terça-feira, 8 de junho de 2004

"A Minha Oposição"

Reconsiderando: nunca tive muito por onde escolher. A deserção, apenas, onde se propusesse. Quero dizer, intelectualmente desertor, o que estritamente para mim significa: recuo instintivo ante a forma, quem quer que a imponha, a sugira. A talvez nobre arte da retirada.
... Ao princípio era a Família. Pais, mães, irmãos, muitíssimos tios, o mato grosso. Após o que fui, fomos convalescer para a escola. A escola primária da creche, permanganato e puerilidade; a escola primária dos professores, este, aquele, o gordo, os cruéis, uma tropa; o liceu fatinho novo, uma es-tu-pi-dez permanente de sete anos; a universidade de Direito, ainda mais cruel, requintadamente, mais ociosamente estéril, mais entupida que as anteriores, e como se não bastasse, porque ainda não bastava, toca para a de Filosofia, compra-lhes livros, entretém-lhes a vaidade, faz-te dos deles, por pequenos sinais de entendimento, atitudes, pequenas objecções com o ar de pertinazes. Este e o outro, e qualquer outro Carnaval em que me tivesse visto encarcerado, encontraram-me sempre, como dizer, murcho. Apagado, triste, céptico, ante as formas. E o que se lhes parecesse, o que fosse «da família».
Como viver, então? Criativamente. Em plena raiva amorosa fraternal experimentalista observadora radical atenta até que um dos dois se apague, o homem fundamental ou o mundo habitável."

[Álvaro Lapa, Lagos, 15/4/73, in &tc, nº 10]