[A Noite Americana]
"Será que você também, meu amigo, presumiu que a democracia era apenas para eleições, para a política, e para o nome de um partido"" [Whitman]
A novidade da noite é não estarmos fartos da TV. E da América. Hoje estamos amarrados a projecções, se bem que parece que George W. Bush esteja já a cozinhar nova ementa mundial, enquanto o populismo americano lhe faz continência, com um grito nos lábios. A ansiedade do resultado eleitoral é um tónico excelente para insónias futuras. O sistema eleitoral americano uma publicidade enganosa. Nada que não fosse esperado. E, mesmo que John F. Kerry ganhe amanhã (ainda é possível), não temos ilusão: "plus ça change, plus c'est la même chose" [Parrington].
"Enquanto esta América se instala na forma da sua vulgaridade
transformando-se em Império,
e os protestos - bolhas na lava derretida - balbuciam e
se extinguem, e a lava endurece,
lembro-me tristemente de que a flor fenece para se tornar
fruto, que o fruto apodrece para se tornar terra" [Robinson Jeffers]
quarta-feira, 3 de novembro de 2004
terça-feira, 2 de novembro de 2004
George Bernard Shaw [m. 2 Novembro 1950]
"A classe dos milionários, uma classe pequena mas crescente na qual cada um de nós pode se ver atirado amanhã pelos acasos do comércio, é talvez a mais descuidada da comunidade. Este opúsculo, que eu saiba, é o primeiro já escrito para milionários. Pelos anúncios das fábricas do país cheguei à conclusão de que tudo é produzido para os milhões e nada para o milionário. Crianças, rapazes, moços, «cavalheiros», senhoras, artesãos, adeptos das profissões liberais, até pares de reino e reis são providos do necessário; mas a freguesia dos milionários evidentemente não é interessante por eles serem tão poucos. Enquanto os mais pobres têm a sua Feira de Trapos, um mercado devidamente organizado e ativo em Houndsditch, onde se compra uma bota por um pêni, percorrer-se-ia o mundo em vão em busca de um mercado, onde as botas de 50 libras, o tipo especial de chapéu de 40 guinéus, o costume de ciclista de tecido de ouro, e o clarete Cleópatra, quatro pérolas do conjunto, possam ser adquiridos por atacado. Assim ao milionário infeliz cabe a responsabilidade de uma fortuna prodigiosa sem a possibilidade de se divertir mais do que qualquer homem medianamente rico (.....)
[George Bernard Shaw, Socialismo para Milionários - Leia mais aqui]
Locais: George Bernard Shaw (1856-1950) / George Bernard Shaw(Irlanda, 1856-1950) / George Bernard Shaw / Brief Biography / Shaw, George Bernard / Shaw Bizness /The George Bernard Shaw Collection / The International Shaw Society. Newsletter & Bulletin Board / Pygmalion / Pequeno Breviário Shawiano
Les bons esprits ...
"Não há extravagância imaginária de que não seja capaz o coração do homem" [Anónimo]
Agradecemos todas as obsequias mas só hoje estamos de volta. Para corresponder a tamanha amabilidade que os e-mails nos dispensaram, aqui deixamos prosa adocicada, verdadeiras petas úteis ao cidadão e à corte. "Les bons esprits ..."
- ao que se sabe, o discurso recitado na paróquia pela dra. Ferreira Leite, a mais alta e fulgurante ministra das finanças que o pensamento económico conheceu, encontra-se pelas ruas da amargura. O catecismo de Ferreira Leite teve os seus dias, sabe-se. Hoje, é ver a ex-ministra expiando a dor orçamental nos assentos do Banco de Portugal, sem gratidão, emoção e ... principalmente labor. Mesmo sabendo-se a intensidade da indigestão da sua política, não deixa de causar estranheza não lhe darem nada para fazer. É uma dor de alma vê-la assim contrariada na prateleira técnica da instituição bancária. Que pensará Ferreira Leite disso tudo?
- a pose estadista de Santana Lopes, cuja sensibilidade organizativa é demais conhecida, faz furor entre os funcionários de apoio ao Conselho de Ministros. Após a ordenança e planificação do trabalho administrativo e jurídico Barrosista, que corria bem e em tempo útil, destoa a enorme barafunda, agitação e a comovente insegurança da prática Santanista. Não há assessores, nem funcionários que resistam.
- consinta-se que se deixe, aqui, um louvor ao prof. Marcelo Rebelo de Sousa pela aquisição de algumas peças bibliográficas curiosas e estimadas, provenientes do espólio do ex-Pide Silva Pais. Quase todos com dedicatórias expressivas de homens do Estado Novo, os livros arrematados a um alfarrabista, fazem a delícia de um amante dos livros. Assim tivesse compreendido o Estado ou a Torre do Tombo, o que é o mesmo, quando não quis comprar o grosso da correspondência e demais documentos manuscritos pertencentes a Silva Pais. E que acabaram destruídos pelos herdeiros. Há países muito obscenos!
[Dia de Finados]
"Dia de Finados! (...) Por quem se está orando aqui? Dize-me tu, loirita, loirita, que vais saindo e molhando os dedos na água benta: por quem rezaste tu? Por teu pai, que te faltou em pequena, e de quem já não te lembras? por tua tia, que morreu há dois anos, e de quem só recordas os ralhos com que te oprimia? por tua velha prima, aquela parenta afastada, - afastada porque era pobre, e todos os parentes pobres são parentes afastados! - que te serviu de aia desde os quinze anos, e não te deixava chegar à janela, quando, ao princípio da noite, ias deitar a linha à carta dom namorado? Tu, por quem rezaste, morenita de olhos grandes e trança negra? Por teu irmão, o capitão, que só uma vez te deu um beijo, ao voltar da guerra? por tua mãe, que te batia em pequena por cada colher de açúcar que tu comias? por teu tio, o bacharel, que nunca te pegou ao colo para não te amarrotar? - E tu, minha triste e pálida, que orvalhas de pranto o teu livro de orações! é por teu marido que imploras a Deus? por teu marido, que tu enganaste? ou por teu marido, que te enganou? - Estais vós bem certas, bem seguras da consciência e da razão, de não ser ao acaso que rezais, sem caridade especial para uma ou outra alma, sem intenção por um ou outro morto? Juraríeis mesmo que não entra de nenhuma forma no sentimento da vossa prece nenhuma imagem, nenhuma memória, nenhuma lembrança dos vivos? - Sentis a vossa alma, nesta hora, toda recolhimento, toda religião, toda saudade? (...) Estais vós chorando simplesmente pelos que estão mortos, ou pelos que mereciam estar vivos? ..." [Júlio César Machado, in Contos do Luar]
quinta-feira, 28 de outubro de 2004
Parabéns
Rua da Judiaria é uma delicada emoção de escrita e saudade. O sussurro de vozes do outro lado de lá. A lembrança de outros imaginários que o tempo não esquece. Um peregrino da nossa própria história. Um portal de devoção, de sensibilidade apurada e orgulhosa. Nasceu há um ano bebendo subtis estados de alma. Continuará na sua visitação extraordinária. Em cada pedra, azulejo, palavra, rua ou cidade. O seu património é o de todos nós. Há blogs assim.
Muitas felicidades, Nuno Guerreiro.
[Mujer en Camisa]
Te amo así, sentada,
con los senos cortados y clavados en el filo,
como una transparencia,
del espaldar de la butaca rosa,
con media cara en ángulo,
el cabello entubado de colores,
la camisa caída
bajo el atornillado botón saliente del ombligo,
y las piernas,
las piernas confundidas con las patas
que sostienen tu cuerpo
en apariencia dislocado,
adherido al journal que espera la lectura.
Divinamente ancha, precisa, aunque dispersa,
la belleza real
que uno quisiera componer cada noche. [R.A., in Mujer en Camisa]
Te amo así, sentada,
con los senos cortados y clavados en el filo,
como una transparencia,
del espaldar de la butaca rosa,
con media cara en ángulo,
el cabello entubado de colores,
la camisa caída
bajo el atornillado botón saliente del ombligo,
y las piernas,
las piernas confundidas con las patas
que sostienen tu cuerpo
en apariencia dislocado,
adherido al journal que espera la lectura.
Divinamente ancha, precisa, aunque dispersa,
la belleza real
que uno quisiera componer cada noche. [R.A., in Mujer en Camisa]
Rafael Alberti [m. 28 Outubro 1999]
"El mar. La mar.
El mar. ¡Sólo la mar!
¿Por qué me trajiste, padre,
a la ciudad?
¿Por qué me desenterraste
del mar?
En sueños, la marejada
me tira del corazón.
Se lo quisiera llevar.
Padre, ¿por qué me trajiste
acá? "
Locais: Rafael Alberti (España, 1902-1999) / Rafael Alberti / Rafael Alberti / In Memoriam / Rafael Alberti / R. Alberti (Poesia) / Rafael Alberti (1902-1999) / Poemas / Homenaje a Rafael Alberti el poeta rojo / Na morte do poeta Rafael Alberti
quarta-feira, 27 de outubro de 2004
Até Sempre John Peel
Biography / John Peel Home / John Peel passes away / With John Peel / Live Chat Transcript / Listen John Peel
Em Defesa do Diário de Notícias
Assim deve ser. O mesmo jornal que, admiravelmente, informou e formou gerações de portugueses é hoje uma caricatura do que foi. O esforço vergonhoso dos comissários políticos Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes, a soldo da estratégia da PT/Governo Lopes & Portas para tornar o DN um farol da Central de Informação da governação, é uma grosseria desorientada, alvoraçada e infame. E mesmo que se queira regressar ao articulado do seu primeiro número, no tempo distante de 1864, onde se lia que "não se discute política, nem se sustenta polémica", seria bom também não esquecer que se assegurava, no mesmo programa, prestar "culto à liberdade na sua mais elevada expressão".
O imprevisto bizarro destas semanas é uma descarada e intencional ingerência no normal desempenho do jornal, uma invectiva contra os seus jornalistas e um insulto à inteligência dos seus leitores. Por isso não se compreende que no decorrer embaraçante da putativa escolha de Clara Ferreira Alves e mesmo antes do efeito das suas estridentes declarações, se tenha perdido o varejo dessa dupla de apparatchiks, supra-citados, iluminados pelo desejo do poder.
E se em relação às intenções de Luís Delgado ninguém exerce o contraditório, tal a ambição desmesurada do medíocre jornalista, já a miopia política relativamente a Mário Bettencourt Resendes permanecia, dando-lhe algum benefício da dúvida em toda esta questão de "intenção conspirativa". Hoje, porém, não há qualquer ilusão. A beatitude de Bettencourt Resendes, a sua verve espirituosa, a sua irracionalidade doentia, não é uma fraqueza sua, mas outrossim a eterna manifestação da nossa grande tolerância, indolência e bom humor. E até que um dia o imprevisto nos salte porta dentro, não teremos remédio, mesmo que muitos mais Delgados & Bettencourts, sinuosamente, apareçam.
terça-feira, 26 de outubro de 2004
[Recuerdos]
London Calling Back The Clash's masterwork gets a deluxe reissue [via New Yorker]
"London calling to the faraway towns
Now that war is declared-and battle come down
London calling to the underworld
Come out of the cupboard, all you boys and girls
London calling, now don't look at us
All that phoney Beatlemania has bitten the dust
London calling, see we ain't got no swing
'Cept for the ring of that truncheon thing
[The ice age is coming, the sun is zooming in
Engines stop running and the wheat is growing thin
A nuclear error, but I have no fear
London is drowning-and I live by the river] ..."
Bush & Kerry
"Uma dose excessiva de belas palavras
Continua a precipitar-se no meu cérebro
Mas não se referem a pensamento ou fala.
Como os balões, não vão durar muito
& insistem em fugir da mão
para morrer no céu - libertadas ..." [David Meltzer]
100 Facts and 1 Opinion The Non-Arguable Case Against the Bush Administration / Bush's War Against the Military / Clinton stumps for Kerry / Electoral Vote Predictor 2004 / George, God here ... / Invitation to a Degraded World / Kerry for President (The Seattle Times) / Kerry Makes Huge Gains / Paul Wolfowitz defends his war / Poll: Close Bush-Kerry Race Gets Closer / Republicans for Kerry / The End of Democracy Losing America's birthright, the George Bush way / US newspaper publishers side with Kerry / War, peace and politics: Why this campaign matters more than almost any other / Why conservatives must not vote for Bush
segunda-feira, 25 de outubro de 2004
Max Stirner [n. em Bayreuth, 25 Outubro 1806-1856]
"Amigos, a nossa época não está doente, acontece que já viveu tudo; não a torturem também tentando curá-la, apressem a sua última hora abreviando-a, e como não é possível curá-la, deixe-a morrer" [Stirner, in Mistérios de Paris]
"... A natureza provocatória da escrita stirneriana, o riso sardónico que irrompe imparavelmente ao lê-lo, a defesa do crime como última ratio da soberania, o ideia de que a singularidade só pode ser entendida como monstruosidade, facilitaram todas as leituras condenatórias, propiciaram todas as vitórias fáceis que venciam à custa de reduzir o livro [O Único e a sua Propriedade] à patologia criminal ou à loucura de Stirner. Os inimigos, mas também os amantes de Stirner reduziram-no a fórmulas, mas o Único é a anti-fórmula por excelência. É algo que fica para além de todo o discurso, de toda a instituição, como um Minotauro que tivesse saído do labirinto, com os altos muros cercados por humanos, que espreitam para dentro, desenrolam o fio de Ariana, lhe oferecem sacrifício ..." [José A. Bragança de Miranda, Acerca de Stirner - ler Aqui]
Locais: Max Stirner / Max Stirner em projecto LSR / Max-Stirner-Archiv-Leipzig / M. Stirner / Max Stirner (1806-1856) / Max Stirner encore et toujours un dissident / What are the ideas of Max Stirner? / Omar Khayyam and Max Stirner / L'unique et sa propriété / Max Stirner ou l'extrême liberte / Acerca de Stirner / Algumas Observações Provisórias a Respeito do Estado Fundado no Amor
Excitações
"Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem" [Fernando Pessoa]
- o embaraço do raciocínio de Souto Moura em Badajoz, logo seguido do seu assombroso contraditório e duas páginas d'O Expresso, fez estremecer o grémio dos colunistas lusos. A arte discursiva do PGR excitou os melhores protectores da humanidade, vaticinando-se mesmo, atrevidamente, a sua demissão. Ora a remoção do virtuoso Souto Moura da esfera pública será sempre de um heroísmo inquietante, porque tal demanda é tão arriscada como dar um suspiro por Jorge Sampaio, implorar a contenção verbal de Lopes & Cia ou ouvir a voz de Pires de Lima Filho & Pai. Com felicidade o desvario acabará um dia. Só não sabemos é se temos tempo para ver o naufrágio que se seguirá, quando soubermos da história toda.
- esta semana brotou de conturbados corações liberais e de alguns virtuosos democratas clamores e infâmias contra o jovem estudante universitário de Coimbra, preso em dia de trabalho ao Senado. A perversidade do estudante cuidar de revolucionar a Academia ao volante de um Porsche (ai! a saudade do 356 Gmund), degustando Barca Velha 66 (estranhamente não houve colheita em 69) e controlando a cinza de um Cohiba Esplêndidos, fez tomar conhecimento da vida miserável de alguns lentes e do próprio Seabra Santos, obrigados que são a frequentar o Bar das Letras e as casas de pasto da Rua da Louça ou Sapateiros. Tamanha injustiça burguesa, punindo os mal-aventurados talentos educativos da UC é sinal de degenerescência na respeitável Universidade. O que aliás vem confirmar o formidável resfolgar da prosa do lumpen João Pereira Coutinho in O Expresso (link indisponível). Academia ergue-te! É tempo.
domingo, 24 de outubro de 2004
[Há Silêncios ...]
"Há silêncios nos montes e há vida:
Velas no mar e cavalos
Adormecidos nos vales ...
E há ilusões consentidas:
Vento que sopra nos caules
Antes de serem ceifados,
E o começo do mundo
Em cada instante de calma.
Mas eu procuro horizontes
Cerrados pela Promessa.
Mas eu procuro outras fontes,
Melhores? - Di-lo tu, alma!"
[Ruy Cinatti]
"Há silêncios nos montes e há vida:
Velas no mar e cavalos
Adormecidos nos vales ...
E há ilusões consentidas:
Vento que sopra nos caules
Antes de serem ceifados,
E o começo do mundo
Em cada instante de calma.
Mas eu procuro horizontes
Cerrados pela Promessa.
Mas eu procuro outras fontes,
Melhores? - Di-lo tu, alma!"
[Ruy Cinatti]
[O Político]
"Quando um homem qualquer não tem que fazer, e receia por um resto de pudor passar por vadio, mete-se em político.
Ser político, em Portugal, significa falar no orçamento e não o ler; na Carta Constitucional, e não saber onde ela se vende; no poder executivo, e confundi-lo com todos os outros poderes, menos com o próprio poder executivo.
Para se ser político, precisa-se: primeiro, audácia; segundo, ignorância; terceiro, ociosidade. Com estes três predicados, a leitura de alguma folha periódica, e o conhecimento pessoal de dois ou três homens que já foram ministros, está feito o político.
O político é geralmente um homem enfastiado e fastidioso, a quem correm mal os negócios públicos e pior ainda os domésticos (...)
O político interessa-se por tudo quanto é novidade, porque a novidade traz de ordinário consigo a confusão, e a confusão dá azo a deixa-lo por em prática as suas teorias sociais (...)
O político tem com o perdigueiro a analogia de farejar e levantar a cabeça. Notícia sem fundamento, ou boato sem verosimilhança, nasce exclusivamente do político. É ele que justifica mais do que ninguém a frase popular fazer de um argueiro um cavaleiro ..."
[Luís Augusto Palmeirim, in Galeria de Figuras Portuguesas, 1879]
[Recuerdos]
"Cat's foot iron claw
Neuro-surgeons scream for more
At paranoia's poison door
Twenty first century schizoid man.
Blood rack barbed wire
Politicians' funeral pyre
Innocents raped with napalm fire
Twenty first century schizoid man.
Death seed blind man's greed
Poets' starving children bleed
Nothing he's got he really needs
Twenty first century schizoid man." [21st Century Schizoid Man]
King Crimson [via "Sociedade das Nações", SIC-Notícias]
quinta-feira, 21 de outubro de 2004
[O Sono Das Águas]
"Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar"
[João Guimarães Rosa, enviado por Amélia P.]
"Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar"
[João Guimarães Rosa, enviado por Amélia P.]
Coisas Públicas
"Há que tempos que deitamos flor pelo lado de dentro" [Raul Brandão]
O Magnifico Seabra Santos, no seu papel de lente instruído, esqueceu-se, há muito, do que assegurou para espanto de todos: ser "politicamente errado e economicamente irrelevante o aumento das propinas (...) e que este aumento não vai significar mais receitas para as Universidades, mas sim menos orçamento transferido por parte do estado". Este episódio espiritualíssimo faz com que Seabra Santos seja, pela doçura melosa das suas palavras in Senado, pela originalidade da gerência financeira a seu cargo e pelo ladrilhar do seu percurso de carreirista académico, considerado o mais arrogante e bem humorado Reitor que pela Academia passou. Seabra Santos pôs-se à disposição dos acontecimentos, pela sua insensata pesporrência, engasgando-se em prosas posteriores que enfeitou com características exibicionistas e daí partiu à desfilado, juntamente com um curioso número de lentes encrostados na bafienta Universidade, contra a estudantada. As palmas ao Seabra ouvem-se já no bar dos Direitos. E o sentimento de felicidade iluminou, de uma vez, os seus vetustos claustros.
Como é uso nestes casos dos doces desenganos, manda o cerimonial recorrer à chibatada para vingar o esclarecimento público. Afinal, os aplausos ao Seabra eram pretexto para um empolgante debate de linguagem marcial, a pedido de vários e conhecidos lentes, algumas famílias políticas entronizadas na instituição e, evidentemente, por todos aqueles para quem a grilheta da autoridade deve ser estoicamente seguida.
O happening assim conseguido à porta da reunião do Senado, lugar onde os graves representantes da Instituição celebram imponentes prelecções, é de uma surpreendente heroicidade. Quando olhamos, de longe, a azáfama que habita o território do ensino superior, onde os lentes modernos legitimam as suas decisões a partir de um discurso e uma praxis onde a avaliação do desempenho está ausente; onde o acto educativo reside num desassossego esquizóide face à abordagem pedagógica incompetente dos seus docentes, sem qualquer capacidade didáctica ou relacional; onde a matriz cultural dos seus clientes atinge o absurdo, sem qualquer dimensão crítica, memória cultural ou desejo de saber; entende-se porque razão o lente, afastado da iniciação pedagógica e, por vezes, científica, se refugia na robustez "pedagógica" das estratégias das cargas policiais. A mestria assim pretendida tem outro nome. Os tempos não mudam.
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