quarta-feira, 1 de dezembro de 2004


[A Cambalhota do dr. Sampaio]

Deu ontem uma elevada cambalhota, seguida de um prudente flic-flac, o senhor Presidente da República, decerto para que os indígenas celebrassem, viçosamente, o Dia da Restauração. Depois de há quatro meses o dr. Sampaio enaltecer as virtudes do bom governo, contra a gratidão da populaça, entendeu agora dissolver o Parlamento. O dia estava predestinado. O governo moribundo de Lopes & Portas estava crivado de farpas por todos os lados, arrastava-se numa lenta agonia e intempestivas desditas. A governação era um calvário comovente. A utilidade temporal deste Parlamento que a tudo diz amém, na sua doméstica devoção, era nenhuma. A coisa tinha de se dar.

Mas a ilusão de óptica de contemplar o progenitor abatendo o seu dilecto fruto, não é coisa de estima geral. A reflexão presidencial consumiu-se numa cabriolada entre o devir formalista constitucional e os desamores presidenciais. E ninguém, de boa fé, entende a sua tardia inspiração. Daí o espanto.

A situação económica e política estão envoltas num caos. A espada de Ferreira Leite contra o deficit, ou aquilo que estrondosamente se denomina "consolidação orçamental", se muito jubilosa para muitos curiosos da economia política, não pode deixar de confessar-se que é um singular engodo. O País está pior do que no tempo do eng. Guterres e do inenarrável Pina Moura. Vale a pena dizer, sem qualquer rebuço, que a causa disso não pode ser apontada a Santana Lopes. A vida pode ser uma sucessão de movimentos, mas a economia tem os seus timings, quase religiosos. E isso já se sabia, quatro meses atrás. Ora os dois anos de ferrete Barrosista, mais o ano que se lhe segue (eleições em Fevereiro) corresponde a vários anos de atraso económico e social, que muito dificilmente será revertido. O País, decididamente, descolou da civilização. Culpas? De todos nós. E não temos absolvição.

terça-feira, 30 de novembro de 2004

[Momento]

" ... Ó Grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje
" [Álvaro de Campos]

[1935, às 20h30m, Fernando Pessoa liberta-se do corpo]

"Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar era simbólica. Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver" [in, Livro do Dessassossego]

"Como o presente é antiquíssimo, porque tudo, quando existiu, foi presente, eu tenho para as cousas, porque pertencem ao presente, carinhos de antiquário, e fúrias de coleccionador precedido para quem me tira os meus erros sobre as cousas com plausíveis, e até verdadeiras, explicações científicas e baseadas. As várias posições que uma borboleta que voa ocupa sucessivamente no espaço são aos meus olhos maravilhados varias cousas que ficam no espaço visivelmente" [ibidem]

"Guy mais um minuto e é amanhã"

"... Fundador da Internationale Situationniste e autor de um livro, «A Sociedade de Espectáculo», que marcou a geração de Maio de 68, era um homem que vinha de longe: das vanguardas artísticas dos anos 50, descendentes do dadaísmo e do surrealismo. Da crítica da arte, à crítica da mercadoria e do espectáculo, Debord foi um dos xamãs dos miúdos que se revoltaram nas barricadas parisienses. Matou-se como Lafargue, porque não aceitava a decadência. «Guy, mais um minuto e é amanhã», sussura uma rapariga, num dos seus filmes ..."

[Torcato Sepúlveda, in Jornal Público, 02/12/1994]

[m. Oscar Wilde , 30 de Novembro 1900]

"... A desobediência, aos olhos de qualquer pessoa que tenha lido história, é a virtude original do homem. Através da desobediência é que se têm feito progressos, através da desobediência e através da rebelião (...) Posso compreender aquele homem que aceita as leis que protegem a propriedade privada, admitindo que esta acumule, enquanto que ele mesmo, sob estas condições, tenha possibilidade de realizar, de uma forma ou de outra, uma vida formosa e intelectual. Mas não posso compreender que aquele a quem essas leis destroçam e tornam a vida horrível, possa esta de acordo em que as mesmas continuem (...) É por esta razão que os agitadores são absolutamente necessários. Sem eles, no estado incompleto em que nos encontramos, não haveria qualquer avanço da civilização ..." [Oscar Wilde, in A Alma do Homem sob o Socialismo, Lisboa, 1975]

segunda-feira, 29 de novembro de 2004


Giacomo Puccini [m. 29 de Novembro de 1924]

[Fuga & Queda]

Dito e feito. Quando a crise é anunciada progressivamente, com ou sem escândalo, por homens como Vítor Constâncio, Miguel Cadilhe, Belmiro de Azevedo, Cavaco Silva, Mário Soares, Ferraz da Costa, Freitas do Amaral, et al, é certo e sabido que os "ratos" começam a abandonar o navio. Quando, além de prenunciada, ela entra, furiosamente, por todas as portas, todos curvam os joelhos e se afastam da governação. Nunca há palmas para o martírio. Nunca há paixão na tormenta. Sobre os destroços do que vem por aí, nenhum quer estar.

Coube a Henrique Chaves a graça de dar início às hostilidades. Figura curiosa esta. Tanto alvoraça o Congresso em amparo do chefe, como de repente desaparece. O tom panfletário que aplica no seu pedido de demissão é de uma estranheza invulgar. E, depois das afirmações produzidas por João Sá contra Cadilhe, só mesmo esta caricata cena de auto-despedimento, com justa causa, para animar a semana.

A capacidade receptiva e a margem de manobra de Jorge Sampaio esgota-se. A nossa paciência, também. Depois dos dois últimos anos de desgovernação Guterrista, levámos com a cruz da incompetência Barrosista, para cairmos no ungido Santana, rei da trapalhada e populista-mor de serviço à Nação. Pior não era possível. Só o dr. Sampaio não entendeu que primeiro que "o regular funcionamento das instituições" estava o País. E não há nenhum país que resista a todos esses anos, sem perder a sensatez e a vergonha.

Como sair disto tudo? Tem Santana Lopes condições pessoais e políticas para estar à frente do governo? Pode o dr. Sampaio fazer agora, o que não quis fazer meses antes, isto é utilizar a "bomba atómica" da dissolução da Assembleia? Tem Sampaio garantias que a continuação do governo é possível e desejável? É praticável a dissolução da Assembleia numa altura em que o orçamento de estado está em marcha? Está o PPD de Santana Lopes interessado em eleições? Ainda tem apoiantes credíveis? Para onde cairá Morais Sarmento? Está Sócrates preparado para governar? Ou espera que Lopes & Portas se consumam ainda mais? Que fazer desta desordem? O País aguenta tanto?
[Dona Política)

"... Todos falam de política, muitos compõem livros dela e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. Atrevo-me a afirmar isto assim, porque, com eu ter poucos conhecimentos dela, sei que é uma má peça e que não fariam bons entendimentos se a conheceram de pais e avós, tais que querem lhos souber mal poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas (...) é de saber que no tempo em que Herodes matou os inocentes, deu um catarro tão grande no diabo que o fez vomitar peçonha e desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex matéria putridi, ao qual chamaram os críticos «Razão de Estado», e esta Senhora saiu tão presumida que tratou de casar, e seu pai a desposou com um mancebo robusto e de más manhas, que havia por nome «Amor Próprio», filho bastardo da primeira desobediência. De ambos nasceu uma filha a que chamaram Dona Política. Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia postiça (...) E eis quem é a Dona Política ..."

[in Arte de Furtar, atribuída ao Padre António Vieira ou a João Pinto Ribeiro ou Tomé Vieira da Veiga ou António de Sousa de Macedo ou António da Silva e Sousa, ou Padre Manuel da Costa, Amesterdão, 1652 ou Lisboa, 1743 (aliás 1937, Livraria Peninsular Editora)]

sábado, 27 de novembro de 2004


In Memoriam de Fernando Valle [1900-2004]

Fernando Vale era "um homem bom, a todos os títulos, excepcional. Primeiro, é um homem de bem, impoluto, de uma seriedade exemplar. Depois, é um homem bom, de boa e recta consciência, de um só rosto e uma só fé, amigo do seu amigo, de incomparável generosidade"

[Mário Soares, in Fernando Valle, Um Aristocrata da Esquerda, de Fernando Madaíl, 2004]

Dissemos nós: Fernando Valle nasceu na Cerdeira, Arganil, em 30 de Julho de 1900. Estudou inicialmente em Coja, tendo ido para Coimbra continuar os estudos liceais, completando posteriormente o curso de medicina. Foi exercer a profissão em Arganil, onde fez um trabalho meritório em prol do Hospital e das sociedades culturais e recreativas locais. Manifestando um interesse particular por questões sociais e políticas, este médico e maçon (o mais velho do mundo, possivelmente) é demitido de cargos públicos por apoiar a candidatura de Norton de Matos, apadrinha a candidatura de Humberto Delgado, é preso em 1962 (partilhou a cela com José Mário Branco), preside à reunião inicial da fundação do Partido Socialista, na Alemanha, tendo pertencido à Comissão Administrativa de Arganil a seguir ao 25 de Abril e, pelo I Governo Constitucional, exerceu o cargo de Governador Civil de Coimbra.
Uma vida inteira dedicada a lutar "pela libertação do homem ... um regime de direito em que seja possível, de facto, a paz, a liberdade e a justiça social".

"Eis senão quando vem Fernando Vale
Com o seu cabelo banco e seu sorriso
Traz consigo uma velha trilogia
Liberdade (diz ele) E há nos seus olhos
Uma bandeira a conduzir o povo
Igualdade (diz ele) E chegam guerrilheiros
Com as suas armas e sua festa
..........
Fraternidade (diz) E aí estamos nós
De novo de mão na mão
Prontos para o combate
E para o não ...
"

[Manuel Alegre, in Fernando Valle, Um Aristocrata da Esquerda, de Fernando Madaíl, 2004]
[Os Filhos-da-Puta]

"... os filhos-da-puta (...) conhecem-se bem uns aos outros, pelos lugares que ocupam e só podem ser ocupados por eles [Quando não é este o caso, processa-se a conhecida cerimónia de «apresentação», na qual os intervenientes se esforçam por mostrar que sabem ocultar o que não querem mostrar ...]; deste modo é fácil associarem-se para fazer as coisas mencionadas e outras, muitas outras, públicas e particulares. Por vezes, negoceiam particularmente o bem público se isto porém é dito publicamente, ofendem-se porque consideram que se trata de um ingerência particular na sua vida particular. Todo o filho-da-puta é altamente cioso da sua vida particular, porque a vida particular dos filhos-da-puta é quase sempre, de uma ou outra maneira, pública. Todo o filho-da-puta tem sempre um motivo público para os seus actos particulares e um motivo particular para os seus actos públicos ..." [Alberto Pimenta, in Discurso sobre o filho-da-puta, 1977]

Filho-da-Puta & Outros

Um dos garotos de Paulo Portas, em tom encomiástico, decerto no tédio da sua assessoria, lança-nos o epíteto de filho da puta. A urbanidade e o tom brando do miúdo fez-nos, evidentemente, ficar preocupados. As palavras laudatórias, mesmo que singelas, segredavam às nossas orelhas. De onde conhecíamos o espécimen é que não estava esclarecido. Nunca tomámos o café juntos na Bénard e temos ideia que jamais subimos braço-no-braço o Príncipe Real, a caminho dos antiquários ou em visita ao Pacheco. A verdade é que não o reconhecemos como conviva do Tavares e estamos plenamente convencidos não ter visto ninguém a pavonear-se no Largo do Caldas, como um histrião de feira, recentemente. Sabemos que a vida mundana é monótona e a paisagem estranha. Porém, a única vez que assomámos ao Parque Eduardo VII foi para seguir uma magistral prelecção de Gonçalo Ribeiro Teles, sobre ruas e jardins. Poderia ser que nos tivéssemos cruzado na FNAC do Chiado, mas decerto as futilidades mundanas não ganham espírito de assessoria. Da Pastelaria Versailles nem pensar. O mistério, devemos confessar, era excessivo. Até que voz amiga nos confidenciou, por desgraça nossa, que o memorial laudativo era dirigido aos acólitos do assessor, por ser dia de despacho. Descansámos, finalmente.

quinta-feira, 25 de novembro de 2004


[Confessionário]

- de Pedro Mexia. O eco da dor que cobriu de luto a confissão de Pedro Mexia às manápulas dos miúdos do Portas & Cia é uma desgraça do seu mérito admirável. Ser obediente, em gratidão eterna, uma fadiga com paixão. Ser pouco diligente nos trabalhos apostólicos da extrema-direita é um gemido, uma alforria irreligiosa e ímpia. Ser insultado por estes senhores, um sublime espectáculo. Não há salvação para Pedro Mexia. O homem virtuoso deve fazer jejum para esquecer quanto vale. O homem prudente não busca instruir além do que a educação permite. Não procura indulgências. Nem exercita a virtude do contraditório. O erro de Pedro Mexia é ser crédulo. O que convenhamos é raro nos tempos d'hoje.

- de Santana Lopes a Judite de Sousa. A oratória do nosso primeiro sobre a providência governamental foi curiosa. Na crítica, da crítica crítica com que brindou os indígenas lusos, é necessário confessar que o espírito frívolo de Lopes não é a sua fraqueza. As confissões políticas fazem os homens diferentes. A criatura é uma lamúria pegada. De aflição em aflição, de desgraça em desgraça, a noite venturosa foi depois. Estava ainda Judite de Sousa posta em sossego, os jornalistas ainda aturdidos e o Portas a pregar doutrina a quem se oferece, eis que numa infinita misericórdia o primeiro-ministro, atraiçoado pelas sombras da noite, sepultou o Gomes da Silva dos assuntos Para-lamentar(es). O insólito de tão tocante estratégia admirável só encontra eco na figura desfalecida do Silva do contraditório antes de lhe fugir a luz dos holofotes televisivos. Doravante, o desamparado Silva será o Santana de Santana, o extremado protector daquele que afastou os olhos da relaxação dos homens da coligação. E Morais Sarmento, cruelmente erigido como central de intoxicação, provará talvez o capricho de tomar a rédea de um PPD inadvertidamente só em campanha eleitoral. Exultemos.
[Ecos da Alma]

- Aniversário. Da Causa Nossa. A política revelada, a iluminura coimbrã, o trabalho generoso. O espanto. A escrita como prazer. A política sem chagas. Daqui, dos campos sacrossantos do Mondego, uma especial saudação. Mesmo que bastante fora de tempo. Mas por causa dos tempos. Parabéns!

- 2 Livros 2

Pois bem. Eis "uma demanda de corpos e palavras. Porque «é difícil dizer o que os corpos sentem quando se dão». Sem «instruções de montagem»". Um livro "Talismã". De Carlos Alberto Machado. Campo dos Afectos. De muita saudade.

Dizem:"As Não-Metamorfoses é a última aventura extra-virtual de Alexandre Andrade". Um livro de contos. 10 contos publicados pela Editora Errata. Cá estamos para acompanhar. A blogosfera está linda.

LEILÕES

Dois curiosos e importantes Leilões a realizar brevemente.

Primeiro, dias 29, 30 de Novembro e 1 de Dezembro, na Casa da Imprensa (Rua da Hora Seca, nº 20, Lisboa), sob a direcção de José Manuel Rodrigues, da Livraria Antiquária do Calhariz. Trata-se de peças bibliográficas estimadas e segundo reza o Catálogo é constituído por "Obras modernistas (1ª ed.), seleccionadas por um distinto bibliófilo nortenho, seguido de um suplemento de postais, fotografias, filatelia e manuscritos do cartório português da nossa embaixada em S. Petersbourg do século XVIII". Teremos tempo de dar as costumadas referências, mas desde já salientemos a presença de quase todos os poetas e escritores modernos portugueses com abundantes peças [raros: Espólio, de Aves Redol; O Mundo Fechado e O Manto de Agustina B. Luís; O Padre, de Raul Brandão; O Amor de Perdição de Camilo; o Cântico do País Emerso de Natália Correia; Dicionário dos Milagres, de Eça de Queiroz; A Casa dos Moveis Dourados, Sangue Negro e Mas..., de Ferreira de Castro; Pátria, O Melro, de Guerra Junqueiro; A Harpa do Crente, de Alexandre Herculano; Relevos, de David Mourão Ferreira; A Mensagem, de Fernando Pessoa, 1934; Raios da Extinta Luz, de Antero de Quental; Terra do Pecado de José Saramago; A Ventura, O Génio Português, Os Poetas Lusitanos, de Teixeira de Pascoaes; De Marinetti aos Dimensionistas, de Dutra Faria]. Registe-se, ainda, manuscritos, como os Documentos do Arquivo da Família Salema Lobo de Saldanha; Documentos de Henrique da Silva (desembargador da Casa de Suplicação); poemas de Ladislau Patrício, um curioso emprazamento de um morador no Casal das Cabeças a José Correia, morador na Marmeleira (14-11-1786), etc.

O segundo Leilão, "Arte, Modernistas, Monografias Regionais, História, ex Colónias e Literatura", no Hotel Roma, dias 6, 7 e 8 de Dezembro, organizado pelo livreiro Luís Burnay (Calçada do Combro, 43-47, Lisboa). Daremos referências proximamente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2004


[Assombrações]

- para os lados do Estádio do Glorioso. O rendilhado dos jogadores de Vila do Conde, numa folia nunca vista desde os tempos em que o mester de rendilhar cabia à rapaziada do couto d'Alvalade e só em épocas festivas, não respeitaram a dignidade da equipa tricotada por Filipe Vieira & Veiga, Lda. O tratamento rude e operário que a rapaziada do Rio Ave moveu ao Benfica foi um heroísmo furioso e no fim nem tivemos a graça de ter um Fernandez a dobrar os joelhos à arbitragem, nem sequer a referência a qualquer uppercut de algum jogador dos vermelhos ao ímpio. Até aqui falhámos. Fomos grosseiros. Uma tragédia.

- da maioria governamental pelo atrevimento sem pejo de Vítor Constâncio, made in relatório do Banco de Portugal. Ao que parece, clamando via estatísticas santificadas, o distinto empregado do B.C.E., testemunha imprecações e pragas mil sobre a economia indígena, e já se vê cogita, ferido de PEC, nas afirmações do letrado económico Santana Lopes e do seu orçamento cheio de graça. Como reconhecimento e obediência, os sábios dos jornalistas aparecem a interpretar tal devoção piedosa. Hoje, decerto, o prodigioso Rosado de Carvalho será arrebatador nas páginas d'O Público, tal como sábado no Expresso o seu colega Nicolau a distribuir produtos económicos milagrosos. O sermão destes espíritos inquietos, anunciado pela validade de 3 meses de governação de Lopes & Portas, é um fenómeno admirável. Por paixão vergonhosa esquecem procedimentos macroeconómicos e teorias orçamentais, que o ímpeto de Ferreira Leite manteve em paixão assolapada, que estão na base da actual caótica situação económica e orçamental lusa e que, agora, o oratório Santanista mais atiçou. Mendigar factos que, de momento, não explicam o caos económico em que se vive, enquanto o expediente anterior é olvidado, é uma tentativa de persuasão pífia que salpica de lama quem os profere. A vassourada deve ser melhor trabalhada.

- no palácio de Belém. É de supor que o dr. Sampaio, no heroísmo de combate à gripe que o assolou, viu um anjo presidencial a entrar por Belém adentro. É o que acontece a quem, e nós nos recriminamos por isso, passa o dia e noite inclinado sobre a TV e a rádio, numa virtude civilizacional e democrática nunca vista. Abalado nas suas meditações pela prédica da AACS, no silêncio do casarão constitucional que é a sua morada, a senhor Presidente da República lê, com devoção, a saudosa Constituição. No tumulto destes dias de arremesso Santanista & Portista, o dr. Sampaio, farto de tanto choro e lágrimas vertidas, propõe o veto político à Central de Informação do governo, pois não se vislumbra nenhum nihil obstat constitucionalmente falando. Estivemos quase a mudar de opinião a respeito do trabalho do senhor Presidente. Mas cedo nos lembrámos do zelo e promoção com que nos brindou com este governo. E corremos a desligar a TV. Sem misericórdia.
[via Winbledon]



[à direita, a foto do magnífico deputado de Indiana que pretende mudar o nome à famosa "Interstate 69". Note-se o poder alucinogéneo que a palavra provoca no faccis do congressista e entenda-se como o genital preexiste ao prazer da fala. Confessamos que estamos desassossegados por podermos renunciar a um "69" institucional. Quantas convulsões orgásticas ao longo da "Interstate 69" aconteceram? Não sabemos. Mas o excedente de sexualidade, encontrado por John Hostettler - assim se chama o deputado lascivo - é uma histeria em matéria verbal. Infeliz sina ter "um Estaline na língua".]

Hoje - Leilão da Biblioteca dos Marqueses da Praia e Monforte, Amazónia Lisboa Hotel, pelas 21 horas

Começa esta noite o Leilão da Biblioteca dos Marqueses da Praia e Monforte, levada à praça por Pedro Azevedo (1ª noite, 323 peças)

Algumas referências: Álbum Michaelense, de Joaquim Cândido Abranches, 1869 / vários lotes sobre os Açores (Álbuns de fotografias do sec. XIX, folhetos diversos, muitas e diversas obras publicadas em Ponta Delgada, Apontamentos da historia contemporânea: ilha de S. Miguel, etc.) / La Inffanta Coronada por El Rey Don Pedro, Dona Ines de Castro, de João Soares de Alarcão, 1606 (raro) / Álbum Açoriano, sob plano de António Baptista, Lisboa, 1903-1909, 77 fasc. / Verdadera informaçam das terras do Preste Joam, pelo Pe. Francisco Álvares, 1540 / Mês Dessins (Os Meus Desenhos), pela Rainha D. Amélia, Paris, 1927-28, II vols / Luz da Liberal e Nobre Arte de Cavallaria, por Manuel Carlos de Andrade, Lisboa, 1790 / Annaes das sciencias, das artes, e das letras por huma sociedade de portuguezes residentes em Paris, de Julho 1818 a Abril 1822, XVI tomos / Chronica do muito alto, e muito esclarecido príncipe D. Sebastiao ..., composta por D. Manoel de Menezes (aliás pelo Pe José Pereira Baião), 1730 (primeira parte. Da 2ª parte só foram impressas 169 pag. que são raríssimas) / Vocabulário portuguez e latino, aulico, anatómico, architectonico, ..., pelo Pe. Rafael Bluteau, 1712-1728, X vols / Brasil-Portugal, periódico com a col. de Ramalho Ortigão, Eça, Wenceslau de Morais, Feliciano de Castilho, Antero, etc., Lisboa, 1899-1902, 72 nums / Oeuvres Completes de Buffon, Paris, 1845, XX vols / Bvllas dos Sanctos Padres Pio Qvinto e Gregório XIII, 1579 (raro) / Flore medicale, de François Pierre Chaumeton, 1814-1818, VI vols / Collecçam dos documentos e memorias da Academia Real da Historia Portuguesa, ordenadas pelo Conde de Villamayor, 1721-1736, XIII vols / Collecção dos costumes servis da cidade de Lisboa, por MID, Lisboa, 1806 / O Portugal Vinícola, de Cincinnato da Costa, Lisboa, 1900 / Memoria sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal, por João António Dalla-Bella, Coimbra, 1786 / Diário das Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação Portugueza, Lisboa, 1821-1822, 7 vols / Bibliotheca maçónica, ou instrucção completa do franc-maçon por um Cav. Rosa Cruz [autoria de Miguel António Dias], 1834, IV vols / Diffiniçoens, & Estatutos dos Cavalleiros, e Freyres da Ordem de Nosso senhor Jesu Christo, ..., Lisboa, 1717, 3ª ed. / Tarité sur la Cavalarie, de Drummond de Melfort, Paris, 1776 / Encyclopedie ou dictionnaire raisonné dês sciences, des arts e dês metiers, ... mis en ordre & publié par M. Diderot ... par M. D'Alembert ..., Paris, 1751, 35 vols / Portugal Convenzida com la razon para ser Venzida com las Catholicas potentíssimas armas de Don Philippe Iv ..., Milan, 1648 (restauração, raro)

sexta-feira, 19 de novembro de 2004


João Guimarães Rosa [m. 17 de Novembro de 1967]

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens." [G.R.]

Locais: João Guimarães Rosa / Guimarães Rosa (1908-1967) / Guimarães Rosa / João Guimarães Rosa (Biografia) / Grande Sertão: Veredas / João Guimarães Rosa: sua HORA e sua VEZ /

Ministros dos Assobios ou o decoro alegre dos governantes

Ai de ti, eleitor atento e cortês, que observas a animação política caseira. Ai de ti, que no meio de tantas pantominices da luta política, onde a detracção e a insulto militam ombro-a-ombro, onde o grémio de S. Bento deslumbra pelos disparates, sempre muito elogiosos pelos da trupe, ainda assim ficas submergido - ó estóico cidadão - pelos assobios desregrados e as reprimendas obscenas de algumas personagens laboriosas da governação, que exaltas e admiras na tua modéstia. Os soluços desses génios da má-língua são repugnantes. O suplício que essas criaturas representam à sanidade mental dos portugueses é indigno de qualquer clemência.

O episódio do idiotismo, provinciano e tacanho, presente nas afirmações de Morais Sarmento sobre as conclusões da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) no caso Marcelo, imortaliza o ridículo do ministro. Mostra a bazófia e a agonia de quem, só muito tarde, intentou alcançar o espírito da democracia. O sorriso de gozo do devoto santanista Rui Gomes da Silva na sua conversão ao contraditório governamental e em resposta à AACS, é um testemunho e uma afronta insultuosa, aliás dentro da tradição a que nos habituou as suas baldadas experiências públicas. A impetuosidade boçal do Ministro José Luís Arnaut contra a figura impoluta de Miguel Cadilhe a (des)propósito da API é uma miserável assuada que não ficará, decerto, sem resposta. Os afadistados ministros que se cuidem. O gozo ministerial dura o que tiver que durar. Mas tem sempre um fim. E quase sempre grotesco.
[Conselheiros]

"Questão é de há-de ter o príncipe muitos conselheiros se um só. (...) Outra questão é se devem ser os conselheiros letrados, se idiotas [leia-se: simples curiosos, amadores], isto é de capa e espada. Uns dizem que os letrados, com o muito que sabem, duvidam em tudo e nada resolvem, e os idiotas, com a experiência sem especulações, dão logo no que convém. Outros têm para si que as letras dão luz a tudo e que a ignorância está sujeita a erros. E eu digo que não seja tudo letrados, nem tudo idiotas (...)

(...) Outra questão se segue a esta (...) se é melhor para a República ser o príncipe bom e os conselheiros maus ou serem os conselheiros bons e o príncipe mau. Se o príncipe se governar por seus conselheiros, diz Elio Lamprídio, que pouco vai em que o príncipe seja mau, se os conselheiros forem bons, porque depressa se faz bom um mau, com o exemplo de muitos bons, que muitos maus bons com o exemplo e conselho de um bom.

(...) O conselheiro há-se ser prudente e secreto, sábio e velho, amigo e sem vícios, não cabeçudo, nem temerário, nem furioso. Quatro inimigas tem a prudência: primeira, precipitação; segunda, paixão; terceira, obstinação; quarta, vaidade. A primeira arrisca, a segunda cega, a terceira fecha a porta à razão, a quarta tudo tisna. Três inimigos tem o segredo: Baco, Vénus e o interesse. O primeiro o descobre, o segundo o rende, o terceiro o arrasta. E perdido o segredo do governo, perde-se a República. (...)

[in Arte de Furtar, atribuída ao Padre António Vieira ou a João Pinto Ribeiro ou Tomé Vieira da Veiga ou António de Sousa de Macedo ou António da Silva e Sousa, ou Padre Manuel da Costa, Amesterdão, 1652 ou Lisboa, 1743 (aliás 1937, Livraria Peninsular Editora)]