sexta-feira, 19 de novembro de 2004

[Conselheiros]

"Questão é de há-de ter o príncipe muitos conselheiros se um só. (...) Outra questão é se devem ser os conselheiros letrados, se idiotas [leia-se: simples curiosos, amadores], isto é de capa e espada. Uns dizem que os letrados, com o muito que sabem, duvidam em tudo e nada resolvem, e os idiotas, com a experiência sem especulações, dão logo no que convém. Outros têm para si que as letras dão luz a tudo e que a ignorância está sujeita a erros. E eu digo que não seja tudo letrados, nem tudo idiotas (...)

(...) Outra questão se segue a esta (...) se é melhor para a República ser o príncipe bom e os conselheiros maus ou serem os conselheiros bons e o príncipe mau. Se o príncipe se governar por seus conselheiros, diz Elio Lamprídio, que pouco vai em que o príncipe seja mau, se os conselheiros forem bons, porque depressa se faz bom um mau, com o exemplo de muitos bons, que muitos maus bons com o exemplo e conselho de um bom.

(...) O conselheiro há-se ser prudente e secreto, sábio e velho, amigo e sem vícios, não cabeçudo, nem temerário, nem furioso. Quatro inimigas tem a prudência: primeira, precipitação; segunda, paixão; terceira, obstinação; quarta, vaidade. A primeira arrisca, a segunda cega, a terceira fecha a porta à razão, a quarta tudo tisna. Três inimigos tem o segredo: Baco, Vénus e o interesse. O primeiro o descobre, o segundo o rende, o terceiro o arrasta. E perdido o segredo do governo, perde-se a República. (...)

[in Arte de Furtar, atribuída ao Padre António Vieira ou a João Pinto Ribeiro ou Tomé Vieira da Veiga ou António de Sousa de Macedo ou António da Silva e Sousa, ou Padre Manuel da Costa, Amesterdão, 1652 ou Lisboa, 1743 (aliás 1937, Livraria Peninsular Editora)]