quarta-feira, 16 de junho de 2004

Unesco ou Danação

A caminho de Paris está José Pacheco Pereira, nomeado representante permanente de Portugal na Unesco. Confessamos que nos rendemos perante tal regalo de espírito. Porém, não escondemos que a expectativa do trabalho, decerto estimulante, nesta importante área de educação ciência e cultura de Pacheco Pereira, é para nós uma angústia insuportável. Privar-nos do escriba JPP, aqui na blogosfera ou nos media, deixar de acompanhar as suas referências políticas ou a gentileza argumentativa dos seus testemunhos críticos sobre Portugal e o Mundo, fazem-nos ficar piegas. Nós que ainda murmurávamos balbuciantes preces para um original encontro blogosférico à volta da livralhada na Marmeleira estamos emocionados. Quatro anos irão passar. Até lá com quem é que haveremos de cumprir a necessária e salutar polémica? Haverá alguém, no campo laranja, que tenha tal perfil? Decididamente que não. Estamos, pois, condenados a um perfeito desatino. E não havia necessidade.
Malgré tout ... os desejos de um bom trabalho.

Citações

"As citações são nas minhas obras como ladrões de estrada, que fazem um ataque armado e que aliviam um ocioso das suas convicções" [Walter Benjamin]

"Walter Benjamin aspirou realizar, como se alcançasse um clímax de perfeição, uma obra que fosse composta inteiramente de citações (...) Esse seu desejo veemente permite fazer-nos penetrar no universo de um coleccionador. Ao citar, substituindo pela citação a escrita própria, transcende-se o fluxo da sua apresentação e fixa-se o citado em si mesmo, assumindo-se essa posição de intermediário por excelência (...)
Com efeito, escrever por intermédio de outrem, para quem é escritor, acaba por tomar a figura de não se poder viver por si, de viver sempre por outro, transformando-se o ser em médium para receber, para deixar passar, colocado num limiar em que o próprio vazio do presente se torna matéria impressionável para ressonâncias alheias. A citação constitui, assim (...) um momento purificador, um propósito anárquico de revolucionar o presente, demonstrando a intransmissibilidade do passado como um todo e assegurando (...) que unicamente esta operação de recolha entre os restos possibilita a sua preservação (...)" [Maria Filomena Molder, in "A paixão de coleccionar em Walter Benjamin", Prelo nº 4, 1984]

segunda-feira, 14 de junho de 2004


Eleições Europeias: como quem não quer a coisa

A política de farmácia do Governo português foi a votos e levou, no douto dizer do prof. Marcelo uma "banhada". Era certo que a mediocridade só podia produzir tais mazelas. Mas não é menos verdade que convém perguntar, citando Musil, "qual a culpa de sermos consultados?". É que parece que os eleitores que não frequentam a praia ao Domingo, nem são festivaleiros laboriosos - aqueles que foram votar, entenda-se - são um bando de transviados chatos, uma chusma de excomungados cidadãos que não entendem o esforço pátrio da governação Barrosista.
Aliás, a chacota opinativa foi tal, que o comentador dos crentes e comissário político Vasco Graça Moura, apareceu, estrovinhado e de "olho pisco", a versejar teorias sobre a qualidade da abstenção, tendo mesmo resolvido o magno problema dos 40% de 40% de votos. A intensidade dramática da noite estava ao rubro na TVI. Noutra capela mediática, Dias Loureiro e o conhecido visionário Pires de Lima gatafunhavam rajadas de reprimendas aos cidadãos. Ainda não tinha intervindo o dr. Barroso e o comparsa Paulo Portas, para a expiação devida. Mas depressa se soube que o rumo político de irá manter, apesar das ilações que o impagável primeiro-ministro diz ter compreendido, o que sugere que os eleitores para estes senhores são miseravelmente umas azémolas. O tirocínio da maioria é absolutamente comovente.

Postas as coisas, diremos: que o PS foi um grande e merecido vencedor, e que tão bonito seria ver Sousa Franco receber os aplausos e honras com que seria presenteado, ele que foi vilmente maltratado ao longo de dois anos com ataques ignominiosos e arrogantes; que a expressiva votação do BE e a eleição (que nos dá grande satisfação) de Miguel Portas prova o brilho e a maturidade dos eleitores; e que o PCP mantém uma sólida base de apoio, uma combatividade e projecto que não desaparece de um dia para o outro; por último, sobre a ND, teria sido curioso ouvir o que diria Manuel Monteiro se ainda estivesse no PP como militante, e, doutro modo, constatar como difícil pode ser construir um novo espaço político sem um conjunto de quadros solidamente estruturados e com provas dadas no terreno.

A Pau com o Futebol

"Num mundo reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso" [Guy Debord]

O crítico profissional da bola, atrevidamente alapado no sofá, lança o olhar melancolicamente mundano à bandeira que exibiu com devoção extremada. A agonia da lamentação pós-desaire da nossa selecção resta uma amargura sem fim. O crítico de sofá acha o incidente miserável. A tragédia (grega ?) vai de revolta. O pastoreamento da equipa uma idiotice sem perdão. Scolari falhou no exercício escolar, dizem uns. É um treinador de má fé, rezam outros. Com felicidade ainda não o apelidaram de "mouro". Faltam 72 horas para saber. O Norte tem sempre essa delicadeza poética de se expressar. Ou não sejam os alexandrinos de Carlos Magno, esse portuense exuberante, de grande efeito psico-futebolisticamente falando. A onda alastra entre o público.
A dimensão do auto de denúncia que se seguiu ao jogo com a Grécia é, verdadeiramente, leviana. O homem tenta manufacturar um team com pragmática e as endoxa (à maneira de Aristóteles) configuram a questão: Portugal é excelente, um ganhador harmonioso, um talento de bem jogar. Só Scolari não o sabe e daí opções medíocres, linha de jogo inexistente, táctica absolutamente lírica. Pudéssemos por a jogar 11 Decos ou, mesmo, outros jogadores do covil do Dragão - que como se sabe são, evidentemente, "os melhores do mundo" - e o cenário era outro. Não sendo assim estaremos condenados a ficar pelo caminho, perdidos na bruma do Europeu. Mas fiquem sabendo todos os amantes do futebol, críticos de bancada, meninos e meninas deste país que um dia ... um dia seremos grandes. Deo Gratias!

Que viva ... Pixies

"...dá-nos a tua canção que sai da sombra fria" [H. Helder]

Havia muita gente. Tanta que quando a noite chegou arrastou a cauda e um véu luminoso invadiu o palco. As raparigas respirando. "Ella me dijo que es una vida buena alla, bien rica bien chevere, Y voy! Puneta!". Mas temos bastante vigília para o (necessário) ar que os lábios estremecem. Estes homens, decerto, não morrerão em vão. With your feet in the air and your head on the ground ... "Rasga-se seda para aprender o ritmo". Foi assim lá para os lados do Tejo, numa noite memorável. A frescura dos Pixies, um momento inexprimível. Hermanita ven conmigo Hay aviones cada hora... Me voy ...pelo orvalho dentro o segundo nascimento ... here comes your man!

sexta-feira, 11 de junho de 2004



Parque do Tejo [Hoje]: Pixies & Massive Attack

Hipocrisias Lusas

"Pode-se perdoar a um homem fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente" [O. Wilde]

Este país é um imenso hospício, descarado e embravecido. E não tem remendo. A cantilena espantosa que lemos nos jornais, por poderosos e recostados colunistas e militantes partidários, em torno dos malefícios (e virtudes, evidentemente) das campanhas eleitorais e do elogio da "verdadeira política" a ser seguida pelos seus funcionários, como se tivessem a encomendar jantar no Tavares ou em convívio literário na Academia, é um esforço cómico, uma charanga desafinada, uma reprimenda hipócrita. Esses senhores, embora frequentem locais respeitáveis, utilizem os talheres sob o suor da etiqueta, e garantam que sabem sempre ler por baixo e nas entrelinhas, nunca deixam de ser aqueles desafortunados que o rosário de nunca terem provado nada na vida privada, em vão procuram disfarçar na sua declarada petulância argumentativa. E não mudam.

Dos jornais descola-se, com a argúcia rabiscada à pressa, um conjunto de reflexões sobre a morte do professor Sousa Franco, que deduzida a cortesia elogiosa do momento, nos levam a presumir que a hipocrisia lusitana está de boa saúde. Ouvimos e lemos curiosas revelações da miudagem do PP sobre a biografia do professor Sousa Franco pós-mortem; tomamos anotações da grosseria e insulto das afirmações de Narciso Miranda e Manuel Seabra dos factos havidos; esfregamos os olhos grotescamente, mas lá conseguimos acabar a croniqueta e o editorial do Expresso, inebriados com a impetuosidade do director Saraiva; involuntariamente continuamos a ler receitas magníficas por todo o lado. Até a náusea se instalar. Não temos emenda.
Lino de Carvalho: excelente parlamentar

Dos deputados que habitam no casarão de S. Bento, Lino de Carvalho era um dos mais notáveis. Bem preparado tecnicamente, conhecedor como poucos da atmosfera do hemiciclo e do seu receituário, foi dos militantes do PCP que mais intervinha e que mais dava a cara. Morreu ontem de doença prolongada. Fica mais pobre o parlamento e a vida político-partidária.

quarta-feira, 9 de junho de 2004

Sousa Franco - Um Homem de Estado

A estima dos estudantes em relação a alguns dos seus professores, não raras vezes é sinal do espírito de erudição, talento, distinção e rasgo de carácter, atributos que estão presentes na grata memória do verdadeiro académico. António de Sousa Franco foi um deles, honra lhe seja feita. Exemplar investigador em ciências jurídico-económicas, inexcedível na dedicação à Faculdade de Direito de Lisboa, venerando estudioso das questões económicas, o seu espírito crítico exuberante, a sua singular grandeza, inteligência e verticalidade marca as faculdades inatas do professor Sousa Franco. Vilipendiado por alguns que nunca tiveram obra que se visse (não é verdade senhora Ferreira Leite?), caluniado por outros dementes da política, Sousa Franco é principalmente o académico incansável e brilhante que uma geração de estudiosos de economia em Portugal muito devem. Que descanse em paz.

terça-feira, 8 de junho de 2004


Eleições: o dia do desespero

Cansados do monóculo do Prof. Marcelo, confessamos que sentimos um apetite imenso para espadeirar as imprudências que (des)legitimam estas eleições. Aturdidos com tantas análises, e à falta de uma única que já se vê tem a graça do José Manuel Fernandes, cientes da dispersão do público pelos futebóis e esconjurados os exorcismos musicais, declaramos patrocinar este singular exame que invoca o país profundo a não folgar. Mesmo que o pronto a pensar não tenha a intensidade dramática do Delgado, a vibração conceptual do arq. Saraiva ou a frieza congelada do Bettencourt, eis-nos inspirados pela arte do melodrama. E não atendeis ao dizer que "a mais alta, como a mais baixa forma de crítica é uma autobiografia" [O. Wilde]. Não vos perdoaríamos.

Organizar o país, diz o valido da coligação. E zás, Barroso numa rendida mesura informativa diz-nos que o primeiro-ministro é o camarada Carvalhas. Com punhos de rendas, pretende amestrar as revindicações em tempo do Euro, ao mesmo tempo que vai retalhando privatizações, autopsiando a PJ, peregrinando guerras, escaqueirando a paciência do confrade luso. A ternura acariciante do Primeiro-Ministro pelos executores é uma carpintaria de repetição ad nauseam que provoca no indígena o recuerdo de Jorge de Sena: «os nobres palavrões [são] essenciais à vida». Daí a elevação com que o gentio trata a governação. Em especial o tacteante Portas e o impagável humorista Pires de Lima.

Das eleições europeias exala-se um hálito bafiento entre a galeria dos notáveis. Na coligação, sobressai o polido Deus Pinheiro, agora que deixou a vergonha em casa (ao mesmo tempo que a manta e o saco de golfe) e o extenuado Graça Moura, que em linguagem maneirinha pontifica. O Torga é que o topava bem. Adiante! Resta saber como justificará este PP, repleto de cocheiros e desordeiros, o incomodo de nada dizer sobre a sua posição face à política europeia, resignado que está a ladrilhar em silêncio a rota eleitoral. O vaudeville será luxuriante, cremos. Ou então a cambalhota europeia precisa de ser rebuscada, pelo que se aguarda os pinotes vocabulares do comissário Vasco Rato ou os versículos brejeiros do jovem Paulo Pinto Mascarenhas (aproveita-se para registar a eficaz campanha desse duo de profissionais, em apoio ao Bloco de Esquerda. Estamos, definitivamente, convencidos). A chinfrineira será comovente.

A sorrateira campanha de Sousa Franco, entretido em ócios de felicidade, reapareceu esta semana com um facto político noviciado: a putativa candidatura do professor às Presidenciais. Supõe-se que o país embezerrou. Pode ser que tenha mesmo dispersado, em solenes defumações de alecrim, fatigado por ver o tiro nos pés do caloroso pretendente. A nosso ver, a gente civilizada não abre clareiras assim. Avança, com prudência, sobre o tempo, chega primeiro, escreve depois. No resto, uma pergunta e várias respostas: que diferencia Sousa Franco de Deus Pinheiro? Sabem? Ou "la vraie vie est ailleurs"? E se é certo, como diria Sartre, que "é a intenção, como diz a moral kantiana, que deve ser radical", então onde está o desafio? O alarido da candidata Ilda não nos comove. A desafinada e guaguejante fanfarra sobre a Europa é tal que se sai quase sempre do assunto em andamento. Os indígenas não são mudos. Muito menos tolhidos intelectualmente. Resta o BE, esses versistas da radicalidade lusa, agora (?) convertidos à moderna Europa dos trabalhadores. No bucolismo de Miguel Portas não se vislumbra pregação sobre o projecto de construção europeia ou certezas sobre as competências das diversas instituições. Apenas dúvidas. O que é sugestivo. Ou não fosse Portugal um país de poetas.
"A Minha Oposição"

Reconsiderando: nunca tive muito por onde escolher. A deserção, apenas, onde se propusesse. Quero dizer, intelectualmente desertor, o que estritamente para mim significa: recuo instintivo ante a forma, quem quer que a imponha, a sugira. A talvez nobre arte da retirada.
... Ao princípio era a Família. Pais, mães, irmãos, muitíssimos tios, o mato grosso. Após o que fui, fomos convalescer para a escola. A escola primária da creche, permanganato e puerilidade; a escola primária dos professores, este, aquele, o gordo, os cruéis, uma tropa; o liceu fatinho novo, uma es-tu-pi-dez permanente de sete anos; a universidade de Direito, ainda mais cruel, requintadamente, mais ociosamente estéril, mais entupida que as anteriores, e como se não bastasse, porque ainda não bastava, toca para a de Filosofia, compra-lhes livros, entretém-lhes a vaidade, faz-te dos deles, por pequenos sinais de entendimento, atitudes, pequenas objecções com o ar de pertinazes. Este e o outro, e qualquer outro Carnaval em que me tivesse visto encarcerado, encontraram-me sempre, como dizer, murcho. Apagado, triste, céptico, ante as formas. E o que se lhes parecesse, o que fosse «da família».
Como viver, então? Criativamente. Em plena raiva amorosa fraternal experimentalista observadora radical atenta até que um dos dois se apague, o homem fundamental ou o mundo habitável."

[Álvaro Lapa, Lagos, 15/4/73, in &tc, nº 10]

Náuseas

"Aqui me terás movendo-te os cordelinhos que quiser, até te levar ao sítio onde me aprouver que tu estejas" [António Pedro]

Corre o tempo de deliciosos desvarios nestas fastidiosas eleições lusitanas. A nacional-pirosice ou eco político de espíritos encruados, o engenho afamado que flameja em cada romeiro infatigável da Europa, o arrazoado escolástico dos putativos candidatos e o modelo de virtudes cívicas de entronizados cidadãos, são admiráveis. Ao melhor argumento desses filiados da geração de Calino, eis a ventura estampada no rosto dos correligionários. Aos dribles eleitoralistas desapiedados, os aplausos redobram, o quebranto fortalece entre os eleitos. Nos jantares de circunstâncias dessa morgue de eruditos indígenas, saltam entre os escombros da discursata o relâmpago dum texto embevecido, o brilho fadista do comentário, o ditado da vaidade decorativa. O caso é sério, a liberdade uma solene mentira.

Que dizer do desassombro desse silêncio em torno do debate das questões europeias? Birra dos jornalistas ou ignorância dos candidatos? Desvios do teclado dos escribas ou miséria e cegueira da classe política? Aqui está: o furor das propostas enunciadas não excitam quem quer, apenas embaraçam quem ouve. E a seriedade dessa gente? Que dizer das apreciações levianas, o delírio & capricho do comentário insulso, o discurso rabugento e enturvado com que ilustram a campanha? Como entender essa Ana Manso, caluniadora convicta da nobilíssima direita ou a educação gafa do imaculado cristão-novo João Almeida? Acaso a vida de alguns tolera uma bibliografia pública?

domingo, 6 de junho de 2004


Catálogo 5 da Livraria D. Pedro V (Rua D. Pedro V, 16, Lisboa)

O Catálogo da Livraria D. Pedro V do mês de Maio, embora atrasado, acaba de sair. Refira-se que apresenta um conjunto importante de livros da Editora Frenesi, de Paulo da Costa Domingos (que comemora 25 anos de actividade), alguns de circulação restrita.

Algumas referências: Revista ABC, Ano I, nº1 a Ano VI, nº 319, em 12 vols, 1920-26 / Conversas com Marcello Caetano, de António Alçada Baptista, 1973 / Lisboa Antiga. Bairros Orientais (2ª ed.), de Júlio Castilho, 1939, 12 vols / Les Ruines ou Meéditations sur les Révolutions des Empires suivies de la loi naturelle ..., por Constantin François Chassebouef, 1876 / Os Grandes Portugueses, de Hernani Cidade, Arcádia, II vols / Lunario e Prognostico Perpetuo para todos os reinos e provincias, por Jerónimo Cortez, 1895 / Respigos Toponímicos e Gentílicos. O nome «Portalegre», por Alexandre de Carvalho Costa, 1950 / Os Telles de Albergaria, de Carlos Malheiro Dias, 1910 / Le Petit Monde de Piccasso, por David Douglas Duncan, 1959 / Folhas Volantes, de João Falco (aliás Irene Lisboa), 1940 / Figuras Literárias Nacionais e Estrangeiras, de Cândido Figueiredo, 1906 / Formes Traditionnelles et Cycles Cosmiques, de René Guénnon, Gallimard, 1970 / Ilustração Moderna. Publicação Mensal (nº 1, Maio 1926 a nº 58, 1932), dir. Marques de Abreu / O Retábulo de S. Vicente da Sé de Lisboa e os Documentos, por Dagoberto Markl, Caminho, 1988 / Gente da Terceira Classe, de José Rodrigues Miguéis, Estúdios Cor, 1962 / Portugal. Diccionário Histórico, Chorographico, Heráldico, Biographico, Bibliographico, Numismático e Artístico ..., Lisboa, Romano Torres, 1904, VII vols / Ó Portugal Profundo, de António Quadros, Edições Espiral, 1980 (poema) / Obras de Eça de Queiroz, Edic. do Centenário, 1946, 16 vols / Obras de Alves Redol (Avieiros, Fanga) / Nuno Gonçalves. Pintor Português do Século XV e o seu Retábulo para o Mosteiro de S. Vicente de Fora, por Reynaldo dos Santos (Ed. luxuosa), London, 1955 / The Art of Portugal, por Robert Smith, New York, 1968
Arrumos, Livros & Papéis [faxina do mês]

- "... a palavra Páscoa já tem um sentido diferente do inicial ... De facto a palavra começa por ter no hebraico - p'hesachh - o significado de passagem, trânsito (cf. Morais). E a festa da p'hesachh comemorava jubilosamente a travessia do Mar Vermelho pelos Hebreus. A coisa porém não principia aqui. Vem já de trás, dos pagãos que celebravam nos ágapes em que imolavam o carneiro, não a passagem do Mar Vermelho, mas a passagem do Inverno para a Primavera que se realiza no signo de Áries: trata-se pois inicialmente duma festa astrológica e é neste signo do Áries=Carneiro, que deve principiar a nossa história ..." [Américo Cortez Pinto, in Meditações Filológicas em Volta do Termo «Páscoa», sep., 1965]

- Curioso Discurso de Anselmo Vieira a propósito da discussão do Orçamento na sessão de 4 de Maio de 1901, e intitulado «A Situação Económica de Portugal», Impr. Nacional, 1901, c/ ded. manuscrita ao Senhor Marquez de Fontes Pereira de Mello / opúsculo raro de A. Correia Afonso, «Gago Coutinho», publicado em S. Tomé, 1922, numa conf. Humorística realizada no cinema Novo Mundo de S. Tomé, na récita em honra dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral / «Investigação sobre Combatentes d'Ourique em Documentos Medievais», um trabalho genealógico de A. Botelho da Costa Veiga, 1928, sep. da Nação Portuguesa (ver Egas Moniz, O Lidador, ...) / Poesias de Francisco Miguel, imprimidas em Setembro de 1960, 28 p., com uma pequena biografia de Francisco Miguel, referindo a sua prisão em Elvas, depois da fuga de Peniche. Diz na contracapa o seguinte: "Dai por este folheto o que quizerdes para as vitimas da repressão fascista". Poesias simples, algumas curiosas ["O xadrez não me desgosta/jogado no intervalo,/ a minha grande ambição/ é jogar como Carlos Costa/ e conseguir derrotá-lo" //"E se tu, Carlos me foges,/ receando uma tareia,/ eu jogarei com o Borges,/ porque ele nada receia"]

sábado, 5 de junho de 2004


Federico García Lorca [1898-1936]

n. em Fuente Vaqueros (Granada) a 5 de Junho de 1898

"Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña,
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas ..." [FGL, Romance Sonámbulo]

Adam Smith [1723-1790]

n. em Kirkaldy a 5 de Junho de 1723

"... A Riqueza das Nações apareceu ... nos fins de 1775 e princípios de 1776 (...) A 2ª ed. de 1778 não oferece senão ligeiras diferenças quanto à 1ª; a 3ª de 1784 tem importantes adições e consta de 3 volumes 8º. A 4º e a 5º são reproduções da 3ª e saíram respectivamente em 1786 e 1789 (...)
Na língua portuguesa foi apenas publicado, com a nota de ter saído em 1811 da impressão régia do Rio-de-Janeiro, o «Compêndio da obra da Riqueza das Nações de Adam Smith traduzida do original inglês por Bento da Silva Lisboa, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra» (...)
Quanto à influência de A Riqueza das Nações nos economistas portugueses, exerceu-se, sem dúvida; mas, considerados os estudos destes logo a seguir à leitura daquela, fica-se com a impressão de que semelhante influência foi indirecta, através de economistas de outros países, sobretudo franceses.
Nenhuma tradução de A Riqueza das Nações existe em língua portuguesa. O livro saído em 1811 a que já nos referimos. da iniciativa de Bento da Silva Lisboa, é apenas um resumo dessa obra ... Por outro lado, havendo na obra de Smith apreciações sobre Portugal ... seria inexplicável o silêncio dos nossos economistas se nelas tivessem feito reparo. Esse silêncio não pode ter sido nem por menos patriotismo nem por menos ciência. É olhar ... ao grupo que escreveu as Memórias Económicas da Academias Real das Ciências de Lisboa, publicadas de 1789 a 1816, e o grupo de portugueses residentes em Paris (com Solano Constâncio à frente) que sustentaram naquela cidade a revista Anais das Ciências, das Artes, e das Letras, de 1818 a 1822.(...)
Outra circunstância a notar. Nunca no ensino público em Portugal foi a obra de Smith adoptada para texto ou base de lições, ao contrário do que sucedeu ... plano de estudos nas Universidades de Espanha em 1807. O primeiro compêndio entre nós organizado foi o do Dr. Manuel de Almeida em 1822, que é uma amálgama tirada de vários economistas estrangeiros como Sismonti e Herrenschwand; a seguir vieram as Instituições de Economia Política do Dr. Ferreira Borges, que são uma adaptação do Curso de Economia Política de Henrique Storch. Tudo indica, pois, que a influência de A Riqueza das Nações nos nossos economistas foi indirecta. (...) Nas duas edições de catálogos da livraria de Adam Smith não se descobrem senão referências a estudos de dois [trabalhos de escritores] portugueses. Um é o livro Ensaio da Circulação e do Crédito, publicado em francês em 1771 por Isaac Pinto, filho de judeus portugueses expulsos de Portugal. (...) a 2ª edição do catálogo da livraria de Adam Smith ... vem compreendida a obra de D. Jerónimo Osório, bispo de Silves - History of the Portuguese during the Reign of Emmanuel, containing all their discoveries from the Coast of Africa ..., London, 1752. É das informações dessa obra que deriva a afirmação de Smith de que o comércio externo de Portugal é o mais antigo que o de qualquer dos outros países da Europa, excepto a Itália ..." [António Lino Neto, in Adam Smith Fundador da Economia Política, Lisboa, 1936]

quinta-feira, 3 de junho de 2004

Vigília e Maquilhagem de José Manuel Fernandes

"O facto é o mais doce sonho que o labor conhece"

Via Grande Loja, tomámos conhecimento da reacção do CR d'O Público face aos acontecimentos em torno da demissão de Ana Sá Lopes, editora da Secção Nacional do jornal. A ser verdade o que é aludido, dois aspectos ressaltam logo: a nobreza de carácter da jornalista, o seu profissionalismo em defesa de uma ética da informação, do jornalismo e da verdade; por outro lado, constatasse que o incidente entre o director do jornal, José Manuel Fernandes, e o conselho de redacção se situa, necessariamente, no campo do estatuto editorial do mesmo jornal, no que se refere à "relação rigorosa e transparente, autónoma do poder político e independente de poderes particulares", que consta do seu Livro de Estilo. Ora, é conveniente clarificar o que se passou para que a seriedade e a credibilidade do jornal não seja posta em causa.

Assim deve ser. O curioso da notícia, é que nos é dito que o inefável JMF teria "perdido a confiança" na editora da Secção Nacional e, há muito (pasme-se!) em João Ramos de Almeida, persona non grata pela Ministra das Finanças. Percebe-se o porquê deste manifesto sofrimento que engasga a senhora do deficit, mas não se entende o emparelhamento de JMF na soberba e arrogância da Ministra. A não ser que o exercício cortês de vigilância do director se esteja a tornar cada vez mais numa obscura falta de equilíbrio deontológico, ou num alucinado desatino, resultante das trovas ressaibiadas e humorísticas que o obstinado JMF nos atira cada semana sobre as nossas cabeças. Mais maquilhagem precisa-se!

quarta-feira, 2 de junho de 2004


[Notas sobre a edição portuguesa d'A Filosofia Na Alcova, do Marquês de Sade]

"Não me atrevo decerto a contestar que Sade seja um grande escritor. E, mais ainda que um grande escritor, uma personalidade-padrão, uma figura emblemática, uma espécie de farol. Acho mesmo que devia ser declarado - como os faróis - objecto de utilidade pública. Ele tem, com efeito, o alto mérito de assinalar, à navegação nocturna dos nossos instintos, a existência dos piores baixios ou de correntes perigosíssimas. E, todavia, o seu espectáculo desagrada-me (...) O estilo do «Divino Marquês» apresenta-se, em geral, de uma chateza confrangedora, estereotipada e uniforme, tecido de constantes «clichés», sem o risco pessoal daqueles pormenores concretos e daquelas transposições metafóricas que dão relevo e surpresa à linguagem. Por outro lado, o seu «mundo» romanesco revela-se bastante circunscrito, aflitivamente esquemático, regido por leis quase mecânicas..." [David Mourão Ferreira, pref. á 1ª ed. d'A Filosofia na Alcova, Afrodite, 1966 - livro proibido/apreendido em 1966]

"... Quer o Meritíssimo Dr. Manso queira ou não queira, quer o Cardoso Pires lhe prefira o Laclos, o Casanova, quer as autoridades francesas queimem as edições do Pauvert - o Sade está aí, digo tudo: o Sade está entre nós. Digo mais grave: o Sade está em todos dentro de nós. Foi essa afinal a sua grande revelação: um novo segredo humano descoberto, o homem contemplando-se numa dimensão mais real no fundo dos fundos que é o abismo da nossa alma (...) O homem lobo do homem é verdade muito antiga. O Sade tirou-a cá para fora (como Freud fez depois com a libido) e exaustivamente encheu páginas (teve tempo, coitado! Em trinta anos de cárcere; e nem sei como certos nossos escribas conseguem escrever tanto, andando sempre cá por fora e ainda bem! E com várias outros empregos à mistura e ainda melhor!) a demonstrar-nos os infortúnios da virtude, essa perigosa chatice (...) Voltando a Sade: leiam-no. Não se masturbem mais do que o suficiente para poderem ainda ficar depois o suficientemente lúcidos para o apreciarem e meditarem para fora e muito acima da pornografia. O Sade também ensina a pensar, a conversar, a desfibrar em nós e perante os outros molas ocultas que somos ainda nós, quer o saibamos quer não, quer o queiramos quer o detestemos (...)" [Luiz Pacheco, ibidem]

Notas presentes na 2ª edição portuguesa d'A Filosofia na Alcova: em 1966, processo 125 foram arguidos em processo de instrução preparatória sobre liberdade de imprensa, Fernando Ribeiro de Melo (editor da Afrodite), António Manuel Trindade, Herberto Helder, Luiz Pacheco e João Rodrigues / da directoria da PJ de 5 de Abril de 1966, por despacho, foram proibidos de circular no País os seguintes livros: Manual do Erotismo Hindu (Afrodite, 1965); A Filosofia na Alcova do Marquês de Sade (trad. de Helder Henriques - aliás Herberto Helder -, pref. de David Mourão Ferreira e Luís Pacheco, edição de Fernando Ribeiro de Mello) e a Antologia da Poesia Erótica e Satírica, selecção de Natália Correia / refira-se que consta dos autos que a tradução foi encomendada por Herberto Helder a António Manuel Calado Trindade, que aliás confirma que foi ele que fez a tradução da obra de Sade do original em francês / ouvido em auto de declarações, Luiz Pacheco, reconhece que é da sua autoria um prefácio do livro / refira-se que foram pronunciados todos os citados, menos David Mourão Ferreira, e que à data da sentença João Rodrigues tinha falecido, pelo que os restantes réus foram condenados a penas de prisão e multa, tendo sido os seus defensores, Manuel João da Palma Carlos, Luís Francisco Rebelo, Fernando Rocha Calisto, João Lopes Alves e Jorge Sampaio / por último, a contestação dos réus sobre a acusação de carácter pornográfico e obsceno da obra é curiosa, nomeadamente o notável testemunho de João Rodrigues (que fez as ilustrações) e que apresentou entre as suas testemunhas abonatórias, Gérard Castello-Lopes, Alçada Baptista, Dácio de Sousa, António Veloso, Sá Nogueira, João Câmara Leme e, ainda, a contestação de Ribeiro de Mello que recorre em defesa da obra a considerandos de Bataille, Jean Cocteau, Claude Mariac, Joyce, Miller, Lawrence, etc. / as testemunhas de Herberto Helder foram Vespeira, Alexandre Babo, Sttau Monteiro, o pintor Sá Nogueira (de novo) e as testemunhas de Luiz Pacheco, Virgílio Martinho, Jaime Salazar Sampaio, Vitorino Nemésio, Jorge Listopad, Virgílio Ferreira, Ruy de Mello / pelo lado de Ribeiro de Mello, as testemunhas apresentadas foram David Mourão Ferreira, José Augusto França, João Palma Ferreira, José Blanc Portugal, Tomaz Ribas, Vítor Silva Tavares, Virgílio Martinho, Liberto Cruz e Alexandre O'Neill

Marquês de Sade [1740-1814]

n. em paris a 2 de Junho de 1740

"... As aventuras sádicas não são fabulosas: passam-se num mundo real, contemporâneo da juventude de Sade, ou seja na sociedade de Luís XV. A armadura social deste mundo é brutalmente sublinhado por Sade; os libertinos pertencem à aristocracia ou mais exactamente (a maior parte das vezes) à classe dos financeiros, tratantes e prevaricadores, numa palavra, os exploradores, enriquecidos a maior parte deles nas guerras de Luís XV e nas práticas de corrupção do despotismo.
Produz-se todavia um paradoxo: as relações de classe são, em Sade, ao mesmo tempo brutais e indirectas enunciadas conforme a radical oposição explorador-explorado, essas relações não passam para o romance como se se tratasse de as descrever a título referencial (foi isso o que fez um grande romancista «social» como Balzac); Sade pega nelas de modo diverso: não como um reflexo a pintar, mas sim como um modelo a reproduzir. Onde? Na micro-socieade dos libertinos; esta sociedade é construída como uma miniatura, uma maqueta; para ali transporta Sade a divisão de classe; de um lado, os exploradores, os possuidores, os governantes, os tiranos; do outro lado, o povinho..." [in pref. A Filosofia na Alcova, Edições Afrodite, 2ª ed.]

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