quarta-feira, 7 de março de 2007


Na Morte de Miguel Baptista Pereira (1929-2007)

A surpresa da morte de Miguel Baptista Pereira, quando o céu da manhã de ontem era medonho e o delírio do mundo porfiava, rasgou de vez qualquer virtude ou entusiasmo que tivéssemos para o dia. A morada solitária do filósofo, o seu génio luminoso, a dignidade moral e intelectual do dr. Miguel Baptista Pereira era uma evocação dolorosa. Inultrapassável. A sua perda deixa-nos mais sós, mesmo que a sua vida e obra (profunda, reveladora e perturbante) seja inigualável de atenção e vigorosa de esperança. A nobreza intelectual do dr. Miguel Baptista Pereira será, para todos os que o conheceram e o leram, sempre eterna.

«Na 'insuportável leveza do ser' calcorreada pelo caçador contumaz, que trocou a experiência cusana de sabedoria pela sofreguidão iluminista das evidências e sacrificou a gravidade do real à aferição e medição imponderáveis e levíssimas da consciência mensuradora, apagou-se já o pensar no sentido originário de pesar a densidade e a importância das coisas, da vida e do homem, cuja ausência é a dor primeira da consciência ecológica. Pensar é também não deixar morrer no esquecimento o que, apesar do seu peso e valor, não resistiu à voragem da morte, é manter viva na rememoração e na narração a herança do que vale, é agradecer o peso dos bens legados a fundo perdido e fazer da gratidão o terreno fértil de novas criações do pensamento» [Miguel Baptista Pereira, in Nota de Abertura, "Da Natureza ao Sagrado", Homenagem a Francisco Vieira Jordão, Porto, 1999]

Miguel Baptista Pereira nasceu a 10 de Maio de 1929, foi ordenado sacerdote em 1953, dedicou-se ao estudo da filosofia, tendo sido ilustre professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se jubilou. Publicou obra copiosa, principalmente, em revistas da especialidade (aqui e no estrangeiro), a par de alguns livros ou opúsculos. Em 2000, saiu o "Ars interpretandi: Diálogo e tempo - Homenagem a Miguel Baptista Pereira”, coordenação de Anselmo Borges, António Pedro Pita e João Maria André, Porto, Fundação António de Almeida.

segunda-feira, 5 de março de 2007


Alface (1949-2007) Escritor excelentíssimo - por Vasco Santos

Quando Alface morreu, na súbita noite de quinta-feira, o Campo Pequeno continuava económico lá fora e o tempo era favorável, caloroso, na comunidade de leitores que, devagar, o descobriam.
Os gregos chamavam kairos ao momento oportuno, ao tempo distenso, aquele em que a vontade dos deuses e dos homens se encontra e o sujeito assume a absoluta figura do seu destino. (Assim era.)

(...) Por detrás das suas sete dioptrias Alface topava-nos na nossa lusa alma de barata com pessimismo, ironia e superior inteligência. Em resumo: palavra festa brava. Alface escreveu, ainda, para jornais, publicidade, rádio, televisão e cinema sem nunca desvirtuar, no gosto da escrita, a liberdade que considerava ser a sua essência e justificação.

O João Carlos foi um homem livre e generoso. Era mordaz e, havia dias, um céptico quase pirrónico. Possuía um humor swiftiano, desconcertante e lúcido e aristocrático.
Dançava.
Gostava muito do Alentejo, do Benfica, de ler. De ler por exemplo o Gombrowicz, o Maurice Pons, mas gostava também da Associação Pedrista de Montemor-o-Novo e da boa cozinha destas terras. Era um ouvinte delicado.

Habitava-o uma humanidade que a inteligência não destruía. Talvez por isso não tenha acabado os cursos de direito e psicologia preferindo uma lateral ars de viver.
Aprendi muito com ele. Diverti-me muito com ele. (Só não gostava apaixonadamente de gatos, algo que nos separava). Foi dos meus autores o mais leal, o mais justo. E nunca usou grandes sapatos no escritório.

Tinha um narcisismo de vida e gostávamos de jantar em família, a sós, ou com o Carlos Coelho Campos, o Victor, o Bicker e muitos outros. O Alface tinha uma disponibilidade imensa e muitos amigos, muitas amigas.

Ele faz-me muita falta. O Alface faz-nos muita falta.
E só não faz falta à literatura portuguesa porque escreveu depressa e partiu cedo, sem prosa algaliada a atravancar a loja, pelo que os seus livros vão andar muito tempo por aí, numa luminosidade inconveniente.

[João Carlos Alfacinha da Silva, Alface (1949-2007) Escritor excelentíssimo, por Vasco Santos (Editor da Fenda), in Público, 5/03/07 - sublinhados nossos]

A morte que entre

"Mal caiu à cama , o avô mandou chamar por mim, mas não me encontraram porque estava escondido no sótão a espreitar a sopeira que ensaiava ao espelho poses lascivas numa roupa interior de folhos e rendinhas que eu lhe oferecera estoirando as mesadas dos últimos seis meses e que o avô fizera o favor de adquirir em meu lugar na Loja do Povo, não sendo portanto de espantar que o cinto de ligas e as meias de vidro, tal como as cuecas vertiginosas e o sutiã blindado lhe assentassem às mil maravilhas na impudícia carnal. Oh impudícia, oh mor glória!

A tratante fingia ignorar a presença do menino no acre armário de madeira, esgazeado com o cheirete a naftalina que ensopava aventais, batas e fardas de gala, e ela dava o cuzinho repolhudo e empinava as mamas, estirava o pescoço e as coxas, afagava a redondice da barriga e a rolice dos ombros, tudo para ver se acabava comigo, a realíssima putéfia. Só vista.

Ninguém diria, mas ninguém diria, olhando os olhos e as carninhas dominadoras, que aquilo era pouco mais que uma miúda, fresco produto campaniço (...)

Avô, posso ver-te morrer?
Se te portares bem.
Também posso morrer contigo, avô?
Vive antes comigo, miúdo.
Tens mesmo de morrer?
Por mim não tinha.


(...) Avô, será verdade?
O quê, miúdo?
Que o céu está cheio de gajas boas?


Esteve para aí dez minutos a rir, o avô. Não parava. As lágrimas corriam-lhe em bica pelo carão abaixo. Cataratas.

Acorreu a enfermeira e vá de rir histericamente, como veio a família em peso e não tardou que as gargalhadas deles fizessem chocalhar o lustre do tecto. As tias velhas agarravam-se às velhas barrigas inchadas, os primos do campo uivavam e batiam as botas no soalho azinho, a sopeirinha mijou-se, o Gastão desatou a soltar inconveniências e ouviu-se milagre, o mudo fala.
Diz-se tudo.
Não repararam foi que o avô tinha deixado de rir. Ele e eu.
O avô tinha nos olhos o sorriso mais bonito que se pode ter. Sempre teve. Fitava-me a direito. De tanta ternura é que morreu"

[Alface, in O Fim da Bichas, Fenda, 1999]

sexta-feira, 2 de março de 2007


O reino do eng. Belmiro

O negócio da OPA da Sonaecom sobre a PT terminou. A Assembleia Geral da PT rejeitou há minutos a desblindagem dos estatutos da empresa e após peripécias de grande martírio para o grupo Sonae, que sai sem nobreza alguma de todo o processo. Os grandes vencedores foram Henrique Granadeiro, a estratégia internacional do grupo PT, os seus accionistas, investidores financeiros e trabalhadores. De algum modo, o espectáculo que nos foi dado observar nos media, onde se assistiu à mais subserviente lavagem (leia-se o jornal o Público e atente-se no papel desempenhado pelo sr. Carlos Tavares) visando o confisco da opinião pública (como se os accionistas & investidores fossem, assim, desta forma influenciáveis por análises encomendadas, sem nenhum rigor analítico) face à mais organizada e "desonesta" das propostas havidas nos últimos anos, explica como Portugal é um país de anões a brincar ao sério. A presuntiva sanha especulativa do eng. Belmiro, seguindo aliás a sua máxima de sempre de confundir para reinar, finalizando numa derrota sem glória, vai deixar marcas. O eng. Belmiro é dessa casta de homens onde a vingança segue sempre dentro de momentos. Esperemos que haja bom senso, para que o efeito boomerang disto tudo não seja destruidor. A todos os intervenientes. A ver vamos.

Cartas Jocosas

[da Revista Feira da Ladra, tomo I, retiramos a carta anónima (Guilerme da Serra Madeira, seculo XVIII ?) que se segue, recolhida do espólio de Martinho da Fonseca. Trata-se, como é dito, de uma "declaração" a uma senhora por parte de um "oficial de carpintaria" e que resolveu, para o fim passional almejado, utilizar o encanto de escrita de "todos os instrumentos da sua Arte".

"Minha Senhora, por certo que entendia eu, que chegando a avistar a avultada estancia da sua formosura, acharia nella os compridos barrotes dos seus favores, e as maiores vigas das suas finezas, mas, como so encontro com as duras taboas da sua esquivança, quanto mais lhe metto a serra da minha firmeza afiada com a lima da minha deligencia, entao tópo mais com os duros nós dos seus desprezos, os quaes fazendo estalar a folha da minha ventura, me fazem quebrar a corda da minha esperança; pois quando me julgava subido aos altos andaimes da sua estimaçaõ me vejo precipitado das ripas da sua tyrania, e posto no chaõ do meu abatimento, onde junto ao banco do meu triste fado, escavando com a enxó da minha desgraça, os contínuos serrafos do meu cuidado, a pesar da juntura da minha efficacia, faço em cavacos o meu coracaõ; espalhando-os pela terra das minhas tristezas, alli lhe pega o fogo do meu zelo, e ardem em labaredas as aparas da minha lembrança, deixando as vivas brazas em cinzas, para o meu esquecimento ..."

[in revista Feira da Ladra - ler aqui toda a carta, tomo I, p. 72-75]

Feira da Ladra on line

A revista mensal ilustrada - Feira da Ladra [1929-1940]-, hoje rara, dirigida superiormente por Cardoso Martha [1882-1958], e que tem artigos estimadíssimos de arqueologia, genealogia, heráldica, história, literatura & outras curiosidades, com colaboração de Gustavo Matos Sequeira, Luís Chaves, Henrique Campos Ferreira Lima, Luciano Cordeiro, Fidelino Figueiredo, Rocha Madahil, Julieta Ferrão, entre outros ... está disponível integralmente on line.

Eis mais um inestimável serviço público, prestado pela Hemeroteca Municipal de Lisboa. Ler e fazer o download, aqui.

quinta-feira, 1 de março de 2007


Aniversários ... muitos!

"Lembro-me de tudo como se fosse hoje / as crianças brincavam nos jardins" [M.C.V.]

Andamos desaustinados [i.é. sem o velho e estimado austin, ali ao canto superior] e longe dos tumultos da blogosfera. A nossa alma, imperecível de dissidências escrypturais e decerto sem a virtude da gratidão, não se tem alimentado das boas postas que fulminam o éter virtual indígena. Falta de ardor, copulação a mais (ou a menos, cum laude), fogosidade leviana, que sabemos nós. Por isso, deixámos sem a devida vénia alguns dos nossos observatórios ilustres. Imperdoável!

Queremos agora balbuciar (se nos for permitido!) o maior dos parabéns, revestidos de felicitações, pela passagem de mais um annus de impetuosas prosas (Ai! de nós ... fugaces labuntur anni) aos lúbricos da superstição liberal - o Insurgente; aos sábios do Blasfémias (com mas gran sosiego ao fulminante J. M., pelas arengas afinadas junto do túmulo liberal) e mesmo que o ano lhes tenha passado por cima; e, à guisa de júbilo, oferecemos o nosso testemunho de reconhecimento ao orador, puríssimo de eloquência e robusto de sentimentos, o nosso Um Blog Sobre Kleist. Graças!

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007


Vasco Pulido Valente: o explicador

"A crítica dos jornais consegue ... exprimir como o criticado está para com o crítico" [K. Kraus]

Vasco Pulido Valente tem o talento que a sua prosa (explosiva) fabrica, mesmo que a argumentação seja "curta" e o entusiasmo excessivo. Eloquente na reprovação, genial nos (des)agravos, desconcertante no expediente, não cede (presume-se que ainda pratica) à criadagem dos fúteis, à devassa melada dos jornaleiros, às tonsuras dos políticos. No Vasco há uma beleza (ácida) de escrita, um encantamento astucioso, uma ventura e humor inconfessável. Nunca foi guardião de políticos ou jornalistas e por isso meio país indígena foi engordando com os "caldos" do camarada Vasco. Mesmo assim, o nosso maître-à-penser não deixa, para o bem e para o mal, de ser um caso de estroina divertido, do mesmo modo que é um dos maiores colunistas, "neste país de putas respeitosas" [VPV].

Mais recentemente, num momento menos feliz, VPV contraiu a doença da ingenuidade e que a sua assumida repugnância não revelaria. O irreprimível gozo de ser o explicador do sórdido do Estado (esse bombo da festa), tanto que até fez o sr. Arroja tornar do além salazarista, começa a fantasiar anodinamente as suas croniquetas semanais. Como outros, deu-lhe para a miudeza da estratégia política e para a sugestiva ressuscitação da presumida garotada liberal nativa. Expliquemos.

Em tese - no Público, de domingo último - o romântico camarada Vasco pensa que um Paulo Portas "mais tranquilo", benevolente aos costumes (liberais) e à prática democrática, exaurido da costumeira vaidade pacóvia e definitivamente afastado que estaria da conhecida "animosidade" que suscita, numa mão exibindo um cardápio fora do "liberalismo diletante" e na outra o cartório pátrio-cristão, seria (ad gloriam) um serviço público prestimoso à direita e ao país. Não se imagine que foi fácil, ao nosso Vasco, dar uma de explicador. Mas a coisa, por imperfeita que seja, teve o proveito de fornecer "livre trânsito" à rapaziada liberal que pulula na blogosfera e, decerto, ao inefável José Manuel Fernandes & Cia, provocando um vertiginoso labor de escrita e um pronunciamento hormonal perigoso.

Ora tudo isso é absolutamente absurdo, mesmo que tenha a graça do próprio Vasco. Mas até se pode compreender. Suspirar, em puro exercício venatório, por mais um partido (certamente temível) réplica do atulhado PSD e faceto do bufante PS, mostra a grandeza ardilosa do vero génio. Teremos, pela humorada e autorizada explicação do camarada Vasco à varanda do Público, paródia para muitos anos. Estamos inscritos.

Centenário da Questão Académica - Coimbra 1907

"Abaixo a Universidade Fradesca, a Universidade Inquisição

A Universidade de Coimbra não viverá enquanto não morrer. A Universidade de Coimbra, verdadeiramente, já não vive. A Universidade de Coimbra é um espectro, é um corpo gangrenado, é um foco de infecção, é uma vergonha, como documento da nossa civilização ...
"

[in Suplemento do Jornal de Coimbra, A Verdade, 27 de Fevereiro de 1907]

O Almanaque Republicano comemora, a partir de hoje, o Centenário dos célebres acontecimentos que, a partir do movimento académico em Coimbra e na sua Universidade, agitaram o país e inquietou seriamente os diferentes poderes, arrastando consigo repercussões políticas graves e insanáveis. Na Questão Académica de 1907 ou na Greve Académica de 1907, há toda uma geração académica ilustrada, entusiasta e fraterna, que com a maior das generosidades e espírito livre, participa significativamente na 'gestação' da mudança que se verificaria anos depois. O conjunto de homens que participaram nesse conflito académico e que ousaram exigir a 'reforma' da sua Universidade, de tão ilustres, falam por si. Iremos, por isso mesmo, assinalar aqui, devidamente, essa data histórica. Porque o assunto é de maior interesse, estimação e actualidade.

[via Almanaque Republicano]

O Homem que trocou a alma

[texto de Raul Proença sobre Salazar, e oferecido em oração pela alma do sr. eng. Sócrates e dos seus acólitos]

«Um teólogo destituído de toda a visão política, como 999 999 por 1 000 000 dos técnicos (o técnico deve servir o político, mas não deve dirigir a política), mas a sua violência, a sua tirania, o seu 'diabolismo' não derivam do seu temperamento. Derivam do regime em que ele vive. Ele foi devorado pela engrenagem. Ele adquiriu a psicologia do sistema. Ele tornou-se, não já o sustentáculo, mas a pessoa mais interessada em que a D.[itadura] dure. O regime modificou os homens. Pensou-se que assim não era. Pensou-se mal. É da mais elementar psicologia pensar o contrário. Os regimes criam situações de facto, que não podem deixar de influir sobre os homens, de lhes criar uma mentalidade especial. Um homem que uma vez aceitou o exercício do poder absoluto, identificou-se com ele até ao fim dos fins. Não tem mais mão em si. Deixa-se revelar pelo pendor da autocracia até à queda final e catastrófica. Esse desgraçado técnico, que entrou para o poder para fazer técnica, viu-se, pois, dentro em pouco, vítima da sua tola imprevidência, tornando-se 'político' por virtude de posição. O caso da transformação deste técnico em político é o mais comezinho que se pode imaginar. E eu só teria piedade desse desgraçado político malgré-lui, se os malefícios que ele tem ocasionado ao país não fossem de natureza a impedir toda a ausência de comiseração [sic]

(...) Quem transige em governar com poderes absolutos vende a alma ao demónio"

[Raul Proença, O Homem que Trocou Alma (inéditos de R. P. sobre Salazar, in Revista da Biblioteca Nacional, 2, 1992]

sábado, 24 de fevereiro de 2007


Pátria assim!

"Para se amar uma pátria assim, com tal pompa e tal doçura,
com tamanha e tão delicada memoria de ternura,
será preciso que ela seja escrava, ao mesmo tempo, de um passado
glorioso, e de um presente cujo escândalo seja
em vileza diária a demissão de um povo, à culpa do estrangeiro
que reinará nos palácios e nas praças, usurpando o verdadeiro
senso de que só escravo se torna quem o era já.
...
Mas nós não temos de estrangeiros outros mais que nós. Não dá
portanto o que pensamos para tais doçuras.
Pois de nós mesmos - porcos - não brotam pátrias puras"

[Jorge de Sena, in 'Má Vlast', de Smetana, in Poesia II, Moraes, 1978]

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

In Memoriam José Afonso



"de um outro lar ou pátria ou céu ou nada" [Jorge de Sena]

Elucidário político

[para um bom uso do dicionário, conforme preito de JPP]

- Governo, O que manobra o aparelho de Estado, e que para isso tem de dar provimento aos seus clientes, à sinecura indígena || Amantes do Estado, essa prostituta (in, J. P. Machado) fina e que fazem muitos arranjinhos pelo território (não confundir a acção com aquela do governeiro prof. Carmona, de Lisboa). || Diz respeito à governança quando está possuído pela D. Maria, do Botas de S. Comba. Neste caso, fala-se em ser boa governadeira || Dizem que muitos governicham por aí (caso de Santana Lopes) e aqui mesmo (versão Sócrates) || Não consta que governismo e gonçalvismo sejam a mesma coisa, mas esperamos a doutrina do sr. José Manuel Fernandes para esse governatório || V.r. Servir-se, arranjar-se, fazer pela vida (os da Refer, dizem, são muito bons). || Diz-se: está-se governado, que é o mesmo que dizer que se está fecundado. || Governar a meio, designa-se o governamento do sr. eng. Sócrates || Fala-se em governatriz, quando se tem qualidades para governar, mas não deve haver confusão com meretriz ou cortesã. || Governista, é quando se tem um José Lello dentro de si, a incomodá-lo. || Governador, é o freguês da paróquia (ver Carmona Rodrigues). || Estar de cavaco emprega-se quando o governo, em putativo leito de rosas, está de amena cavaqueira com o dr. Cavaco Silva.

- Ministério, (do lat. Ministeriu-). Trabalho manual, profissão, emprego, talento de ministrice ou do cargo da ministrança. || Designa, por vezes, a organização secreta conseguida entre o sr. Sócrates, o sr. Costa e o sr. Silva Pereira. || Ministrar usa-se quando algum colunista glosa o partido do governo. Exemplo: o fornecedor do eng. Sócrates e que saiu do pelico para ministrar, é o virtuoso Vitalino Canas || Quando os ministradores são meros serventuários dão ao nome de Manuel Pinho, Correia de Campos ou Lurdes Rodrigues. || Entrar na ministrice traduz o trabalho do sábio dr. Aberto Costa || Ministraria designa um exercício de ministros em versão power-point || Ministerialista quer dizer partidário e incondicional do governo, vulgo José Lello. || Ministério é também expressão que significa o raminho de ministros (quando ministras podem ser apenas mesinhas-de-cabeceira) à volta do eng. Sócrates, e que administram a coisa própria e a alheia. Se forem ordinários vêem de deputados, se são extraordinários, não se dão por eles. || Diz-se: haver-se como ministro (o mesmo que menestrel quando trovam na economia, nas finanças ou na educação) ou quando se ministrifica, o que é o caso de Correia de Campos. || Alguns ministros ou ministeriáveis são ministrículos, o que equivale a ser o nosso peão das nicas. || Por vezes diz-se, curiosamente, de um ministro com incontinência verbal que "deu-lhe água de cu lavado" em pequeno, o que é de fácil verificação.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007


[Ainda] Leilão da Leiria & Nascimento

Lá em cima, mestre Noronha da Costa, Luís Pinto Coelho e Hogan. Boa sorte!

Leilão de Antiguidades, Pintura Moderna e Contemporânea, Objectos de Arte e Jóias - 27 Fevereiro 2007

No Palácio das Exposições da Tapada da Ajuda, vai decorrer um Leilão de Antiguidades, Pintura Moderna e Contemporânea, Objectos de Arte e Jóias, sob direcção da Leiria e Nascimento, no dia 27 de Fevereiro, às 15 H e às 21 H. Catálogo on line.

Boletim Bibliográfico 34 da Livraria Luís Burnay

Saiu o Boletim Bibliográfico da Livraria Luís Burnay (Calçada do Combro, 43 - Lisboa). Peças há muito esgotadas, estimadas e raras.

Algumas referências: Álbum do Zé Povinho do Povo, 1908 / Antologia da Poesia Erótica e Satírica, sel. pref. e notas de Natália Correia, Afrodite, s.d. / A Maçonaria Iniciática, de João Antunes, 1918 / Arte Nova, e Curiosa, para Conserveiros, Confeiteiros, e Copeiros, ..., 1788 (raro) / Arte Portuguesa: arquitectura e escultura, de João Barreira, s.d. / Lições de Cousas, por Ladislau Batalha, s.d., II vols / Estimulo pratico para seguir o bem, e fugir ao mal: exemplo das virtudes e vícios ..., do Pe. Manuel Bernardes, 1730 / A Gíria Portuguesa, de Alberto Bessa, 1901 / Cancioneiro portuguez da Vaticana, Lisboa, 1878 / Folhas cahidas apanhadas na lama por um antigo juiz das almas ..., de Camillo Castello Branco, 1854 (raro) / A Volta ao Mundo, de Ferreira de Castro, 1944, II vols / Catálogo da Livraria de Duarte de Sousa, 1972-74, II vols / Diccionario Chorográfico de Portugal Continental e Insular ..., por Américo Costa, 1929-49, XII vols / Culinária [vários lotes] / Livro das Fortalezas, de Duarte Darmas, 1943 / Portugal na Balança de Europa, ..., de Almeida Garrett, 1830 (raro) / História Completa da Inquisição de Itália, Hespanha e Portugal ..., Lisboa, 1822 / Chiquinho, de Baltasar Lopes, 1947 [romance cabo-verdiano estimado] / Lusíada. Revista Iustrada de cultura, arte, literatura, ..., 1951-1960, XIII numrs / Bello, de Teixeira de Pascoaes, 1896 [raro opúsculo] / Angola e Congo, por F. A. Pinto, 1888 / Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, 1952 (ed. estimada por A. Casais Monteiro) / A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiroz, 1900 / Relação das Exeqvias d'El Rey Dom Filipe, ..., 1600 (raro) / Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, 1859-1863, V vols / Lendas dos Vegetaes, por Eduardo Sequeira, 1892 (raro) / Real Confeiteiro português e brasileiro, de Sophia de Sousa, 1904 / Terra Portuguesa. Revista de arqueologia, 1916-1927, V vols [dir. Vergilio Correia] / Historia das Plantas da Europa, e das mais usadas que vem de Ásia, de África, & da América, ..., por João Vigier, 1718, II vols ["a mais antiga obra portuguesa sobre botânica", rara] / Arquivo do Conselheiro Luís Manuel de Moura Cabral [1763-1846]

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

JOAO ANTUNES - NOTAS E BIBLIOGRAFIA



O dr. João Antunes - Notas e Bibliografia

O dr. João Antunes, como foi dito, escreveu com rara inteligência, um conjunto apreciável de artigos (em revistas) e livros, sobre "conhecimentos que pela sua natureza se não devem vulgarizar". Trata-se, evidentemente, de temas ligados ao ocultismo (na sua versão primitiva, via Papus), cabalismo, esoterismo, teosofia, martinismo, teurgia, templarismo, maçonaria, carbonarismo, etc. Mas foi, particularmente, um grande mentor do pensamento teosófico, quando este estava ainda (por cá) no seu começo, tendo sido um dos fundadores (e primeiro presidente: até 1924?) da Sociedade Teosófica de Portugal [STP], nascida em 1921 [juntamente com Silva Júnior (secretário-geral e presidente a partir de 1924?), Oscar Garção, Berta Garção, Francisco Esteves da Fonseca, Artur Nascimento Nunes, Domingos Costa, Maria O'Neill].

João Antunes conhece, estuda e divulga os grandes iniciados, de Hermes Trismegisto aos pitagóricos e mestres gnósticos, passando por Besant, Elifas Levi, Blavatsky, Guaita, Leadbeater, Peladan, Huissmans, G. Encausse (ou Papus, grão-mestre martinista), Saint-Martin, recorre até a Filon, Dante, Leonardo, Goethe. Conhece, portanto, a melhor (e, surpreendentemente, também a mais restrita) da bibliografia iniciática do seu tempo. Ao mesmo tempo convoca para as "ciências malditas" alguns autores ou adeptos lusos, incorporando-os na tradição iniciática portuguesa. Refira-se aos trabalhos feitos (ou às notas expostas) sobre Gil Eanes (ou Rodrigues) de Valadares, Colombo (vários artigos), Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Pascoal Martins (ou Martinez de Pasqualys, reorg. do cabalismo maçónico), Padre António Vieira, Visconde Figanière e Morão [um dos primeiros membros da S. Teosófica de Blavatsky e pouco estudado por cá], Leonardo Coimbra, José Teixeira Rego, Ângelo Jorge (da O. Martinista), Sampaio Bruno, Alphum Sair (pseud. de um sócio do Instituto de Coimbra).

Alguma Bibliografia: As origens historicas do Christianismo e o racionalismo contemporâneo, s.d. / O Hipnotismo e a Sugestão, 1912 / Hipnologia Transcendental, 1913 / Oedipus: As Sciencias Malditas, 1914 / O Espiritismo, 1914 / A Teosofia: estudo da filosofia sincrotista, 1915 / A História e a Filosofia do Hermetismo, 1917 / A Maçonaria Iniciática, 1918 / O Livro que mata a morte [de Mário Roso de Luna, em versão port. de J. A.], Ed. Isis, 1921 / O Ocultismo e a Sciencia Contemporânea, 1922

e colabora (sendo director) na revista Isis [Revista de Questões Teosoficas e de Sciencias Espiritualistas, pertencente à Sociedade Teosofica de Portugal [1921-1922] e, do mesmo modo, na revista Eleusis [Revista Mensal Ilustrada de Cultura Filosófica – Janeiro 1927 a Março 1928, ed. da Livraria Clássica Editora].

Para terminar, e a fazer fé no que nos é dito (julgamos) pela pena de João Antunes, arquivamos o seguinte: "Está em organização a Sociedade Ocultista Portuguesa, filiada na Ordem Martinista" [in Eleusis, Maio de 1927]. Bem curioso. Fiquemos por aqui.

COLECÇÃO TEOSÓFICA E ESOTÉRICA


Colecção Teosófica e Esotérica da Livraria Clássica Editora

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

JOÃO ANTUNES [N. 10 FEVEREIRO 1885]

 

Dr. João Antunes [n. 10 Fevereiro de 1885-1956]
 
No passado dia 10 de Fevereiro, há 122 anos, nascia o dr. João Antunes, uma figura, hoje, estranhamente esquecida. Porém, foi relevante o seu trabalho (em Portugal) sobre a temática da tradição iniciática, do neo-espiritualismo, da filosofia hermética, teosofia e maçonaria, no começo do século XX. Espanta, de facto, que a copiosa obra (escrita) de João Antunes, publicada entre 1914 e 1928 (pelo que conhecemos), bem como a organização e direcção, que lhe cabe, da prestigiada Colecção Teosófica e Esotérica, ou Biblioteca do Teosofista - publicada pela Livraria Clássica Editora, de A. M. Teixeira & C.ª (Filhos), situada na Praça dos Restauradores, em Lisboa -, seja hoje misteriosamente sonegada. A tribo ligada ao debate ocultista, tão célere na propaganda e no devaneio de excêntricas figuras que nada acrescentam à trama espiritual da Lusitânia ou ao trabalho iniciático luso, resta um túmulo.

Compreende-se! Afinal uma boa parte do trabalho que dizem ter feito, saído (asseguram) inteiramente das suas cabecinhas pensadoras, provém, afinal, das profusas notas e reflexões de João Antunes. Porque não se crê que o que quer tenha ocorrido ao longo do seu percurso profano, possa, por si só, não merecer a estima dos trabalhos que nos legou e, em parte, explicar o silêncio de agora.
O dr. João Antunes é pouco referenciado e citado. Existe uma pequena biografia na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (Verbo), saída da pena de Banha de Andrade. É dito aí que nasceu em Lisboa, a 10 de Fevereiro de 1885, e faleceu a 9 de Junho de 1956. Lê-se: "Cedo se dedicou ao estudo das denominadas ciências ocultas, sobre que escreveu várias obras na colecção 'Psicologia Experimental'. De 1921 a 1924 dirigiu em Lisboa a Isis, revista de questões teosóficas e de ciências espirituais, e a revista Eleusis (Lx., 1927 a 1928). Tendo abandonado o exercício das ordens sacra, não é difícil concluir das suas publicações".

Ora, curiosamente, a colecção que João Antunes dirigia, Colecção Teosófica e Esotérica, foi na sua grande parte objecto de tradução pelo vate Fernando Pessoa (que assinou, segundo alguns, sob o nome de Fernando Castro e, ainda, de M.C.). Trata-se de, pelo menos, de 10 obras, e entre as mais conhecidas temos: a tradução do Compêndio de Teosofia, de Leadbeater; os Auxiliares Invisíveis, a Clarividência, do mesmo Leadbeater; os Ideaes da Teosofia, de Annie Besant; um curioso livro (1916), que é o nº VIII da Colecção, 'Luz sobre o caminho e karma', atribuído a M.C. (?), e com tradução de Pessoa; outro (ainda enigmático) intitulado 'A Voz do Silêncio: e outros fragmentos do Livro dos Preceitos Aureos', nº V da colecção, com tradução (para o inglês) e anotado por H.P.B., e versão portuguesa de F. Pessoa. É, ainda, possível que a tradução ao livro de Besant, 'No Recinto Externo' (1917, nº 9 colecção) e a de 'Cartas de Outro Mundo' (1926, nº X colecção), ambas traduzidas por Ellen Thorn Machado (?), sejam do próprio Pessoa. Quer dizer que, a maioria das obras saídas na colecção referida têm a participação de Pessoa, que, como se presume, conheceria bem o dr. João Antunes. Aliás as referências em F. Pessoa ao Martinismo, podem-se explicar pelo profundo conhecimento que João Antunes tinha, como estudioso ou, mesmo como alguns asseguram, como iniciado. Idem para as questões relacionadas com a Maçonaria e a Ordem dos Templários, que como se sabe é recorrente em Pessoa.

[a continuar]

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

DIZEM QUE ...


" ... o fim deste eftabelecimento he o de animar as Letras, e levantar huma impreffão util ao público pelas fuas producções, e digna da Capital deftes Reinos" [Alvará Régio de 24 de Dezembro de 1768]

"Soneto garantido por dois anos / E é muito já, leitor que mos compraste / para encontrar a alma que trocaste / por rádio, frigoríficos, enganos ... // Essa tristeza sobre pernas faz-te temeroso e cruel e tonto e traste. / Nem pior nem melhor que outros fulanos, / não vês a Bomba e crês nos marcianos ..." [de mestre O'Neill]

"Dizem que me Junqueiro, que me tolentino
a até que me Paulino,
que tenho tudo e todos no ouvido
e não sou nada original
" [Alexandre O'Neill]


“"Fomos um para o outro todo um mobiliário ritualmente manejado e algumas vezes a missa foi recíproca muito embora não chegássemos a entrar nesse ar maravilhosamente rarefeito que é o próprio dos grande amantes e que fez subir o quarto onde eles têm a vida por um fio por um mesmo fio para fora de qualquer murmúrio que da vida corrente teime em vir" [ainda ... O'Neill]

"Há a mulher que me ama e eu não amo.
Há as mulheres que me acamam e eu acamo.
Há a mulher que eu amo e não me ama nem acama.
...
Upa garupa na mulher que me acama,
que a outra é contigo, coração que bem queres
sofrer pelas mulheres ...
" [de novo O'Neill]


Boa noite!

domingo, 11 de fevereiro de 2007


O referendo ao aborto

"O pátio está cheio de gente clamorosa" [M.V.C.]

Não tagarelámos aqui sobre o aborto. Não porque nos fosse indiferente, mas sim porque a cacofonia e a lamúria que se assistiu era pouco saudável. Os putativos heróis "defensores" das mulheres, um grupo de toleirões castos juntos com melífluas mulheres e outros tantos aparelhados ao delicioso raminho liberal - agora em trabalho de parto aos valores edificantes do Estado -, produziram uma escanifrada discursata, grosseira por vezes e hipócrita sempre, que não aturamos. A sabatina atingiu, por vezes, apetites vorazes. As sentenças condenatórias do abominável César das Neves, a avinagrada opinião de Laurinda Alves, os exorcismos cristãos do imortal prof. Arroja, do dr. Bagão Félix ou a ladainha descomunal de Assunção Cristas ou Graça Franco, todos urrando em estilo vergonhoso e arrogante, se bem que esclarecedor, são de enorme cansaço intelectual. Se não fosse a tragédia do aborto clandestino, que esses requintados histéricos irresponsavelmente defendem, seria um pastiche curioso. Mas o modo como a pragmática (reaccionária) foi assumida - de tão verbosa foi - e as bafientas argumentações então surgidas, vindas do raminho perseguidor de mulheres, impressiona negativamente. Por isso mesmo - e pelo que se sabe nas sondagens eleitorais - o eleitorado deu-lhes a devida resposta. A tolerância tem sempre limites. E mesmo que o flagelo do aborto clandestino não acabe de vez (nunca será possível) ou mesmo que se pressinta dúvidas (absolutamente fundadas) nas capacidades do dr. Correia Campos para a missão, pode-se dizer que a cidadania está, momentaneamente, de regresso. Ainda bem.

EM PORTUGAL


"Na mediania é que está a sensaboria, já lá (não) diz o provérbio. Em Portugal nada dura mais que quinze dias, quinze dias que podem ser muitos anos, claro. Como não temos vida colectiva intensa e não vivemos problemas comuns, os casos (excepção feita ao do Eusébio), como sucede noutros países, habituamo-nos muito depressa (e aborrecemo-nos) ao que é novo, diferente, Daí o nosso cepticismo de raiz e a estranha capacidade (?) de banalizarmos tudo. É que o novo não tem em nós consequências. È apenas vidrinho, uma missanga de cor diferente. O que nós queremos é que nos façam ó-ó"

[Alexandre O'Neill, in Alexandre O'Neill Uma Biografia Literária, de Maria Antónia Oliveira, 2007]

O Ministério da Educação

"Mais do que o TLEBS ser bem ou mal em si, o que importa é quem tentou implementar isso. Se o Ministério da Educação fosse um lugar credível para os professores, estes, os principais envolvidos em todo o processo, seriam capazes de dialogar e de intervir de modo a que se modificasse muita aresta mais incómoda. Os professores não precisam de interventores culturais a falarem por eles. São gente, na sua maioria, informada, dedicada e habituada ao diálogo transformador. O problema está em que desacreditaram de tudo o que possa vir de um ministério que os apoucou, aviltou e desautorizou. Um ministério que elegeu como inimigo a abater, diga o que disser na sua demagogia, aqueles a quem devia servir. Sobre este assunto já o Padre António Vieira se pronunciou, como talvez nos ministérios se não saiba.

Quotidianamente, a escola serve ao ministério para abater a autonomia do professor: nos horários em que o rouba, nas avaliações em que o conspurca, nas portarias em que o desumaniza. Perante esta situação de abate sistemático, esta via de desprezo pela vontade continua de aprendizagem e actualização, mesmo sem ter apoios económicos de lado nenhum, a que o professor geralmente gosta de se dedicar, esta espoliação do tempo para pensar e informar-se e ler e ir ao teatro e ao cinema e às exposições onde o melhor de si pode apreender o melhor dos outros, esta transformação do professor de educador e amigo dos seus alunos em criado de servir e bode expiatório do inevitável insucesso escolar: como há-de alguém querer interessar-se por qualquer proposta que surja de um declarado inimigo assim? TLEBS e outras situações existentes não perderam por causa das opiniões abalizadas que as atacam - e que eu estou longe de discutir aqui, tanto mais que em muitos casos concordo com essas opiniões. Perderam porque ninguém respeita nem pode respeitar um ministério como este que lhes caiu em sorte"

[Joaquim Manuel Magalhães, in Algumas Palavras, Expresso-Actual, 9/02/2007]

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007


Se queres ser bom juiz ...

"Se queres ser bom juiz,
ouve o que cada um diz.

Jamais ouças, entretanto
qualquer Espírito-Santo
dos tais chamados de orelha!
Mal te induz e te aconselha,
mantém-te surdo aos zumbidos
dos zângãos intrometidos
...
Juiz de facto ou de direito
nunca olvide este preceito
que a prudência lhe prescreve:
- Qual mulher de César, deve,
a-de-mais de honesto ser,
não deixar de o parecer
no que faz, ou diz, ou escreve"

[Alfredo da Cunha, Ditames e Ditérios. Glosas em verso de ditados ou dizeres comuns, Lisboa, 1930]

Catálogo LVII da Livraria Moreira da Costa

Saiu o Catálogo LVI da Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30 - Porto). Peças esgotadas, algumas raras. Pode ser consultado on line.

Algumas referências: História da Literatura Portugueza. Sá de Miranda e A Eschola Italiana, por Theofilo Braga, 1896 / O Comercio do Porto ao completar 70 Anos. Notas para a sua história, por Bento Carqueja, 1924 / Cartas de Afonso de Albuquerque, ..., TomoI a VI, 1884-1915 / Perfil do Marquês de Pombal, de Camilo Castelo Branco, 1882 / O Vinho de Porto processo d'uma bestialidade ingleza, por C. C. Branco, Porto, 1884 / A Gíria dos Estudantes de Coimbra, de Amílcar Ferreira de Castro, FLUC, 1947 / III Congresso Pedagógico do Ensino Secundário Oficial. Realizado em Braga (9-12 Jun. 1929), 1930 / Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente, de Natália Correia, Afrodite, Maia, 1981 / Revolução do Porto (31 de Janeiro 1891). Discurso de defeza pelo advogado José Alberto de Sousa Couto perante o Segundo Conselho de Guerra, 1891 / Anais, Crónicas e Memorias Avulsas de Santa Cruz de Coimbra, por António Cruz, 1968 / Decretos de 29 de Novembro de 1836 e 13 de Janeiro de 1837 que ... Reforma Judiciária, 1837 / Estatutos da Universidade de Coimbra Confirmados por el Rey ..., 1654 (raro) / O Sargento-Mor de Vilar (Episódios da Invasão dos Franceses em 1809), de Arnaldo Gama, 1863, II vols / Guia de Portugal, 1938-88, VIII vols / Jornal da Associação Industrial Portuense, II tomos, nº1 (15 Ag. 1852) ao nº 24 (15 Jul. 1854), LVIII numrs / A Nossa Casa, de Raul Lino, 1919 (2ªed.) / O Livro Azul ou Correspondência Relativa aos Negócios de Portugal traduzida do Inglez [trad. de Eduardo de Faria], 1847 / As Ideias Liberaes ultimo refugio dos inimigos da Religião e do Throno, por Joaquim José Pedro Lopes, 1823 (2ª ed.) / Conjunto importante de Miscelâneas (a ver) / A Patuleia. Catalogo dos documentos manuscritos que pertenceram a José da Silva Passos e ..., 1909 / Esclavage et Liberte ..., de Alph Ride, Paris, 1843, II vols (raro) / O Meu Adeus, por Afonso Lopes Vieira, 1900

domingo, 4 de fevereiro de 2007


Notas sobre o Colóquio: A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura

Está já, no Almanaque Republicano, um breve resumo das comunicações apresentadas no Colóquio "A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura: oitenta anos depois", realizado no passado dia 2, do corrente mês, em Coimbra. Nestes tempos em que a imprensa de "referência" tem copiosos fait-divers para elucidar os indígenas, pelo que está sempre ausente destes e outros eventos, eis um útil serviço público. A ler, aqui.

A semana que passou

... não tributámos a devida homenagem ao sr. Manuel Pinho & à sua "dissonância cognitiva". Não se cumpriu, portanto, os votos ardentes de alguns neófitos ledores. Estes, decerto com olhares errantes do muito viajar, tinham-nos honrado com a instrução privada de graciosas missivas. O sr. Pinho tem um grupo maravilhoso de anjos. E, porque andam folgados, buscando o prémio da reverência & o emprego do reyno, não nos desamparam a loja. Perfeito! São excelentes correios e para todo o serviço. Mas como se notou, a nossa escrita foi um túmulo. Na verdade, tulit alter honores. Apropriadamente, preferimos sorrir com os panfletos do comissário Fernando Madrinha e as pérolas do infalível Daniel Amaral, no Expresso do dr. Balsemão. São, um tudo ou nada, mais licenciosos. E, por demais, inqualificáveis.

Podem, assim, os nossos zeladores sócraticos acalmar a fúria e despachar o unigénito da economia para a ociosidade da Horta Seca. E, caros guardiães, descansai, e olhem que até o mestre Aquilino Ribeiro já dizia:"meu santo, é impossível despachar como requer". Até breve! Santa noite.

Leilão de Livros - 5, 6 e 7 Fevereiro 2007

Sob direcção de José Manuel Rodrigues (Largo do Calhariz, 14, Lisboa) vai-se realizar um leilão de "uma valiosa Biblioteca composta de livros e manuscritos postais e ex-libris, com destaque para a literatura clássica e modernista, historia de Portugal, dos Descobrimentos e do Brasil, Guerras Liberais, arte, Arquitectura, Religião, Filosofia, Judaica, Estrangeiros sobre Portugal, Viagens, África e Oriente, etc."

O Leilão realiza-se nos próximos dias 5, 6 e 7 de Fevereiro - na Casa da Imprensa, Rua da Horta Seca, nº 20, Lisboa, pelas 21 horas. A não perder.

Algumas referências 1º dia: Al Berto [ed. raras] / Álbum com 20 Diapositivos, "representando um compacto dos filmes de Jean Renoir, entre 1924-39" / Almanaques [de vários anos] / Il Castello di Pavone, por Rui d'Andrade, 1957 / Antologia do Humor Português, Afrodite, 1969 / Gralha Despavonada, de Joaquim de Araújo / Archivo Histórico Portuguez, 1903-1916, XI vols / Arte e Arqueologia, 1930-33, V vols / A Liturgia de Sangue, J.C. Ary dos Santos, 1963 / A Batalha. Suplemento Literário e Ilustrado, Ano I (3 Dez. 1923) ao Ano II (1924) [colab. Ferreira de Castro Raul Brandão, Stuart] / Augustina Bessa Luís [15 títulos] / Bocage [import. Miscelânea] / A Paródia, de Rafael Bordalo Pinheiro et al [1ª série completa] / António Botto [4 peças] / Sketches of the Country, Character and Costume in Portugal, ..., de William Bradforf, 1809 / João Cabral do Nascimento [5 livros] / Luiz de Camões [conjunto apreciável de obras] / Ensaio Bibliographico, por Ernesto do Canto, 1888 [catalogo raro sobre liberalismo-absolutismo] / Capricórnio. Rev. cultura moçambicana, 1958 / Cardoso Pires [10 peças] / Mário Cesariny [8 obras] / O Chaveco Liberal, red. José Ferreira Borges, Almeida Garrett e Midosi, 1829, XI numrs / Ruy Cinatti [7 obras] / O Criacionismo, de Leonardo Coimbra, 1912 / Natália Correia [14 livros, muito estimados] / Os Descobrimentos Portugueses, de Jaime Cortesão, II vols / D. Manuel II [sep. do Correio da Manhã, 1922] / Évora Encantadora, de Celestino David, 1923 / Discursos dos Ilustres Deputados Republicanos, 1906 / Eça de Queiroz [7 peças].

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007


O Cão de Parar - Actualização

A tradição cinegética navega prudente, sensata e sem fadiga, entre falcoaria, cetraria & montaria, em torno do "cão de parar”" ou do nosso "perdigueiro" de estimação. Estamos de visu et auditu em autores sagrados e na copiosa bibliografia existente. Temos para iluminar

Jehan de Franchières, num clássico de falcoaria; a raríssima obra federiciana, a Arte de Cetreria de Federico II, do século XIII; a maior referência na literatura cinegética, o livro de Gaston Phoebus [1331-1391], o conhecido "Livre de Chasse"; o registo da rara obra Hawking Or Faulconry (sec. XVII); um curioso catálogo (on line) ditto "A Catalogue of Books Ancient & Modern Relating to Falconry. With Notes, Glossary, and Vocabulary"; ainda on line, e para download, a estimada obra "A Caça no Brasil"; um registo, notas e bibliografia sobre o notável e incontornável trabalho de G. de Marolles, "Chiens de Faucon Chiens d'Oysel Chiens d'Arrêt"; e o raríssimo incunábulo, "Le Liure // De la chasse du grant seneschal de // Normendie. Et les ditz du bon // chien soulliart : qui fut au roy loys // de France", de Jacques de Brézé.

Boas leituras

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007


Almanaque Republicano - Actualização

"o tempo é um robusto deus castanho, taciturno, selvagem e intratável" [Eliot]

Eis de novo no Almanaque Republicano, as instruções, a bibliografia e o testemunho sobre a grande Alma Portuguesa. Blog em fascículos profanos, de merecida estimação, oferecido à blogosfera lusa por dous cavalheiros livres & devotos da saudade, ruma cada vez mais luminoso sob a égide do Arcanjo de Portugal, promovendo antiquíssimos cantares, velhas preces e clamores espirituais eternos.

Na pedra temos:

foto de Benoliel do assalto ao jornal A Nação a 21 de Outubro de 1913; biografia de José Félix Henriques Nogueira; o assinalar do falecimento do historiador A. H. de Oliveira Marques; uma curiosa foto de um grupo de republicanos da Figueira da Foz, lendo o jornal O Mundo; a evocação da data de nascimento de Gomes Freire de Andrade [1757-1817], com referências sobre a maçonaria e uma bibliografia sobre o homenageado; foto da chegada de Bernardino Machado, regressado da viagem oficial das comemorações do 31 de Janeiro, na cidade do Porto, em Fevereiro de 1916; um extenso e interessante post sobre a memória histórica da revolta do 31 de Janeiro de 1891, na cidade do Porto; a reprodução de um edital do Governo Civil do Porto, no dia 31 de Janeiro de 1891; um contributo importante para a leitura do 31 de Janeiro de 1891, intitulado "Subsídios para uma Bibliografia do 31 de Janeiro de 1891"; reprodução do cartaz comemorativo do 65º Aniversário do 31 de Janeiro de 1891, na cidade de Aveiro; extracto da análise publicada n'O Povo de Aveiro, no dia 8 de Fevereiro, desse ano, sobre os acontecimentos da revolta do Porto; "reprodução parcial da primeira página de O Seculo de 13 de Fevereiro de 1881, com o manifesto do Centro Eleitoral Republicano do Porto"; aviso do Colóquio: A Revolução de Fevereiro de 1927 contra a ditadura, a realizar amanhã, em Coimbra.

A ler e consultar o Almanaque Republicano. Sempre ao V. dispor!

Saúde e fraternidade.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007


In-Libris - Catálogo de Fevereiro 2007

Invulgar Catálogo da In-Libris (Porto), com um conjunto estimado de várias obras (raras) de António Pedro, António Ramos Rosa, Herberto Helder, Jorge de Sena, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Miguel Torga, Natália Correia, Vitorino Nemésio, entre muitas outras peças. Um Catálogo excelente para bibliófilos e amadores de livros.

A consultar on line.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007


Anúncio completamente grátis

V. Excia quer passar clandestino entre as vexantes e humilhantes portagens, com que o Governo e o senhor Ruas da ANMP presumem salvar as almas motorizadas dos indígenas, não pagando o dízimo a um qualquer mefistofélico Carmona? V. Excia têm horror à bicicleta que lhe faz lembrar a figura robusta de Macário Correia ou a graça campestre de um ambientalista obediente? V. Excia tem espírito varonil & calçado corrido de um tal Manuel Pinho e suspira, há muito, pelo seu cross-country pela paróquia, sem a BT à ilharga? V. Excia fantasia, em cuidada ordem & disciplina cristã, com o jaguar de Paulo Portas e quer ser chauffeur liberal, fazendo inveja ao seu vizinho? E V. Excia, minha cara leitora, não cuida alcançar seios hirtos, esféricos e firmes recostando-se à canalha num qualquer albergue da Carris ou carruagem do Metro, mesmo que a irreverência seja muita?

... então apronte-se. Está já em preparação o magnífico automóvel Studebaker, série 1924. Numa vila ou cidade perto de si. Para sujeitos decentes. Como nós e vós!

Hoje ... estivemos assim!

"Não tive nunca nada a ver com as
guitarras dos estudantes: eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d'asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou de Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente"

[Fernando Assis Pacheco, in Louvor do Bairro dos Olivais]

sábado, 27 de janeiro de 2007

Entrevista profana ao ... Miniscente

Mestre Luís Carmelo, na sua bondade de resgate opinativo sobre alguns aspectos conceptuais da blogosfera (coisa de mystério a neófitos), solicitou a este estabelecimento, que cuida de cativos instruídos & imprime letras carinhosas, a devassa de um inquérito. O desejo do Mestre, cumpre-se. É, pois, com ventura sorridente, que aqui partilhamos, à nossa ilustrada clientela, tão elevada missão. Graças! Luís Carmelo.

E, com a devida vénia ao editor, e para espargir os nossos paroquianos, deixamos um pequeno testemunho sobre tão delicado assunto [... a blogosfera]:

«A blogosfera é um dos poucos divertimentos intelectuais, que nos resta, contra o tédio. Palavra com 10 letras, de muita circulação em cafés, alcovas partidárias e oficinas de jornais, é a "máquina desejante" [chez Guattari] pós-moderna que mais aparenta viver. Não sabemos se é da crise de paradigma que nasce o ofício ou se, pelo contrário, é pela blogalização que se vai domesticar a crise. O certo é que esta epidemia do bloganço ainda está pouco vigiada, regulamentada ou admoestada, segundo rezam autorizados comentadores lusos. Assim, mui incivilizada contra o enfado, a blogosfera indígena é daquelas que mais aprontam "o grande espectáculo do desastre, o incêndio, a decomposição" [Tzara] da fazenda pública. Daí que os psiquiatras andem falidos, pois a blogofilia é "ainda menos aborrecido do que divertirmo-nos" [Baudelaire].
Alguns exegetas (nós, evidentemente) falam da blogosfera como uma sociedade invisível, à maneira de Daniel Innerarity, em que se assume uma nova relação entre espaço e sociedade, com movimentos e produção social própria, de "dimensão silenciosa" e fora do controlo do poder do Estado. Esta movediça desterritorialização, de transgressão global e em rede, marca uma nova discursividade, inscreve a vertigem da dissidência, sendo portanto a transformação mais radical dos nossos dias. E é sinal, pois, de uma "outra globalização": o investimento do desejo. Basta, por isso»

[ler todo o Inquérito, aqui mesmo]
Fotografia: um raminho de Ministros

"Eis, enfim, a definição da imagem, de toda a imagem: a imagem é isso de que estou excluído" [Barthes]

Entre a confidência, o detalhe & a distribuição anatómica dos corpos (e rostos) na imagem do raminho de ministros (ali ao lado), há um código "natural", uma "cena" reunida de puro convite à conversão do leitor. Acolá, os olhares ministeriais interrogam-se e perturba-nos a impudência observada. Os sorrisos enigmáticos, muito bem improvisados, não deixam de ser tumultos moralizadores a qualquer rebelião indígena. A uma harmonia assim, o nosso remorso é uma simples minúcia. Sob os auspícios do Expresso, tão piedosa felicidade fotogénica é uma conspiração. Uma vingança.

Barthes fala-nos da fotografia como "um elipse da linguagem e uma condensação de todo um inefável social", isto é, a fotografia constituiria uma "arma anti-intelectual, com tendência a escamotear a política em benefício de uma 'maneira de ser', de um estatuto sócio-moral". Nada de mais exacto. A máscara ociosa de Manuel Pinho é uma pura deserção ao gélido rigor da fé económica, sendo um castigo a todos nós; a pose divertida de Lurdes Rodrigues revela uma transgressão inolvidável, uma falha na senhorial crispação com que todos os dias nos visita; Pires de Lima apresenta a fortuna da posição ousada e, confesse-se, uns lábios prometedores, logo utile dulci. O espelho deformador da imagem do raminho de ministros aí está, radiante de fulgor. A pátria agradece. Desolados e privados de fé jubilosa, vamos também de folia. A noite promete!

Momento ... para o povo

Dizia o bom do Trindade Coelho [ABC do Povo, 1901] que: "o que convinha era tirar ao antigo Abc, aliás tão velho como Portugal e nelle tão profundamente arraigado, que diremos ter raízes na própria terra, era tirar ao antigo Abc, digo, a sua rudez barbara primitiva, - e aperfeiçoando-o e civilizando-o quanto possivel, convertê-lo, de abstruso que era, em coisa simples, e de barbaro que era, em coisa moderna".

Portando para maníacos da Tlebs ou intolerantes da mudança, lançamos sobre os vossos olhos escolares, uma página do Abc do Povo, de mestre T. Coelho e desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro. Edição da velha Aillaud, sitiada, antes, perto da Fnac de-todos-os-santos, com data do ano da graça de 1901. Disse.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007


O sr. Presidente do Conselho

"... a primeira vez que vim à Assembleia Nacional, foi por causa do Decreto 40.900 - o único que foi suspenso no antigo regime por pressão da chamada 'rua', no caso os estudantes (...) houve uma luta em 57 muito árdua contra o 40.900, que acabava com a autonomia das associações de estudantes e colocava-as na dependência da Mocidade Portuguesa (...) Nós viemos todos, às centenas, ocupámos as galerias. A 12 de Janeiro de 1957 (...) Sucedeu que, nessa altura - eu era presidente da Associação de Estudantes do Técnico -, íamos falar com o presidente da Assembleia e, ao passar pelos Passos Perdidos, havia uma grande agitação dos deputados do regime, porque havia alguns que queriam propor uma moção de suspensão. E andava o Mário Figueiredo, que era o líder da União Nacional, o líder parlamentar, a gritar completamente desvairado, de grupo a grupo: 'O senhor presidente do Conselho não quer'. E eu, quando passo agora nos Passos Perdidos lembro-me muitas vezes desta imagem (...)

No dia em que for possível, de novo, haver uma cena destas, já não se passará ali, mas dentro dos gabinetes (...)

Interrogo-me se não estamos a recuperar alguns elementos de governamentalização da Assembleia da República (...)

... quando se entende que o deputado não é mais que um autómato ou uma correia de transmissão - não pode ter iniciativas, tem de ser cinzento, não ter ideias próprias, não tem o direito de dizer a sua opinião ..."

[João Cravinho, entrevista ao jornal Público, 26/01/07 - sublinhados, nosssos]

Mais do mesmo na CML

O desmanchar de feira na Câmara Municipal de Lisboa - imortalizada entre os inefáveis adeptos do sr. professor Carmona (o técnico ex officio) e a galeria da putativa oposição (muito loco dolenti) - é um admiravel espectáculo. Os sintomas são os do costume. O tratamento, mais do mesmo. Não há, portanto, enxerto que lhes valha.

O caso, ainda assim, não deixa de ser curioso pela clientela que amotina. Os bons espíritos, que nestas ocasiões argumentam, expõem-se, inconsoláveis. Nada os demove. Os amigos do sr. professor Carmona - um génio, com doutoramento e tudo, dizem - abraçam o virtuoso presidente, à falta de memória cívica. Os ausentes da oposição disfarçam e assobiam abnegadamente para o lado. O dr. Sá Fernandes tem a cabeça a prémio, se ainda a tiver sobre os ombros. O dr. Santana arregimenta as tropas, com meia dúzia de girls à ilharga. Manuel Maria Carrilho, em superstição filosófica, já tinha saído com o seu próprio pé. O dr. Marques Mendes conta os dias para o final do seu talentoso apostolado. O eng. Sócrates, depois de correr com o missionário anti-corruptela Cravinho, quer é que o deixem em paz e não quer falar de eleições, coisa nenhuma (ao que parece o gentio anda a cismar demais e de bolsos vazios, o que não augura nada de bom). E, enfim, nós próprios andamos muito afadigados. Mas nada de maior. Descansem as nossas leitoras.

Deste modo, o fait divers da CML, que a politica oblige e os indígenas observam (à falta de melhor), é uma usual repetição, nemine discrepante. Ninguém ignora que nossa paróquia é um cantinho onde toda a gente se conhece, onde andamos alegremente ocupados uns com os outros. Não espanta, pois, que a senhora Gabriela Seara surja a pagar as moléstias de outros. A coisa era há muito comentada e esperada. O talento dessa gente para tentar desviar atenções e converter a manada politica (coisa que o eng. Cravinho entendeu por demais e Sócrates, vaidosamente, galhofou) não é só pouco cavalheiresca, mas insultuosa. O bloco central continua, assim, no melhor dos martírios. Quase nada o salva. O que virá em seguida, confirmará. Um dia ... qualquer!

Dá-me água benta pois!

"Pois eu sofro também o abominável fado
de me tornar em fera e uivar como as cadelas!...
Toda a noite ando a uivar às trémulas estrelas
em torno ao meu solar e as pé do meu castelo!
Sim! o luar consola, é transcendental e belo,
mas que quero o repouso e as noites de remanso,
pois fatiga-me uivar e toda a noite canso
de andar errante à lua - essa triforme fria!
Dá-me água benta pois!"

[Gomes Leal, in O Anti-Cristo]

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007


A. H. de Oliveira Marques (1933-2007)

A. H. de Oliveira Marques morreu ontem, dia 23 de Janeiro, em Lisboa. O professor Oliveira Marques doutorou-se em História pela FLUL, tendo sido aí professor. Considerado "especialista em história da Idade Média" (com abundante produção teórica), trabalhava nos últimos anos no âmbito da história contemporânea, com relevo para os trabalhos sobre a I República e o Estado Novo, a par dos trabalhos historiográficos (e de divulgação) da Maçonaria em Portugal. Aliás, o professor Oliveira Marques, era um dos seus membros ilustres, tendo sido grão-mestre adjunto do GOL entre 1984 e 1986 e seu Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Grau 33, entre 1991 e 1994.

[via Almanaque Republicano]

terça-feira, 23 de janeiro de 2007


À minha querida MEG

"Sê para mim materna, ó noite tranquila /.../ E sê frescor e alivio, ó noite, sobre a minha fronte ..." [F.P.]

A noite ou aparição feminina do mundo chegou-nos hoje repassada de tristeza. Mão avisada, diz-nos que a MEG, Maria Elisa Guimarães, tinha partido para a eternidade, para o repouso da noite da grande romagem. Decerto filosofando nessa jornada, construindo sonhos e poesias, caminhando para a luz sabendo que "no céu, saber é olhar,/ na Terra, saber é recordar". A MEG era de uma generosidade luminosa. O jardim ameno do seu blog era um grande e agradecido sorriso. Escrevia no Sub Rosa como "forma de resistência", como "desejo de sobrevivência". Com tranquilidade e muita esperança. Docemente. Quem ama a vida, assim, desperta decerto na eternidade. A nossa sentida homenagem.

daqui, de Portugal, que a Maria Elisa Guimarães tanta amava, um derradeiro Vale! de despedida.

Boa noite, MEG. Um beijo.

domingo, 21 de janeiro de 2007


Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

"Senti o mito, a miragem e o símbolo.
Até que assentei definitivamente as pálpebras
sobre o globo e me atribuí também o sono
como um dos indícios da consciência
" [Fiama]

"Passo por um destroço. Perto do fim? O fim de quê? Por onde vai o Livro? Retomo o paradoxo, paralelo do de tão longo amor, tão curta vida. Vida que, perante outra dimensão, é, por definição, curta: Livro que, perante a dimensão do heterogéneo é, por definição, breve (...) Onde posso eu, Leitor, fechar-te, Breve Livro?"

[Fiama H. P. Brandão, in Colóquio Letras, nº 51, Setembro de 1979]

In Memoriam Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

"... vinda de algures, com notícias de alguém,
indo para além, para outros ouvidos, num país
" [Fiama]

Deixam-nos cedo, os nossos maiores poetas. Foi assim com Sophia, finda levada que foi Fiama. A eterna demanda da alma dos poetas é o "breve livro que está ali, no todo ou em parte, coeso ou dilacerado por outros poemas" (Fiama). Com a voz ouvida na terra, sonhado o cante nosso que "o poema encobre", partem, de vez, para o outro lado do "mar", enxugadas que foram as lágrimas. E foram muitas. A caravela, "ao sabor do sopro que impele o mar" (Fiama), sobe alta ao encontro da infinidade, passagem ou guia do céu. Fiama tinha uma energia espiritual, ou interior inocente, prenúncio de uma "linguagem poética" que vai (para citar Eduardo Pitta) "até à beira do abismo". Por isso o drama da demanda espiritual, dos seus últimos anos. Por fim, o porto de luz no passado dia 19 de Janeiro. Até sempre, Fiama!

"Ficas a ler comprazida diante das rosas
silhueta que vislumbrei, compus e reanimei.
Tinhas o perfil marcado cruamente pela luz
as mãos claras no colo, os cabelos despojados
do brilho das cabeleiras soltas, mas juvenis
e sacudidas no inicio da tarde com alegria
..."

[Fiama, in Imago Mea]