Álvaro Ribeiro [1905-1981]
n. a 1 Março de 1905
"Às horas de leitura, nos cafés, durante a manhã, sucediam-se as horas de «conspiração» politica, no final da tarde e princípios do serão. Era então que doutrinava e activava a «Renovação Democrática», em reuniões com outros «conspiradores», todos mais abastados do que ele, alguns até com rendimentos e heranças, como Casais Monteiro e Domingos Monteiro. No intervalo das reuniões, quando cada um ia jantar a casa, Álvaro Ribeiro bebia um «garoto» numa leitaria e sentava-se num banco da Avenida à espera dos outros. Findas as horas da política começavam as da boémia nocturna, o passeio pelos clubes onde se jogava o bingo e pelas casas de fados (...). Assim difícil, pobre, quase miserável, este período da sua vida foi também o mais romanesco, e sobre ele veio mais tarde a escrever um romance que nunca publicou e acabou por destruir (...)
Quando rebentou a guerra de Espanha e a politica se exacerbou, chegou a ser ameaçado por «legionários», perseguido na rua e insultado nos cafés. Acabou por arranjar um emprego em que era uma espécie de «contínuo» para salvaguarda, sendo ele «licenciado», dos prestígios da Universidade. E uma vez terminada a guerra de Espanha e estabelecida a pacatez salazarista, um governante, Castro Fernandes, conseguiu colocá-lo em modesto lugar de um organismo corporativo onde se conservou toda a vida. (...)
A existência de Álvaro Ribeiro passou então a decorrer entre as horas do emprego, que eram apenas as do começo da tarde, e as horas de ler, escrever e conversar nos cafés (...) Como José Marinho viesse também para Lisboa no final dos anos 30, formou-se em torno dos dois uma tertúlia que durou até à morte do Álvaro em 1981. Aí se iniciaram ou exercitaram no convívio intelectual os homens mais representativos se sucessivas gerações, as de Eudoro de Sousa, José Blanc de Portugal, Jorge de Sena, António Quadros, António Telmo ou Braz Teixeira; aí foram buscar inspiração, adequada informação ou vias de desenvolvimento, personalidades como José Régio, Almada Negreiros, Casais Monteiro, Domingos Monteiro, José Osório de Oliveira, Moura e Sá, Carlos Queiroz ou Cunha Leão. A doutrina do número de ouro, que dominou a arte de Almada, foi ali haurida; a «descoberta» de Fernando Pessoa, ali surgiu. O camoneanismo de Jorge de Sena, ali se formou. E bem assim o sebastianismo ou anti-sebastianismo de José Régio, o lusitanismo de José Osório, o filosofismo de Moura e Sá. Ali tiveram origem muitas revistas literárias, desde «Litoral», de Carlos Queirós, e «Atlântico», de José Osório, ao «57» e «Acto», de António Quadros, e aos «Teoremas de Teatro» e «Escola Formal», do autor destas linhas (...)"
[Orlando Vitorino - "Álvaro Ribeiro", in Nova Renascença, Outono de 1982]
segunda-feira, 1 de março de 2004
sábado, 28 de fevereiro de 2004
Vox Populi
Receitas Extraordinárias – Confirma-se que a blogosfera, fazendo gala de bem medir a crise económica e orçamental, está uma sublime congregação de oradores da coisa económica. Neófitos da economia política, saltando fatigados das sebentas imaculadas do défice, tacteiam o campo da lide esgrimindo aplausos do gentio. A cortês troca de opiniões entre o divino Terras do Nunca e este galhardo liberal eborense fulmina qualquer um. A trovoada de argumentos do verdadeiro crente do défice com receitas extraordinárias, novo menu chic neoliberal ou "conduto enganando a vontade de comer enquanto os sonhos passam", é uma espantosa rincharia que resulta numa promiscuidade interessante entre o que deve ser a politica económica e uma mera operação contabilística. Aliás, para quê tanta aplicação no estudo da economia? Bastava entregar o país a um esplêndido contabilista, que a coisa se desenvencilharia ad nauseam. Como se percebe, o facto das receitas extraordinárias equivalerem a 80% do défice é absolutamente normal. O cego do engenheiro Guterres é que não tinha sensibilidade para a contabilidade, pois se acedesse aos mimos contabilísticos do liberal eborense, não existiria hoje o tão malfadado défice. Nada mais justo.
Várias: Dispensando o branqueamento da situação económica do país, conscientes que a crise económica e orçamental é a pior que há memória, parece que os sindicatos e o patronato estão na mesma luta, a saber: abaixamento de impostos e fim imediato do congelamento salarial. Coisa que não deve incomodar os ultramontanos da Mercearia Barroso & Leite, entretidos que estão a contabilizar o défice * José Manuel Fernandes, combalido no seu affaire de democratizar todo o mundo e ninguém, discorre sobre os caminhos de Bagdad. A copiosa explicação segue dentro de momentos nas bancas perto de si. Sem armas de destruição maciça descobertas, com a opinião pública mundial a morder nas canelas dos fazedores de historietas, resta a JMF lutar, como dantes, pela revolução democrática e popular, procurando implementar a democracia em todos os quintais do planeta. Assim Bush queira e Fernandes & Delgado o aprovem. Observemos, pois.
100 Anos do Sport Lisboa & Benfica – Do fundo do coração
[Convocatória] Ficam, desde já, convocados todos os cavalheiros livres dedicados à causa encarnada, lusitanos doutíssimos, damas distintas ou varões loquazes, a participarem nas comemorações dos 100 Anos do SLB. Com emoção, partimos em 1904 ignorantes e saloios, estamos hoje inteligentes, razoáveis e sensatos. Entrámos em todos as terras e subimos todos os degraus. Vil terror não coube em nós. Dissipado o nevoeiro, retomaremos a ventura. Por obra e graça de José Rosa Rodrigues, Daniel Brito e Manuel Goularde, nossos padroeiros e altíssimos protectores. Somos felizes. Mas mesmo assim, é favor trazer os azeviches para dar figas aos maus-olhados. Nós por cá todos bem. Dada à lux por cavaleiros devotos da saudade encarnada. Aqui, mar da Alma.
Baptista Bastos - 70 Anos - Um Homem Livre
[Ao Júlio Gomes. BB, Torreira, Clepsydra, ..., porque ainda há memória]
"É um jogo de cortesãos e liberais, o brídege. Os seus práticos teriam frequentado os salões da gentil conversa se fossem cidadãos de Setecentos. Reunidos, neste grupo numeroso, não perderam os prestígios conferidos pela Casa, pelo Sangue e pela Razão. Os gestos são delicados, afáveis e eficientes - e não esquecem nunca essas graças e essas virtudes mesmo quando as horas já são longas e podem alvitrar hipóteses de negligência, descuidos no trajar, bocejos distraídos. Isto, os homens. Porque as mulheres, com o correr do tempo, manifestam uma exuberância mais viva, tornam-se mais expeditas na acção, a frase fica-lhes solta e muito bem, a maquilhagem principia a despedaçar-se e a fornecer-lhes uma face nova e outra, terrosa e fatigada. Pontas de cigarros em dezenas de cinzeiros, copos vazios, com cinza, e fumo ainda mais denso e intenso, e há em todos um pudor em espreguiçar-se e as têmporas latejam, as dores nos rins atingiram uma fase tão dolorosa que ninguém as sente, é como o suportar resignado de um fardo pesadíssimo, mas o raciocínio tem de ser frio e veloz – e, de repente, a Maio da sala, um jogador boceja alto e estica o dorso na cadeira. Olham-no. Cento e setenta e seis olhos a olhá-lo, e também de repente trinta dos quarenta e quatro pares bocejam em varias tónicas e esticam os dorsos nas cadeiras.
- Silencio - diz um dos membros do júri."
[Baptista Bastos, in As Palavras dos Outros, Eur.- América, 1968]
Catálogo nº 64 da Livraria Bizantina, Fevereiro 2004
A Livraria Bizantina - Rua da Misericórdia, nº 147 (ao cimo da Trindade), Lisboa - lançou o seu catálogo nº 64, com 486 peças a preços excelentes e convidativos. Uma local de frequência obrigatória para bolsas menos abonadas. O amigo Bobone está de parabéns.
Algumas referências: Proscritos. Noticias Circunstanciadas do que passaram os Religiosos da Companhia de Jesus na Revolução de Portugal de 1910, por S. J. L. Gonzaga de Azevedo, Valladolid, 1911 / Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, de Manuel Bandeira, Rio de Janeiro, 1937 / Les Instruction Secrètes des Jésuites, por Paul Bernard, Paris, 1907 / Subsídios para a História Económica de Portugal, por Fortunato de Almeida, Porto, 1920 / A Cruz de Villa Viçosa, de Rodrigues Vicente d'Almeida, 1908 / Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras. Por huma Sociedade de Portuguezes Residentes em Paris, Paris, 1818, II vol / Diabruras, Santidades e Prophecias, de A. C. Teixeira de Aragão, Lisboa, 1894 / O Encoberto, de Sampaio Bruno, Porto, 1904 / Camilo Desconhecido, por António Cabral, Lisboa, 1918 / Memorias de um Estuante de Direito, de Rafael Salinas Calado (1911-1916), Coimbra, 1961 / Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, Coimbra, 1863 / Memoria de António Maria de Fontes Pereira de Mello..., Lisboa, 1887 / Colecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível, Coimbra, 1817 / Arte e Arqueologia, de Vergílio Ferreira, Lisboa, 1920 / Vasco Fernandes. Mestre do Retábulo da Sé de Lamego, por Vergílio Ferreira, Coimbra, 1924 / Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco, 1968, II vol / Os Povos e os Reis. Opúsculo Offerecido aos Portuguezes, de Faustino José da Madre de Deos, Lisboa, 1825 / Descrição Minuciosa do Monumento de Mafra. Com uma Noticia de Cintra, ..., por Joaquim da Conceição Gomes, Lisboa, 1876 / Barros de Coimbra, por Afonso Duarte, Lvmen, 1925 / Os Desenhos Animistas de uma Criança de 7 Anos, de Afonso Duarte, Coimbra, 1933 / Compendio dos Escritos e Doutrina do Venerável João Gerson, por António Pereira de Figueiredo, Lisboa, 1769 / Lista de Alguns Catálogos e Bibliothecas Publicas e Particulares, de Livreiros e Alfarrabistas, de Martinho da Fonseca, 1913 / Perfil de Camillo Catello Branco, pelo Padre Senna Freitas, Porto, 1888 / In Memoriam do Professor Dom António Xavier Pereira Coutinho, pelo Conde de São-Paio, 1941 / Livros de Linhagens, Edições Biblion, V vols, 1937 / O Monumento de Mafra. Guia Ilustrado, 1906 / José Estêvão. Esboço Histórico, por Jacinto A. Freitas Oliveira, Lisboa, 1863 / Processos e Julgamento de José Cardoso Vieira de Castro, Lisboa, 1870 / Compendio das Minas. Dedicado ao Sereníssimo Senhor D. João Príncipe do Brazil, por José António da Rosa, Lisboa, 1794 / Jornais e Revistas do Distrito de Coimbra, por A. Carneiro da Silva, 1947
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004
Nick Cave ou futebol, eis a questão
Não se faz. Ficámos em terra, alapados no sofá, ainda mais a aturar um casalinho que joga damas (com livro ao lado), enquanto lá em baixo o Nick Cave cumpria. O desagravo será feito no dia 3 na Figueira com a Ursula Rucker, após a suprema aparição dos Limp Bizkit, podem crer. Não mais ver jogos do Manchester eis o sortilégio a conter. Hoje, à la noche, os vermelhos da Luz, ó enamorados, concedem concerto, é bom não esquecer. Ah! Carece dizer que o FCP esteve muito bem. Parabéns ao antigo treinador do Benfica, assim como aos seus ex-funcionários - Deco, Maniche e Jankauskas. Quem aprende nunca esquece. Se bem que hoje, era mais Nick Cave. Mas bendita prosa televisiva.
Do amor: Bem dizia a Maria Velho da Costa: "do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso com a polivalência da glote sai fracativo". Compreendi-te! Está fora de questão. Ainda tentámos reflexão Camusiana: "fora do amor, a mulher é maçadora. Não sabe. É preciso viver com uma e calar-se. Ou dormir com todas e actuar. O mais importante é outra coisa". Nick Cave? Ursula Rucker? Os dribles de Simãozinho? A garrafa de Vale de Meão? Um jogo de bridge? Estamos confundidos. Acudam!
Não se faz. Ficámos em terra, alapados no sofá, ainda mais a aturar um casalinho que joga damas (com livro ao lado), enquanto lá em baixo o Nick Cave cumpria. O desagravo será feito no dia 3 na Figueira com a Ursula Rucker, após a suprema aparição dos Limp Bizkit, podem crer. Não mais ver jogos do Manchester eis o sortilégio a conter. Hoje, à la noche, os vermelhos da Luz, ó enamorados, concedem concerto, é bom não esquecer. Ah! Carece dizer que o FCP esteve muito bem. Parabéns ao antigo treinador do Benfica, assim como aos seus ex-funcionários - Deco, Maniche e Jankauskas. Quem aprende nunca esquece. Se bem que hoje, era mais Nick Cave. Mas bendita prosa televisiva.
Do amor: Bem dizia a Maria Velho da Costa: "do amor não se pode dizer tudo, e se se tenta isso com a polivalência da glote sai fracativo". Compreendi-te! Está fora de questão. Ainda tentámos reflexão Camusiana: "fora do amor, a mulher é maçadora. Não sabe. É preciso viver com uma e calar-se. Ou dormir com todas e actuar. O mais importante é outra coisa". Nick Cave? Ursula Rucker? Os dribles de Simãozinho? A garrafa de Vale de Meão? Um jogo de bridge? Estamos confundidos. Acudam!
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004
Alegre Jericada
"A burguesia meditou muito sobre o espaço / e sobre o tempo e sobre a luz / e tanto / que destruiu a imagem de si mesma / E faz anamorfoses: hoje"
[VGM, in Recitativos, 1977]
O fervor sentencioso de Vasco Graça Moura - hoje do DN - é um novíssimo bálsamo contra a crise da governação, uma aparatosa tempestade, prenhe de negrumes e desalentos, contra "o que a esquerda queria" ou "guincha", evidentemente, numa "volúpia da demagogia insensata". Presume VGM, que a "esquerda" espuma contra a Mercearia Ferreira Leite porque no invés de degustar Louis Roederer, Krug ou Dom Pérignon, encomenda com bondade Quinta da Rigodeira, Luís Pato, ou cede às emoções da Murganheira e até, pasme-se, Quinta do Soalheiro. Daí a aversão do poeta-laranja contra os pérfidos caminhos da "esquerda". Bem, pelo menos sabe-se que a "esquerda" segue a máxima da Marquesa de Pompadour: "le champagne est le seul vin qui lasse la femme belle après boire". O que não está mal, diga-se.
Há, reconheça-se, no génio de VGM o espírito de um admirável economista e, sabe-se, não há economista que não se orgulhe em ser um admirável poeta. O vate, onde nunca a rima falta, é sobretudo um estudioso. Murmura economia, persegue as finanças públicas, trabalha em política orçamental, recorre à análise da conjuntura, discute economia internacional. Admirável, pois, o masoquismo político do nosso bardo na análise das "náuseas e diarreia" que afronta a oposição à Mercearia Leite. E, por isso, apresta-se a dar à pena tercetos sobre as curvas IS/LM, redondilhas sobre o multiplicador dos gastos públicos, sonetos sobre o teorema de Haavelmo, alexandrinos a Rybczinski, até mesmo uma xácara sobre o Teorema de Heckscher-Ohlin-Samuelson. Palmas! A reprimenda de VGM sobre o défice é justa, o publico é que não compreendeu as ledas musas da alegre jericada. Resta-nos, sempre, as protérvias de Patinha Antão. Cria discípulos desembaraçados, prontos a levar com as "cacheiradas" costumeiras. São, de facto, todos poetas e esperam acabar os dias. Que Deus lhes faça a vontade.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004
"Bom dia, Paulo Quintela
Todas as manhãs o Sol nasce
desfolhando no calendário dos dias o futuro.
Inútil seria seu eterno retorno
se em cada aurora não houvesse um homem
que a outro saudasse em voz fraterna
e pondo a mão sobre o seu ombro lhe dissesse:
Bom dia, camarada,
bom dia!"
[Joaquim Namorado, Vértice, nº 382-383, Nov-Dez., 1975]
Na foto: Miguel Torga, António de Sousa, Afonso Duarte, Paulo Quintela e Vitorino Nemésio, in Vidas Lusófonas
Ordem Acerca dos Cabellos
"D. Miguel da Annunciação, cónego regular da Congregação de Santa Cruz, por mercê de Deus e ..., Bispo de Coimbra, etc ...
Como temos sabido que no nosso seminário se tem introduzido alguma relaxação na composição affectada dos cabellos, sendo o seminário uma casa ecclesiatica, que não tem outro fim, mais que educar os que hão-de ser ministros do altar, aos quaes pelos sagrados cânones, e por muitos Concílios é prohibida toda a composição affectada no cabello; somos obrigados a extirpar este abuso e relaxação, que consigo trará outros maiores, se se não talhar ao princípio (...)
Por isso mandamos que daqui em diante todos os seculares, que ao presente vivem no seminário, e para o futuro forem admittidos, de qualquer condição ou estado que sejam, não usem de alguma composição affectada no cabello, já trazendo-o virado todo para traz, e fazendo-lhe o que vulgarmente chamam –Bordefronte - ou - Cabriolé -; mas que ande todo egual e cahido naturalmente, como a natureza o creou, nem também da parte de traz seja tão comprido, que corra pelas costas abaixo, nem tão curto, que deixe totalmente o cabeção descoberto, nem com anneis artificiosamente formados (...)
Dada no nosso Paço Episcopal aos 20 de Dezembro de 1763 – D. Miguel, Bispo Conde"
[in O Conimbricense, nº 2269 de 24/04/1869]
domingo, 22 de fevereiro de 2004
Manuel Laranjeira [1877-1912]
m. em Espinho, a 22 de Fevereiro de 1912
"...Só há uma espécie de desgraçados que merecem compaixão: são as criaturas pusilânimes em face do sofrimento. E é por isso que eu, como você, embora num outro sentido, também digo que o destino me favoreceu, porque eu pudera ter nascido com a alma cobarde como a de tantos que eu vejo rolar tragicamente na lama da vida. Creia, caro amigo, que os verdadeiros desgraçados são os que não tem heroísmo de o ser alegremente. E não conclua por aquela hiperbólica sentença do pessimismo que acha que o melhor é não ter nascido. Não, amigo, não: não ter nascido nem é melhor nem é pior. Nãoter nascido, se não é desgraça, também não é felicidade é ... ou o que ela não é. Para dizer que o melhor é não ter nascido, é preciso nascer primeiro e reconhecer que viver é pior. «O pior é ter nascido» não passa duma figua retórica em que se condena a vida. Quem tal proclamar, logicamente – suicida-se. E no problema da vida o suicídio é a ultima das soluções ..." [Carta a Amadeu Sousa Cardoso, In Cartas, 1943]
"Aquela doce e mystica suicida
que me visita pela noite morta,
vim agora encontrá-la à minha porta
esperando por mim, toda tranzida...
Prendeu-me nos seus braços desvairados,
longamente, em silêncio, como louca..
E ainda sinto o consolo d’essa boca,
beijando-me nos olhos desolados...
Depois pôs-se a dizer-me em voz baixinha:
- "Bem vês, meu pobre amor, ela não tinha
um coração como eu...
Alma de sacrifício - nunca a viste
igual à minha!... e a minha não te deu
felicidade alguma... se isso existe..."
[Manuel Laranjeira, Palavras d'um Phantasma, in Commigo, 1923]
O Circo e o País Rasca
"A evidência necessita de invólucro para não morrer na estrada" [Mário Cesariny]
Depois de fechar a contabilidade da Mercearia "Portugal" com um défice de 2,8% do PIB, Durão Barroso adverte que as "contas do Estado estão em ordem". Pode ser. Mas, perante a curiosa declaração do senhor primeiro-ministro, recebida em apoteose pelos compadres da governação e seus bacorinhos, e pondo de lado a futilidade da afirmação, pois era isso que se aguardava desde as espalhafatosas inovações de Ferreira Leite ao cardápio da contabilidade pública, cumpre referir para não nos esquivarmos à fadiga, ao folguedo do judicioso Tavares Moreira e à arreata do impagável José Manuel Fernandes , o seguinte:
tal como o FMI, a Comissão Europeia, Miguel Cadilhe et all, dizemos que o PEC sacrifica o "crescimento futuro à estabilidade presente" e que o desenvolvimento económico não se compadece com manobras contabilísticas "vadias", nem a crise económica é ultrapassada sem investimentos produtivos, ou sequer as reformas estruturais ocorrem por qualquer mágica panfletária. E, sobre isso, está tudo por fazer, mesmo que a revelação barrosista seja uma espécie de pescadinha de rabo-na-boca. De outro modo, o reino da maravilha e mistério desta governação não assegura que se possa confiar, minimamente, nos resultados abonados. Primeiro, o défice nominal passa os 5% do PIB e mesmo que por artes mirabolantes se garanta que o défice estrutural tenha diminuído, convêm saber como foi calculado. Até porque se sabe, que o endividamento das Câmaras e Regiões Autónomas se aproximou dos 0,3% do produto e que o saldo da Saúde e Segurança Social, para além da derrapagem de 350 milhões de euros, se desconhece inteiramente. Tal triunfo escorcha-se a si próprio. Estamos num país rasca. Nada de espantos. A rápida intervenção do Banco de Portugal nesta enorme bagunça que são as contas públicas em Portugal é absolutamente necessária. Ninguém de bom senso e com urbanidade, pode confiar em tamanha gente, mesmo que o extasiado Barroso o assegure e o Luís Delgado aplauda. Os dias já não são o que eram. Podem crer.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004
Vitorino Nemésio [1901-1978]
m. em Lisboa, a 20 de Fevereiro de 1978
Quando eu morrer, a terra aberta
Me beba de um trago
E esqueça.
Aos deuses minha oferta
É levar o que trago:
Eu, dos pés à cabeça.
Assim, com ervas altas
Acabam os que começam.
Que Deus nos perdoe as faltas!
Dizem: "A terra que nos come":
Eu digo: "A que nos bebe" - e basta.
Somos só água que se some:
Choveu - e fomos
Na vida gasta.
[VN, in Eu, Comovido a Oeste]
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004
"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. …"
"Aniversário", Álvaro de Campos
"A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma
Ó pueril boca, amada boca,
Que dizias o que ousavas e tão doce
Eras a beijar"
[A Boca, Umberto Saba]
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. …"
"Aniversário", Álvaro de Campos
"A boca
que primeiro levou
aos meus lábios a cor da aurora
ainda
em belos pensamentos desconto o aroma
Ó pueril boca, amada boca,
Que dizias o que ousavas e tão doce
Eras a beijar"
[A Boca, Umberto Saba]
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004
De que serve?
De que serve ouvir-te e não fechar-me
em arvores de silêncio?
De que serve o canto quando está
um cerrado punho na garganta?
De que serve o grito quando acaba
por fatigar as letras que não há
nesta ausente escrita que é esperar-te?
[João Rui de Sousa, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003]
De que serve ouvir-te e não fechar-me
em arvores de silêncio?
De que serve o canto quando está
um cerrado punho na garganta?
De que serve o grito quando acaba
por fatigar as letras que não há
nesta ausente escrita que é esperar-te?
[João Rui de Sousa, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003]
Anotações
Do Catalogo de Manuscritos reunidos pelo poeta Alberto de Serpa, sob elaboração de Manuel Ferreira, e levado à praça nos dias 18-25 de Novembro de 1988, retira-se o seguinte:
[Raul Leal] Os Dissidentes da Águia. Orfeu perante o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (s/d) / Entrevista ("Para mim há Oito [escritores e poetas portugueses] que são os Maiores de Portugal. Cito o nome de sete e o Futuro que determine o oitavo. São eles: Luiz de Camões, Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Teixeira de Pascoes, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro") / [Fragmentos] "25 folhas de diversos formatos, com fragmentos de trabalhos diversos, entre os quais um intitulado «A Monadologia discriminatória de Fernando Pessoa», de que existem quatro folhas de ambos os lados" / Messe Noire, Fev.-Avril 1926 ("«Poeme Sacré» ... em que apenas foi publicado um pequeno excerto na revista «Presença»") / Nono Psalmo do Livro Martyr de L'Occulte ("texto em francês manuscrito ... datado de «Octobre 1928»") / Psaumes ["Uma das mais importantes obras poéticas de Raul Leal escritas em língua francesa e inédita na sua maior parte ...") / O Quinto Império e a Última Reincarnação de Henoch ("São duas laudas manuscritas na sua totalidade, com plano da obra indicada ...")
[Mário Saa] A Zebra. Problema zoológico e filosófico por Mário Saa, s/d ("Curioso manuscrito em prosa ...")
[Fernando Pessoa] Livro de Legendas ("Folha manuscrita em papel quadriculado, apresentando na primeira linha o título acima transcrito. Seguem-se os nomes dos capítulos ou partes que deveriam constar de uma obra de que não encontramos rasto nos trabalhos em prosa e verso publicados de Fernando Pessoa: I. Homeridae (?); II. Os Cinco Reis; III Trez Deuses; IV Tavola Redonda ...") / Affonso de Albuquerque. 10-7-1934 ("Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dado a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de Janeiro ...")
Do Catalogo de Manuscritos reunidos pelo poeta Alberto de Serpa, sob elaboração de Manuel Ferreira, e levado à praça nos dias 18-25 de Novembro de 1988, retira-se o seguinte:
[Raul Leal] Os Dissidentes da Águia. Orfeu perante o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (s/d) / Entrevista ("Para mim há Oito [escritores e poetas portugueses] que são os Maiores de Portugal. Cito o nome de sete e o Futuro que determine o oitavo. São eles: Luiz de Camões, Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Teixeira de Pascoes, Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro") / [Fragmentos] "25 folhas de diversos formatos, com fragmentos de trabalhos diversos, entre os quais um intitulado «A Monadologia discriminatória de Fernando Pessoa», de que existem quatro folhas de ambos os lados" / Messe Noire, Fev.-Avril 1926 ("«Poeme Sacré» ... em que apenas foi publicado um pequeno excerto na revista «Presença»") / Nono Psalmo do Livro Martyr de L'Occulte ("texto em francês manuscrito ... datado de «Octobre 1928»") / Psaumes ["Uma das mais importantes obras poéticas de Raul Leal escritas em língua francesa e inédita na sua maior parte ...") / O Quinto Império e a Última Reincarnação de Henoch ("São duas laudas manuscritas na sua totalidade, com plano da obra indicada ...")
[Mário Saa] A Zebra. Problema zoológico e filosófico por Mário Saa, s/d ("Curioso manuscrito em prosa ...")
[Fernando Pessoa] Livro de Legendas ("Folha manuscrita em papel quadriculado, apresentando na primeira linha o título acima transcrito. Seguem-se os nomes dos capítulos ou partes que deveriam constar de uma obra de que não encontramos rasto nos trabalhos em prosa e verso publicados de Fernando Pessoa: I. Homeridae (?); II. Os Cinco Reis; III Trez Deuses; IV Tavola Redonda ...") / Affonso de Albuquerque. 10-7-1934 ("Poesia dactilografada, com emendas manuscritas, cremos que inédita, porquanto não consta da Obra Poética de Fernando Pessoa, dado a lume em 1983, pela Aguilar, do Rio de Janeiro ...")
terça-feira, 17 de fevereiro de 2004
Pornocine
"Ah, deixem-se de abraços e de beijos
de grandes planos de frentes e traseiros!
Não se lambam sob a luz cruenta
dos projectores.
Poupem-nos a essas cópulas
tecnicolores.
Na posição de "o missionário", denegrida,
ainda se move muita gente, muita vida.
Se a Carole não gosta, gosta a Ana!
E viva o sexual fim-de-semana!
... "
[Alexandre O'Neill, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003 (aliás in A Luta, 1/7/1976)]
"Ah, deixem-se de abraços e de beijos
de grandes planos de frentes e traseiros!
Não se lambam sob a luz cruenta
dos projectores.
Poupem-nos a essas cópulas
tecnicolores.
Na posição de "o missionário", denegrida,
ainda se move muita gente, muita vida.
Se a Carole não gosta, gosta a Ana!
E viva o sexual fim-de-semana!
... "
[Alexandre O'Neill, in Revista Relâmpago, nº 13, 2003 (aliás in A Luta, 1/7/1976)]
Catálogo nº 44 da Livraria Moreira da Costa, Fevereiro 2004
A Livraria Moreira da Costa (Rua de Avis, 30, Porto) publica o seu 44 catálogo, de responsabilidade de Ângelo Carneiro e pode ser consultado on line. Boas compras.
Algumas referências: Descrição Geral e Histórica das Moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, de A. C. Teixeira de Aragão, III vols, 1966 / As Communidades de Goa. História das Instituições Antigas por António Emílio d'Almeida Azevedo, 1890 / Ensaio sobre a extensão dos limites da beneficiencia a respeito, assim dos homens, como dos mesmos animaes, pelo Conde Leopoldo Berchtold, 1792 (curioso) / Influence de l’habitude sur la faculte de penser ..., por P. Maine Biran, 1803 (dissertação espiritualista) / A Campanha. O Golpe de Estado. Diálogo dos Pastores. Auto da Família, de Fiame Hasse Pais Brandão, Portugália, 1965 / Da Vida e da Morte dos Bichos, por Teotónio Cabral, Abel Pratas e Henrique Galvão, s/d, V vols (estimada) / ARS CRITICA. In qua ad Studia Linguarum Latinae, Graecae, et Hebricae. Via munitur; Veterumque emendandorum, Spuriorum Scriptorum a Genuinis dignoscendorum, & judicanti de eorum libris ratio traditur. Accedunt un calce quatuor Indices locupletissimi, de Joannis Clerici, 1778, III vols / Esta Historia é para os Anjos, por Jaime Cortesão, Edição da Renascença Portuguesa, Porto, 1912 / História da Arte, por Elie Faure, trad. de Vitorino Nemésio, V vols / Verdades Cruas, por Gomes Leal, Typographia do Commercio, s/d / A Virgem e Portugal, direcção literária de Fernandes de Castro Pires de Lima, Ed. Ouro, Porto, 1967, II vols / D. Carlos História do seu reinado, por Rocha Martins, 1926 / Bibliografia da Literatura Portuguesa, de Maussaud Moisés, Edição Saraiva, São Paulo, 1968 / Pharmacopêa Portugueza, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1876 / Revista Sol, Dir. Fernando C. Pires de Lima e Virgilio A. Dantas, Primavera 1968. nº 7 (a Outono-Inverno 1971-72 nº 16), 10 nums / Traité d'Economie Politique ou Sample Exposition de la manière dont se forment, se distribuent et se consomment les richesses, de Jean-Baptiste Say (4ª ed.), Paris, 1819, II vols / Defeza das Ordens Religiosas e Analyse do Relatório do Mata-Frades, por Almeida Silvano, 1884
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004
Bom Dia ... Carlos Paredes
n. em Coimbra a 16 de Fevereiro de 1925
"Um grande respeito pelos outros. Eis o que faltou às utopias, mas nunca deixou de estar presente na vida, na música e nos gestos de Paredes. É nesse mundo, de Amigos que se respeitam e se amam, que vive Carlos Paredes; é desse mundo, onde a Verdade e o Prazer caminham de mãos dadas, que nos ilumina com a grandeza simples dos sons que só ele sabe inventar" [Viriato Teles]
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