quinta-feira, 1 de setembro de 2005
Obviamente, Mário Soares!
Os mistérios presidenciais são um escolho fatal. Entre a razão e a emoção, entre súplicas e saudades, o sentimento que sobrevive a tudo isso é estar-se presente uma desconfortável anomalia da vida política lusa. As flagelações intelectuais dos comentadores dos crentes, a longa jornada do calvário opinativo presenteada aos indígenas pelos régulos costumeiros & o decoro de alguns putativos candidatos, são enternecidas retóricas suspiradas sem felicidade, encanto ou glória, mesmo que a devoção seja imensa. Se o acontecimento presidencial não deixa de ser uma tristeza absoluta, o desvelo de algum discurso oficioso resta um imenso ruído, habilmente alimentado. Mesmo uma outra qualquer discursividade, situada ou não à margem do território falante institucionalizado, esbate-se nessa paisagem de tédio e desassossego que consagra, definitivamente, a incapacidade de renovação do tecido político luso, à esquerda ou à direita. Daí a inquietude em tudo isto. E a bondade & o apuro da escolha.
A querela Soares versus Cavaco, apresentada com antecedência como facto consumado, tem as virtudes, além do exercício submisso de retórica, de clarificar, de uma só vez, quem quer novas e insanas rupturas de regime - à boa maneira da enunciação de António Barreto nos tempos idos da AD (e que deu no que deu), e que contam com o entusiástico apoio de Paulo Rangel et al, bem como do sector neoconservador. A tarefa em causa será sempre uma imensa cambalhota, se o putativo candidato for Cavaco Silva [C.S.]. Veremos se o "pai" do monstro e apóstolo fervoroso da consumação do actual estado social, económico-politico, deixará de inspirar, para citar Vasco Pulido Valente referindo-se ao prof. de Boliqueime, "um sentimento muito próximo do horror", apesar de V.P.V. nos assegurar que "um homem como ele não pode existir". Temos algumas dúvidas desse sentimento vicioso.
Deixando de lado, por ora, esse cúmulo da perversidade que é transpor para a actual situação politica a impostura da exigência do debate económico, como se o Presidente fosse governo ou tivesse mandato para tal espectáculo; esquecendo mesmo, que no actual estado de coisas, um economista bom é um economista "morto", tal o fado das vozes sediciosas, de Beleza a Ferreira Leite ou de Pina Moura a Constâncio, que ao longo dos anos nos conduziram a esta ruína ignominiosa; resta sorrir daqueles que, ora entendem, no reboliço das suas emoções, que um presidente como Soares dará cobertura e apoio à actual governação de direita (daí, dizem, o esmero de Sócrates na sua candidatura) ora gemem, em abatimento cívico, pela suposta conflitualidade que Soares provocaria na maioria governamental. O gozo existente destas meditações não dá importância a qualquer contraditório. Isto é, se ao invés de Soares lermos Cavaco Silva, qual o cenário em ambos os casos? Parece difícil atinar com as instruções dos cavaquistas.
Mas evidentemente que não é essa a questão principal. Mudar o regime, configurar o caudilho, dar novo fôlego à trapaça política e a novo compadrio clientelar, eis o que é prometido. Contra isso, apesar das muitas criticas possíveis, resta apoiar ... obviamente, Mário Soares.