terça-feira, 27 de fevereiro de 2007
O Homem que trocou a alma
[texto de Raul Proença sobre Salazar, e oferecido em oração pela alma do sr. eng. Sócrates e dos seus acólitos]
«Um teólogo destituído de toda a visão política, como 999 999 por 1 000 000 dos técnicos (o técnico deve servir o político, mas não deve dirigir a política), mas a sua violência, a sua tirania, o seu 'diabolismo' não derivam do seu temperamento. Derivam do regime em que ele vive. Ele foi devorado pela engrenagem. Ele adquiriu a psicologia do sistema. Ele tornou-se, não já o sustentáculo, mas a pessoa mais interessada em que a D.[itadura] dure. O regime modificou os homens. Pensou-se que assim não era. Pensou-se mal. É da mais elementar psicologia pensar o contrário. Os regimes criam situações de facto, que não podem deixar de influir sobre os homens, de lhes criar uma mentalidade especial. Um homem que uma vez aceitou o exercício do poder absoluto, identificou-se com ele até ao fim dos fins. Não tem mais mão em si. Deixa-se revelar pelo pendor da autocracia até à queda final e catastrófica. Esse desgraçado técnico, que entrou para o poder para fazer técnica, viu-se, pois, dentro em pouco, vítima da sua tola imprevidência, tornando-se 'político' por virtude de posição. O caso da transformação deste técnico em político é o mais comezinho que se pode imaginar. E eu só teria piedade desse desgraçado político malgré-lui, se os malefícios que ele tem ocasionado ao país não fossem de natureza a impedir toda a ausência de comiseração [sic]
(...) Quem transige em governar com poderes absolutos vende a alma ao demónio"
[Raul Proença, O Homem que Trocou Alma (inéditos de R. P. sobre Salazar, in Revista da Biblioteca Nacional, 2, 1992]