sexta-feira, 7 de maio de 2004
Parabéns
Dois blogs, dos mais puros e verdadeiros, comemoram o primeiro aniversário. Dois blogs de liberdades livres, que dizem coisas apaixonantes, deslumbrantes & ardilosas. De muita estimação, mesmo que, daqui do castelo altaneiro do almocreve, carreguemos o fardo de todos vós. Reinventar o prazer do discurso, desnudar o vivido da política & da cultura, eis o que esperamos de todos vós. Assim a vossa libido o permita. Um abraço de felicidades.
Abrupto – Longas vigílias e trabalhos de José Pacheco Pereira. A «perestroika» laranja, em edição estimada, fogosa e subtil, sempre retomada com ventura, mesmo sabendo-se que «a única solidão é aquela que não tem passado». Mas que importa! Dos vários JPP, preferimos quase todos, menos aquela pose de viril "guerreiro do império", jeito e queda para seguir o "bem" e fugir ao "mal", mixagem de contos amargos de guerra. Palavras estranhas, um blog de eleição, uma sensibilidade encantadora. Felicidades!
Mar Salgado – 6 Marinheiros 6, Coimbra ao Luar por obra e graça de D. Dinis, altíssimo padroeiro. Eis como se bolina de encontro à vaga, que a cidade "é uma armadilha" e "nenhum navio te levará onde não podes" (Cavafy). O regime dos ventos não é aconselhável a todos, mas a navegação é, sempre, um trabalho esforçado em mar largo. Um itinerário de habilidade, quebrada as amarras em baixios pouco seguros. Saudações aos marujos, em especial ao comandante NMP e ao Pedro Caeiro.
quinta-feira, 6 de maio de 2004
O Rato Acidental
"Et admirata est universa terra post bestiam"
Era a blogosfera portuguesa um espaço maculado por devotos do arrufo, uma assuada inaudita, um monólogo de "pombas" toleironas, graciosas evocações, um monumento de posts em pieguices disparatadas, um vazio enorme. Um horror! Imersos na bruma, desconhecíamos o assombro de dias jubilosos, a vanglória do gracejo ou a verve da malícia do espírito. Não havia meninos de coro! Apenas simples alaridos. Desamparados de cintilante liberalidade, declinava-se opulentos protestatórios, quase sempre alvares e furibundos, numa vaidade pecadora e ardente de desaforos. Não tínhamos emenda. Nem musicalidade. Muito menos espiritualidade.
Com receio, sabíamos que, com Pedro Lomba a "jornalar", Coutinho deslizando n'O Expresso e Mexia em surtidas aventureiras de paixão, a blogosfera se desintegraria em singular azedume, tropelias e injúrias. Afadistada, a blogosfera portuguesa assistiria à sua derrocada. É certo que o Alberto-a-Dias passava atestados desbragados de tortuosas penitências, o Luciano Espectador condimentava as suas noutes em patológico delírio e o guarda-portão liberal surpreendia o próprio Berlin. Não seria, pois, por falta de higiene intelectual que a eloquência guaguejante dessas personagens fascinava de colorido a blogosfera, asseveram os mais preclaros bloguistas. Era correcto. Mas essa inteligência retardatária não bastava. Não era surpresa. Apenas manutenção das suas sinecuras. A festa tinha que se fazer. Com elegância.
É assim que as coisas começam. Por mistérios da política, arribou aqui, sem enfado, o assombroso génio que produziu a "A Encruzilhada", curioso trabalho de imprecação geoestratégica & geopolítica, que por modéstia assina Vasco Rato, quando em posição académica. A linguagem florida do terrorismo, a prosa adocicada sobre o "Choque das Civilizações", a desdita da urgência dos protectorados americanos nos indígenas, o requinte da ressurreição das ADM, os retoques apaixonados à silhueta de Khadaffi, a caligrafia que esmaga ou a trovoada de argumentos sobre a democratização do Iraque, equivale a uma lucidez que fuzila o espírito da chusma da blogosfera. Com o Vasco e as suas bulas, dobraremos o cabo tormentório, sairemos de profundo letargo, inchamos de comunidade internacional. O vate da Lusíada, com a louçania do seu talento, a auréola da cotação do IDN, investe na despeitada blogosfera, numa exibição babada de frases desencabrestadas, refinadas de civilidade, prenhes de cidadania. A blogosfera nunca mais será a mesma. Mesmo que o fulgor do Rato acidental, envolto em túnica branca, ameace expor a sua sensibilidade naturista às aclamações da turba do "exército do bem", estamos em perfeita ressurgência. Façam favor de afiar as esferográficas. Sorte admirável a nossa.
O Beijo de Antikonie
Ao Dórdio, meu irmão
Foi no mês alumbrado dos bruxedos
o ardente encontro. Estava eu nos trinta.
Abrasavam-te vinte chamas verdes
e enluarado me chamaste Cynthia.
Como uma puma pelos meus vinhedos
sedoso e lábil me laçaste a cinta
e encantaste-me em sala de brinquedos
da tua boca barbara e faminta
..........
Ó tremula beleza sem apoio!
Fiz-te pássaro e mato-te no voo.
Não me culpes, amor. Foi bruxaria.
[Natália Correia, in Retrato de Natália Correia]
Coincidências Kleistianas
É difícil tamanha sorte. Ao ler o Alexandre Andrade entendi que o mundo era, de facto, muito pequeno. Quantas vezes o sabemos? Não é nenhuma descoberta, talvez, mas no dia em que AA descobriu que "Luiz Pacheco também editou Kleist. "O Príncipe de Homburgo", também tivemos essa ventura. Foi no Nunes em Benfica. Cabe dizer que a versão portuguesa é de Goulart Nogueira, que apresenta uma curiosa biografia e estudo de Von Kleist. Não sabia a data (1961?, diz-nos AA), apenas se comprova que a obra é o numero 16 da belíssima colecção de Teatro de Bolso (começa com Ibsen o nº1), edição da Contraponto.
segunda-feira, 3 de maio de 2004
A Sagrada Família
Um dia a mais antiga categoria de honra do Sport Lisboa (1904-1905) fez ascender um sol intenso e alado. A Praça do Império era campo de jogos. O Nunes, em Belém, forneceu a flanela avermelhada. A farmácia do Franco servia de sede conspiratória. As redes das balizas foram tecidas por hábeis pescadores da Nazaré. "Um por todos, todos por um". A águia começava a voar. Que história admirável a nossa.
A alma colectiva vermelha, irreverente e muito prendada, ensina a voar sobre o abismo. O Benfica é uma manifestação de enternecida ternura, uma frescura de beleza, a alma da paisagem lusitana. Vede – ali, em cima - o porte aprumado dos seus jogadores, o altivo colorido das camisolas, a pose, a barba à Degas ou os bigodes fartos. Atendei às peculiares figuras do grupo fundador. Sintam a sua frescura maravilhosa. E sorriam.
Hoje, em quieto jogo, fomos felizes. Contra preces e clamores, fomos encantadores. Os dias de Maio como são brejeiros. Uma paisagem única. Mesmo que a lucidez seja breve.
"Faxina" da Primavera
Empanturrada de originalidade lusitana, a classe política anda perturbada por tresmalhadas intenções malévolas. Os ditos perfumados que berram os jornais - a lista de mazelas é um choradinho de vendas nos jornais e televisões – sobre as mais variadas formas de corruptelas, são um murmúrio entre os incautos indígenas, ao mesmo tempo que exigem uma faina comovente, uma vidinha de trabalho para a classe política, jornalistas e analistas.
Os artistas da coisa pública declaram a sua estranheza pelo singular fenómeno que atingiu Portugal. Os presidentes de câmara manifestam apreciações poéticas sobre empreiteiros e professam inocência em glória do desporto e dos clubes. Recebem, com uma espiritualidade romântica, em roupão sem monograma. O público, malicioso, fica verde de inveja e aplaude. O emproado Santana dá cambalhotas em cima dos acólitos laranjas. Marques Mendes põe-se em bicos de pés. O talento insólito de Alberto João defuma o continente. Marcelo, em improviso deslumbrante, pontifica a absolvição. Os socialistas sorriem. E Sampaio sai da preguiça para fazer rascunho presidencial.
Enquanto isso, a malta da província e do futebol, alucinada, faz cimeiras à porta dos tribunais. Depois de Felgueiras, sem outro arranjo cénico, eis Gondomar. A mesma casta, o mesmo poder, a mesma cegueira. Na poltrona da governação, Barroso, desnorteado e cansado, faz de arreliado. Pires de Lima, confessa que ainda não se esfarelou contra uma TV, por caridade cristã, evidentemente. Marcelo, muito embuchado, debita Códigos e faz reprimendas. Vasco Pulido Valente lê histórias aos quadradinhos. O País ressurgiu. A "faxina" doméstica está aí. As trapalhadas, também.
O Pensamento Social [nº 1, Fevereiro de 1872]
"Este jornal, cuja criação tinha sido acordada nos contactos havidos entre os «internacionalistas espanhóis» e Antero, Fontana, Nobre França e outros militantes socialistas teve papel decisivo na transformação verificada na linha de conduta do movimento operário. Antero de Quental, como nos conta Nobre França na carta que escreve em 24 de Junho de 1872 a Karll Marx, publicou o folheto «O que é a Internacional» para custear as primeiras despesas com a publicação de «O Pensamento Social». Segundo o testamento de Nobre França, a organização deste jornal ficou estruturada do seguinte modo: Nobre França, Eduardo Maia e Tedeschi na redacção, José Fontana, Monteiro e Tito na administração que incluía o proprietário, Lopes. Como colaboradores destacavam-se Antero de Quental que tinha ido residir para o Norte, Oliveira Martins, Augusto Fuschini e Batalha Reis.
É em «O Pensamento Social» que vai realizar-se a divulgação das posições e dos princípios da I Internacional, dando-se nas páginas do jornal particular ênfase às decisões do Congresso de Haia que decidiu a votar a criação de Partidos Socialistas por cada país. No jornal colaborou com regularidade Paul Lafargue, genro de Marx e que estivera em Lisboa preparando o Congresso da I Internacional atrás referido; escreveu também para este periódico Morago, um dos «internacionais» espanhóis e é também neste jornal que, pela primeira vez em Portugal, se inicia a publicação de O Manifesto Comunista de Marx e Engels. …”
[César de Oliveira, in Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]
"É certo que o velho mundo pertence aos filisteus. Mas não devemos, quanto a nós, tratá-lo como um papão, arrepiando caminho. Devemos, pelo contrário, encara-lo de muito perto. Vale a pena estudar-se este senhor do mundo.
É verdade que só o é, senhor do mundo, atulhando o mundo com a sua sociedade, tal como os vermes ocupam um cadáver. A sociedade destes cavalheiros só precisa por isso de um certo número de escravos, e os proprietários dos escravos não precisam de ser livres" [Karl Marx]
sexta-feira, 30 de abril de 2004
Oliveira Martins [1845-1894]
n. em Lisboa, 30 de Abril de 1845
"… O trabalho dividido, parcellario, é a causa do embrutecimento e da miséria moral e material do trabalhador, a Economia Politica responde: fatalidade! como se na natureza podesse encontrar-se uma lei de anniquilação. As forças naturaes trazem a morte sim quando não comprehendidas; assimiladas são necessária, absolutamente a vida. O facto do embrutecimento do trabalhador pela divisão de trabalho é reconhecido por todos; Say escrevera: «Em resumo pode dizer-se que a separação dos trabalhos é um emprego hábil das forças do homem, que augmenta prodigiosamente a produção da sociedade, mas que diminue a capacidade da cada homem individualmente considerado». Tocqueville precida ainda: «Á medida que o principio da divisão do trabalho recebe uma apllicação mais completa, torna-se o operário mais fraco, mais dependente; progride a arte e o artista retrógrada». Ora se esse progresso da arte está na natureza, encontrar-se-há n'ella a diminuição do homem? Os economistas, preoccupados com a politica, calam-se, e offerecem como correctivo as escholas e a caridade. De modo que a organização do trabalho constaria de dois pólos anthiteticos: a instrução creando, o trabalho destruindo…"
[J. P. Oliveira Martins, in Theoria do Socialismo. Evolução politica e económica das sociedades na Europa, Lisboa, 1872]
Ecco dos Operarios [nº 1, 28 de Abril de 1850]
"O grande surto de Associações e Sociedades Operárias de diverso tipo inicia-se a partir da Regeneração, isto é quando começa a segunda metade do século dezanove. A Regeneração (…) procurava construir os meios que concretizassem o apelo da colaboração activa de todos os portugueses na edificação de Portugal moderno. O Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas exprime (…) o que se acabou de afirmar; Rodrigues Sampaio, Casal Ribeiro e o próprio Fontes Pereira de Melo estiveram associados, por formas diversas à actividade do Centro Promotor (…)
Mas o Centro Promotor não surge por acaso. Na verdade, em 1850, havia-se fundado o primeiro órgão de imprensa escrita claramente apostado na defesa dos interesses dos trabalhadores e no fomento do associativismo operário. Foi o «Ecco dos Operários», órgão da Associação dos Operário de Lisboa, fundado por Sousa Brandão e Vieira da Silva Júnior. O primeiro, general oriundo, como muitos dos grandes vultos da Regeneração, da Engenharia Militar e que, tendo assistido à revolução de 1848 em Paris, foi sempre um assíduo e interessado colaborador da imprensa e das Associações operárias. O segundo, operário tipógrafo, foi destacado dirigente do Centro Promotor e, íntimo colaborador de Henriques Nogueira e foi, como este seu grande amigo, um dos primeiros paladinos do republicanismo social federalista (…) Este órgão de imprensa (…) insere-se num projecto de sociedade cujo principal eixo era a colaboração ente classes para «regenerar e modernizar Portugal». Tratava-se (…) de promover a colaboração entre capital e trabalho sem que o primeiro «escravizasse o segundo».
Esta posição de fundo, facilmente detectável em o «Ecco dos Operários», vai presidir ao conteúdo de quase toda a imprensa operária até 1872 …" [César de Oliveira, in Antologia da Imprensa Operária Portuguesa, P & R, 1984]
quinta-feira, 29 de abril de 2004
Pedro Oom [1926-1974]
m. a 26 de Abril de 1974
"O Escritor Pedro Oom Morreu de Comoção – O irreverente e talentoso poeta surrealista Pedro Oom, figura muito assídua do café Gelo ao tempo em que ali se reunia o grupo em que pontificavam Mário Cesariny de Vasconcelos, Luís Pacheco e outras personalidades daquela corrente estética, morreu ontem de comoção provocada pela queda do fascismo em Portugal.
O insólito autor de tão belos poemas fantásticos e escatológicos como os que publicou em «Grifo» e em «Pirâmide» não resistiu à alegria da vitória. (…)" [in, DL, 28/04/74]
"Poesia não é uma medalha para por no peito dos tiranos mas uma imensa solidão feita de pedras, onde o despotismo pode encomendar o ataúde. Cada um de nós odeia o que ama. Por isso o poeta não ama a poesia que é só desespero e solidão mas acalenta ao peito as formigas da revolta e da rebeldia, que todos os déspotas querem submissas e procriadoras. Só os voluntários da miséria e da submissão patriarcal querem a poesia na arca da aliança com a tradição pacóvia e regionalista dos pretéritos dias, glórias patrioteiras, heroicidades frustes, pirataria ignara. Todo o verdadeiro poeta despreza o pequeno monte de esterco onde o dejectaram no planeta e a que os outros chamam pátria, e só ama os grandes continentes mares e oceanos da liberdade e do amor. Só nos vastos espaços incriados a poesia serve o seu destino – catapultar o homem nos abismos do desejo incontrolado onde o próprio assassinato é um acto de poesia e de amor.
Este assassinato de que falo é o grande amplexo de homem para homem a solidariedade e a ternura, não a caridade hipócrita ou a cama de família, com todo o seu pequeno cortejo de horrores, onde a exploração do filho pelo pai dita a sua lei."
[Pedro Oom, Poema, in Grifo 1968 (?)]
[Libertos os Presos Políticos]
"Ás nove e trinta de hoje [26 de Abril de 1974] um oficial dos Fuzileiros Navais comunicou aos jornalistas, na Antónia Maria Cardoso, que a PIDE-DGS acabava de render-se ao fim de uma noite inteira de resistência ao cerco (…) Foram presos sem resistência os quarenta elementos daquela odiada Polícia secreta, que durante a noite tinham resistido no interior do cerco e que, apesar de ontem terem ameaçado matar os prisioneiros, se apresentaram aos pára-quedistas já desarmados e atitude colaborante (…) [Diário de Lisboa, 26 de Abril de 1974]
[27 de Abril de 1974 – Os três últimos presos políticos]
"A liberdade definitiva só chegou às 20 e 45 de ontem [27/04/74] para três dos presos políticos da Cadeia do Forte de Peniche. A essa hora, o major Azevedo, mandatário da Junta de Salvação Nacional, comunicou a Francisco Martins Rodrigues, Rui Pires de Carvalho d’Espinay e Filipe Viegas Aleixo que podiam abandonar livremente a casa onde lhes fora fixada residência (…)
Francisco Martins Rodrigues e Rui d’Espinay, de 46 e 31 anos, respectivamente, forma condenados a 19 anos e a 17 anos de prisão maior por serem dirigentes do Comité Marxista-Leninista Português e da Frente de Acção Popular, as primeiras organizações clandestinas que em Portugal seguiram uma linha política de tendência maoista. Exercendo a sua actividade política na clandestinidade, no interior do País, Francisco Martins Rodrigues e D’Espinay identificaram como agente provocador um elemento da PIDE, Mário Mateus, que procurava infiltrar-se naquelas organizações, e executaram-no a tiro, em Outubro de 1965. Foi o então chamado «crime de Belas». Mário Mateus, que trabalhava em ligação com o agente da PIDE de nome Cleto, lograra dar à polícia secreta pista para a prisão de João Pulido Valente, também dirigente daquelas organizações políticas revolucionárias, e libertado ontem (…)
Condenado à revelia num tribunal comum por ter participado com o capitão Henrique Galvão no assalto ao «Santa Maria», em Fevereiro de 1961, Filipe Viegas Aleixo exilou-se em França, donde partiu com Hermínio da Palma Inácio, no grupo da Liga de União e Acção Revolucionária que pretendia, em Agosto de 1968, tomar a cidade da Covilhã. Este grupo foi interceptado na zona de Moncorvo, pouco de pois de entrar em território nacional, e os seus componentes entregues à Direcção-Geral de Segurança. Torturado na Rua António Maria Cardoso, Filipe Aleixo foi condenado pelo Plenário do Porto a 19 anos de prisão maior, recolhendo depois ao Forte de Peniche donde, devido à sua idade, já não esperava sair com vida: saiu com 59 anos (…) [in, Diário de Lisboa, 28 de Abril de 1974]
quarta-feira, 28 de abril de 2004
XLV Catálogo da Livraria Moreira da Costa
Saiu o novo Catálogo de "livros seleccionados raros esgotados curiosos" da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) que pode ser consultado on line.
Algumas referências: Escriptos Humorísticos. Em Prosa e Verso do faleccido José de Sousa Bandeira …, 1874 (trata-se da transcrição de alguns artigos publicados na “Atalaia”, “Periódico dos Pobres” e no “Braz Tisana”. Era Sousa Bandeira "o decano dos jornalistas portugueses, por ser ele o que em 1826 começou a redigir em Guimarães o periódico Azemel, segundo afiança Inocêncio) / Entre Duas Reações, por Sebastião de Sousa Dantas Baracho, 1917, III vols / Poesias, de Olavo Bilac, 1945 / O Conde e o Passarinho. Morro do Isolamento, por Rubem Braga / Em Plena República, por António Cabral, 1932 / Vieira-Pregador, de P.L.G. do V. Coelho Pereira Cabral, 1901, II vols (muito apreciada) / Tradições, Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa, por Marcello Caetano, 1951 / Colónias, pelo antigo deputado José Cardoso Vieira de Castro, 1871 (com pref. de Camilo) / Anticolonialismo e Descolonização. Ensaios, por Luís Filipe de Oliveira e Castro, 1963 (com pref. de Marcello Caetano) / Diário Ilustrado, nº 1 (1 de Junho 1872) a nº 138 (31 Dezembro 1872) / Ecce-Homo. Poemas de Américo Durão, 1953 / Elementos de Euclides …, de Euclides, 1768 (1ª ed. port.) / In Memoriam de Ferreira de Castro, Braga, 1976 / Institutiones Júris Civilis Lusitani …, por Pascoal José de Mello Freire, 1791, VII vols / A Mulher no Mundo, por Maria Lamas, 1952, II vols / Tarrafal. O Pântano da Morte, de Cândido de Oliveira, 1974 / Promptuarium Juridicum …, de P. Bento Pereira, 1664 / Pharmacopeia Geral para o Reino, e Dominios de Portugal …, 1824, II vols / Obras de António Sardinha (Chuva da Tarde. Sonetos, 1923; Na Corte da Saudade, 1922; Purgatório das Ideias. Ensaios de Critica, 1929: Ao Ritmo da Ampulheta. Critica & Doutrina, 1925) / Urbino de Freitas (4 peças "para a história de um dos mais célebres processos jurídicos portugueses")
terça-feira, 27 de abril de 2004
O Inquieto Blasfémias
Alguns dos nossos bloguistas asseveram, ao longo dos seus posts, curiosos argumentos e interpretações, alguns bem delirantes, em torno do 25 de Abril e do seu posterior desenvolvimento. Parece que de repente todo o mundo deu em “historinhador” tal o uso virtuoso desse antiquíssimo modo de ser português: imaginação excessiva ou simples provincianismo, para citar Pessoa.
Partir daí para ladrilhar teorias com fundamentações mais ou menos mecanicistas, verbosas e maniqueístas, reconstruindo os acontecimentos, ainda bem recentes, a seu belo prazer, é um passo que não sabem resistir e teimam em exibir. O passado histórico é visto, quase sempre, como motivo teatral, dado que o “teatro” histórico é um simples desfile de figurinos sem que as estruturas socio-económicas e as suas correspondentes relações estejam presentes. Curiosamente, a uma vulgata marxista reaparece, agora, uma nova gramática pós-moderna assente numa interpretação da história com base numa “lógica dum poder pessoal” (exemplo disso mesmo é o olhar de VPV), sem que as relações sociais e económicas existam, as ideologias elucidem, o direito configure ou os jogos geoestratégicos e políticos determinem. A probidade desta enunciação será muito excitante para alguns, mas jamais permitirá que se diga que o 25 de Abril não foi essa “exemplaridade democrática” que nos conciliou connosco e com as nações civilizadas, nem que seja este “país habitável de todos” (EL).
O Rui d'O Blasfémias é um indivíduo investido de uma missão: deixar sair a acidez e o azedume que lhe vai na alma. O mal do Rui, já se vê, é estomacal. O seu post tem a acção que tem, pois ao que alvitra o 25A nasceu morto. Pax à sua alma, portanto.
No entanto, a novela reescrita do 25A pelo Rui – apesar de ser uma alvoroçada historieta pouco sublime – levanta um conjunto de questões, a saber: poderia uma "nova geração de políticos", saídos do regaço Marcellista, ter contribuído, com a sua chamada ao poder, para que a história do país fosse outra? Mas de que "nova geração de políticos" se fala? Que "história" seria essa, assim tão grave e empolgante, que se reconstruiria a partir do poder fascista, supostamente desarticulado, sem rupturas ou radicalidades evidentes? Ou de outro modo, como se faria essa transição sem as conflitualidades que o 25A revelou?
Ninguém saberá. Regista-se, apenas, que se caminhou, com o esgotamento do modelo salazarista em 58, para uma maior radicalização de grupos sociais, políticos e de reflexão. Que não foi por mero capricho que surgiram as crises estudantis de 62 e 69, as greves da Carris, Lisnave, Bancários, TAP, etc…, ou as movimentações de alguma parte do clero, aqui e nas colónias. E que frente à impossibilidade de qualquer abertura politica e eleitoral, os sectores católicos (O Tempo e o Modo, sectores Sergianos, a JUC e a JOC, são disso exemplo), os economistas liberais, os da tertúlia em torno da filosofia portuguesa (perseguidos e expulsos do país), o Movimento Republicano Português, os movimentos oposicionistas de tendência socialista e comunista, os dissidentes do PC, a ala liberal sempre perseguida e vilipendiada, a SEDES, etc., todos eles sentiram, subitamente, a necessidade de mudar a sua praxis politica e radicalizarem o discurso e modos de actuação. Assim sendo, de quem se fala quando se fala em "nova geração de políticos" durante o Marcellismo?
Alguns dos nossos bloguistas asseveram, ao longo dos seus posts, curiosos argumentos e interpretações, alguns bem delirantes, em torno do 25 de Abril e do seu posterior desenvolvimento. Parece que de repente todo o mundo deu em “historinhador” tal o uso virtuoso desse antiquíssimo modo de ser português: imaginação excessiva ou simples provincianismo, para citar Pessoa.
Partir daí para ladrilhar teorias com fundamentações mais ou menos mecanicistas, verbosas e maniqueístas, reconstruindo os acontecimentos, ainda bem recentes, a seu belo prazer, é um passo que não sabem resistir e teimam em exibir. O passado histórico é visto, quase sempre, como motivo teatral, dado que o “teatro” histórico é um simples desfile de figurinos sem que as estruturas socio-económicas e as suas correspondentes relações estejam presentes. Curiosamente, a uma vulgata marxista reaparece, agora, uma nova gramática pós-moderna assente numa interpretação da história com base numa “lógica dum poder pessoal” (exemplo disso mesmo é o olhar de VPV), sem que as relações sociais e económicas existam, as ideologias elucidem, o direito configure ou os jogos geoestratégicos e políticos determinem. A probidade desta enunciação será muito excitante para alguns, mas jamais permitirá que se diga que o 25 de Abril não foi essa “exemplaridade democrática” que nos conciliou connosco e com as nações civilizadas, nem que seja este “país habitável de todos” (EL).
O Rui d'O Blasfémias é um indivíduo investido de uma missão: deixar sair a acidez e o azedume que lhe vai na alma. O mal do Rui, já se vê, é estomacal. O seu post tem a acção que tem, pois ao que alvitra o 25A nasceu morto. Pax à sua alma, portanto.
No entanto, a novela reescrita do 25A pelo Rui – apesar de ser uma alvoroçada historieta pouco sublime – levanta um conjunto de questões, a saber: poderia uma "nova geração de políticos", saídos do regaço Marcellista, ter contribuído, com a sua chamada ao poder, para que a história do país fosse outra? Mas de que "nova geração de políticos" se fala? Que "história" seria essa, assim tão grave e empolgante, que se reconstruiria a partir do poder fascista, supostamente desarticulado, sem rupturas ou radicalidades evidentes? Ou de outro modo, como se faria essa transição sem as conflitualidades que o 25A revelou?
Ninguém saberá. Regista-se, apenas, que se caminhou, com o esgotamento do modelo salazarista em 58, para uma maior radicalização de grupos sociais, políticos e de reflexão. Que não foi por mero capricho que surgiram as crises estudantis de 62 e 69, as greves da Carris, Lisnave, Bancários, TAP, etc…, ou as movimentações de alguma parte do clero, aqui e nas colónias. E que frente à impossibilidade de qualquer abertura politica e eleitoral, os sectores católicos (O Tempo e o Modo, sectores Sergianos, a JUC e a JOC, são disso exemplo), os economistas liberais, os da tertúlia em torno da filosofia portuguesa (perseguidos e expulsos do país), o Movimento Republicano Português, os movimentos oposicionistas de tendência socialista e comunista, os dissidentes do PC, a ala liberal sempre perseguida e vilipendiada, a SEDES, etc., todos eles sentiram, subitamente, a necessidade de mudar a sua praxis politica e radicalizarem o discurso e modos de actuação. Assim sendo, de quem se fala quando se fala em "nova geração de políticos" durante o Marcellismo?
domingo, 25 de abril de 2004
sábado, 24 de abril de 2004
Ditos & Alusões piedosas de "boa-fé"
"As tragédias dos outros são sempre de uma banalidade desesperante" [O. Wilde]
A vida está feia, dizem. O mundo perigoso. Uma desordem triste, evidentemente. E tudo é gratuito neste horror: a admirável crise económica, a ladainha da retoma, a banalização da guerra e da violência, a legitimação do poder pela fatalidade e corrupção, a arrogância dos totalitarismos, o espanto e o medo. Será abusivo lembrar a náusea retórica desses "homens pequenos" (J.M.B.) teóricos da guerra, do "bem" contra o "mal", muçulmanos ou ocidentais?
Não é o claro-escuro do messianismo imperial uma mixagem de fundamentalismo cristão, um "choque e pavor" das estratégias do complexo militar-industrial e, via EUA, uma combinação entre unilateralismo externo e autoritarismo interno, numa narrativa neoliberal a cair de tédio que tudo invade em acolhimento lisonjeiro? Ou do mesmo modo, não é o terrorismo e fundamentalismo integrista islâmico a desordem civilizacional, a intolerância demente contra a pluralidade de opiniões e modos de estar no mundo, o miserabilismo obsoleto e fanático que transmite uma filosofia politica hedionda e uma irracionalidade doentia?
É nesta reserva ou eco de dor, que alguns questionam, como pecado da audácia de serem livres num mundo embriagadamente perigoso, o penoso trabalho de outros em dissimular os seus compromissos totalitários - bem costurados, diga-se - em desafinadas e imprudentes charangas argumentativas em defesa da ocupação e da barbárie no Iraque, num desfiar de mentiras sucessivas sobre factos e argumentos que engendram em carpidas prosas jornalísticas. A tais falsificação grosseiras e de "má-fé" (Sartre oblige) que numa rajada nos arremessam, fervorosamente, os pregadores azougados do novo império ou "exército do bem" - José Manuel Fernandes, Luís Delgado, Fernando Gil, Pacheco Pereira e outros - é de bom tom retribuir com um penhor de gratidão, uma voz harmoniosa e civilizada, uma altaneira e nobre saudade dos tempos em que a alegria de viver se confundia com uma ética, qualquer que ela fosse. Porque nessa "mentira sem mentirosos", a imprudente e vaidosa actividade de estamparia levada a cabo pode ser um mero espectáculo enternecedor de assombrosa "má-fé", mas nunca nos poderá impedir de preencher essa condição de estarmos condenados a sermos livres, mesmo que o homem "seja apenas o seu projecto".
Jornal do Centro [nº 1, 1970 – ?] – Jornal mensal "por um homem novo numa sociedade nova", com apartado na Pampilhosa (perto da Mealhada), director Ângelo J. A. Campos e redactores Rui Carvalho, Augusto Oliveira e Carlos Cabral. Colaboração de António J. Fonseca, Carlos Marinheiro, Cipriano Pires, Joaquim A. Leal, Jorge Cardoso, L. H. Afonso Manta, Manuela Neves, … Esteve ligado a grupos de tendência maoista, tendo apoiado a FEC-ML nas primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril.
"Memórias de Américo Tomás" (II)
[Despacho número Cem] "Na comemoração de um dos aniversários do Despacho número Cem, tive ocasião de proferir o seguinte discurso:
«Comemora-se hoje em todo o País a promulgação do Despacho número Cem, um texto de grande importância para a Marinha Mercante de Portugal, e a que foi dado esse número, não por acaso mas porque ele vem na sequencia de outros noventa e nove anteriormente promulgados" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]
[O Cinema] "Eu gosto muito de cinema. Quando era novo gostava de ir ao cinema. Embora quando eu era novo, houvesse pouco cinema. Havia um piano, e atrás havia um comboio que chegava a uma estação e havia um filme muito celebre que se chamava «O arrozador arrozado».
Depois disso, o António Lopes Ribeiro, que eu tive o gosto de condecorar, fez «O 28 de Maio», em que havia um russo vestido de branco que vendia tapetes, e havia um português que vinha da Rússia para derrubar o Prof. Oliveira Salazar, à bomba.
Também gostei muito do «Ben-Hur», que via sempre que ia inaugurar a árvore de Natal do cinema S. Jorge, que era dirigido pelo sr. Cecil B. de Mille.
Prefiro cinema a cores, porque é o único cinema que dá as verdadeiras cores do mar que são, como se sabe, o azul ferrete e o branco das velas dos barcos à vela" [ibidem]
[O 25 de Abril] "Só soube do 25 de Abril em 26 de Abril. Isto é, escapou-me a data. No dia 24 de Abril tive, por instantes, a percepção de que no dia seguinte seria o 25 de Abril, embora na altura, não lhe emprestasse nenhum significado especial. Significado especial emprestei-lho a 26 de Abril, embora, nesse dia, já fosse tarde." [ibidem]
A Cantiga é uma Arma!
"As cantigas de teor politizante tiveram um papel de relevância politica na formação de toda uma consciência anti-fascista ao longo de, pelo menos, os últimos treze anos (1961-74) da ditadura terrorista de Salazar-Marcelo.
O cantor era – é! – acima de tudo, um militante, um agitador. As situações em que ele podia cantar nada tinham a ver com a segurança e a amenidade de uma sala de espectáculos. Em definitivo, a concepção de «show», de recital, é totalmente estranha à realidade da actuação do cantor de intervenção neste país.
Poder-se-á situar o aparecimento da canção de contestação nos anos 1961-62, revestindo uma forma de ruptura com as tradicionais cantigas dos estudantes de Coimbra, os fados. Os textos reflectiam a revolta contra a guerra fraticida que o povo português era obrigado a praticar em África (…). José Afonso é o iniciador do movimento, logo seguido por Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire. Mais tarde viriam, da emigração, os testemunhos de José Mário Branco, Luís Cília, Sérgio Godinho, Tino Flores, e, dentro do país, Vitorino, José Jorge Letria, Pedro Barroso, Francisco Fanhais, José Barata Moura, Aristides, o Grupo de Acção Cultural, Fausto. (…)" ["O papel do cantor de intervenção em Portugal", opúsculo s/d, n/l, 1974 (?)]
Subscrever:
Mensagens (Atom)