este artigo é uma pequena e despretenciosa homenagem a Guy Debord e à I. S. Funda-se numa aplicação das teses reais do livro «A Sociedade do Espectáculo» e numa relação afectiva que a carta recentemente recebida dum fugitivo em França, Pedro Jofre, reavivou decisivamente ..." [Jorge Lima Barreto, in Jazz In Situ, ME nº 10, Agosto 1973]


Para Uma Música ... quase até 25 de Abril – O que se ouvia em dias escuros ou como roubar o tempo nos encontros … em cada um de nós. Porque o prazer, também, era transmissivel. É que a música podia chegar pelo lado mais distraído de nós. Uma pedrada no charco!

[Leonard Cohen (Live Songs) / Loud Reed & The Velvet Underground / José Mário Branco (Margem de Certa Maneira) / José Afonso (Venham Mais Cinco) / Brian Eno & Robert Fripp (No Pussyfooting)]

Catálogo nº 04 da Livraria D. Pedro V, Março 2004

A Livraria D. Pedro V - Rua D. Pedro V, nº 16 (ao Príncipe Real), Lisboa - lançou o seu Catálogo nº 4, com 263 peças a preços convidativos. Aberto todos os dias, em horário costumeiro, esse pequeno espaço é local de referência.

Algumas referências: O Inferno de Dante Alighieri (versão portuguesa com notas de uma breve noticia preliminar por Xavier da Cunha), Edic. David Corazzi, 1887 / História de Portugal, de João Ameal, 1940 / O Cristo Cigano, por Sophia de Mello Breyner, 1978 / Antologia do Humor Português (pref. de Ernesto Sampaio, selecção e notas de Virgílio Martinho), Ed. Fernando Ribeiro de Mello, 1969 / Monografia do Concelho de Ponte de Lima, pelo Conde d'Aurora, 1946 / História da Policia em Portugal, de Mascarenhas Barreto, 1979 / Memória sobre o Reino do Algarve, por Charles Bonnet, 1990 / Revista Gazeta Musical (Ano I, nº 1 15 de Out. 1950 ao nº 137 de Agosto de 1962, colaboração de Luís Freitas Branco, João José Cachofel, Luís Francisco Rebello, Mário Dionísio, Lopes Graça, Simões Dias, José Régio, José Terra, Virgílio Ferreira, António Sérgio, Adolfo Casais Monteiro, Gaspar Simões, Rodrigues Miguéis, Jorge de Sena, Cardoso Pires, Aquilino Ribeiro, ...) / Cancioneiro Fernandes Tomás, 1971 / Chronicas do Exílio, por Francisco Manso Preto (nº 1, 30 Dez. 1961 a nº 3, 11 Fev. 1963) / As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault, Portugália, 1968 / O Salariato, por Pedro Kropotkine, 1976 / Inventário Artístico do Algarve / A Muralha, de Agustina Bessa Luís, 1957 / A Casa e Morgado da Oliveirinha nos Concelhos de Eixo e Aveiro, por Francisco Ferreira Neves, 1968 / Oceanos (nº 1 – nº 20) / Um Ano de Ditadura, de Sidónio Paes, 1924 / Breve Diccionario da Latinidade Pura e Impura com significação de ambas ..., por António Pereira, Lisboa, 1760 / Cristo Não Volta, de Alberto Pimentel, 1873 / Prosas de Antero de Quental, 1923-26, II vols / O Príncipe Real, de Hipólito Raposo, Ed. Gama, 1945 / As Encruzilhadas de Deus, de José Régio, 1935 / Biografia, por José Régio, 2º ed., 1939 / Primeiro Volume de Teatro, de José Régio, 1940 / Fado de José Régio, Coimbra, 1941 / Poemas de Deus e do Diabo, por José Régio, 1943, 2ª ed. / A Morte na Raiz, de Bernardo Santareno (poemas), Coimbra, 1954 / Nobiliário da Ilha Terceira, por Eduardo de Campos de Castro de Azevedo Soares, Porto, 1944, III vols / Notas Vicentinas. Preliminares de uma Edição Crítica das Obras de Gil Vicente, por Carolina Michaelis de Vasconcellos, Coimbra, 1912, IV vols / A Saudade Portuguesa, de Carolina Michaelis de Vasconcellos, 1922

terça-feira, 6 de abril de 2004

Abril

"Ora súbita raiz, ora formiga,
outro ar no tempo, outro lábio,
outro pé nos caules que começam,
mais redondo o nome que nos deram,
outro rim, outra asa, o cotovelo
aliviado no desenho, mais ligeiro,
outro faro, outra busca, outro riso,
hábil fuga da cama, outra mesa

- esta certa secreta impaciência
tem o nome de Abril, e habita sempre
as vírgulas (uma a uma) da surpresa
" [Pedro Alvim, Abril]

Comércio do Funchal [nº 1, Janeiro (?) de 1967]

"... um pequeno grupo de pessoas agarrou, na Madeira, a possibilidade inesperada de fazer um jornal, só porque fazer um jornal é uma oportunidade que não se deixa perder. Apenas isso. Eis o primeiro acidente: não havia um grupo formado que experimentasse a necessidade de se exprimir jornalísticamente para dar voz a uma posição, a um conjunto de ideias, a um projecto, a uma maneira própria, pensada definida de entender e interpretar a realidade. O que havia eram pessoas ligadas por laços de amizade, de companheirismo, de típicas aventuras jornalísticas de adolescência, mas com uma carência extraordinária de politização, para além de certas «opções» muito idealistas, primárias, ingénuas. (...) Connosco, deu-se precisamente o inverso: só depois de termos um jornal começámos a perguntar para que servia ele ..." [Vicente Jorge Silva, in CF em Mesa Redonda, & etc, nº 3, 14/02/1973]

"... Em determinada altura o Artur Andrade [Artur Pestana Andrade] veio do Casino e, ao chegar à agência [a Foco, de VJS, A.P.A., Victor Rosado, Santa-Clara, Angélica ...] diz-nos que o proprietário do «Comércio», jornal que já existia, com uma tiragem reduzidíssima, estava interessado em passar a sua efectiva direcção e administração e Artur achou a ideia interessantíssima e viu que era uma oportunidade excelente de podermos dar continuidade a toda uma movimentação de esforços de que as páginas, os encontros, os filmes, eram exemplo. Ficamos contentíssimos. O Vicente Jorge Silva, que foi sempre o impulsionador de quase todas as iniciativas, pulava de alegria" [Victor Rosado, ibidem]

"... &etc- Há uma frase de Mário Sacramento, que vocês até utilizam na publicidade: «Comércio do Funchal: extraordinário e quase miraculoso». Pergunto: como é possível que um jornal feito por rapazinhos entre os 17 e os 22 anos, se aguentasse tão bem?
LA [Luís Angélica] - Na minha opinião, para além de todas as possíveis divergências, as pessoas estavam unidas por laços de amizade muito profundos. Não se perdiam em discussões de capelinha, em questiúnculas comezinhas e medíocres ...] [ibidem]

"... LG [Leopoldo Gonçalves] – Aqui em Lisboa houve de facto um trabalho de grupos universitários da Madeira, no tocante à distribuição e divulgação do jornal. No campo da colaboração, esse trabalho era muito variado (...)
& etc- Ainda dentro desse campo parece-me que o CF. Mercê talvez desses colaboradores de Lisboa, e dos trabalhos que enviavam, se aproximou de certas posições que então começava a assumir «O Tempo e o Modo». Assistimos como que a um processo de radicalização do CF..." [in CF em Mesa Redonda, & etc, nº 4, 28/02/1973]

Alguns jornalistas & Colaboradores do CF – João Carlos da Veiga Pestana, Vicente Jorge Silva, José Manuel Barroso, Artur Pestana Andrade, Ricardo França Jardim, Luís Manuel Angélica, Victor Rosado, José Manuel Coelho, Leopoldo Gonçalves, José António Mendonça e Freitas, Fernando Dacosta, Liberato, Mário Vieira de Carvalho, António dos Santos, António Sampaio, José Maria Amadora, Mário Coelho, L. H. Afonso Manta, Carlos Marinheiro, Raul Maurício, José Freire Antunes, António José Fonseca, José Duarte, Matilde Rosa Araújo, José António Saraiva, José Agostinho Baptista ...

segunda-feira, 5 de abril de 2004


Excitações Lusitanas

"O gentleman é alguém que ouve a história que lhe contam como se a escutasse pela primeira vez" [O'Malley]

A excitação compadecida nesta saison pacata e melancólica, em torno do Ensaio sobre a Lucidez de José Saramago, tricotada pelos opinion-makers de serviço à causa da luminosa democracia, não passa de uma gratuita ansiedade, um engano fútil, um novo tédio, que nos causa espanto. A overdose de textos e postas sobre a emoção conceptual do voto em branco, é um enorme e divertido acampamento diante da porta da democracia, em nome da utilidade pública do voto e do interesse geral do país, como se deve presumir.
O mais curioso, é que esta misé-en-scène esquece que o voto em branco tem toda a legitimidade politica e democrática, não resultando pois de uma qualquer disfunção sentimental em defesa do caos, nem uma qualquer nova rebelião feita pela 5ª Divisão ou pela eterna saudade do Copcon. Portanto, não se compreende as razões porque esta novíssima cruzada dos intelectuais prescreva o voto policiado e instale um novo diktat democrático no qual os cidadãos têm de ser arregimentados a votar, seja em quem for. De facto, a democracia tem as costas largas. E nem a blogosfera se recatou dessa comunhão solene e da tentativa de clarificar a busca do novo Graal da (nova) política. Como as "putas intelectuais", atrás referidas, esqueceram-se (já que tanto a citam) que "a revolução é um momento, o revolucionário todos os momentos" [A. J. Forte]. Com ou sem uivos.

quarta-feira, 31 de março de 2004


Octávio Paz [1914-1998]

n. na cidade do México a 31 de Março de 1914

Octavio Paz foi poeta, ensaísta (crítica literária, arte, história e política), diplomata de carreira(renuncia em protesto contra a repressão das manifs dos estudantes, durante os Jogos Olímpicos no México), editor e jornalista [Barandal, Taller (1938-41), El hijo pródigo (1943), Plural (1971-76), Vuelta (1976)], uma grande figura da cultura contemporânea. Participou em Valência (Espanha) no II Congresso Internacional de Escritores Anti-Fascistas, acompanha Breton e Péret em actividades e intervenções no movimento surrealista, foi embaixador em Paris e na Índia. Foi Prémio Nobel de Literatura em 1990.

"Between what I see and what I say / Between what I say and what I keep silent / Between what I keep silent and what I dream / Between what I dream and what I forget: / Poetry" [OP, 1976]

"El futuro no es el tiempo del amor: lo que el hombre quiere de verdad lo quiere ahora. Aquel que construye la casa de la felicidad futura edifica la cárcel del presente" [OP]

"... Dia, redondo dia,
luminosa laranja de vinte e quatro gomos,
todos atravessados pela mesma doçura amarela!
A inteligência encarna por fim,
reconciliam-se as duas metades inimigas
e a consciência-espelho liquefaz-se,
volve a ser fonte, manancial de fábulas:
Homem, árvore de imagens,
palavras que são flores que são frutos que são actos
"

[Hino Entre Ruínas (trad. Jorge de Sena, in Poesia do Século XX]

Locais: Octavio Paz – Biography / 1990 Nobel Laureate in Literature / Octavio Paz (1914-1998) / Octavio Paz / Octavio Paz (1914-1998) / Octavio Paz / Octavio Paz Lozano / Imagen Intelectual de Octavio Paz / Octavio Paz: El último intelectual mexicano / Réquiem por Octavio Paz / Poemas / Ocatvio Paz: as trilhas do labirinto / Octávio Paz por él mismo / EUA toleram vícios da liberdade, mas não da tirania
Arrumos & Notas

- Na Revista Internacional Pensamento, Ano 1, nº 11, Janeiro de 1931, refere-se o programa das Juventudes Socialistas, com fotografia de Angelino Monteiro da Silva, "principal fundador da Liga da Mocidade Socialista do Porto"; um artigo sobre a morte de Manuel Luís Figueiredo (da Fraternidade Operária, jornalista d'O Protesto, Voz do Trabalho, Partido Operário, Eco Metalúrgico e, Propaganda, O Produtor, O Setubalense e Trabalho, todos estes de Setúbal, militante do Partido Socialista, tendo sido delegado ao Congresso Internacional de Paris, companheiro de Agostinho da Silva, etc.). No Ano II, nº 14, Maio de 1931, saliente-se um texto intitulado "Dois Retratos de Lenine", por Máximo Gorki e uma curta biografia de César Porto.

- a separata do Jornal A Voz (12 a 16 Março 1959), Direcção Perigosa (Reflexões da carta do Senhor Bispo do Porto), considera a célebre carta do Bispo [António Ferreira Gomes], com referências à situação social e politica, como um precioso auxiliar aos “elementos de oposição” e ao partido Comunista, pelo que, e dado o apoio daqueles aos dizeres do Bispo do Porto, resolve apresentar provas desse suposto auxílio, começando por referir o jornal Avante e depois, na sequência da candidatura de Arlindo Vicente e de Humberto Delgado, os infiltrados "comunistas" (presos e condenados) em extensa lista (prof. Alberto Lopes da Silva, o comerciante Almar Viegas Pires,do comité de Ovar, o advogado António Feio Ribeiro da Silva de Viana do Castelo, o escritor Luís Veiga Leitão de Braga, adv. Martins da Fonte da Povoa do Varzim, o Padre Francisco de Almeida de Amares, etc.), passando para a reacção da imprensa estrangeira, notoriamente de apoio ao Bispo do Porto. Curioso documento.

- de publicação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o opúsculo "Fundação das Cozinha Económicas de Lisboa", um discurso "proferido no descerramento do painel alusivo à iniciativa da Duquesa de Palmela", no dia 22 de Abril de 1944, por Braga Paixão.
"... Certo dia Primeiro de Maio, viram-na [a Duquesa] apear-se, á porta da Cozinha dos Prazeres, para onde subitamente resolvera dirigir-se. Vinha do Paço, vestida esplendorosamente de branco (...) por lhe terem ido dizer que uma onda temerosa, negra, de povo, convocado para manifestação ali próximo, no Cemitério, e precisamente contra as Irmãs, que trabalhavam na cozinha. (...) Felizmente, que a iminência da tempestade se veio a resolver em desfecho inesperado, e bem diverso: os manifestantes invadiram em massa, é certo, a Cozinha, mas para procurar descanso nos seus bancos, e saborear os petiscos que as freiras preparavam. Não houve mãos a medir nesse dia na Cozinha dos Prazeres, o pessoal não chegava para despachar tanto serviço (...) Seis mil «manifestantes» comeram nesse dia ..." .

segunda-feira, 29 de março de 2004


Emmanuel Swedenborg [1688-1772]

m. em Londres a 29 de Março de 1772

"... Filósofo e profundo conhecedor de magia e misticismo, espírita praticante, Swedenborg nasceu em Estocolmo, Suécia. Dedicou sua obra às correlações mágicas entre os números e os sinais iniciáticos, à Cabala e às operações psíquicas de vidência e da auto-hipnose" [?]

"Pouco de depois da sua morte, em 1772, forma-se em Londres uma Sociedade Teosófica e Swedenborguiana que ainda hoje conta diversas capelas.(...) Em França, por finais do século XVIII, a doutrina era difundida pelas lojas de franco-mações iluminados que, mesmo antes da revolução, fundam um jornal, «Le Nouveau Jérusalémite». Ainda hoje existe um rito maçónico particular, os Iluminados de Avinhão. As obras de Swedenborg passam por ter tido uma influência considerável sobre os primórdios do romantismo alemão" [in, Edma, D. Quixote, 1977]

"If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is, infinite." [William Blake, in The Marriage of Heaven and Hell]

"As a new heaven is begun, and it is now thirty-three years since its advent: the Eternal Hell revives. And lo! Swedenborg is the Angel sitting at the tomb; his writings are the linen clothes folded up. Now is the dominion of Edom, & the return of Adam into Paradise; see Isaiah XXXIV & XXXV Chap: Without Contraries is no progression. Attraction and Repulsion, Reason and Energy, Love and Hate, are necessary to Human existence." [Blake, ibidem]

Locais: Emanuel Swedenborg (1688-1772) / Emmanuel Swedenborg / Swedenborg: A Biography / About Swedenborg / Emmanuel Swedenborg / Experiências espirituais

Luiz Pacheco ... por Luiz Pacheco!

"Tenho um subsídio vitalício de 120 contos por mérito cultural. Há muita gente que tem. Agradeço isso ao Alçada Baptista. E ao Balsemão. Foi o Balsemão que inventou um decreto, que era o do mérito cultural, para legalizar estas pensões. O meu subsídio em princípio é vitalício, é um subsídio pelo passado. Mas com essa maluca das Finanças - por acaso até é gira, é muito feia mas é gira, é uma mulher a sério, não é o Peixoto, aliás o Barroso! - nunca se sabe. Mas não, porque se uma pessoa tem mérito cultural não o perde por causa da Ministra das Finanças. (...)
Devia ter ido falar com o Vasco Gonçalves! Não o ouviu hoje de manhã a falar? [numa sessão de comemoração dos 30 anos do 25 de Abril] E ele tem razão, porque, de facto, o Mário Soares foi um agente terrível da contra-revolução. O Vasco não lhe perdoa. Eu não sabia que ele ainda estava vivo. Ele já deve estar muito velhote, coitado.
O fascismo era péssimo. Mas agora, por parte da malta nova, não há a noção do que era. Nada. Noção nenhuma. E há esses rapazinhos, que são uns remanescentes - como o Pereira Coutinho, esse tipo que escrevia no Independente e que agora parece que escreve no Expresso, enfim, gente de más famílias. A reacção está aí com toda a força. Talvez ainda não com a força que eles queriam. Nova direita? Extrema direita! (...)
Politicamente, economicamente, podemos estar numa má altura. Mas há coisas que não voltam para trás. Uma coisa que eu tenho reparado é numas figuras de raparigas que nós nesse tempo não apanhávamos. Há agora um novo tipo de mulher. Mulheres formadas, algumas com dois cursos, com empregos, com uma ginástica de se desenrascarem formidável. São mulheres muito diferentes das do meu tempo. Sabe o que é? Começam a funcionar muito mais cedo. Não haja dúvida nenhuma que a repressão aí era tenebrosa. Fui parar à cadeia 5 vezes por causa disso. Não era bem puritanismo. Era estupidez e a Igreja Católica. Eram valores como a virgindade, o pudor... Havia muita hipocrisia. Mas a gente também se governava. Eu fui parar à cadeia porque arrisquei. Se eram virgens? Bem, eu não fui lá ver se elas eram virgens. ..." [Luiz Pacheco in Pública]

domingo, 28 de março de 2004

Miguel Hernández [1910-1942]

m. a 28 de Março de 1942

"Miguel de España, estrella
de tierras arrasadas,
no te olvido, hijo mío!
pero aprendí la vida
con tu muerte:
mis ojos se velaron apenas,
y encontré en mí
no el llanto,
sino las armas
inexorables!
Espéralas! Espérame!
" [Pablo Neruda]

Locais: Miguel Hernández / Miguel Hernández (1910-1942) / La Obra Poética de Miguel Hernández / FCMH / Poemas / Miguel Hernández Poeta Vivo / Poemas de MH
Notas & Papelada

- Protesto da Sociedade de Geografia a todas as Academias, Sociedades, Institutos e jornaes das suas relações, folheto de 1 pag. c/ data de 13 de Janeiro de 1890, sobre o conflito diplomático entre Portugal e a Inglaterra.

"... Perseguida e extincta a escravatura na costa portugueza da Africa Occidental, os interesses que o trafico infame alimentava procuraram e por largo tempo conseguiram obstar, sob a protecção da politica ingleza, a que a nossa acção civilizadora e o nosso direito soberano lhes arrancasse o ultimo reducto, por uma occupação regular e definitiva dos nossos territórios do Zaire inferior.
Foi exactamente o apresamento, pela auctoridade portugueza, de um navio negreiro na foz d'aquelle rio que suggeriu a formal opposição do governo inglez, já então indignamente mystificado, à nossa occupação d'aquelles territórios..."

- Curiosa biografia de Emídio Navarro, por Adriano Nascimento (ex-secretario revisor da Imprensa da Universidade de Coimbra), datada de 1960, onde é referido que Navarro, fundador do jornal A Académica (c/ colaboração de João de Deus, João Penha, Simões Dias, Emídio Garcia, Teófilo Braga, etc.), jornalista d'O Conimbricense, Correio da Noite, Novidades, Primeiro de Janeiro, militante do partido progressista (de Anselmo Braamcamp Freire e Luciano de Castro), deputado, ministro em Paris, depois Ministro das Obras Públicas, era de um polemista terrível (cita-se, as polémicas que teve com Pinheiro Chagas, Oliveira Martins, António Enes, Eduardo Burnay) que por vezes terminava em cenas pouco edificantes (cena de pugilato com o redactor do Jornal do Comércio, Baltazar Radich). De referir o seu estimado livro, "Viagem à Serra da Estrela".

- Da "Homenagem a Matos Sequeira" pelos Amigos de Lisboa na Casa de Imprensa em 30 de Março de 1955, lê-se: "A maior parte do dia passa-o o Mestre [Matos Sequeira] no seu gabinete dos «Amigos de Lisboa» em Vila Nova de Andrade trabalhando afanosamente; e dali ele contempla, como se estivesse vendo, a Torre de Álvaro Pais ou o Postigo do Conde. Aí pelas Ave-Marias, arruma os seus papéis numa ordem que o não parece, deixa um cinzeiro enorme cheio de pontas de cigarros, e lá vai ele pela rua Larga a baixo meio cosido com a muralha Fernandina, torneja para as Portas de Santa Catarina e logo que chega em frente do Tesouro Velho atravessa a Rua para entrar na «Brasileira» a tomar o seu café e reunir-se com amigos de todos os dias.
A boas horas para jantar, não muito tarde, torna a transpor as Portas de Santa Catarina e espera o eléctrico que vai para o Moinho de Vento. Apeia-se um pouco para lá do Colégio dos Nobres, desce à Fabrica das Sedas e entra em casa que é património da família desde meados do século XVIII".
António Vitorino (Errata) – O Almocreve foi assaltado por uma chuva de mails face à insensatez de postar em honra do escritor vieirense António Vitorino, trocando-lhe a data de nascimento e morte. A profanação cometida, que parece aventar qualquer maldição do Zé Manel Fernandes sobre as nossas cabeças, será sempre o nosso tormento. Estamos desolados e não faremos, evidentemente, nenhum esforço em encontrar remissões em qualquer misfit do último rubber jogado, ou mesmo sobrecarregaremos o leitor com o facto de estarmos zebrados de sono. O Almocreve errou. Assim a data correcta será

António Vitorino [1886-1962]

Obrigado pelo reparo.

sábado, 27 de março de 2004

Neste dia ...

Neste dia de sol e pinhais
o teu corpo foi o bálsamo
e agua da fonte a tua boca.

Eis-nos agora neste dia de sol
esquecidas as palavras
humildes e serenos
como se tivéssemos acabado de nascer


[Tomaz Kim, Poemas de um diário, in Os Quatro Cavaleiros, 1943]

António Vitorino [1875-1946]

n. em Vieira de Leiria a 26 de Março de 1886

António Gomes Vitorino foi guardador de porcos e cabras, marçano, pescador, almocreve, serrador, revisor de provas de imprensa, agente comercial, actor, declamador e prosador. Frequentou a instrução primária em Vieira de Leiria, frequentou o Instituto Francês e a Universidade Livre em Lisboa, foi actor tendo pertencido ao Grupo da Construção Civil, mais tarde Grupo Dramático Solidariedade Operária, mais tarde representou na Companhia de Araújo Pereira, dirige o Novo Grupo de Amadores de Teatro. Poeta e escritor de tendência neo-realista, conviveu com Mário Dionísio, Alves Redol, Manuel da Fonseca, fez parte da Voz do Operário (onde foi homenageado em Março de 1974) e com Redol e Luís Francisco Rebelo foi fundador do Circulo de Cultura Teatral. Para além de diversas colaborações em jornais e revistas, publicou livros de contos e novelas, com especial realce para Praia da Vieira. Sua pena e sua glória (1950), Gente da Vieira e A Vida Começou Assim, onde se retrata a vida, o esforço e os anseios dos pescadores e das gentes da Praia da Vieira. Sobre este último livro, Cortez Pinto diz-nos: "[AV] Cronista da Historia Trágico-Marítima da sua praia heróica, cujo poder de expressão e vernaculismo admirável de forma pedem meças e ultrapassam tantos pseudo que por aí se julgam mestres ..." [consultar o Catálogo "Vidas Passadas Obras Presentes. Um olhar sobre estudiosos locais, no centenário de Alfredo Gândara – Exposição documental e bibliográfica", CMMG, Dez. 1996]

Principais Obras: Chuva de Maio (Versos), 1930 / Gente da Vieira, 1938 / A Vida Começou Assim, 1944 / Praia da Vieira – sua pena e sua glória, Lisboa, 1950

"As dunas - soltas, abertas, sem vegetação, a cegarem, pela brancura das areias, os olhos fortes, nos dias de intensa claridade" [AV, Praia da Vieira ...]

"- Mãe, tenho esta dor imensa de ser pobre! Os pobres, ou deviam morrer todos quando nascem ... ou ... não sei… Mas isto assim não está bem. Ser pobre é desgraça grande demais para que possamos andar sempre com ela.
A velha murmura:
- E há tantos anos que eu sou pobre ...
- É verdade, vossemecê há sessenta e oito anos; eu há quarenta e dois; os meus filhos, o mais velho há doze e o mais novo há quatro, e sê-lo-ão toda a vida. Mas isto é castigo, mãe, isto é castigo? Sessenta e oito seus, quarenta e dois meus e doze do meu filho são cento e tantos anos de pobreza! Cento e tantos anos de miséria! (...) Não mãe, não! Ou devíamos morrer todos à nascença .... ou ... não sei ... não sei ..." [AV, Gente da Vieira]

sexta-feira, 26 de março de 2004


Leilão de Livros – dia 5 e 6 de Abril no Palácio do Correio Velho (15 h)

O Palácio do Correio Velho apresenta um Leilão de Livros (catálogo disponível on line) sobre Arte, Arqueologia, Literatura Portuguesa, Revistas de Arte e Cultura, um valioso conjunto de cartas manuscritas a/de Bolhão Pato e valioso conjunto de manuscritos de Luiz Pacheco, que decorrerá na Calçada do Combro, 38º, Lisboa.

Algumas referências: 10 Primeiras Gravuras Riscadas em Vidro Acrílico, de Almada Negreiros, 1963 / Lote(s) de opúsculos e livros de Moses Bensabat Amzalak / O Archeologo Português (1ª série incompleta, mas valiosa) / Archivo Pitoresco, 18571868, 11 vols / Arquivo de Beja, 1947-1975 (incomp.) / Importante Lote(s) sobre Arte Portuguesa, Artes Plásticas e Catálogos / Curioso Lote(s) de Livros de BD (O Mosquito, Cavaleiro Andante, Blake & Mortimer) / Valioso conjunto de Postais Ilustrados Portugueses / O António Maria, de Bordalo Pinheiro, 1879-1883 / Historia de Los Caballeros del Temple, por M. Bruguera, 1888, III vols / Catalogo de Livros, Opúsculo e Manuscritos pertencentes à Bibliotheca Nacional de Nova Goa, Nova Goa, 1907 / Atala de Chateaubriand (desenhos de Doré), 1873 / Anoitecendo, a Vida Recomeça, de Ruy Cinatti, 1942 / Constituições do Bispado do Porto ..., 1690 (raro) / Definiçoens e Estatutos dos Cavalleiros, e Freires da Ordem de Jesus Christo, Lisboa, 1671, 2ª ed. (rara) / Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes (capa de Álvaro Cunhal), Ed. Sirius, 1941 / Quadragesimale Gristh (sic) una // cum registro sermonum de tem // pore et factis per circulum anni. // …, Incunábulo, 1489 / Música, de José Régio e Júlio, Presença, 1931 (raro) / A Encadernação em Portugal, por Matias Lima, 1933 (raro) / Valioso conjunto de Cartas Manuscritas para e de Bolhão Pato / O Mundo Literário, Semanário de Critica e Informação Literária, etc, 1946-48, 53 nums / Lote(s) de Numismática / Cartas Manuscritas para Luiz Pacheco (de Igrejas Caeiro, Carlos Tavares da Silva, Carlos Loures, Júlio Santos Moreira) / Originais Manuscritos ou Dactilografados de Luiz Pacheco ( Os Poetas Sonegados, A Engrenagem – em várias versões, A Feira do Livro, Critica de Circunstância, Quando até os mortos votam, Depoimento de uma Angolana) / Cartas de Luiz Pacheco ( a Carlos Loures, Fernando Rocha Calixto – sobre a sua condenação pelo Tribunal da Sertã, Máximo Lisboa –idem, Edite Soeiro, ao editor Ribeiro de Mello – "você é um poeta. Eu sou um cardíaco. Por favor, não dramatize nem me pregue telegraficamente sustos quotidianos ... excepto valetelegraficamente", refª à edição de A Filosofia na Alcova) / Luiz Pacheco, revisões de provas e emendas de Exercícios de Estilo, c/ ded. "Ao Luís Piteira, que está à espera que eu morra para fazer leilão com isto e para comprar um iate para navegar na praia da Amadora" / idem, Literatura Comestível , Pacheco Versus Cesariny, Parábola do Escritor que era Sério e do Escritor que não Era, Para ajudar os Arménios / Revista Presença (nums soltos) / Noticias de Portugal ..., de Manuel Severim de Faria, 1740 (raro) / SW Sudoeste, Cadernos Almada Negreiros, 1935, III nums (raro) / Le Signe de Vie, de Tristan Tzara, avec six dessins et une lithographie originale de Henri Matisse, 15 Maio 1946

quarta-feira, 24 de março de 2004


Exercício necessariamente obrigatário

"A Alma é um tique" [Alfred Jarry]

O primeiro olhar sobre os vários textos sobre o assassinato de Yassin convoca alguma suspeição, mal-estar e ambiguidades várias. A filosofia doméstica de alguns roça a náusea. A rigidez dogmática de outros é inquietante. O discurso oficioso, uma hipocrisia. Seja como for, nada de bom se poderá esperar dessa caricatural autodestruição que fascina estes homens profundamente reprimidos, devastados numa irracionalidade doentia, sem memória nem utopia no olhar. Para eles "o mundo está divido em duas classes, uma é a nossa, outra é a vossa", como diria qualquer radical estalinista ou fascista. Os dias de hoje são uma imensa perturbação.

O que nesta leitura da morte (seja a de Yassin, de judeus, árabes, americanos ou espanhóis) mais impressiona é que pode-se estar com os "teocratas da morte" na mais racional das emoções, em elogio deslumbrado, sobranceiramente chocante, num grau zero de humanismo insinuantemente amoral. A dimensão da tragédia, a obsessão da "É a guerra! É a guerra!" não é mais que "fascismo rastejante" (Chomsky), um maniqueísmo inassumido (por pudor?) e onde a violência do dia-a-dia - o terrorismo - é um sintoma da doença que grassa nas sociedades actuais, quando o Estado-espectáculo normalizou a violência, institucionalizando-a. Reaccionários ou nostálgicos de antanho cedem à violência do(s) poder(es), consoante as "estações dos sentimentos", e ao fazê-lo legitimam o terrorismo. E, aqui, é bom também não esquecer que "o terrorismo mais eficaz é sempre o do Estado: os grupos matam simbolicamente, o Estado estatisticamente" (Alberto Morávia).

Sobre a questão do assassinato de Yassin, e da onda de assombração que varreu a blogosfera, destaque para os textos que respiram liberdade do Aviz e do Mar Salgado, que não seguem a vulgata dos lugares-comuns e que são um estimulo ao debate. Mesmo que possamos discordar, como acontece, sobretudo nalguma argumentação do FJV.

Cândido Augusto Nazaré

"Cândido Augusto Nazaré, falecido em Coimbra no dia 28 de Fevereiro de 1948, realizou a completa personalidade de bibliófilo. Desde o profundo amor aos livros, inteligente conhecimento das suas páginas, apreço do mérito dos autores, valor das espécies no mercado, até à figura singular no aspecto físico e no trajar, tudo nele denunciava a perfeita e característica individualidade do amador de velhos e novos livros. Toda a sua vida, fora da família, andou à volta de dois grandes enlevos espirituais - os livros e as arreigadas convicções políticas.
Cândido Nazaré, como era geralmente referenciado, alcançou autoridade em assuntos bibliográficos. Consegui-a, à própria custa de um trabalho de largos anos, sempre carreando exemplares para a sua famosa biblioteca. Viveu absorvido das muitas obras que continuamente colocava nas estantes da sua famosa livraria, naquela modesta casa, à rua Direita, da cidade de Coimbra (...)

Cândido Nazaré, está inteiramente na definição do professor Dr. Vitorino Nemésio, na sua apreciada secção no Diário Popular - 'Leitura Semanal' de 21-4-1948 - 'Ele além de ter sido durante anos e anos, o claviculário dos prelos da antiga Real Imprensa, e assim o cérebro dos tratados e dissertações da Alma Mater, era o detentor, por excelência, de um dos maiores saberes bio-bibliográficos do Portugal de oitocentos-novecentos. Porque este bibliófilo e bibliógrafo não era um trapeiro de livros, mas exactamente um coleccionador consciente e entusiasta da produção literária sob o signo da qual o seu espírito desabrochou, e das coisas respeitantes aos homens espirituais que se acostumou a admirar desde moço'. Recorria-se á biblioteca deste bibliófilo e bibliógrafo, tantas vezes aberta a estudiosos, como se procurava, na sua memória felicíssima, a informação de certos factos ligados com a vida literária. Cândido Nazaré era um livro aberto, para todas as consultas a tal respeito. Pode dizer-se que não passou por Coimbra, investigador ou literato, que não se tivesse socorrido das suas magníficas estantes pejadas de livros. E havia razão para isso. Desfolhando-se as páginas dos Catálogos referentes a essa magnífica biblioteca, encontra-se justificação bastante para o interesse dos eruditos ou curiosos de assuntos livrescos ..." [in, Bibliomanias]

terça-feira, 23 de março de 2004


Alberto Ghiraldo [1875-1946]

m. em Santiago de Chile a 23 de Março de 1946

Alberto Ghiraldo foi poeta, dramaturgo, militante de linhagem anarquista, jornalista. Fabulosa figura romântica argentina, sonhador libertário, foi director de El Año Literario (num. único, 1891), La Protesta (1904), Ideas y Figuras Revista Semanal de Crítica y Arte, El Obrero, El Sol (1904), Martín Fierroy (1924-27, inclui escritos de Borges e no seu manifesto inicial, de autoria de Oliverio Girondo dizia-se: "Martín Fierro" sabe que "todo es nuevo bajo el sol" si todo se mira con unas pupilas actuales y se expresa con un acento contemporâneo)]. Em 1943 publicou O Arquivo de Rubén Darío, de quem foi amigo pessoal.

"El drama por el drama? No. El drama por la vida, entonces, es decir, el drama por la idea. Lo demás será sólo asunto de feria, espectáculo de circo, negocio, nada más que negocio. A lo sumo, goce infecundo, placer de solitarios... Hay que echarse en la vida, bracear en el oleaje, con alma enérgica y músculo férreo, sin adular a minorías privilegiadas o mayorías sin criterio, para poder realizar obra de verdadero arte y de verdadera ciencia... Así pues, para ser adeptos de la ciencia y del arte, hay que interesarse por el bien de la humanidad." [AG, in Revista "Estudios" nº 68, Abril de 1929]

"Valencia, tierra en que vive
la raza amiga del sol.
No vengo a daros la luz:
os traigo mi corazón.
Bardo errante, voy cruzando
del mundo por la extensión.
Y tengo por patria el mundo
porque es muy grande mi amor ...
" [Salutación a Valencia]

Locais: Las ideas y la figura de Alberto Ghiraldo / La dimensión verbal en el teatro anarquista: la columna de fuego de Alberto Ghiraldo / Poesia / El nombre de "Los Inmortales" / Homenagem a Rubén Darío / Las peñas literarias de Buenos Aires

segunda-feira, 22 de março de 2004

Tua ...

Tua vagina ouço é um vagido
cheira à lenha que um corte tacteou
sabe a chuva ao queixo humedecido
olhos que mais altas coxas sobrevoou


[Dórdio Guimarães, Canto Psicadélico, 1968]
... mais le bateau s'en va

Lá no alto contempla-se a planície sem fim e tudo são pedras cinzas e nada. A espingarda queima-nos, as costas ardem e o sol está a pique, aqui no barrento sem umbigo ventre deste rio. Esquisito gotejar. Leve corres pela água. O homem veio do mistério, dizes, que não se pode ir contra a natureza. Cantas Bernardim:

Dizem que havia um pastor
antre Tejo e Guadiana,
que era perdido de amor
per ua moça Joana


e há em cada instante teu essa animalidade que sempre nos desconcerta e o pudor na ilusão dum olhar prometido. Que faz sonhar. À cautela, entre dentes, dizemos:

"Conhecem-me os cavalos e a noite e os desertos
traiçoeiros e a guerra e as feridas e o papel e a pena
" [Herberto, com certeza]

domingo, 21 de março de 2004


Textos & Pretextos

"A felicidade é um desporto violento" [VGM]

- José Pacheco Pereira é hoje um homem em frangalhos. O processo de catarse dos tempos idos de fervorosa militância maoista, presume-se, deixa-o, ainda, fora de qualquer lucidez, tal a baralhada em que hoje se encontra. O estrépito das suas afirmações sobre o eterno guerrear (é guerra ... é guerra), é um delírio que desperta a curiosidade de alguns leitores confusos e agressivos (adolescência revisitada, evidentemente), mas não deixa de ser uma despeitada cruzada apocalíptica, incoerente politicamente, intolerante humanamente. Ainda não refeito das mazelas do engodo da administração de Bush & Blair, e num suave engano de alma, lança nova orquestração a favor da barbárie da guerra, com vigor emotivo e laborioso, caindo nas suas próprias armadilhas (vidé o que nos diz sobre a queda do governo de Aznar, a lamúria sobre a guerra civilizacional aqui à porta, ou a intimação de fazer campanha política lado a lado com a extrema-direita portuguesa). Mesmo que não comova ninguém, a enorme fadiga na leitura dos seus escritos e prelecções, na rádio e TV, deixa-nos com alguma amargura. Afinal sempre há pessoas que se julgam deus. E, como dizia Mercúrio no Anfitrião de António José da Silva, depois de se falar em tragédia, se "quiserem, transformo-a de tragédia em comédia, sem mudar um único verso". O que é uma enorme maçada. Convenhamos.

- E lá vai a tripla rodrigueana em alquebrada teatralização. Contra um texto de Baptista-Bastos, os adeptos arquejantes de Nelson Rodrigues - Ivan Nunes, Pedro Lomba e Pedro Mexia - entendem, na sua desvairada idolatria, que quando se trata de "génios" tudo o que toldar a atmosfera dos prosadores, reveste o aspecto caricatural. Motivo suficiente para não permitirem que as ideias políticas de Nelson Rodrigues (ou de outros mais) sejam tão importantes como o "estilo". E é claro que no magistral desmascaramento rodrigueano da sociedade carioca, num azedume de rajada, cínico e desbragado, se deverá esquecer a vileza das suas acções contra companheiros e de apoio à ditadura. Tudo bem. Mas uma coisa é certa: duvido que Nelson Rodrigues aceitasse essa altívola objectividade na argumentação, agora utilizada. Logo ele, que não tinha paciência para os «idiotas da objectividade». Não é verdade?