segunda-feira, 26 de setembro de 2005


Boletim Bibliográfico 27 de Luís P. Burnay

Saiu o Boletim Bibliográfico número 27 do Livreiro-Antiquário Luís Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa), referente ao mês de Setembro. De salientar algumas peças monográficas importantes, bem como obras de teor genealógico, literário, histórico e arqueológico. A preços razoáveis.

Algumas referências: Adágios, Rifãos e Anexins da Língua Portuguesa, tiradas dos melhores Authores Nacionaes, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L [iniciais de Francisco Rolland Impressor Livreiro em Lisboa], 1780 / O Morgadio de Fontelas: Vasconcelos de Amarante, de Artur da Mota Alves, Lisboa, 1937 / Judeus em Montemor-o-Novo, por António Alberto Banha de Andrade, 1977 / Bibliografia das Bibliografias Portuguesas, de António Anselmo, 1923 / Burro de Ouro de Appuleio, traduz. em Port. [atribuída a trad. ao 1º Barão de Vila Nova de Foscôa], Lisboa, 1847 (raro) / Boletim do Núcleo Cultural da Horta, vol. I, nº1, Horta, 1956 [imp. dado conter o artigo Os Judeus na Ilha do Faial, de Marcelino Lima] / Os Brados e clamores dos Povos, lavradores, opúsculos demonstrativos da falta de cultura nas Províncias d'Alemtejo Estremadura publicados a beneficio do Estado pelo curioso e pratico, já velho agricultor Aonio ou Cidadão Campónio [pseud. de António José Alves - citado], 1823 / Catálogo da Livraria Duarte de Sousa, Lisboa, 1972-1974, II vols / Catalogue de la Biblioteque de M. Fernando Palha, Lisbonne, 1896, IV vols [ref. importante Camoniana vendida em conjunto à Univ. de Harvard] / [Correios] Alvará - Artigos que se mandão addicionar ao Regulamento do Correio geral de 1 de Abril de 1799 [artigos da responsabilidade de José Diogo Mascarenhas Neto] / Terras do Alto Paiva (concelho de Vila Nova de Paiva), de C. Manuel Fonseca da (Minimus) Gama, Lamego, 1940 / A Ibéria: memoria em que se provam as vantagens politicas, económicas e sociaes da União das duas Monarchias Peninsulares ..., Typ. Universal, 1853 [termina o exemplar com uma «Nota sobre a conveniência de ser Santarém a capital da Nação Ibérica»] /Inventário Artístico de Portugal [Distrito de Coimbra, por Vergílio Correia; Distrito de Évora, pró Túlio Espanca] / Lusitana: revista de estudos portugueses, directora Carolina Michaelis de Vasconcellos, redac. Afonso Lopes Vieira e Reynaldo dos Santos, 1924-1927, X vols / Esboço Histórico do Neo-Realismo, por Fernando Namora, 1961 / Pedras de Armas e Armas Tumulares do Distrito de Braga, por Vaz Osório da Nóbrega, Vol I, Tomo I e II, 1970 / Geographia e Estatística Geral de Portugal e Colónias, de Gerardo A. Pery, 1875 / Retratos e Elogios de Varões e Donas, que ilustram a Nação Portuguesa em virtudes, letras, armas e artes ..., 1806-1822 / Sumário dos Luziadas, ... proferido no dia 10 de Junho de 1937, no jardim da gruta de Camões em Macau, por António Maria da Silva, 1937 (raro) / Tesouro Heráldico de Portugal ou Tratado de Armaria Portuguesa ..., de António José Vaz velho, 1958-1963, IV vols / Sermões do Padre António Vieira, orto, Livraria Chardron, 1907-1909, XV vols (ed. popular) / Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antigamente se usaram ..., por Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Porto, 1965-66, II vols

terça-feira, 20 de setembro de 2005


Jorge de Sena

"O problema não é salvar Portugal, mas salvar-nos de Portugal" [Jorge de Sena]

Sábado passado, enquanto os devotos da política acompanhavam a malga económica do Expresso da meia-noite, na RTP2 havia serviço bem público. Por uma vez, fomos agraciados por um programa sobre Jorge de Sena. O eterno esquecido. Graças, pois.

"Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
quando não acredito em outro, e só outro quereria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquercer de tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.
"

[Jorge de Sena, in O Tempo e o Modo, nº59, Abril de 1968]

" ... Tudo isto o não digo para defender-me, ou para acusar, ou pelo gosto desagradável de lembrar águas passadas e sujas. Apenas o digo porque os meus leitores de hoje não serão os de ontem e não sabem, pois, a história externa da poesia que se lhes depara agora. Um dever de lealdade me obriga a informá-los dessa história externa. Eu sei que me acusarão, como sempre, de excessivo pessoalismo, de verrina, de ser inferior a mim próprio ao deter-me em ninharias que o tempo inteiramente dissolve. Mas é, quanto a mim, uma absoluta hipocrisia ou um desamor pela humanidade alguém fingir ou sentir uma superior distância entre a sua pessoa e tais insignificâncias. De insignificâncias é feita a nossa vida, por excepcional ou extravagante que seja, e de tudo isso se adquire aquela sageza dolorosa e fruste que é, afinal, alguma grandeza que a poesia tenha"

[Jorge de Sena, in prefácio Poesia I (aliás, Jorge de Sena e a Cultura Verdadeira, por João Rui de Sousa, in O Tempo e o Modo, ibidem]

Curiosa Democracia

A Alemanha foi a votos. Por um fenómeno delicado de explicar, os indígenas alemães debateram economia, mais ou menos Estado, segurança social, mais ou menos Europa, reflectiram em torno dos impostos domésticos, da globalização, esgrimiram argumentos simpáticos, ouviram propostas arrojadas, inspiraram-se no passado-presente, entusiasmaram-se, indignaram-se até. O resultado foi o que se sabe.

Porém, no seu exercício de civilidade, desencantaram alguns dos melhores espíritos jornaleiros, aqueles que frequentam, com espírito liberal, as "boticas" da democracia, os "iluminados" da narrativa democrática. Aqueles que têm sempre razão e nunca se enganam cansaram-se de vez. O brado desses paternais ayatholas da democracia e do bem-estar económico e social soou alto entre a "nebulosa" eleitoral. É uma dor de alma ver o fastio de tais criaturas. Os gorjeios que a natureza deu a tais exemplares cidadãos, que dançam nos jornais e TV's ao som grave do imperium neocon, não fizeram sorrir os indígenas locais. Cabisbaixos, reivindicam de momento fecundas alianças eleitorais, enquanto suspiram por uma qualquer forma de afastar o povo ingrato, a plebe, a escória social, do impiedoso voto popular. Fossem eles os únicos a estenderem a caneta atrás do biombo democrático que a perfeição era absoluta. Há que, educadamente, correr com a escumalha eleitoral. A bem da Nação. E do Império.

Entre os indefectíveis neoconservadores da nossa paróquia, marca presença constante e inspirada, o inefável José Manuel Fernandes mais a sua equipa amestrada (um beijo ... Teresa de Sousa). A consternação à situação alemã (ou será ideologia alemã?) produziu uma análise prodigiosa em editorial tormentoso de JMF. Que nos diz? Pois, que a actual situação é culpa das massas. Não querem o neoliberalismo, confessa JMF, antevendo-se uma lágrima a desfalecer sobre as teclas do PC. Mais: que o Partido Liberal existe, mas que os malandros do Partido de Esquerda roubam, não já criancinha como no tempo da doença infantil do sr. Director, mas sim votos. Eis, portanto, o impulso reformador do sábio JMF, agora ofertando o seu génio aos rudes alemães, miseravelmente abafado pelo gentio votante. E a tudo isso lhe dá o nome de análise política. Curioso.

Arrogâncias

Arrogância, s.f. (do lat. arrogante-). Em que há arrogância, altivo, soberbo, insolente || Que é valente, corajoso, intrépido, brioso || Soberba, altivez || Dito, acção soberba, insolência. [in GDLP, de José Pedro Machado]

Tudo é possível na/pela "arrogância", mas siga-se os seus passos e veremos que os protestos e o desassombro de muitos perante os sinais de tão infeliz "malvadez" são uma simplória satisfação de ressentimentos tardios. A "loucura moral" dos psicopatas da política, no sacudir das palavras grosseiras do putativo "arrogante" ou candidato, resulta quase sempre numa "ladainha" melíflua, mas descaradamente ardilosa na sua retórica, cega na sua pungente "dor" partidária e pouco misericordiosa em epítetos sobre essa "vil" prática. Daí que, e afinal, os insultados e caluniados somos sempre nós - os que não se iludem com facilidade. De certo modo, e a coberto da "etiqueta" ou do manual do politicamente correcto, os "castos" comentadores tentam resistir à sua "alienação" político-partidário. A patologia em todos estes casos de indignidade face ao bruto "meliante", ao exultado "arrogante", tão histrionicamente revelada ao "cidadão taberneiro" pelos "opinion-makers", é uma simples "psicose de defesa". Na melhor das hipóteses, uma simpática neurastenia.

Assim, não por acaso, o animoso debate Carmona versus Carrilho registou lastimosas análises sobre a alma do "bom" debate, que, evidentemente, alimentou toda a turba dos ressabiados da política. Depois de tosquiado o putativo "arrogante" ou "o grande ordinário", segundo a lisonja do eng. Carmona, não lhe foi sequer concedida qualquer desafronta, no desfecho do grande espectáculo. Ao que se presume, num pais civilizado, depois da copiosa chuva de "carinhos" e "meiguices" Carmonianos, a solenidade exigia que se trocasse cumprimentos afectuosos, no final. Mas nada disso aconteceu, como nos elucida a récita do politólogo-guru Ricardo Costa, como sempre inimitável no chocalho off-record & "sublime" na meditação das estratégias partidárias.

A partir daí, as queixas maviosas alastraram aos indígenas, que como se sabe têm por hábito levar e calar, desde os tempos de Cavaco & Guterres, até ao fadário de Barroso & Sócrates. E é bom de ver que a "bondade" destas observações levadas a cabo pela "milícia" dos comentadores do reyno, deixa de ser uma "luta" de (isentas) opiniões, para professarem complacentes alinhamentos político-partidários. Não há melhor perversidade. A "neurose de carácter" dos comentadores "dribla" qualquer um de nós e infesta tudo. Não há maneira de se lhe escapar. Resta levantar ... e fugir.

terça-feira, 13 de setembro de 2005

[Lusitânia]

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar


[Sophia M. B. Andresen, in Mar Novo]

Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

Para a ilustríssima assembleia que consulta sublimes instruções & abraça preceitos poéticos em gemidos libertadores; para os devotos do império de Sócrates and Cia Inc. ou para os sacrificados da graça & remédio do déficit, ambos sorrindo em paixão melosa; eis, ali ao lado na pedra, o precioso testemunho do mistério dos homens, argumento onde se vê que "o dia e a noite se encontrá". Talvez. Bom luar.

"eu vi o cego lendo a corda da viola
cego com cego no duelo do sertão
eu vi o cego dando nó cego na cobra
vi cego preso na gaiola da visão
pássaro preto voando pra muito longe
e a cabra-cega enxergando a escuridão

eu vi a lua na cacunda do cometa
vi a zabumba e o fole a zabumbà
eu vi o raio quando o céu todo curisca
e o triângulo engolindo faísca
vi a galàctea branca na galàctea preta
eu vi o dia e a noite se encontrá ...
"

[Tom Zé, Xique Xique - letra aqui]

O mistério da Educação

O Ministério da Educação anda numa agitação deslumbrante, só comparável à embriaguez mediática da implosão das torres de Tróia. Por toda a parte, sacudindo o pó do cadáver adiado que é o ensino em Portugal, o sentimento do festivo Sócrates anima os foliões do processo educativo.

Visto que os putativos lamentos do inflamado José Manuel Fernandes ou a escrita sensível do Valente da Gradiva ainda não desabaram nas páginas d'O Público, tudo leva a presumir que estamos perante uma virtude educativa socrática. Também é verdade que, o inefável David Justino, ungido noutros tempos pelo senhor director para tarefas educativas, e que não soube (dizem) ou não teve tempo (sussurram outros) de honrar o plano espargido pelo duo redentor citado, rende homenagem aos despachos administrativos da senhora Ministra, decerto em feliz recordação ministerial. Demais, os encarregados de educação, em deleitosa excitação, estremecem de gratidão por tanto inglês assim espalhado à plebe, aplaudem a prescrição de mais cuidados professorais pelo dia fora e respiram, cientificamente falando, pela ilustrada formação em matemática dos docentes saídos das ESE, que ao que parece não dominavam a matéria. Tudo corre no melhor dos mundos.

A reforma educativa socialista foi árdua mas não difícil. A gravidade da missão era apenas dar com o chicote governativo ao corpo docente e não-docente, conduzir os prevaricadores pela arreata, irresponsabilizar pais e encarregados de educação. Afinal - como o trio iluminado manifesta um silêncio de zelo perante tais medidas -, era esse o prodígio no ensino e da sua reforma que tricotavam pelos jornais e com que instruíam os indígenas. Simples, portanto!

Daqui procede que questões como os planos curriculares, laboriosamente selados por David Justino, e absolutamente inacreditáveis num país sério (vidé os do ensino secundário), a carga horária lectiva e não-lectiva, o trabalho/discurso cientifico e pedagógico dos professores, a avaliação de alunos e docentes, o alargamento da escolaridade obrigatória, a reformulação ou encerramento das ESE, são de tal modo obscuros de paradigmas, irrelevantes no discurso da escola, desfasados do campo educativo e da intervenção escolar, que não merecem qualquer resposta ou análise. Intervir administrativa e autoritariamente no corpo docente lançando a confusão, equívocos vários, desabridas intolerâncias inconstitucionais, fragmentando e desvelando as fissuras escolares, eis a panaceia para uma instrução melhor e de qualidade, que nos vai levar (dizem!) ao topo da UE. Compreende-se, deste modo, como os adeptos do "eduquês" que configuraram todos estes anos a praxis educativa lusa, proliferam no pesado aparelho do Ministério da Educação. É só contar os comissários políticos oriundos das ESE e dos Politécnicos para entender a extraordinária reforma do ensino em Portugal. Com o aplauso de muitos. E o silêncio de uns quantos.

"Cavaco: retrato de um português muito conhecido"

"... o dr. Cavaco entrou em cena, afirmando classicamente a imoralidade da política (...) Em 1978, expusera com inteira franqueza, as suas opiniões sobre o assunto na revista Economia: nomeadamente a de que «o político como criatura dedicada à prossecução dos interesses da sociedade como um todo» era um mito. Os políticos, segundo o dr. Cavaco, só se movem por duas ordens de 'objectivos': «o seu próprio bem-estar» e a sua «permanência do poder». Donde resulta, como ele a seguir minuciosamente argumenta, que a política constitui o principal impedimento a que uma sociedade seja bem governada. Num mundo ideal, não existiria política, isto é, não existiria partidos: existiria apenas a vontade de competência (...)

Esse 'homem de Boliqueime', que chegava do 'nada', magro e esfomeado, cumpridor e virtuoso, endurecido pelas humilhações e pelos começos difíceis, reflectia a multidão que rilhava o seu ódio aos políticos nas universidades e nos ministérios, nos jornais e nas empresas públicas. Cavaco era a própria essência do arrivismo. Sendo um autêntico reacionário, detestava a burguesia tradicional e proclamava a sua dedicação ao povo: queria o prestígio da autoridade, o amor do trabalho e o fortalecimento da família; vivia obcecado com a sua própria competência, a sua importância e os sinais exteriores da sua dignidade. E não conseguia impedir que transparecesse, sob este já desagradável exterior, uma vaidade ingénua e vertiginosa, que apregoava as suas proezas atléticas, a sua perene juventude, os seus graus académicos, o seu saber, a sua clarividência e até, constantemente, os elogios que recebia do estrangeiro, como se a sua fama, partindo de Boliqueime e parando em Lisboa, fosse o caminho do mundo (...)

Ele sente-se como o proverbial menino holandês com o dedo no dique. Se alguém o mover um só milímetro segue-se o desastre. Ceder uma vez significa animar as fúrias e frustrações portuguesas, que já de si andam agitadas. Ele não cede. Dá audiência real à oposição e chama à conversa 'diálogo'. Não se corrige, mesmo quando erra, e, se se corrige, nega que se corrigiu (...)

Cavaco supõe que a sua impassividade inspira confiança. Inspira, pelo menos, uma certa apatia e tende a desencorajar as partes queixosas, que se cansam de bater com a cabeça num muro. Ele acha isso óptimo, sem perceber que perde no processo. O principio fundamental do cavaquismo não lhe permite perceber (...)

[Vasco Pulido Valente, "Cavaco: retrato de um português muito conhecido", in O Independente, 15 de Maio de 1998]

Livros sobre o Rio de Janeiro antigo (encomenda cerimoniosa ao ...)

"... eu sou Sá, sou o Rio de Janeiro com os seus tamoios, seus negros, seus cafuzos, seus 'galegos' também ..." [Lima Barreto]

Mano, eis a listagem primeira a anotar pelos seus encantos e eloquência. O Rio de Janeiro antigo é impressão inquietante. Há que colher bem os frutos e iluminar o desejo. Carece de corrida imediata, até porque a bolsa não tem discurso. Boa sorte!

Aluísio de Azevedo [Casa de Pensão, 1884] / idem [Cortiço, 1890 - mto imp.] / idem [A Girândola de Amores (aliás "0 Mistério de Tijuca"), 1910] / Coelho Neto [Capital Federal, 1883] / idem [A Conquista, 1899 (a de 1913 'tá cá] / Gilberto Ferrez [O Velho Rio de Janeiro através das gravuras de Thomas Ender, 1957] / J. P. da Graça Aranha [Viagem Maravilhosa, 1930 - refª ao Carnaval] / Joaquim Manuel de Macedo [Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, 1862 (ou 1942, ou 1966)] / idem [Memórias da Rua do Ouvidor, Typ. Perseverança, 1878 (ou 1966)] / idem [A Moreninha, 1884 (ou 1910-2)] / José da Rocha Leão [Os Libertinos e Tartufos do Rio de Janeiro, 1860] / José de Alencar [Sonhos d'Ouro, 1872] / Júlia Lopes de Almeida {Ânsia Eterna, 1903] / Lima Barreto [Recordações do Escrivão Isaías Caminha, publ. em Portugal, 1909] / idem [Triste fim de Policarpo Quaresma, 1915] / idem [Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, 1919 ? mto imp.] / Manuel António de Almeida [Memórias de um Sargento de Milícias, 1884-85, II vols (impossível claro; a de 1861 era boa peça; a de 1900 já cá canta, mas pode ser outros tantos mais]

[a continuar]

sábado, 10 de setembro de 2005

[passamos e esquecemos]

"Passou a diligência pela estrada e foi-se;
E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia.
Assim é a acção humana pelo mundo fora.
Nada tiramos e nada pomos;
Passamos e esquecemos;
E o sol é sempre pontual todos os dias
"

[Fernando Pessoa]

Reflexión sobre el 'Katrina' [Mário Soares]

" (...) Sin embargo, una vez pasado el primer efecto del horror, de compasión por las personas desamparadas y de solidaridad, se impone una reflexión serena y objetiva sobre las causas de la catástrofe natural, sobre la evaluación de los estragos causados, que nos lleve a preguntarnos si podían haberse evitado o, cuando menos, reducido.

Lo cierto es que la catástrofe natural estaba anunciada y estaba prevista, acaso a tiempo de evitar muchas de sus peores consecuencias. Pero las medidas necesarias -sobre todo la evacuación de la población más necesitada- no se tomaron a tiempo e, incomprensiblemente, los auxilios más elementales no llegaron hasta seis días después. El propio presidente Bush reconoció este inaceptable fallo con impotencia y consternación. A la desgracia siguieron el pillaje, el aislamiento y el caos.

Los ecologistas ya se han pronunciado. Y el balance es arrasador para la Administración Bush. Con la naturaleza no se juega. Cuando en 1992 se definió en la conferencia de Río el concepto de desarrollo sostenido, se entendió que para sostener el crecimiento económico no se pueden obviar las cuestiones ambientales, ni mucho menos los equilibrios ecológicos fundamentales. El sistema neoliberal no lo entiende así: el valor supremo es el lucro por el lucro - la obtención de dinero fácil, incluso obtenido por medios especulativos -, y la calidad de vida de las personas, sobre todo de las necesitadas, no cuenta en absoluto.

Más de una década después de la conferencia de Río, EE.UU. sigue sin ratificar la convención de Kioto. El agujero de ozono no es una ficción de un científico loco: el calentamiento de la Tierra sigue evolucionando y provocando alteraciones climáticas que están a la vista en todas partes. Ya se sabe: "Quien siembra vientos recoge tempestades"... Por otra parte, la actual política de Estado, propia del neoliberalismo, ya viene de Reagan. Las infraestructuras públicas están dejadas de la mano de Dios, no ha habido dinero para reforzar los diques, aun cuando existía el peligro de que se vinieran abajo, como había sucedido en alguna ocasión. La población más pobre está abandonada a su suerte - como en los países del llamado Tercer Mundo - porque los ricos siempre disponen de medios para huir de las amenazas.

Las imágenes transmitidas a todo el mundo son de una crueldad atroz. Duele verlas. Es imposible no pensar en la dimensión social y racial de la tragedia, como es imposible no pensar en la dimensión política. EE.UU. es un país profundamente dividido, con guetos de miseria y de pobreza comparables con los peores del Tercer Mundo. ¿Siempre ha sido así? Tal vez. Pero los dos mandatos del presidente Bush, tan infelices tanto en el orden interno como en el externo, han contribuido mucho a agravar su situación, y de manera peligrosa. Los amigos sinceros de EE.UU. como yo tienen el deber de decirlo bien alto para que la opinión ilustrada norteamericana les oiga y tenga el valor de cambiar el rumbo que se ha seguido hasta ahora. (...) [continua, ler mais aqui]

[Mário Soares, 08/09/2005, in La Vanguardia]

segunda-feira, 5 de setembro de 2005


"DoYou Know What It Mean To Miss New Orleans?"

"... quando num qualquer campo anónimo um homem ergueu a cabeça para gritar: «Oh,´tou cheio de´ta miséia. Oh, sim cum´ê´tou cheio de´ta miséia», podemos estar certos de que era americano" [LeRoi Jones, in Le Peuple du Blues]

Do sentimento desfalecido, humilhado pela escravatura de séculos e abençoada pela cristandade insana, desses homens e mulheres outrora enviados por navios negreiros para a costa Americana, resultou uma alma em sacrifício espiritual, de grandeza moral abnegada mesmo no infortúnio da sua condição humana. Nunca se perdeu a honra, mesmo muito depois quando a dor, a pobreza e a miséria persistem. Ao abatimento dos homens e da lei, lutaram. Nunca se resignaram. Ao abandono da governação, impuseram (impõem) sede de justiça. E uma generosidade luminosa pela música. Um tesouro imenso, misterioso e eterno.

Para que a saudade não nos abandone, para que o sítio e o olhar estejam no seu exacto lugar, em tributo e memória a todos os cidadãos de New Orleans, que o mundo não pode deixar esquecer ... ali, do lado esquerdo da tábua, a música & a voz virtuosa de Louis Armstrong, em DoYou Know What It Mean To Miss New Orleans?

Locais:
A Can't-Do Government (N.Y.Times) / American Caesar (Los Angeles Times) / Blaming The Locals (Andrew Sullivan) / Bush Not Taking Brunt of Katrina Criticism (ABC News) / Do You Know What It Means to Lose New Orleans? (N.Y.Times) / Falluja Floods the Superdome (N.Y.Times) / Homeland Security won't let Red Cross deliver food (Post-Gazette) / How the Free Market Killed New Orleans (Znet) / Hurricane Risk to New Orleans (September 2002) (American RadioWorks) / In The Ruins (New Yorker) / Katrina exposes racial divisions (Financial Times) / Katrina Exposes the "Third World" at Home (Inter Press Service News Agency) / My Flood of Tears Shame for my city, shame for my country (Village Voice) / Parishes Against Coastal Erosion (PACE) Response to the Bush Administration's June 14, 2005 Policy Statement on the Proposed Energy Act of 2005 / The Big One A major hurricane could decimate the region, but flooding from even a moderate storm could kill thousands. It's just a matter of time (The Times-Picayune) / The Bursting Point (N.Y.Times) / The culture war over Katrina (Salon) / The Sunken City (From "The Control of Nature: Atchafalaya", which ran in the issue of February 23, 1987) (New Yorker) / When the levees broke, the waters rose and Bush's credibility sank with New Orleans (Times)

Hurricane information, charitable organizations online

In Memoriam de Fernando Távora [1923-m. 3 Setembro 2005]

"Os desenhos são de arquitecto. Todos são de viagem. Quase todos são feitos entre 60 e 64.

Fê-los Fernando Távora, percorrendo o mundo com «olhos de quem chora» e com o pensamento porventura ancorado numa ética de sóbria preocupação pela «organização do espaço português», que já na altura denunciava «a maior crise da sua já longa história»

(...) São instrumentos de consolidação de uma resistência à «predominância do espírito analítico sobre o espírito sintético». Pedaços de vida dedicados a ver, anotar e medir a passo os templos de Kioto com o saber de quem já tinha calcorreado, medido e desenhado os sequeiros de Sobreira.
São o modo tranquilo de eternizar os vários momentos do gesto até à religiosa transcrição das palavras perpetuadas na lápide tumular de Wright.

Estão para além do mero documento de viagem. Tratam da relação que ela estabelece com o método de projecto. E da relação desta com a vida - a grande solução hédonica onde todas as emoções são filtradas e dissolvidas para que, de um modo «harmonioso» e puro, possa cristalizar a Arquitectura (...)"

[José António Bandeirinha, in Via Latina, Coimbra, Maio de 1991]

sábado, 3 de setembro de 2005


Katrina Blues

"Dizem que a água cobriu New Orleans. Já não posso ver daqui a Nouvelle Orleans do Garden District, Niuorlins do French Quarter, da Bourbon Street, do French Market. Já não posso ver ma baby. A luz da noite não vem dos bares mas das lanternas de resgate. A cidade inteira transformada num imenso Voodoo Museum. Os gritos não vêm do Mardigras. A alegria acabou. Meu copo vazio encheu-se de água suja. Equipes mortuárias identificam corpos pelas ruas, mas não me viram. Helicópteros feito aves agourentas sobrevoando sobrados históricos e seus balcões de ferro, onde sempre apoiei meu braço cansado. Fats Domino pode estar pendurado num telhado, o velho safado. Só pode estar. Irão achá-lo, espero assim. Não ia dar essa bobeira. Espero por ele, longe do Mississippi, velho, longe do Mississippi. Meus companheiros estão comigo. Afinam os instrumentos. Evil Katrina. Katrina Blues. Ainda não decidimos o nome da música. Paciência. Temos tempo de sobra para esquentar a garganta.

Oh, when the saints go marching in,
Oh, when the saints go marching in;
Lord, I want to be in that number,
When the saints go marching in.

All my folks have gone before me,
All my friends and all my kin;
But I'll meet with them up yonder,
When the saints go marching in."

[maira parula, in Prosa Caótica]


Locais: A summary of what's in the major U.S. newspapers / Anarchy in New Orleans; Thousands Migrate to Texas / Be Prepared / Bush bungles it again: Federal government wasn't ready for Katrina, disaster experts say / Democrats and Others Criticize White House's Response to Disaster / Department of Homeland Screw-Up What is the Bush administration doing? / Destroying FEMA / FEMA chief: Victims bear some responsibility / Fifth Day of Disaster Begins With Fire / For Bush, Katrina is the Perfect Storm / Homeland Insecurity / Hurricane-Protection Projects Flood-control funds short of requests / Metroblogging New Orleans / New Orleans as a casualty of the war in Iraq / New Orleans Is Awaiting Deliverance / NY Times advanced Bush administration's dubious suggestion that FEMA is "better prepare[d]" to handle hurricane crisis than before 9-11 / The Situation Room / Waiting for a Leader / Why no mention of race or class in TV's Katrina coverage? / WWL-AM Interview with New Orleans Mayor Ray Nagin Angry at Lack of Action 9-1-05

... Recuerdos do Rio de Janeiro

"Olererê, baiana,
eu ia e não vou mais ...
Eu faço
que vou
lá dentro, oh Baiana,
E volto do meio p?ra trás ...
"

" ... O sertão é bom. Tudo aqui é perdido, tudo aqui é achado (...) O Sertão é confusão em grande demasiado sossego ..."

"... Apreciei demais essa continuação inventada. A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta instrução não concebe! Aí podem encher êste mundo de outros movimentos, sem os êrros e volteios da vida em sua lerdeza de sarrafaçar. A vida disfarça? ..."

"... Sertão não é maligno nem caridoso, mano oh mano!: - ... êle tira ou dá, ou agrada ou amarga, ao senhor, conforme o senhor mesmo ..."

"... Sertão velho de idades. Porque - serra pede serra - e dessas, altas, é que o senhor vê bem: como é que o sertão vem e volta. Não adianta se dar as costas. Êle beira aqui, e vai beirar outros lugares, tão distantes. Rumor dêle se escuta. Sertão sendo do sol e os pássaros: urubú, gavião ? que sempre vôam, às imensidões, por sõbre ... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe. Ali envelhece vento. E os brabos bichos, do fundo dêle ..."

[João Guimarães Rosa, in Grande Sertão: Veredas, Livr. José Olympio, 1967]

quinta-feira, 1 de setembro de 2005


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

As arrumações são um malogro heróico. Não obedecem à vontade do dono. Crescem respeitosamente, sem proveito nem resignação. A maldade dos livros, opúsculos, separatas, bem como o descansado & saudoso vynil, o furor dos CD's ou as alegres cassetes pirateadas, promovem sempre inconsoláveis blasfémias contra a condição humana, as ideias poéticas ou a tormenta musical. Não há ventura que resista a esse ciclópico trabalho de classificar, catalogar, arrumar. O tempo não resiste à indomável & zelosa acumulação e, evidentemente, a recordações chorosas. È uma arte para esquecer.

Hoje, em trabalho doméstico, escutamos cânticos sublimes que fizeram a nossa fortuna. Os arrumos inspiram-nos às mais doces recordações. E serão esses os nossos próximos trabalhos corporais. Para devotos do sublime.

Assim, para corações pios & lamentos musicais amargos, ali do lado esquerdo da tábua, de maneira aprazível, recordamos mestre Frank Zappa, no perfume encantatório de Bobby Brown. Para lábios macios ... fides ex auditu.

"Oh God I am the American dream
I do not think I'm too extreme
An' I'm a handsome sonofabitch
I'm gonna get a good job 'n' be real rich ...
" [letra aqui]

Obviamente, Mário Soares!

Os mistérios presidenciais são um escolho fatal. Entre a razão e a emoção, entre súplicas e saudades, o sentimento que sobrevive a tudo isso é estar-se presente uma desconfortável anomalia da vida política lusa. As flagelações intelectuais dos comentadores dos crentes, a longa jornada do calvário opinativo presenteada aos indígenas pelos régulos costumeiros & o decoro de alguns putativos candidatos, são enternecidas retóricas suspiradas sem felicidade, encanto ou glória, mesmo que a devoção seja imensa. Se o acontecimento presidencial não deixa de ser uma tristeza absoluta, o desvelo de algum discurso oficioso resta um imenso ruído, habilmente alimentado. Mesmo uma outra qualquer discursividade, situada ou não à margem do território falante institucionalizado, esbate-se nessa paisagem de tédio e desassossego que consagra, definitivamente, a incapacidade de renovação do tecido político luso, à esquerda ou à direita. Daí a inquietude em tudo isto. E a bondade & o apuro da escolha.

A querela Soares versus Cavaco, apresentada com antecedência como facto consumado, tem as virtudes, além do exercício submisso de retórica, de clarificar, de uma só vez, quem quer novas e insanas rupturas de regime - à boa maneira da enunciação de António Barreto nos tempos idos da AD (e que deu no que deu), e que contam com o entusiástico apoio de Paulo Rangel et al, bem como do sector neoconservador. A tarefa em causa será sempre uma imensa cambalhota, se o putativo candidato for Cavaco Silva [C.S.]. Veremos se o "pai" do monstro e apóstolo fervoroso da consumação do actual estado social, económico-politico, deixará de inspirar, para citar Vasco Pulido Valente referindo-se ao prof. de Boliqueime, "um sentimento muito próximo do horror", apesar de V.P.V. nos assegurar que "um homem como ele não pode existir". Temos algumas dúvidas desse sentimento vicioso.

Deixando de lado, por ora, esse cúmulo da perversidade que é transpor para a actual situação politica a impostura da exigência do debate económico, como se o Presidente fosse governo ou tivesse mandato para tal espectáculo; esquecendo mesmo, que no actual estado de coisas, um economista bom é um economista "morto", tal o fado das vozes sediciosas, de Beleza a Ferreira Leite ou de Pina Moura a Constâncio, que ao longo dos anos nos conduziram a esta ruína ignominiosa; resta sorrir daqueles que, ora entendem, no reboliço das suas emoções, que um presidente como Soares dará cobertura e apoio à actual governação de direita (daí, dizem, o esmero de Sócrates na sua candidatura) ora gemem, em abatimento cívico, pela suposta conflitualidade que Soares provocaria na maioria governamental. O gozo existente destas meditações não dá importância a qualquer contraditório. Isto é, se ao invés de Soares lermos Cavaco Silva, qual o cenário em ambos os casos? Parece difícil atinar com as instruções dos cavaquistas.

Mas evidentemente que não é essa a questão principal. Mudar o regime, configurar o caudilho, dar novo fôlego à trapaça política e a novo compadrio clientelar, eis o que é prometido. Contra isso, apesar das muitas criticas possíveis, resta apoiar ... obviamente, Mário Soares.

Desaparecido

Desapareceu no sábado passado da última página da revista Actual, em arrojada discrição & virtude liberal, o colunista do jornal Expresso, ainda membro da Oxford Society, douto professor na Universidade Católica e comensal do Oxford & Cambridge Club, João Carlos Espada. Na altura vestia um classic black tuxedo King & Allen, bow ties-strap Dior e xanatas Armani. Foi visto pela última vez, em sentido pranto, num workshop sobre sir K. Popper, lendo a obra do mestre: "Die Beiden Grundprobleme der Erkenntnistheorie". O desaparecido sofre da doença da confusão Popperiana, visível nos imensos dinners and parties que organiza, costuma levitar sobre Oxford em noites de lua cheia liberal e quando agitado não importuna ninguém. A quem souber do seu paradeiro, pede-se o favor de contactar com o director da revista literária & putativo candidato a Nobel da literatura, José António Saraiva. Dão-se alvíssaras!