sábado, 29 de janeiro de 2005


Repertório eleitoral

A colecção de factos políticos que inspiram os funcionários da política é assombrosa. A fantasia que estes novíssimos candidatos põem na lida eleitoral, os seus remoques empolgantes e imprevistos aos adversários, as suas cabrioladas cegas, as blagues constantes, irão ficar na história dos actos eleitorais lusos. Enquanto isso, os indígenas amortecidos pelo sono sorriem, entre o asco e a indiferença. Nunca se tinha descido tanto em tão pouco tempo. Um espanto.

O pranto de alguns perante as afirmações de Freitas do Amaral, lembram mães extremosas a educar os seus rebentos. Desatentos, todos estes anos, entretidos que estavam a dar a bênção à Leitaria Barroso & Leite, Lda, esqueceram que havia gente com vida lá fora. Daí a estupefacção pelo apoio do professor aos socialistas. Um dos heróis da governação, o casto Bagão Félix, vergado no peso institucional de ministro, ameaça todos numa assuada pouco cristã. E sabe-se, notícias de reprimendas assim fazem sempre efeito contrário. Para lá de abrir a passadeira presidencial a Freitas do Amaral, a balbúrdia comporta penalizações eleitorais que nenhuma sondagem não deixará de revelar. Há dias assim.

Aniversário do Tugir

Dizem que falam em voz baixa, que não querem dar sinal de si. Pode ser, mas não acreditamos. Estão bem presentes. Sem tugir (dizem) a sua inocência é que têm nos lábios uma demanda: transfigurar a paisagem. E sem desesperança, com desvendada liberdade, vão evocando a verdade em hora feliz. Um ano de vida, uma grande viagem ainda. Parabéns.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005


60 Anos da Libertação de Auschwitz

"Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não
Considerai se isto é uma mulher
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração.
Estando em casa andando pela rua
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara" [Primo Levi, Shemá]

"Quando alguém escreve sobre Auschwitz deve saber que Auschwitz, pelo menos em certo sentido, deixou a literatura em suspenso. Sobre Auschwitz só se pode escrever um romance negro ou - desculpem a expressão - um folhetim cuja acção começa ali e ainda não acabou. Com isto quero dizer que desde Auschwitz não aconteceu nada capaz de o suprimir ou impugnar" [Imre Kertész]

Locais: An Auschwitz Alphabet / Auschwitz / Auschwitz and Birkenau Homesite / Auschwitz-Birkenau / Auschwitz-Birkenau became the killing centre / Auschwitz concentration camp / Last Expression / Mémorial de la Shoah / Paul Celan (Poema Fuga de muerte,...) / Paul Celan, en el fondo...La producción de cenizas / Primo Levi / The Auschwitz Album / The Simon Wiesenthal-Center

Sofá, Futebóis & um Vintage Niepoort's de 1955

"Preguicemos em todas as coisas, menos no amor e na bebida, e menos na preguiça" [Lessing]

Perdão. Isto foi futebol sincero e um arreda devaneios do nosso coração. A malquerença tem pergaminhos e a virtude quer-se bela. Ainda pairámos, alapados no sofá que o nosso mister era cair na penumbra aluarada. O dia tinha sido de merecimento e "dormir faz bem às palavras". Porém, o dedo no comando não resistiu à súplica da Luz. Ao ressoar do apito, sem Valentim & Costa bem entendido, já caminhávamos para a ruína duma interminável noute de futebóis, com Seabras e Nobre Guedes a milagrar pelo meio e o Seinfield ali ao lado, na espera.

Aos 3 minutos éramos tocados pela fortuna de Geovanni e pelo sabor dum Niepoort's, que abriu as hostilidades. Ainda o Chelsea não tinha levantado ferro, nem Sá Pinto invocado qualquer tradutor de serviço em versão mouro, já tínhamos gelado a lagartagem. Bem sabemos que a coisa foi breve, mas 10 minutos dá, sempre, para várias considerações. Lá pró fim, o salvador de serviço, Simão de seu nome, evitou a desgraça de se abrir uma segunda garrafa. Era a perdição e o terror na garrafeira. Brindemos aos Tiagos, então. Dois hip hurras ao do Chelsea e um bem-haja ao verde d'Alvalade. E, já agora, parabéns Mourinho. Aliás parabéns a todos. Dois jogos assim são uma afronta ao mau futebol. Uma resistência ao mau gosto. Pena o vintage ser fugidio, como o descanso e os futebóis.
Livraria Moreira da Costa - Novidades

A Livraria Moreira da Costa, no Porto, tem disponível no seu site, o catálogo referente a Dezembro de 2004 e novidades já de 2005.

Algumas referências: Memórias Biographicas, de Francisco Gomes de Amorim, 1881-1884, III vols / Memória Histórica da Antiguidade do Mosteiro de Leça, chamada do Balio, por António do Carmo Velho de Barbosa, 1852 / Terra Fria, por Ferreira de Castro, 1934 / História do Bispado e Cidade de Lamego, por M. Gonçalves da Costa, 1977-1992, VI vols / Leonardo Coimbra Testemunhos, 1950 / A Triste Canção do Sul (Subsídios para a história do Fado) + As Alegres Canções do Norte, por Alberto Pimentel, 1904 [1907] / Repertório Geral, ou índice Alphabetico das leis Extravagantes do Reino de Portugal, ... ordenadas por Manoel Fernandes Tomaz, Coimbra, 1815, II vols / Methodo de Conhecer e Curar o Morbo Gallico. Primeira Parte, por Duarte Madeira Arraes, 1674 / A Carteira do Artista. Apontamentos para a História do Theatro Portuguez e Brazileiro, por Sousa Bastos, 1898 / Lengua y Estilo de Eça de Queiroz, de Ernesto Guerra da Cal, 1975-1984, V tomos / Tribunal de Ordinandos ... Pelo Reverendo Diogo Cardozo Coelho, Prior da Paroquial Igreja do Salvador da notavel Villa da Covilhã..., Lisboa, 1731 / Porto da Figueira da Foz (Separata), de Adolfo Loureiro, Lisboa, 1905 / Ordenações, e Leys do Reyno de Portugal. Confirmadas e estabelecidas Pelo Senhor Rey D. João IV. Novamente impressas ... (1747) + Repertório das Ordenações e Leys do Reyno de Portugal novamente correcto (1749) + Appendix das leys Extravagantes, Decretos e Avisos ...(1760), VI vols ao todo ["Trata-se da edição geralmente conhecida por Vicentina, segundo Inocêncio, mandada fazer com todo o luxo e magnificência por el-rei D. João V"]

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005


Lamentamos, mas hoje ... não há moralistas à vista!

Bom dia Mónica. Há 7 anos atrás a vida era muito ofegante. Os negócios bizarros e o corpo pleno. Os recursos ardentes aos olhos eram dores para os moralistas, uma questão de máquina desejante. Tinhas o Kenneth Starr à perna, atrás dos cortinados da Casa Branca. Não sabias que os affairs são sempre pecaminosos, evidentemente. Graciosamente ainda não tinhas acedido ao Manual de Puericultura de Graça Franco, não sabias como se pode perturbar a harmonia e a ordem. Má sorte. Mas antes isso que cinemizares por aí a veres o Closer, com o César das Neves. Imagina se fosses às putas, a noute passada, com o sociólogo Lopes!? O que seria de ti. O que diriam de ti na Casa dos Limas? Que desgraçada noute perdida era. Bem dizias tu que "não se copiam obras, mas sim linguagens". Barthes, dixit. Tu, também. Pois! E nós a moralizar por aqui. Santo dia.

António Sérgio [m. a 26 Janeiro 1969]

"Muitíssimo grato lhe estou pelos persistentes esforços que tem feito para me encontrar um emprego em Espanha. Já não espero que daquelas terras me venha solução para o meu duro problema actual. Recomeço a pensar nas Africas. Tenho passado a vida inteira a aprender o significado pleno da palavra resignação. Olho para trás, e vejo a minha existência toda cheiinha de fainas de ganha-pão áridas, cordialmente detestadas por mim, avessas às minha aptidões e ao meu feitio. Os momentos de trabalho a meu gosto têm sido raríssimos, fugidios, gozados como se goza um [cume?], e angustiosamente pagos logo depois. Sinto fugirem-me os últimos anos de lucidez, sem a menor esperança de a empregar. A minha vida foi toda ela um naufrágio contínuo, suportado com uma resignação aparentemente risonha ..." [António Sérgio, Carta a Joaquim de Carvalho, 29/06/1931, in António Sérgio no Exílio, Coimbra, 1983]

[Sobre Antero] "...Dois Anteros, fantasio eu; chamemos-lhes, por comodidade, o Apolíneo e o Nocturno (ou Romântico). Ao primeiro, domina-o o espírito crítico do filósofo; ao segundo, o temperamento mórbido do homem. Canta o primeiro a lucidez do intelecto, o heroísmo apostólico, o claro sol; prega o auto-domínio e a consciência plena, a concentração da personalidade e da actividade pensante; afirma ao mesmo tempo uma filosofia da imanência, intelectualista e aristocrática, e exalta o Amor e a Razão, concebidas como sendo irmãs, fontes de ordem e de harmonia no individuo e na sociedade; o segundo, pelo contrário, canta a noite, o sonho, a submersão, a morte, as «regiões do vago esquecimento», a dissolução da personalidade e o repouso da alma no Deus transcendente, na «humilde fé de obscuras gerações» ..." [A.S., in Ensaios IV, 1934]

"O Manuel - O interesse público tem de ser defendido. È preciso reconhecer que quem governa tem em relação ao interesse nacional responsabilidades graves que não pode trespassar a outros, e nos casos duvidosos tem fatalmente de prevalecer o seu juízo.

A Tia Joaquina - O teu raciocínio pressupõe dois dogmas: Primeiro: o do que todos os cavalheiros que governam no Estado possuem fatalmente do «interesse público» uma noção mais justa que os que não governam. Segundo: o de que os manitus que estão no governo são mais inteligentes, são mais sabedores, são mais justos e desinteressados que os que não governam. Dogmas absurdos, ambos eles falsíssimos. Quanto ao primeiro ..." [A.S., in Pátio das Comédias das palavras e das pregações, Jornada Quinta, 1958]

domingo, 23 de janeiro de 2005


O espectáculo do espectáculo: os moralistas

"Nada é mais atraente que as coisas desonestas" [Ovídio]

Estranho espectáculo se assiste em torno da peripécia observada, supostamente, no debate Portas-Louçã e em torno dos cinco minutos passados a falar sobre o problema do aborto. A repulsa dos nossos ilustrados intelectuais contra o que denominam um "golpe baixo" de Louçã, o lavor de moralização presente nalguns blogs liberais, a hipocrisia do moralista-mor Eduardo Dâmaso, a meditação progressista de Helena Matos ou o tricot da new left Ana Sá Lopes, são de desmedida agitação e subtil excitação. Confessamos que nunca assistimos a tamanho pranto e a tão vulgar retórica.

O mais espantoso é que, de um momento para outro, o insidioso Louçã passa de patrono e zelador do direito de gays e lésbicas, radical sempre a rasgar "causas fracturantes", para findar em macilento "reaccionário" e a debitar "fascismos genéticos", tudo num "reaccionarismo progressista" nunca visto, terminando por ser um execrável neofascista, isto segundo o beato Bagão Félix. Ao mesmo tempo, sem qualquer pudor, hipocrisia ou vergonha na cara, o casto, virtuoso e democrata Portas é travestido de sujeito tolerante, paladino da verdade, da ética e dos bons costumes. Inolvidável.

A arte apurada dos nossos opinadores é um exercício assaz curioso: tentar moralizar o pensamento moralizador do "pastor das consciências tresmalhadas", o dr. Louçã. Este movimento edificador, em prol do politicamente correcto, teve sempre entre os indígenas abundantes discípulos. O gosto pelo espectáculo, embalado pelo ruído, está-lhes no sangue. Mas a distracção perante os seus ódios de estimação impede-os de reflectir, e assim o pronto a pensar politicamente correcto queda-se fracativo, tem demasiadas exuberâncias.

Curiosamente, no afã do killer instinct argumentativo do que é ou não ofensivo, caem na sua própria ratoeira e desatam a tecer duvidosas e inadmissíveis conjecturas sobre a vida privada de cidadãos, sem qualquer pejo e decoro, a partir das suas (próprias) interpretações e análises moralistas da réplica de Louçã a Portas. O instinto virulento de Eduardo Dâmaso é um study-case, dado a sua posição num jornal que se quer respeitável e de absoluta limpidez. E se já tínhamos o assessor do assessor, o gabinete do gabinete, resta para toldar a atmosfera lusa, estimular o moralista do futuro ministro da Moralidade, o qual tem Dâmaso como forte candidato.

Afinal, no episódio enleado laboriosamente pelos novos patrulhadores, nunca lhes ocorreu que, face às afirmações costumeiras de Portas sobre os putativos criminosos que propugnam a despenalização do aborto, a resposta possa ser aquela, sem segundas intenções por detrás? E que, contrariamente ao que interpreta a taramelada Ana Sá Lopes, não se trata de assumir que só aqueles que gerem filhos têm direito de se pronunciar sobre a despenalização ou não do aborto, mas sim não permitir que a intolerável ladainha sobre os criminosos a favor do aborto persista?

Por fim algumas questões mais sérias, que os nossos moralistas esqueceram de interiorizar, decorrentes da leitura das diferentes intervenções neste caso: o facto de permanecer uma curiosa visão homofóbica entre o privado e o público; a existência de um pronunciamento por um registo de afectos que se quer zelosamente guardado em "armários"; a consagração de um efeito discursivo perverso sobre a sexualidade; e que sugerem novas querelas, bem contempladas em textos do Bruno, na intervenção de CAA ou num post de Vicente Jorge Silva. Pelo menos sempre se ganhou alguma coisa, no meio de tanto moralismo serôdio.

Centenário do falecimento de Raphael Bordallo Pinheiro

Locais: Rafael Bordalo Pinheiro Desenhador, ceramista: 1846-1905 / Bordalo Pinheiro (Rafael) / Caricatura Rafael Bordalo Pinheiro / Rafael Bordalo Pinheiro (21/3/1846-23/1/1905, Portugal) / Rafael Bordalo Pinheiro na reabertura do seu museu / Rafael Bordalo Pinheiro (Fanzine) / 100 Caminhos até Bordalo / Centenário da morte de Rafael Bordalo Pinheiro comemorado em Caldas e Lisboa / Museu da Imprensa inaugura exposição de homenagem a Bordalo Pinheiro / Zé Povinho: Os Portugueses aos olhos de Bordalo Pinheiro

Raphael Bordallo Pinheiro [m. 23 Janeiro de 1905]

"A entrada em cena de Raphael Bordallo Pinheiro provocou uma revolução completa na nossa ilustração gráfica. Tão forte era a sua personalidade que os imitadores continuavam, várias décadas após a sua morte. Os gags dos seus cartoons foram repetidos até ao fastio; as histórias aos quadradinhos satíricos invadiram todos os jornais em todos os lados. A admiração que despertou, algumas vezes em excesso, fez esquecer os artistas que o precederam na caricatura e técnica narrativa (...)
Dizer que Raphael «inventou» os quadradinhos portugueses não é uma afirmação rigorosamente correcta, pois já Flora [pseudónimo ?] e Nogueira da Silva, pelo menos, tinham enveredado por esse caminho. Porém, foi Bordallo que lhes deu ductilidade suficiente para virem a ser utilizados de forma eficaz e duradoura" [António Dias de Deus, in Os Comics em Portugal uma história da banda desenhada, Cotovia, 1997]

"... Não era só no trabalho e na conversa que a graça irrompia da sua [Rapahel B. Pinheiro] fértil imaginação; um relance de olhos bastava para o sugestionar e a prova está no seguinte episódio. Anos seguidos frequentei as Caldas da Rainha, e nalgumas noites, finda a cavaqueira no Parque, o Rafael vinha acompanhar-se até casa, na rua do Capitão Filipe de Sousa, antiga do «Cabo da Vila» por ser da vila ali o termo. Numa delas, antes de nos despedirmos, parámos ainda a dar à língua quando, de súbito, olhos fitos no letreiro da rua fronteira à minha porta, comum sorriso manhoso me diz com toda a gravidade «Ó Scwalbach, você não acha uma injustiça este capitão Filipe de Sousa há tantos anos sem ser promovido?». Apoiei, a rir, o reparo. E ele, continuando, «Amanhã eu te direi, apanhas mais um galão!» Acercou-se do letreiro de azulejo, tomou certas medidas e ... «Até amanhã!». Para resumir, na noite seguinte sacou dum pedaço de papel, um pincelito, uma pouca de massa e onde se lia capitão apareceu major, a jogar na perfeição com o resto do letreiro. Num abrir e fechar de olhos lá estava Rua do major Filipe de Sousa: eu meti-me em casa e o Rafael safou-se para a dele. Ali pelas nove horas da manhã começou a dar-se pela promoção - borborinho, protestos indignados (...) Já lá vão 56 anos..." [Eduardo Schwalbach, in À Lareira do Passado . Memórias, Lisboa, 1944]
Bem fica ou Benfica eis a questão

"Como o palhaço, vamos fazendo as nossas cabriolas, simulando sempre, adiando sempre o grande acontecimento. Morremos a lutar para nascer. Nunca fomos, nunca somos. Estamos sempre na contingência de vir a ser, separados, desligados, sempre. Sempre do lado de fora" [Henry Miller]

Apetecia-nos partir depressa para o bridge mas temos o futebol ainda na cabeça, os ovos-moles na boca e as mãos teimam em dobrar o lenço que se agita em enxovalho. Mau grado as olheiras pisadas por um qualquer Tanque Silva visando a baliza de Quim e os brindes à moda da Luz, temos por nós que a malapata se deve à pieguice desse malfadado meeting entre o cangalheiro Filipe Vieira e o piegas Dias da Cunha. A tamanha coscuvilhice em público o jovem Silva não entendeu. Inculto! E eu com o bridge à perna e as noites vazias. Senhor tende misericórdia.

Pronto. E lá vamos, que se faz tarde. A récita para esconjurar o demo está feita. Suspeita-se que ainda vamos a grande cheleme. Cuidado. Há noites abundantes.

sábado, 22 de janeiro de 2005


Lord Byron [n. 22 Janeiro de 1778-1824]

Lord Byron, acompanhado pelo "seu fiel criado" Hobhouse, embarcou num navio em Talmouth, nos tempos idos de Junho 1809, com destino Lisboa. Sabe-se que visitou, também Sintra e Mafra, partindo depois para Sevilha. Deixou algumas anotações sobre a sua visita a Portugal, nas suas Peregrinações.

"Pobre povo de escravos! Nascidos em tão delicioso clima! - Ó Natureza, por que hás tu prodigalizado teus dons a tal gente? O aspecto variado dos vales e das colinas de Sintra, se nos oferece como um novo Éden! Ah! que mão poderá guiar o pincel ou a pena para seguir a vista deslumbrada através dos lugares mais deslumbrantes para a contemplação dos mortais, como essas maravilhas descritas pelo poeta que ousou franquear ao mundo surpreso as portas do Eliseu?" [Estância XVIII das Peregrinações, in Lord Byron, por João Paulo Freire (Mário), Lisboa, 1944]

"Assim Mafra retê-lo-á um momento. Esta residência da infeliz rainha da Lusitânia, reuniria a igreja e a corte, os frades e os cortesãos; às missas sucediam-se os banquetes. Mistura estranha, sem dúvida; mas aqui a prostituta da Babilónia construiu um palácio tão sumptuoso, que os homens esquecem o sangue que ela tem derramado, e ajoelham perante a pompa que se esforça por emprestar ao crime enganoso"

[diz JP Freire (Mário) - «Em nota, Byron escreve: "A amplidão do Convento de Mafra é prodigiosa; reúne um palácio, um convento e uma igreja magnifica. Os seis órgãos que existem nesta igreja são os mais belos que jamais hei visto (?) Classifico Mafra o Escourial de Portugal?. Em carta a sua irmã Augusta, Byron diz-lhe que visitou a Livraria do Convento e falou latim com os frades, que lhe perguntaram se na sua pátria também havia livros ...» - Estância XXIX, ibidem]

Locais: The Life and Work of Lord Byron (1788-1824) / Lord Byron - Life Stories, Books, and Links / Lord Byron / Lord Byron (1788-1824) / George Gordon, Lord Byron 1788-1824 / Crede Byron / Selected Poetry of George Gordon Lord Byron (1788-1824) / The Diary of John Cam Hobhouse (Portugal, July 7th-23rd 1809) / The Oxford Byron Society

sexta-feira, 21 de janeiro de 2005


Flash eleitoral

"O segredo do demagogo é fingir ser tão estúpido quanto a sua plateia, para que ela pense ser tão inteligente quanto ela" [?]

A seriedade desta campanha eleitoral assegura-nos o mesmo de sempre: desânimo. Os pantomineiros do costume, na falta de informação, ideias e trabalho de casa, animam estes dias de sol imprudentemente suaves no tempo e na fortuna. A nova lida eleitoral é um ambicioso trabalho de separação entre o ético e o político, uma manifesta falta de qualquer código moral e uma paixão declarada de manipular o gado eleitoral. O que profundamente está em causa, não é a apresentação de linhas orientadoras governativas e propostas programáticas político-partidárias, mas um matraquear constante de fait-divers, uma retórica em torno de milagres para conversão da plebe, tudo isso envolto num entusiasmo infantil de luta pessoal, contra inimigos internos e externos.

Os motivos estão à vista. As prodigiosas facadas que todos os dias, sem misericórdia, os impetuosos compagnon-de-route Santanistas se aprestam a dar à criatura em chefe, são de uma ambição desmedida. Absorvidos no enlevo de se verem livres do homem, para poder mudar de amo e de negociatas, não se dão conta que foram eles que o levaram aos ombros para o trono e para nossa desdita. Ontem Morais Sarmento, hoje Aguiar Branco. É que todos estiveram no mesmo barco: o da incompetência. Ainda temos memória.

Da parte de Sócrates, a regra é ser palrador-mor. Sem que se saiba o que pretende para o país e para o mundo - e tantos dias foram já passados -, o seu único cântico é tentar contrariar as sondagens e obter a maioria absoluta, no meio de um discurso errático e vulgar. Como clonado de Santana, não possui a virtude de ser líder forte de modo a conter a tralha do seu partido e as diatribes dos seus correligionários. O episódio das miseráveis declarações de Nuno Cardoso aí está para o comprovar. Numa única semana, desbaratou capital eleitoral que dificilmente regressará. O que falta ainda percorrer revelará a dimensão da tragédia.

Olhando para o PP e para os gemidos animados do seu putativo governo, a lição é que a desgraça nunca vem só. Debatendo-se entre a urgência de dar um ar respeitável e civilizado e a tortura de não poder espinotear por aí, mais a garotada que o venera, Paulo Portas pouco tem a dizer. O vazio de ideias que manifesta é total. Encharcado de angustias quando lhe falam no seu parceiro da coligação, debatendo-se na cadeira quando ouve falar dos seus inefáveis ministros, crispado por saber que nada sabe, Paulo Portas tem a tragédia de poder falar no trabalho do seu ministério. O resto do país passa-lhe ao lado, como foi bem visível no debate com Francisco Louçã. E este, inteligente e estudioso, vai capitalizando ideias e votos, numa argumentação irrepreensível. Compreende-se que os novos liberais, mesmo os que habitam a blogosfera, se sintam desconfortáveis. Esquecem que o mundo mudou. Estão velhos, sem ideias e sem bandeiras. O que não deixa de ser um paradoxo.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005


D. Sebastião [n. 20 Janeiro de 1554]

"Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
" [F. Pessoa, in Mensagem]

"O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade de indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroísmo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo. A história resume-se quase numa série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas. Sobretudo depois de Alcácer. Povo messiânico, mas que não gera o Messias. Não o pariu ainda. Em vez de traduzir o ideal em carne, vai-o dissolvendo em lágrimas. Sonha a quimera, não a realiza?

[Guerra Junqueiro, in Pátria]

Portugal & Sebastianismo

"D. Sebastião continuará o mito do Rei Artur, como modelo exemplar da soberania; do rei que, oficiante e vítima, se oferta e imola no sacrifício ritual do seu reino, dele seu representante, a ele identificado transcendentemente; e o que, após longa dormição, o virá salvar. E assim como os Cavaleiros da Távola Redonda foram exterminados na batalha de Camlan, assim o forma os cavaleiros da nobreza do reino lusíada na batalha de Álcacer Quibir: mas também depois de sua morte, seu longo período de pausa e ocultamento, o rei salvador voltará ressuscitado, purificado e iniciado, para redimir e ressuscitar o seu povo. E entretanto, como Artur ficou permanecendo na ilha de Avalon, centro do mundo, assim também D. Sebastião ficou permanecendo na sua Ilha Encoberta, como outro centro do mundo" [Dalila Pereira da Costa, A Nau e o Graal, 1978]

"Ser navegador ... Ser navegador
Não é termos sido é sermos ainda
É irmos a Vénus ou seja onde for
Esperar os cornos onde o espaço finda

É haver Camões como uma revolta
E haver Gil Vicente como um desafio
A esse Encoberto que nunca mais volta
Porque é pretexto do nosso vazio
"

[Natália Correia, in De Comunicação, 1959]


[Na Posse de George W. Bush]

Bush's Bluff (Emil Guillermo) / Bush Interview to The Washington Post / Free Iraq (Imad Khadduri's Blog) / How conservatives became so terribly oppressed (Jim Phillips) / George Bush's Vietnam (Edward Kennedy) / Iran: The Next Strategic Target / None So Blind (The Nation) / The Coming Wars. What the Pentagon can now do in secret (The New Yorker) / The Cult of George (Geov Parrish) / Who is Bush take two? (The Guardian)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2005


Muitos parabéns Eugénio! Bom Dia!

"Podias ensinar à mão
outra arte,
essa de atravessar o vidro;

podias ensiná-la
a escavar a terra
em que sufocas sílaba a sílaba;

ou então a ser água,
onde, de tanto olhá-las,
as estrelas caíam
"

[Eugénio Andrade, in Loreto13, 1979]

O mártir Nuno Cardoso, o fundamentalista Sousa Tavares & outros

As façanhas assombrosas da classe política lusa, local e nacional, davam excelentes best-sellers. Por muito que os comentadores da coisa pública assobiem para o ar, entretendo-se em produzir alucinadas teorias para a salvação da pátria, nada consegue fazer esquecer o fastio da contemplação da corrupção, que é transversal a toda a sociedade portuguesa. E quando a coisa assumiu tamanha proporção não há modelos económicos, políticos ou sociais que resistam. O argumento do debate político contínuo encerra algumas virtuosidades, mas não basta aceder ao seu discurso sem que as enfermidades maiores do sistema democrático sejam resolvidas. E a corrupção, o compadrio, o deixa-andar, o apostolado partidário, o fundamentalismo de todas as matizes, admitidas com o maior dos beneplácitos pela elite indígena, tornam moribunda a sociedade civil e castra o exercício da cidadania. Ou este jogo insuportável se atenua ou a tragédia não tem fim.

Hoje calhou a vez a Nuno Cardoso. E de novo está presente a relação suspeitosa entre presidentes de câmaras, empreiteiros e clubes de futebol. Ainda os arrufos de Fernando Ruas, em defesa e lisonja dos autarcas, desabavam nos jornais, já o caso Nuno Cardoso aí estava. A fé jurada de Ruas em homenagem aos autarcas teve a sua morte prematura. A classe política lançou sementes que, curiosamente, germinaram. Por culpa de todos nós.

O caso de Miguel de Sousa Tavares, hoje em pronunciamento na TVI, desvela as cândidas oportunidades que demos a toda essa gente. Por manifesto fundamentalismo clubístico, Sousa Tavares não quer ver o que aí está. Furioso dispara para todo o lado, à maneira dos hooligans. Custa acreditar no que se está a ver. E quando só reconhece o facto se a cadeia das desgraças abraçar, também, os outros clubes rivais, então estamos perante um caso clínico grave. Não merecíamos este Sousa Tavares, arrastado pela clubite, bizarro, fanático e suplicante. Precisamos de homens livres e por inteiro. Se ainda existirem.

Alexander Woollcott [n. 19 Janeiro 1887-1942]

"Há muitos chás em moda, porém nenhum como os de Dorothy Parker e seus cavaleiros. É que nos tempos confusos da Lei Seca, nos E.U.A., eles se reuniam em torno da Távola Redonda do Hotel Algoquin para bebericar xícaras e xícaras de ... Uísque! E, isso mesmo. Era o uísque que lhes aquecia as tardes nova-iorquinas dos anos vinte, liberando as línguas para o vituperioso exercício de falar mal da vida alheia. Maldade com classe, é bom frisar. (...) Era um grupo formado pelos melhores artistas da época. Figuras como o comediante Harpo Marx, o editor da New Yorker, Harold Ross, o teatrólogo Robert Sherwood, o editor da Vanity Fair, Frank Crowninshield, o crítico Alexander Woollcott e muitos outros" [in O chá de Dorothy Parker e sua loira burra]

"Tout juste avant de devenir un adulte, je caressais trois rêves : devenir un héros comme Lindberg, apprendre le chinois et adhérer à l'Algonquin Round Table" [J. F. Kennedy]

Locais: Alexander Woollcott / Alexander Woollcott (1887-1942) / Alexander Woollcott - The Man Who Came to Dinner / Miss Kitty Takes to the Road, August 1934 / The Algonquin Round Table / "The Algonquin Round Table" / Algonquin Round Table / Algonquin Round Table (Caricature) / The Algonquin Hotel, New York
[Manias de bibliófilos 2]

"... Há por aí alguém que tenha conhecido o Pereira Merelo! (...) Esse tinha outra mania. Tudo lhe prestava, contanto que tivesse forma de livro. Velhas crónicas, livros de missa, números soltos de jornais, romançada de três ao pataco, edições princeps, relatórios de associações, tudo encontrado, depois da morte daquele célebre corretor de Bolsa, metido em sacos de linhagem, à laia de batatas ou feijão em fundo de armazém. Tenho essa informação de Teófilo Braga que prefaciou essa aventesma bibliográfica que é o catálogo do leilão Merelo.
Mas no meio daquele entulho livresco, que os ratos e as baratas já começavam a rilhar, quantos manuscritos preciosos, quantos exemplares únicos de incunábulos e livros do quinhentos e seiscentos.
Merelo foi o tipo de bibliófilo hermético. Livro que lhe caísse nas mãos era alma que caía no inferno: nunca mais ninguém lhe punha a vista em riba. Não há notícia de pesquisador a quem o famoso corretor permitisse a conslta dum livro..."

[Cardoso Martha, in Almanaque do Jornal O Século, 1931]