sexta-feira, 11 de junho de 2004
Hipocrisias Lusas
"Pode-se perdoar a um homem fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente" [O. Wilde]
Este país é um imenso hospício, descarado e embravecido. E não tem remendo. A cantilena espantosa que lemos nos jornais, por poderosos e recostados colunistas e militantes partidários, em torno dos malefícios (e virtudes, evidentemente) das campanhas eleitorais e do elogio da "verdadeira política" a ser seguida pelos seus funcionários, como se tivessem a encomendar jantar no Tavares ou em convívio literário na Academia, é um esforço cómico, uma charanga desafinada, uma reprimenda hipócrita. Esses senhores, embora frequentem locais respeitáveis, utilizem os talheres sob o suor da etiqueta, e garantam que sabem sempre ler por baixo e nas entrelinhas, nunca deixam de ser aqueles desafortunados que o rosário de nunca terem provado nada na vida privada, em vão procuram disfarçar na sua declarada petulância argumentativa. E não mudam.
Dos jornais descola-se, com a argúcia rabiscada à pressa, um conjunto de reflexões sobre a morte do professor Sousa Franco, que deduzida a cortesia elogiosa do momento, nos levam a presumir que a hipocrisia lusitana está de boa saúde. Ouvimos e lemos curiosas revelações da miudagem do PP sobre a biografia do professor Sousa Franco pós-mortem; tomamos anotações da grosseria e insulto das afirmações de Narciso Miranda e Manuel Seabra dos factos havidos; esfregamos os olhos grotescamente, mas lá conseguimos acabar a croniqueta e o editorial do Expresso, inebriados com a impetuosidade do director Saraiva; involuntariamente continuamos a ler receitas magníficas por todo o lado. Até a náusea se instalar. Não temos emenda.