quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005
Ganhar o "centro", eis a questão, dizem!
"Bem, sobre o que iremos falar esta noite? Sexo, misticismo ou revolução?" [K. Rexroth]
Hoje estamos assim: a olhar o "centro". A imobilidade conceptual do curioso "centro" é uma tecnologia política de grande sensibilidade argumentativa. Não há no transe do debate ideológico nenhum analista que não fale "nele", conferindo-lhe toda uma série de unidades discursivas, ordenações sociológicas fascinantes e um encantador poder explicativo. Quem cede o dito "centro" político, fica à mercê de uma putativa indisciplina eleitoral. A obsessão pela sua privação do "centro" toma ares de um qualquer esquecimento genital, abandonados que estão os corpos sociais ao apelo sensual do adversário. A ordem sexual, perdão social, ressente-se disso mesmo.
Há qualquer coisa de não-gozo nisso tudo. Qualquer negócio de sofrida infelicidade. Compreende-se, pois, a mágoa de Miguel Coutinho (hoje na SIC) pelo desleixo erótico revelado pela ex-coligação. Daí, também, a tentativa de sedução quase imperativa de Marques Mendes para o povoar, qual cliente assíduo. A voluptuosidade manifestada por todos é um documentário libidinoso. Como os compreendemos.
Mas poderemos nós falar no "centro" enquanto espaço estático ou lugar da permanência absoluta, que só com astúcia e talento, carícia eleitoral ou investimento político-libidinal, nos é dado flirtar? Que identidade ou característica terá esse tão sacrossanto "centro", assim à margem de dinamismos conflituais, sem densidade alguma no teatro das classes sociais e das suas estratégias? De que se fala quando se fala do "centro"? Qual o seu construído? Afinal muda o "centro" porque as condições sociais se alteraram, dado que os indígenas se sentiram ameaçados no seu modo de vida, ou foram as forças políticas que deram uma escapadela, à laia de conquistador marialva, para a sua direita ou a sua esquerda, restando o "centro" in su situ? Que lei é essa, afinal?
Teófilo Braga [n. em Lisboa, 24 Fevereiro 1843-1924]
"... O Theofilo conhece o estado da miséria intellectual d'esta nossa terra, e é um dos que mais a lastima, sendo, até certo ponto, uma victima illustre d'ella. Temos resolvido, eu e alguns rapazes novos e independentes (dos quaes o Theofilo conhece, por exemplo: Eça de Queiroz, Adolpho Coelho, Manuel de Arriaga, Oliveira Martins, José Falcão, Batalha Reis, respondendo eu pela seriedade dos outros, que não conhece) abrir em Lisboa uma sala de Conferencias livres, livres em todo o sentido da palavra, não frequentada por convidados da litteratura, mas aberta a toda a gente, e de todos as condições, aonde se tratem as grandes questões contemporâneas, religiosas, politicas, sociaes, litterarias e scientificas, n'um espírito de franqueza, coragem, positivismo, n'uma palavra, com radicalismo (...)
Temos um programma, mas não uma doutrina: somos associação, mas não igreja: isto é, liga-nos um commum espírito de racionalismo, de humanização positiva das questões moraes, de independência de vistas, mas de modo nenhum impomos uns aos outros opiniões e idéas, fóra do ambito marcado tão largamente á nossa unidade por esse commum ponto de vista (...)
Serve-lhe isto? E podemos contar com o Theofilo? Podemos - já - contar com o seu nome ao lado dos nossos; e - de futuro, quando puder ou quizer - com a sua voz entre as nossas? ..."
[Antero de Quental, Carta a Teófilo Braga, in Arcas, Coimbra, 1921]
Locais: Teófilo Braga (1843-1924) / Teófilo Braga / Braga (Joaquim Teófilo Fernandes) / Carta de Ramalho Ortigão a Teófilo Braga / Sobre as estampas ou gravuras nos livros populares portuguezes
Giovanni Pico della Mirandola [n. 24 de Fevereiro de 1463-1494]
"... porque derivam de iniciação órfica, os ensinamentos de Pitágoras consideram-se sagrados; deles emanou, como sua primeira fonte, a secreta doutrina dos números e tudo o que de grande e de sublime teve a filosofia grega. Mas, como era costume dos antigos teólogos, Orfeu revestiu os mistérios dos seus dogmas com a veste das fábulas e dissimulou-os com véus poéticos, de tal modo que quem lê os seus hinos pode julgar não passarem estes de fabulações e de divagações brincalhonas ..."
[Pico Della Mirandola, in Discurso Sobre a Dignidade do Homem, 1989]
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005
Foi Vc pediu um comentador!?
Os relatores lusos estão em acção. A lamuriosa, porque para eles surpreendente, alteração do mapa sociológico do país foi-lhes fatal. Sequestrados nas suas prosápias de criaturas sempre prontas ao lambisco do poder, estão por ora confusos. Não entendendo que o mundo, sempre tão estouvadamente relatado aos indígenas mudou, cismam nos seus simplórios comentários pitorescos sobre a economia, a sociedade e o mundo. Tão redutores são nas suas brincadeiras de críticos que se desconhece se o fazem enquanto simples espectadores da coisa pública, workando a soldo do patrão ou se, no invés, estamos presentes futuros candidatos políticos. Tal é a distanciação ideológico ou política revelada. A tragédia de tão bizarra falta de ética, sensibilidade e respeito para com o gentio que os ouve e lê, é sublime.
A laboriosa catalogação das mazelas do reino conduz, por sistema, à necessidade de doutrinar a plebe no sentido da anunciação neo-liberal, nova terra prometida. Mas, helás! ninguém cede a essa descida aos infernos. A incredibilidade dos colunistas e analistas por tão estranho mistério guia-os para uma oratória a raiar o absurdo.
Assim, o camarada Espada em textos escritos para crianças no Expresso, cogita na baixa de impostos para "fazer recuar o Estado", lança-nos com a governação de Reagan, geme à conta da globalização e do comércio livre. Tão simples não há, diz. E, presume-se, lamenta que não o convoquem para servir de companhia, na TV e rádios, a um tal Sérgio Figueiredo, um Martim Avillez folião, ao inefável Bettencourt Resende, ao intelectual Luís Delgado. O camarada Espada gostava de brilhar como outros: entreter-se a identificar trotskistas atrás do sofá político; encontrar o senhor Keynes ao mesmo tempo que a Odete e o Sérgio Figueiredo, nalgum lado e à disposição; explicar Popper a crianças, operários e camponeses ou instruir de economia e política o Vasco Graça Moura; pendurar o dr. Mário Soares num folheto liberal, com virilidade; ser feliz como os outros.
Foi Vc que pediu um João Carlos Espada?
terça-feira, 22 de fevereiro de 2005
Na Morte de Cabrera Infante [1929-2005]
Cabrera Infante, escritor cubano morreu, hoje, em Londres onde residia. Polémico, impertinente, amargurado com todos, desde Garcia Marquez, passando por Carpentier ou Nicolas Guillen, até mesmo Saramago, com um obsessão doentia por Fidel Castro, com quem trabalhou e rapidamente esqueceu, após a sua estadia como adido cultural na Bélgica, torna-se a partir de 1965 ferozmente anticastrista, tendo ido viver para Inglaterra. Desde muito novo revela uma paixão assolapada pelo cinema, foi fundador da Cinemateca de Cuba (1951), dirige o jornal literário Lunes de Revolución (acaba em 1961), publica em 1967 a obra com que é mais conhecido, já publicada em Portugal, "Três Tristes Tigres" (Árcadia, 1975), depois de relativo sucesso com "Asi en Paz como en la Guerra" (1960) .
"... O senhor doutor vai-se rir. Não, o senhor doutor não se vai rir. Não se ri nem chora nem diz nada. Limita-se a estar aí sentado a tomar notas. Sabe o que diz o meu marido? Que o senhor doutor é o Édipo e eu sou a Esfinge, só que eu não pergunto nada porque já não me interessam as respostas. Agora só digo. Ouve ou devoro-te, e conto, conto, conto tudo. Até o que não sei conto. Por isso sou a esfinge enfartada de segredos (...)
O senhor doutor é ortodoxo? É or-tó-dó-cso que se diz, não é? Só pergunto porque não vejo nenhum sofá nem poltrona ao pé da parede nem nada do género e sei que não é reflexólogo. Pelo menos não tem olhar de pavloviano. Ah, agora sorri. Não, é a sério, senhor doutor, desta vez vim consultá-lo por minha livre vontade ..."
[G. Cabrera Infante, in Três Tristes Tigres, Árcadia, 1975]
Locais: Guillermo Cabrera Infante / Cabrera Infante: La Música de las Palavras
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005
Uma Trepa Histórica
"Ó tempore ó mores / oh tempo das amoras"
Os sacerdotes do país dito real, na boca altiva de um Bettencourt Resende ou no enfado do meditabundo Martim Avillez, estão em estado de prostração pela perda desse objecto extremoso que é a civilização em Portugal. A infidelidade dos indígenas à paixão do neo-liberalismo - olhem como bate o coração cristão liberal do cívico Portas ou como pestaneja em pecado de escândalo a Maria João Avillez, e entenderão - deixou esses protectores dos pobres e do gentio pátrio em estado de calamidade total. A epidemia anti-liberal que grassa no país não é entendida pelos servidores do aparelho político e por comentaristas conspícuos. Pobre populaça que não adere ao tricot civilizacional pós-moderno e vota, desonrosamente já se vê, à esquerda. Já não há respeito pelos comentadores encartados.
Curioso é, que ao longo de 30 anos andaram em fervor revolucionário, animando a milagrosa economia lusa, plantando oásis e fortunas espirituais por todo o lado, logrando elevar os indígenas a um alvorecer esplendoroso e angelical, com a Europa ali ao lado - diziam - e, afinal, deu nisto: uma absoluta maioria de malignos sujeitos alapados na Assembleia da República. Oh crueldade infame, não é que de tanto se esmerarem na civilidade económica ao gentio, que por sua vez se arrastava como podia quando não zarpava para outras terras, a própria sebenta os denunciou?
Que prodigioso dia. Parabéns ao PS pelo resultado obtido, que pela sua expressão não terá qualquer tipo de desculpa para governar bem o país e os portugueses. Seria imperdoável o contrário. E parabéns, de igual modo, à CDU e Bloco que nos assombraram. Um elogio especial a José Manuel Pureza pela expressividade eleitoral revelada no distrito de Coimbra. No resto, registe-se a posição séria de Portas ao demitir-se e a náusea de alguém se chamar Lopes, Santana Lopes. E, para não esquecer, faça-se justiça ao posicionamento corajoso, desde a primeira hora, de José Pacheco Pereira, que honra a galeria de homens ilustres do PSD. Porque ainda existem alguns por lá.
domingo, 20 de fevereiro de 2005
Vitorino Nemésio [m. em Lisboa a 20 fevereiro de 1901-1978]
"... Há tanta gente aí para salvar!
Tirem-me essa ridícula cortiça:
As espumas me aquecem, se eu gelar;
Da terra, nem saudade nem cobiça.
Ah! Mas ao menos espalho-me!
Ao menos sou autêntico e salino!
Se tenho frio, há musgos: agasalho-me;
Sou um bocado podre e outro divino..."
[V.N., in O Bicho Harmonioso, 1937]
Reflexões de todo o País: Uni-vos
Nós por cá, depois de glorificação ao aconchego do doce lar, com mar ao fundo, observando as miudezas da Comissão Nacional de Eleições, que pastoreia o gentio imprudente do jardim eleitoral, por não termos presenciado ao longo da jornada qualquer dissertação vinda das cabanas político-partidárias, seguimos a máxima luxuriante: "a noite é quando uma pessoa está cansada do dia". Muito bem. Somos infinitamente cumpridores.
Daí que, depois do "argumenta só contigo, e deixa as questões alheias", no que foi um exercício pedagógico inolvidável, deixámos de ler o precioso catálogo do Luís made in Artes e Letras sobre literatura africana e colonial, arrastámos o velho Inocêncio do Dicionário, para o lado, enquanto "A Neo-Classical Theory of Economic Growth" do curioso Meade era arrumada, com decência, in su situ. E lá fomos arrastados para o Carrossel em busca de uma maçada de cherne.
Considerando a fortuna de não termos deparado à porta com o menino-guerreiro ou recebido o choro desvalido do vendedor de submarinos & outros anfíbios ao longo da doca, a noite apressava-se serena e esperançosa. E cumpriu-se. Até a lagartagem arruou, por respeito e ingenuidade. Lindo!
Meus amigos: quão venturoso foi este santo dia de reflexão. Nos nossos lábios não mais se levantará falso testemunho. A nossa fé, mesmo que regada com um simplório Planalto estupidamente gelado, reprime-se em suspiros de paixão. A imortal elevação reflexiva d'hoje, que fez gemer todos os gentios, terá de envolver todos os dias do ano. À atenção, pois, da veneranda e estimável CNE. Entretanto ... vá votar!
[Alienação do espectador]
"A alienação do espectador em proveito do objecto contemplado (que é o resultado da sua própria actividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espectáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que Ihos apresenta"
[Guy Debord, A Sociedade do Espectáculo]
sábado, 19 de fevereiro de 2005
Domingo: um último dos desenganos
Admirável mundo o nosso. Hoje, num país em adiantado estado de decomposição, eternamente suspenso de esperança, vilmente amansado pelos aparelhos políticos, sem espanto ou revolta possível, que nos resta senão a viagem discreta às urnas, no próximo Domingo? Acaso o silêncio sobre a mediocridade gerada por Guterres/Barroso/Lopes & Portas, a mesma sopa caseira ou enfado de todos os dias, exige cidadãos açaimados, filhos da tristeza submissa, rebanhos muito arrumadinhos? A poeira não vos assusta?
Hoje, mesmo que o espectáculo tenha sido execrável, mesmo que não acreditemos que se possa reinventar o tempo ou mesmo que em nós não habite o gozo do pasmo pós-eleitoral, o nosso brado contra esta paisagem a cair de tédio, o nosso modo de continuarmos vivos é votarmos pela partilha da mudança, dar um voto de protesto contra o situação instalada. Para nós o canto de maiorias absolutas, isto é submissas, será sempre um recreio pouco excitante. Um voto de protesto a nossa eterna fruição.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005
João César das Neves: o mal-castrado
O inefável César da Neves fornece-nos, via Independente, um copioso manual de civilidade para seguir o bem e subir ao céu em perfeição, apresentando um rol de moléstias que a náusea erótica da civilização constrói. Eis a alma do conhecido economista liberal explicada aos gentios.
[A masturbação não é uma prática razoável?] Claro que não. Nunca foi. O sexo é uma força extraordinariamente poderosa que define a nossa vida. Por isso mesmo é que todas as sociedades, ao longo de todos os tempos, tentaram arranjar costumes, hábitos e regras para controlar esta coisa, que, quando não controlada, nos domina completamente (...)
[Porque é que a masturbação não é razoável?] Porque é um desvio da acção sexual. A pessoa fica cada vez mais agarrada ao prazer, deixa-se controlar pelo prazer. Isso distorce a personalidade.
[A masturbação vicia? É isso que está a dizer?] Estou a dizer que o sexo tem um poder enorme sobre a nossa vida e que, por isso, devemos ter uma atitude equilibrada. Até hoje só houve uma revolução sexual na História e foi a Igreja que a fez. Antes da Igreja era o deboche absoluto, com regras muito sortidas (...) A nossa obsessão pelo prazer carnal está a destruir a sociedade e a criar a decadência, como criou noutras sociedades (...) A nossa sociedade não é mais feliz, porque se entregou completamente ao prazer carnal.
[Também condena o uso do preservativo?] Esse também é um exemplo engraçado. Tem-se criticado o Papa por gerar sida por causa do preservativo. Mas a questão do preservativo não se coloca numa relação estável entre marido e mulher. O que a Igreja diz é que a relação sexual, para ser completa, deve ser aberta à vida. O preservativo é uma forma mecânica de tratar a questão. Para quem leva uma vida debochada e ignora as regras da Igreja, o preservativo é um detalhe.
[Qual é o problema de procurar o acto sexual só pelo prazer?] O acto sexual não é só uma questão de prazer. Limitá--lo ao prazer é transformar uma coisa humana numa coisa mecânica, animal (...)
[ler a entrevista, aqui]
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005
António Franco Alexandre "Prémio Correntes d'Escritas"
"Não se escreve porque se quer: escreve-se porque é preciso. Porque não se tem outro remédio. Porque não se pode evitar"
"António Franco Alexandre nasceu em 1944, em Viseu. Em 1962, foi estudar Matemática para Toulouse, aí vivendo até 1969. Partiu depois para Harvard, EUA, com uma bolsa para continuar a estudar Matemática. Em 1971, ruma a Paris onde estuda Filosofia, regressando, em 1975, a Portugal, com dois doutoramentos: Filosofia e Matemática. Convidado para leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, é actualmente professsor de Filosofia naquela instituição universitária" [Carlos Câmara Leme - Ler aqui]
"... Já te espantou o lume, quando viste
uma língua no sonho da saliva,
e te riste, de ser tão branco o sangue
que nas beiras da noite adormecia.
Agora é o teu corpo que procura
na orla da floresta, uma fogueira ..." [A.F.A.]
Geronimo, Chiracahua Apache [1829 - m. 17 Fevereiro de 1909]
"... Through the air
I fly upon the air
Towards the sky, far, far, far,
O, ha le
O, ha le!
There to find the holy place,
Ah, now the change comes o're me!
O, ha le
O, ha le!" [Geronimo's Song]
Locais: Geronimo / Geronimo His own story / Geronimo, Chiracahua Apache / Geronimo The Last Apache Warrior
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005
Debate Livre
Muito sentencioso foi o debate eleitoral. A felicidade na dedicação ao debate, as palavras pronunciadas em laudatórias enternecidas, foi aliciante de seguir. Muito melhor este formato que a sensaboria de Sócrates versus Lopes na SIC.
Fidex ex auditu, poder-se-ia dizer. De facto, os comentadores estavam cheios de fé no encontro. Ao contemplarmos os cinco magníficos no retalhar grave dos problemas da Nação, ao atendermos à catadupa de críticas com que, uns aos outros, se brindavam à mistura com gestos virtuosos, decerto fomos arrastados para o espectáculo e pouco para a substância em disputa. Novamente algumas questões não foram totalmente esclarecidas, sendo que o que fica é que os próximos anos serão de fartar vilanagem. Todos assumem que o que ai vem são vacas gordas e gastar é o que está a dar. Bem curioso, pois.
O debate ficou marcado de duas maneiras: pela questão levantada por Francisco Louçã sobre a questão dos benefícios à banca, o que para alguns liberais, com muita piada, lhes fez ver ali uma paródia populista. Ora quando não se estuda e não se gosta do homem, tudo ganha a forma de populismo. O fundamentalismo e o ar serôdio destas criaturas atraiçoam-lhes a lucidez. Se a tiverem. Um outro registo foi a afonia de Jerónimo de Sousa, no que resultou no seu abandono.
No essencial houve alguma emoção e pouco esclarecimento. A existir um vencedor, pela lucidez e clareza das suas intervenções, ele foi Francisco Louçâ, passe o facto de Paulo Portas ter sido mais eficaz a passar a sua mensagem. Sócrates esteve na pele de primeiro-ministro, foi sincero no que disse, embora pouco convincente nalgumas questões, mas muito melhor que anteriormente. A desilusão, pela banalidade da sua prestação, a coberto de uma oratória dejá-vue, foi Santana Lopes. A improvisação foi uma constante, no meio de gráficos que ninguém viu e números que só ele conhece. O permitir, não se entendendo porquê, as maquinações de Portas, torna-o vítima das circunstâncias. Pagará caro a situação tola onde se meteu.
Pessoa, os R. C. & a Golden Dawn [Para a I...]
Existem referências sobre o assunto em algumas em obras, entre as quais: "A Mentira Verídica", de Angel Crespo, Teorema, 1992 / "La vida Plural de Fernando Pessoa", de Angel Crespo, Barcelona, 1988 / "Rósea Cruz", por Fernando Pessoa [compilação de textos do escritor, por Pedro Teixeira da Mota], Ed. Manuel Lencastre, 1989 / "Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética", de Yvette Centeno [com textos de F. P.], Editorial Presença, 1985 / "Estudos sobre Fernando Pessoa", de Georg R. Lind, INCM, 1981 / "A Procura da Verdade Oculta. Textos filosóficos e esotéricos", [org. textos por António Quadros], Eur-America, Livros de Bolso / "Portugal, Razão e Mistério", de António Quadros, Guimarães, 1986
O livro de Angel Crespo é curioso pelo seu texto "Yeats, Pessoa e o Oculto", onde é referido um conjunto de anotações em torno do relacionamento de F. P. com alguns dos mais importantes teósofos, protagonistas da Golden Dawn, etc. Por exemplo, citemos uma mensagem "espectacular e mais misteriosa" de Henry More (cabalista, cuja obra foi estudada por Yeats), recebida por F. P. por "meio de escrita automática":
"As minhas palavras estão pensadas para convencer. São palavras de um amigo, como sempre. És o centro de uma conspiração astral, o lugar do encontro de elementos de tipo maléfico. Ninguém pode imaginar o que é a tua alma. São tantas as presenças desencarnadas em redor dela que, de Aqui, parecem um núcleo do teu destino (...) Meu filho, este mundo em que vivemos - porque todos vivemos no mesmo divino lugar - é um marasmo de inconsequências e voracidades. São mais os homens perdidos que os achados. O teu destino é demasiado alto para que eu o diga. Tens de descobrir tu. (...) O meu nome está errado e o teu também. Nada é o que parece ser. More. Henry More. Frat Rc. O que tem de ser tem de ser" [Angel Crespo, A Mentira Verídica]
Na morte de Lúcia
"Deve ser juradas três coisas - Liberdade, Amor, Conhecimento" [A. M. Lisboa]
Nada é mais ilustrativo que as torpezas plantadas sobre Lúcia, na hora da sua morte. Para uns, a reclusão, o sofrimento e os excessos de virtude que sempre foi exteriorizado são um manifesto logro e manipulação dissimulada levada a cabo pelas entidades Eclesiásticas, com objectivos político-ideológicos evidentes, uma fábula que adquiriu foros de verdade, um construído litúrgico providencial, um mero negócio. Conhece-se a extensa bibliografia sobre o assunto.
Para outros, a veneração e a devoção piedosa a Lúcia, e o que simbolicamente representa, é uma visão profética, uma emoção purificadora, um martírio heróico, uma entrega interior resplandecente, um novo repositório de culto Mariano. Conhece-se a propaganda que as autoridades Eclesiásticas, sábia e prudentemente, foram coligindo e ampliando.
Porém, a criança e a mulher constitui uma espécie de memória quase sempre esquecida, uma cautelosa realidade nunca desvelada, uma fuga tormentosa, uma habilidade de sermos demasiados humanos. A perda da infância, a longa jornada de reclusão, a letargia do corpo, a obediência, a dignidade na fidelidade, que sempre procurou preservar, quase nunca nos impressiona. E quando, por acaso, descobrimos tais sentimentos austeros procuramos tirar vantagens das nossas pueris experiências do vivido. A vida de Lúcia é o nosso tormento, a nossa fraqueza, o nosso eterno calvário. Por isso Lúcia merece respeito. Que descanse em paz.
domingo, 13 de fevereiro de 2005
Georges Simenon [n. 13 Fevereiro de 1903-1989]
"Je me considère comme un anarchiste non violent, car l'anarchie n'est pas nécessairement violente, celui qui s'en réclame étant un homme qui refuse tout ce qu'on veut lui faire entrer de force dans la tête ; il est également contre ceux qui veulent se servir de lui au lieu de lui laisser sa liberté de penser"
[G. Simenon]
De Lit(r)os de Opinião
Quem ler os jornais diários necessita de uma grandeza mental sólida, uma felicidade humilde, uma virtude diligente, para ler os testemunhos dos pregadores do costume. O sentimento manifesto quando se lê os ungidos da politica profissional no seu delírio de colunistas, opinando do grémio jornaleiro, é uma visão de espíritos sem memória, com meditações prodigiosas e vaticínios admiráveis à mistura.
Não se pretende referir as piedosas lágrimas da bruxa da Areosa a favor do seu novo pai-santo, o enternecido Lopes; não se deseja a abertura das almas ou a genuflexão pecadora dos indígenas, perante as singulares palavras de Nuno Fernandes Thomaz, digamos, ao longo da sua vida de mareante exangue; muito menos queremos abalizar os comoventes e abnegados discursos espirituosos do mancebo Paulo Portas, citar as meditações órfãs de Pires de Lima-Filho, ou a eloquente animação de um Miguel Almeida, do viçoso Luís Delgado, de um atordoado Filipe Menezes. Nada disso. Hoje a ventura coube, por merecimento, ao desgostoso Santos Silva. Augusto, de seu nome. Tutor por coração e súplica.
O noviciado técnico de refrigeração, colunista e político em part-time, estratega de maiorias & soluções governativas, dispara furiosamente contra a mão esquerda do diabo. Tanta prosápia nas suas afirmações, tanta doutrina abrasiva contra os hereges da putativa maioria, tanta raiva revelada, que decerto Santos Silva será em breve canonizado, com honra devida. Estamos a vê-lo à direita de Guterres e imediatamente ao lado de José Lello, Narciso Miranda, Jorge Coelho, Pina Moura e, porque não, Paulo Portas. Eis os sujeitos da sua doutrina enunciadora. E de tanto mérito é vicioso que, por memória de dor, nada nos esclarece sobre as porfiadas políticas de antanho ou o fruto governativo rosa. Pelo contrário: deixando de fora o precioso queijo limiano, muitas historietas em torno dos boys & construtores civis, um despesismo Pina-Mourado bem curioso & afins, o tomado de horror Santos Silva desaba a cobiçar, inquieto, votos e disposições de gente que lhe merece respeito e um maior desvelo democrático. Numa coisa Santos Silva está certo: "porque é que não devemos sujeitar as atitudes e os argumentos", e acrescentamos nós, as práticas da tralha socialista de má memória à escolha eleitoral que se segue? Haverá muitos mais discernimentos? A memória resistirá ao esforço?
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