segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006
Agostinho da Silva - "Considerações"
"Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público. Depois as epopeias duram pouco; todas as forças se podem concentrar, faz-se um apelo supremo à suprema energia; em seguida permite-se o descanso, a mediocridade que apazigua e repousa; nada mais vulgar do que um herói fora do seu teatro" [A. Silva, in Considerações e Outros Textos]
"Já será grande a tua obra se tiveres conseguido levar a tolerância ao espírito dos que vivem em volta; tolerância que não seja feita de indiferença, da cinzenta igualdade que o mundo apresenta aos olhos que não vêem e às mãos que não agem; tolerância quem afirmando o que pensa, ainda nas horas mais perigosas, se coíba de eliminar o adversário e tenha sempre presente a diferença das almas e dos hábitos; dar-lhe-ão, se quiserem, o tom da ironia, para si próprios, para os outros; mas não hão-de cair no cepticismo e no cómodo sorriso superior; quando chegar o proceder, saberão o gosto da energia e das firmes atitudes. Mais a hão-de ter como vencedores do que como vencidos; a tolerância em face do que esmaga não anda longe do temor; então, antes os quero violentos que covardes" [A. Silva, in Considerações e Outros Textos]
[Sou Marujo ...]
"Sou Marujo, Mestre e Monge
marujo de águas paradas
mas que levam os navios
às terras por mim sonhadas
Também sou mestre de escola
em que toda a gente cabe
se depois de estudar tudo
sentir bem que nada sabe
Mas nem terra ou mar me prendem
e para voar mais longe
do mosteiro que não houve
e não haja, me fiz monge" [Agostinho da Silva]
"Sou Marujo, Mestre e Monge
marujo de águas paradas
mas que levam os navios
às terras por mim sonhadas
Também sou mestre de escola
em que toda a gente cabe
se depois de estudar tudo
sentir bem que nada sabe
Mas nem terra ou mar me prendem
e para voar mais longe
do mosteiro que não houve
e não haja, me fiz monge" [Agostinho da Silva]
Que Viva Agostinho da Silva
"Talvez não seja muito ousado pensar que se tem de restabelecer Portugal porque talvez alguns defeitos que lhe achamos venham mesmo de origem. Para tal o veremos não como é hoje, mas como se apresentava antes de ser ..."
[Agostinho da Silva, in Carta Vária]
"O Quinto Império é um desejo muito profundo de cada pessoa em relação ao futuro. Eu tenho o meu Quinto Império, o Saddam Hussein terá o seu e com certeza o George Bush terá o dele. O segredo é que não podemos impor aos outros o nosso Quinto Império. Temos de o fazer com as pessoas que temos e não com aquelas que gostaríamos de ter.
Em Camões o Quinto Império ligava-se com o episódio da 'ilha dos amores'. Vasco da Gama, depois de cumprir o seu objectivo, voltava para o reino quando uma deusa lhe pôs uma ilha em frente. Os seus homens desceram e a primeira coisa de que tiveram de se ver livres foi da sua existência física, da sua parte animal. Só assim entraram na Ilha dos Amores. E quem era essa deusa? Era a Criatividade. Camões ensinou-nos que devemos perseguir os nossos objectivos e uma vez cumpridos podemos entrar na 'ilha dos amores' se soubermos dominar a nossa parte animal. A Ilha dos Amores é o Quinto Império" [Agostinho da Silva]
In Memoriam Álvaro Lapa [1939-2006]
"Combinai os trevos. Reaparecei. Caminhai nos trevos amarelecidos do crepúsculo. Findai o mundo. Depressa ide. Reduzide a pérolas as gotas de suor, do medo. Caminhai sobre pérolas. Investide. Atormentai a possibilidade (única?) do lugar ..." [A. Lapa, in Raso como o Chão, 1977]
"... Eanes pousando com policias de choque ultimo flash. O operário visando a vida na figura do chui a descoberto na cabeça. DE vez em quando um grito imaculado. Libertação de suor assustado. Mesmo presidente com moscas dado o calor do ambiente e a inibição de usar ali o insecticida. Eanes à Sul-Americana. Operário à entrada aguardando a vez" [A. Lapa, in Porque Morreu Eanes, 1978]
"- Cada um compreende o seu sátiro. O livro mostra uma feroz sátira à humanidade inteira na sua gasta. É gesta satírica. Combina dois géneros. Humano e animal. Como uma fabula mas sem moral ..." [A. Lapa, Sequências Narrativas Completas]
Síndroma de Aarhus
"Deve-se proibir os intelectuais de brincar com fósforos"
A publicação das caricaturas sobre Maomé, por um xenófobo jornal dinamarquês, seguido pelo tumultuoso espectáculo caseiro de grupos fundamentalistas muçulmanos, que replicaram com hadîts (que não ainda a jihâd) de exortação de fé, ameaças e inaceitáveis actos de violência, revelam não só o ardor belicoso que espera a imprudente e "licenciosa" Europa, mas (e há sempre um ... mas, porque o homem é "livre e imprevisível") igualmente fazem pensar sobre a tragédia do pensamento e cultura da modernidade, entendida enquanto "gramática da ruptura" contra a "ordem" e os "valores tradicionais" (urgente reler Miguel Baptista Pereira).
Não espanta, pois, que a pragmática enunciada pela classe politica, nos jornais ou blogs seja uma mera idolatria do discurso secularizado, parapeito de posições circulares, mesmo que não consensuais, onde alguma impudência de carácter político-ideológico, em torno da providencial "liberdade de expressão" (como se ela, de tão copiosamente absoluta para eles, tenha deixado de existir ou se pretenda limitar), "bom senso" (que para alguns não deixa de ser insidiosamente assombroso, tal o jogo retórico jogado), "responsabilidade" (inteiramente estranho no mundo daqueles que, como Gargântua, prescrevem: "Faz o que quiseres!") e outros avatares presentes no credo do "deísmo racionalista", mais não é que um fenómeno de desculpabilização, ou melhor a justificação do direito de justificar.
Que alguns, mais preclaros, tenham na sua "bondade" panfletária, manifestado uma obsessiva e intolerante islamofobia (e outros um desvelado anti-semitismo), mesmo que faça parte da "lógica do predador" instruído, não deixa de ser inquietante. Que outros, mais íntimos de linguagem, menos belicosos e mais sérios, contraponham "opiniões" a "actos" - como se o "dizer do fazer" no "discurso da acção" (Paul Ricouer) presente no sujeito pensante, não deixasse de ser um intencional "epíteto à acção", "signo identificativo" ou um dizer que é "um próprio fazer" - para nos persuadir da validade de uma qualquer opinião expressa (sob que suporte seja), pode ser autêntico mas dispensa sempre a prova de facto.
Que questões em torno da fonte da tolerância/intolerância (no nosso "reino da liberdade" ou nas "tiranias" dos outros), da tendência evolucionista da secularização, do conceito de liberdade (que é individual, económica, social, política, de religião, de expressão e por aí fora) em abstracto ou em concreto, da universalidade de valores enquanto mero exercício do poder administrativo, do pretenso (e porque não!?) "choque de civilizações", do direito ao sagrado como cultura da diferença, do (falhado) multiculturalismo como deriva (neo)liberal ou como dispositivo utópico da esquerda, do medo e terror que hoje se pressagia (haja ou não manipulação política), que tudo isso irrompa com tanta autenticidade, embora sempre lá tenha estado (e por demais debatido), descobre a nossa fragilidade mas não deixa de ser uma ventura luminosa, uma doce e venerável "irresponsabilidade", só presente em espaços democráticos e plurais. E impossível em países totalitários.
O debate em curso tornou-se, assim, num espaço com um tal excesso de significantes que diríamos: "podemos todos morrer de sede em pleno mar". Sabe-se que, nesta crise do "mundo em crise", só a crítica (polémica) que instale uma "vinculação ao futuro" pode configurar a nossa "liberdade presente" e assim sendo, ironicamente ou talvez não, o dispositivo de verdade, para este "fim de um mundo" (ainda Guénon, porque não?), pode e deve (também) ser exercido fora do "reino da crítica" (ou da tessitura da razão), território esse que alguns, engajados no politicamente correcto, consideram inamovível. Mesmo sabendo que, seguindo Rilke, "aquilo que acontece traz um tal avanço sobre aquilo que pensamos, sobre as nossas intenções, que podemos nunca alcançá-lo nem conhecer a sua verdadeira aparência". Et pour cause ...
sábado, 4 de fevereiro de 2006
Paulo Francis [1930 - m. 4 Fevereiro 1997]
"Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros e os leitores é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação do amante rejeitado" [Paulo Francis]
"Não quero discutir porque estou assim life is awful but don't say it, basta ir ao dicionário. Os melhores me acham sob sofrimento profundo & inexpresso, de que têm certeza conhecem as causas, como o velho A., que, aos 81 anos, acredita em Deus, liberdade e progresso para as massas, que chamaria povo, identificando a origem fascista da palavra 'massas', o velho A. Até escreve a respeito, e me olha caridoso, silenciosamente se solidarizando com meu chagrin, na língua step dele. Olho-o e me lembro que Hesse só o conserva porque pinga um molho liberal no pasquim reacionário que Hesse edita. Ainda dá para ver Ipanema às 6 da manhã. Moro no leblon. Sabemos o que tínhamos de fazer e não fizemos. Órfãos da tempestade. Talvez nem isso. Falta-nos gravitas. Não escolhemos ou propusemos. Deixamo-nos dispor e depor. Vivemos entre segundos. Não contamos" [Paulo Francis, in Cabeça de Papel, 1977]
Locais: Paulo Francis / Paulo Francis - o contundente crítico cultural / Morre Paulo Francis / Uma bibliografia básica para quem quer compreender a aventura da humanidade / Paulo Francis / Paulo Francis no paraíso / O farrapo que se encerra? / Mudando de palco / A Ignorância de Paulo Francis
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006
Opera Proibita - Cecilia Bartoli
«O tão esperado recital Haendel da Bartoli transformou-se num projecto musicológico de especial pertinência: abordar o período romano do autor, os seus contemporâneos e a manutenção 'disfarçada' da estética da ópera em oratórias, num período nos inícios do século XVIII em que aquela estava proibida pelo poder papal. 'Lascia la spina, cogli la rosa' de 'Il Trionfo del Tempo e del Desenganno' de Haendel vale como mote de um daqueles raríssimos discos que logo ao primeiro encontro, à primeira ocasião de deslumbramento, temos a certeza de serem 'históricos'» [Augusto M. Seabra, in Mil Folhas, 14.01.06]
Cecilia Bartoli - Lascia la spina, cogli la rosaCastpost
Foi vc que disse ... estabilidade!?
O senhor Cavaco Silva (assim mesmo, que andam castos pelos blogs) ainda não tomou posse. O sublime mandato está a protocolos e outras iniciações. Mas se o eco do serviço público à República ainda não surtiu efeito, a verdade é que a paciência, dos instruídos eleitores do sr. dr., está a modos que incontinente. Os murmúrios dominantes dentro do partido do engenhoso Cavaco Silva, de tão pouco dissimulados são, produzem, por isso, consequências demasiado previsíveis. O trivial, já se vê, nada de somenos. Diz-se.
Sabe-se, no entanto, que alguns cavaquistas mais imperturbados entendem a pungente troca de opiniões, e de arrufos, entre os Menezes, os Passos Coelho ou o inefável Marco António, sempre de permeio, como um tranquilo affaire d'honneur democrático. E, confessam não existir gemido algum, evidentemente humano, que os perturbem de dormir mansamente. O professor & o engenheiro, asseguram, tratam de tudo, nos próximos 3 anos. A bem da Nação e da Europa. Lindamente!
Entretanto, os portistas andam atarefados na lavra de revistas & debates sobre a "coisa" liberal. Um encantamento espiritual, na verdade. A penúria transporta sempre fenómenos providenciais. Estamos, como se vê, ainda no começo. E pode ser que sim, que tudo isso dure os tais virginais 3 anos, mas esperemos a nomeação de Martins da Cruz, para Belém, e o avanço para PGR do incansável Laborinho Lúcio, para fazer as contas todas. Até lá, mesmo que os "ossos" do dr. Marques Mendes sejam "duros de roer" ou a esfinge iluminada de Santana Lopes nos fite, sem ânimo algum mesmo, a atmosfera política restará um pranto. Quem ousará desembainhar a espada, primeiro?
Por outro lado, o poeta Alegre, com atestado de bons serviços à República, e a sua corte reformatória lançam sobre os indígenas um inusitado movimento cívico. Nunca visto entre os eleitores socialistas & os carentes independentes lusos. Questões como "a igualdade do género", a "despenalização do aborto", "o casamento homossexual" ou a magna questão das "novas formas de pobreza" (no dizer do E.P.C., perplexo ao saber que ainda existem), são tão audazes e esperançosas, que se compreende porque a velha raposa socialista, o venerável Almeida Santos, prescreve e recomenda a caridade rosa contra os recalcitrantes do partido. Numa jogada perfeita, passa a "bola" ao poeta Alegre. E este, enquanto estiver condenado a ser comensal da Trindade, diz que está em reflexão. Em trabalhos didácticos. Presume-se que uma poesia pastoral nasça dentro de momentos. Até lá a vida continua. E a estabilidade política, supostamente.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006
José Marinho [n. 1 Janeiro 1904 -1975]
"... Todo o problema da filosofia portuguesa e das filosofias nacionais outro não é, conforme nos parece, senão o de garantir a universalidade da filosofia, mas concretamente situada nos diferentes homens, povos e civilizações (...) Tal qual o entendo, o sentido das filosofias nacionais é uma das formas de regresso às origens próprias do filosofar, um dos modos de distinguir a filosofia teorética e especulativa de uma filosofia cultural, livresca e universitária. Entre as duas há o abismo entre o que é vivo e o que foi ..."
[José Marinho, in Estudos sobre o Pensamento Português Contemporâneo, 1981]
"Um dos [primeiros] mais importantes aspectos [da aprendizagem] do estudo da língua natal era outrora o que se chamava 'tirar significados'. Pode discutir-se a legitimidade da expressão, pode discutir-se também o valor pedagógico dessa forma de aprendizagem.
A razão [(...) e] de uma dificuldade e de outra está em que [nesta] nesse modo de [aprendiz] apreender, as palavras são apreendidas [alcançadas] [atendidas] extrinsecamente. Professores e estudantes não atendem então ao que na palavra é [genesíaco] mais fundo ou [até] originário, a palavra é assim alcançada [de fora para dentro] desde a periferia da significação. [Por outro lado] Na busca de equivalência [perde-se o (...)] esvai-se ou não chega a assumir-se o que cada palavra tem de próprio e inconvertível. Se encontro por exemplo um significado para alegria e encontro prazer ou boa disposição, estou perto de perder ou não alcançar todo o radioso sentido [que tem] da primeira ..."
[ms de José Marinho, in Revista Leonardo, nº 4, Dez. 1988]
Locais: José Marinho (1904-1975) / José Marinho : "todo o pensar liberta" / Filosofia e Religião em José Marinho. Entre o drama da existência e o enigma do ser / O Enigma e a responsabilidade de cada dia
[Para Sempre]
"Curiosa coisa, a propósito. Há entre nós nos jornais os grandes proprietários do mal-dizer e que não menciono para não dizer mal. Agora, de todo o modo, o curioso é que nunca vi que nenhum deles dissesse mal dos outros. Donde a conclusão (provisória) de que impropério é característico de uma raça ou de uma casta" [Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 3]
"Há homens que não suportam a ideia da amizade por verem nela apenas uma submissão ao de quem são amigos. E a forma de lutarem contra tal submissão é traírem. Há homens em quem a traição é assim a forma inata de afirmarem uma independência que não têm" [V. F., Conta-Corrente 4]
"Hoje o Expresso trazia uma nota assinada por F.B. (Francisco Belard?) a propósito da publicação de Para Sempre, em que se dizia que eu não tinha o hábito de me pôr na ponta dos pés, etc. Gostei. É que na realidade dá-me nojo, asco, vómitos, o sujeito (normalmente um medíocre para equilibrar a mediocridade) que chateia os jornalistas para falarem dele, lambe os críticos para dizerem bem, amola os livreiros para lhe exporem os produtos, cultiva sobejamente relações para o ampararem, consegue ir à TV sempre que dá um traque mais audível, mói-nos a paciência com a farrapada das sua edições, diz bem de toda a gente para ninguém dizer mal dele, põe cinta nova nos livros sempre que há nova edição, rapa os restos do prato dos outros para fingir o alimento que não tem, mobiliza a imprensa se abichou algum prémio, tem um tom augusto de quem chegou ao empíreo, faz tudo para ir a académico - faz tudo para se não esquecerem dele e consegue por fim ser monumento nacional e chamar invejosos aos que lhe atiram tudo à cara ..." [idem, ibidem]
segunda-feira, 30 de janeiro de 2006
[Brinde ao José Pimentel Teixeira]
"Ao Zé Cardoso peço uma miúda
com um toque de chiado ou de grandella
às nove e duas pernas da manhã,
que, como peixe, tesa de frescura,
tenha perdido a escama de donzela,
mas não venha falar-me do Vailland ..."
[Alexandre O'Neill, in Amigos Pensados: José Cardoso Pires]
Notícias da blogosfera & arrabaldes
* Felizes e afidalgados andam os membros do Tugir. Consumaram (e bem) 2 (dois) eternos anos de bloganço. Não há choques (tecnológicos ou alegristas) que os abalem. Dois anos de fidelidade na escrita, o sorriso da memória, o encanto da missão. Um segredo sólido, portanto. Muitas felicitações.
* [À espera da Liberdade] - "A última favela de Lisboa. A primeira também. Enraízada nas costas de Monsanto e aos pés do Aqueduto das Águas Livres. Com vista para o Tejo e para toda Lisboa. Irónica escolha de palavras: um milhar de lisboetas vive em condições idênticas às da Revolução Industrial num bairro chamado Liberdade. Esperam-na há mais de 50 anos" [in (T)ralha]
* Vamos poder ler [mais] Vasco Pulido Valente. Ao que parece, V. P. V. desceu à blogosfera. Não há ruído tão exaltante. A blogosfera lusa anda "perigosa".
* "Leia aqui na íntegra a entrevista com o ministro da cultura Gilberto Gil feita por Pedro Alexandre Sanches para a Carta Capital, onde saiu em versão resumida no início de janeiro. Você vai ficar sabendo das polêmicas envolvendo o ministério, por que figuras consagradas da indústria cultural estão reclamando tanto da atuação do ministro e o que o MinC anda fazendo afinal de contas. A entrevista é longa mas vale a pena. De quebra ainda vai ficar conhecendo o blog do Pedro, um dos meus preferidos. A caixa de comentários é uma das mais interessantes da blogosfera brasileira" [via Prosa Caótica]
Homenagem à Nação Benfiquista
"... Fique entendido que te exalto apenas para que ardas / para ao menos sentires nas narinas / o doce novo cheiro do enxofre ..." [António J. Forte]
A missão do Glorioso era simples: cair em cima da lagartagem, desembaraçar a felicidade leonina, prostrar o ímpio d'Alvalade. Coisa pouca. Absolutamente nada de mais. Nada de glória. Nada de heroísmos. Ganhar ... apenas! Para ilustrar os pios corações verdejantes. Era, assim, que devia de ser.
Ah! Meus amigos, mas que maldade aquela. E que sacrifício, o nosso. A sobrenatural derrota de sábado passado é uma grande & benevolente generosidade. A inteligível oferta, made in Veiga & Vieira Inc., revela o romantismo que há em nós. A nossa paixão desportista. A pureza sincera dos grandes campeões. Somos sublimes quando instruímos o génio da rapaziada d'Alvalade. Sem nós, que calvário era o Sporteen.
Mas que talento formidável o nosso. Que apuro estupendo de forma e que empenho profissional ... dos nossos jogadores. Que classe! Que transformismo futebolístico, que a todos surpreendeu. Palmas, Mr. Koeman! E muito obrigado, comendador José Veiga. Afinal, que seria do Glorioso sem as suas palestras semanais & a sua lábia afiada, em todos os dias. Estamos fascinados.
domingo, 29 de janeiro de 2006
quarta-feira, 25 de janeiro de 2006
Ava Gardner [1922 - m. 25 Janeiro 1990]
"Sou um veneno para mim e para qualquer pessoa a minha volta" [Ava Gardner]
Alguém disse (cito de cor) que "entre a virgem e a mulher fatal ergue-se a divina". Temos para nós, que a mulher fatal é sedutora, abre a "fenda radical" ou ferida narcísica em cada um de nós, mas ao sê-lo cai na "armadilha" do seu jogo amoroso. Doutro modo, a divina desperta o desejo e "joga" (joga-nos), pelo prazer de "jogar" e não pelo prémio do "jogo". Se a mulher fatal, inebriada no desejo de conquista, passa a amar-se através do amor que o outro lhe tem, isto é, "o sujeito da conquista passa para o lugar de objecto amado" [Barthes], a nossa divina nunca sucumbe à própria tomada amorosa. Na divina tudo é vertigem, ambiguidade, lamento. O triunfo sobre o objecto amoroso é sempre um movimento sem fim último, um investimento libidinal quase inocente, uma linguagem sempre urgente, uma pulsão de vida. Por isso obriga-nos a amar. Daí ser inquietante.
Talvez, por isso, o romance de amor ou "logro no tempo do amor" [Barthes] de Ava Gardner ("o animal mais belo do mundo", segundo J. Cocteau) ao longo da sua vida, entre Mickey Rooney, Howard Hughes, Artie Shaw, Burt Lancaster, John Huston, Robert Taylor, Robert Mitchum ou Frank Sinatra, tenha sempre sido o mesmo - a busca do estado amoroso, porque nunca estamos satisfeitos. Por isso Ava Gardner, como outras divas, será sempre uma das nossas divinas. Há desafios que não cansam.
terça-feira, 24 de janeiro de 2006
Winston Churchill [1874 - m. 24 Janeiro 1965]
"Um político deve ser capaz de prever o que acontecerá no dia seguinte, na semana seguinte, no mês seguinte e no ano seguinte, e ter depois habilidade de explicar porque não aconteceu" [W. Churchill]
"... Logo que entrei em convalescença, comecei a frequentar a Câmara dos Comuns, para assistir aos grandes debates. Consegui entrar na galeria dos convidados notáveis, quando Gladstone resumiu a segunda parte do seu projecto de lei sobre a Home Rule. Recordo-me, perfeitamente, dessa cena e dos incidentes que a acompanharam. O velho estadista parecia uma imensa águia branca, esplêndida e feroz, ao mesmo tempo. As frases do seu discurso desenrolavam-se majestosamente; toda a gente estava suspensa dos seus lábios e espiava os seus gestos, impacientes por aplaudi-lo ou por escarnece-lo. Ao chegar ao ponto do discurso em que exaltava o partido liberal, dizendo que, quando abraçava uma causa, não conhecia a derrota, enganou-se e disse: 'Não há causa alguma (falando do Home Rule) pela qual o partido liberal, tenha sofrido tanto e descido tão baixo'. Então os tories levantaram-se e soltaram gritos de alegria. Mas Gladstone, agitando a mão direita com os dedos abertos como garras, apaziguou o tumulto acrescentando: 'Mas conseguimos reerguer-nos' ..." [W. S. Churchill, in Memórias da Minha Juventude]
Catálogo 71 da Livraria Bizantina
Acaba de sair o Catalogo do mês de Janeiro da Livraria Bizantina (Rua da Misericórdia, 147, Lisboa). Peças curiosas, a preços bem acessíveis.
Algumas referências: Teatro Popular Português, por Azinhal Abelho, 1968-76, VI vols / Quarenta Anos de Vida Literária, de António José de Almeida, 1933-34, IV vols / O Integralismo Lusitano, de Leão Ramos Ascensão, 1943 / À Sombra de D. Miguel, por Carlos dos Santos babo, 1906 / Sumário de Antiguidades da Mui Nobre Cidade do Porto, de A. De Magalhães Basto, 1942 / Brado aos Portugueses - Opúsculo Curioso Contra as Ideias da União de Portugal Com Espanha, 1860 / No Exílio. Scenas da Vida dos Conspiradores Monárquicos, de Alfredo de Freitas-Branco, 1917 / Guerra Peninsular, por Francisco Augusto Martins de Carvalho, 1910 / Na Brecha (Panfletos), de João Chagas, 1898 / Heróis Desconhecidos. Lisboa Revolucionária, por Sousa Costa, 1935 / Escorços Transmontanos, de Ferreira Deusdado, 1912 / Estatutos da Sociedade do Giro dos Vinagres do Alto Douro. Folheto Satírico, 1822 / Exposição Franca Sobre a Maçonaria, por Hum Ex-Maçon que Abjurou a Sociedade, 1828 / O Integralismo e a República, de Carlos Ferrão, 1964, III vols / D. Manuel II, o Desventurado, de António Ferro, 1954 / Liquidações Políticas. Vermelhos e Azuis, por Augusto Fuschini, 1896 / Palheiros do Litoral Central Português, de Ernesto veiga de Oliveira, 1964 / História Abreviada das Sociedades Secretas, pelo Marquez do Lavradio, Lisboa, 1854 / Obras várias do Pe José Agostinho de Macedo [Demonstração da Existência de Deos, 1816; Refutação do Monstruoso, e Revolucionário Escripto Impresso em Londres Intitulado Quem He o Legitimo Rei de Portugal, 1828] / Diccionario Geographico Abreviado das oito províncias dos Reinos de Portugal e Algarves, 1853 / Obras diversas de Wenceslau de Morais [Cartas do Japão, 1907; Osoroshi, 1933 / Os Serões no Japão, 1925; Ó-Yoné e Ko-Haru, 1923] / Navalha de Fígaro, ou a Palmatória de Padre Mestre Inácio Administrada aos seus Discípulos. Jornal Político, nº1, Lisboa, 1821 / Protocoles des Sages de Sion, Paris, Bernard Grasset, 1921 / Memorias do Bussaco, por A. P. Forjaz de Sampaio, 1864 / Canções Populares da Beira, de Pedro Fernandes Thomaz, 1996 / Manuscritos vários [Memorias Geneologicas de Diversas Famílias, exactamente Averiguadas e Escritas por Lourenço Rolão Couceiro Pimentel de Almeida em o Presente Anno de 1779, 261 ff; Árvores de Costados, das Famílias Titulares e Nobres do Reyno - Começada em Mogofores, nesta Casa e Quinta do Juncal, aos 20 de Agosto do Anno da Graça de 1924]
segunda-feira, 23 de janeiro de 2006
Presidenciais: o fim da "coisa" & o "santinho" de Boliqueime
Hoje o país, por um fenómeno curioso de explicar - mas que o prof. de eduquês David Justino & outras luminárias cavaquistas, como o pessoano Francisco José Viegas, de dedos espetados e em vaidade lambuzada certamente enxergarão - acordará inquieto, sobressaltado, desconfiado. A sensação que transparecerá em (quase) metade do eleitorado indígena será a de um enorme vazio. Na maioria que apoiou e deu o tom festivo ao ungido sr. Silva, pelo que ouviram na lenga-lenga da noite eleitoral sobre o seu presumido convívio político com o governo, perpassa já a perplexidade. Assim nos revelou o guarda-nocturno, posteriormente confirmado pela criada de quarto, ao serem contraditados nesse "obscuro objecto do desejo" de não querem sustentar o eng. Sócrates até aos tempos findos de 2009. E que o novel Presidente demoliu na sua cassete de agradecimento pátrio. Pobres desalentados.
É certo que haverá um brilho "celestial" nalguns (raros e sinceros) eleitores do "santinho" de Boliqueime, para quem a ideia de "empatia pessoal" e de "contrapeso" adjacente, explica tudo. O caso da guinada cavaquista do comovente Paulo Gorjão, recostado ao seu Bloguítica, é elucidativo. Embora careça de autópsia futura. É que ladrilhar promessas sempre foi fácil. O ex-governante Cavaco Silva aí está para o confirmar, em tempos idos. Haverá dúvidas!?
Sabemos, no entanto, que a terra prometida tem sempre encantos na hora do vencimento. E de facto, ao que julgamos, o dr. Cavaco impressionou pelas promessas aventadas aos seus ridentes crentes. O "santo" de Boliqueime, homem modesto e simples (como suspira a tradição e não só o prof. Marcelo), triunfa pelo assombro com que afiançou "defender o futuro dos portugueses", correr com a crise mental e económica que avassala o reino, salvar a pátria. Administrando com espírito de sábio a "coisa", a partir de Belém. Em suma ... governar! Não há outra razão mais. Eis como se compreende a angústia do nosso guarda-nocturno. Ou a tragédia da reforma da nossa criada de quarto. E de outros, perante as medidas impopulares de Sócrates. É bom de ver a tragédia que os (nos) espera de toda essa excitação pré-eleitoral. P'rá mais tarde recordar. Porque lhe serão, decerto, cobradas as promessas.
A ecologia dos afectos, presente no "quadro de estabilidade" governativa, tão suplicantemente reafirmada pelo candidato Aníbal foi bem envasada. 10 anos de irredutível silêncio. Nem um embaraço, nem uma fervorosa reprimenda à canalha que nos governou (aqui, na Europa e no mundo). Nem um furtivo desagravo. Habilidosamente o "santinho" de Boliqueime escondeu a bengala político-partidária & desenvolvimentista. O país e o mundo derivavam em requintadas "modas" e o "mestre" abalizado para a matéria mudo e quedo. A sombra do dr. Aníbal nem se via. Ninguém, evidentemente esclarecido, o ouviu harpejar o que quer que fosse. Eis a cegueira colectiva ou o milagre do "santinho" de Boliqueime. Nada de mais.
Por isso, sem um candidato credível (à populaça, entenda-se) que o contrariasse, sem a amargura da acareação, a oração declamada pelo dr. Aníbal nunca podia deixar de ganhar. Passe a tentativa nobre e corajosa de Soares, Louçã e Jerónimo, que, com mais ou menos erros cometidos logo entenderam a teatralidade da "coisa", a "comédia" eleitoral do dr. Aníbal era triunfante. Como foi. Grandiosa e burlesca. Até ver!
quarta-feira, 18 de janeiro de 2006
Ary dos Santos [1937 - m. 18 Janeiro de 1984]
"... Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura" [A. dos Santos, in Auto-Retrato
"... O jardim das palavras é o cio
o pólen a cantata o desvario
puta capaz de endoidecer um homem.
Poesia. Não amargo: Doce rio
conchego das palavras contra o frio
de todos que resistem porque as comem" [A. dos Santos, O Sangue das Palavras]
"Nós amamos a carne das palavras
sua humana e pastosa consistência
seu prepúcio sonoro sua erecta presença.
Com elas violentamos
O cerne do silêncio" [A. dos Sandos, in A Luxúria]
Ary dos Santos - Brevissima Antologia da Poesia Com Certeza Castpost
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A "Cavalaria" das Presidenciais
"Declaro que, no título meio quadrúpede, meio literário d'este folheto, não disfarço alguma subtil malícia zoologicamente hostil a alguém. O meu naturalismo não vai tão longe ..." [Camilo Castelo Branco, in a Cavallaria da Sebenta, 1883]
"... A crer nos reaccionários, o interesse dos governados seria, por assim dizer, o de serem governados o mais possível. O Rei hereditário possuiria, por uma espécie de virtude de posição (e porque não por um estado de graça?), não só o privilegio de conhecer as necessidades do país a que preside como o de não poder deixar de servir os interesses nacionais. O Rei seria, numa palavra, o indivíduo, o único indivíduo da Nação, em que o interesse geral e o interesse individual coincidem (...). Ora se existe um ser tão singular que goza da propriedade de servir o bem comum quando mais não faz que procurar o seu próprio bem, nada parece mais razoável do que confiar-lhe cegamente os nossos interesses, sem limitação e sem controle. Dando-lhe carta branca, teremos feito um bom negócio.
A tese é admiravelmente simples. Quem pensa, porém, iludir com ela? ..." [Raul Proença, Seara Nova, 1930]
"Hoje as histórias fazem-se aos pulinhos,
Sobre o joelho, ou mesmo sobre o vento ..." [Pedro Dinis?]
"Antigamente como vegetação constitucional tínhamos apenas uma árvore - a bem conhecida árvore da liberdade regada com o sangue de tantos mártires. Presentemente o constitucionalismo botou horta.
Foi depois de se ver como a árvore medrava neste abençoado torrão, que a pouco e pouco se foi plantando o resto.
Vieram os folhudos repolhos, as saborosas couves penca e lombarda, a bela abóbora, os frescos espinafres, as diferentes alfaces, e os variados cheiros, a pimpinela, a salsa, o coentro - tudo da liberdade.
Pôs-se a mesa rústica debaixo do parreiral, e fundou-se a reinação moderna ..." [Ramalho Ortigão, As Farpas, IV)
"...E um poeta cantava uma ária"
"Basta
O público está fatigado
Mas não serei eu quem favorecerá esse desejo
Porque se o público adormece
Não há feijão verde este ano
Nem tartarugas a vaguear sobre secretárias ministro
Nem poeira nas engrenagens dos relógios
Nem sequer jactos de saliva na cara dos padres" [Péret, trad. Ernesto Sampaio]
domingo, 15 de janeiro de 2006
Paul Lafargue [n. 15 Janeiro 1842 - 1911]
"Preguicemos em tudo, excepto no amar e no beber, excepto no preguiçar" [Lessing]
"Em regime de preguiça, para matar o tempo que nos vai matando segundo a segundo, haverá espectáculos e representações teatrais sem fim; aqui está um trabalho bem achado para os nossos burgueses legisladores. Serão organizados em grupos, que correrão as feiras e as aldeias, oferecendo representações legislativas. Os generais, com botas à amazona, e o peito enfeitado de alfinetes, crachás e cruzes da Legião de Honra, irão pelas ruas e pelas praças, desafiando as pessoas de bem.
(...) A abrir os festejos assistir-se-à à Farsa Eleitoral.
Diante dos eleitores, com máscaras e orelhas de burro, os candidatos burgueses, vestidos de palhaços, dançarão a dança das liberdades políticas, limpando a cara e a testa com os seus programas eleitorais de múltiplas promessas, e discursando com lágrimas nos olhos sobre as misérias do povo e com voz metálica sobre as glórias da França; após o que todos os eleitores bradarão solidamente e em coro: hi ho! hi ho!..." [Paul Lafargue, in O Direito à Preguiça, Campo de Letras]
Locais: Paul Lafargue Internet Archive / La religion du capital / O Direito à Preguiça
quinta-feira, 12 de janeiro de 2006
Falemos alto
"Falemos alto. Os peixes ignoram as estações e nadam.
Nós, caminhamos entre árvores. Quando é verão, os druidas,
curvados, recolhem as ervas novas.
Falemos alto,
os milagres são poucos.
As águas reflectem os cabelos, as blusas dos viajantes.
Os risos, claros, detrás do ar. Os pássaros voam em silêncio ..."
[Ferreira Gullar, Toda a Poesia 1950-1980]
"Falemos alto. Os peixes ignoram as estações e nadam.
Nós, caminhamos entre árvores. Quando é verão, os druidas,
curvados, recolhem as ervas novas.
Falemos alto,
os milagres são poucos.
As águas reflectem os cabelos, as blusas dos viajantes.
Os risos, claros, detrás do ar. Os pássaros voam em silêncio ..."
[Ferreira Gullar, Toda a Poesia 1950-1980]
Notícias domésticas & a histeria à porta da Segurança Social
O mordomo da administração do eng. Sócrates, Fernando Teixeira dos Santos, economista por fervor académico e ministro por ofício, veio em declarações seráficas contar aos indígenas que "em 2015 o fundo de estabilização financeira da Segurança Social deixará de ter dinheiro para pagar as reformas". Tal episódio público, assim patenteado pelo douto ministro, provocou uma ponderosa jericada na populaça lusa - na altura em recolhimento & consolo agradecido sobre a futura prosperidade cavaquista (que vem já a seguir ... evidentemente) - logo seguida de pânico. Não houve um só nativo que, piedosamente, não fizesse a sua genuflexão patriota. Por um momento, e no mais concorrido preito jamais feito aos vários ministros das Finanças do reyno, cidadãos exemplares, em remorso financeiro, desocuparam o enérgico debate das noviciadas contratações do Glorioso SLB, saíram em mansidão do putativo casamento de César Peixoto contra Isabel Figueira e desbastaram três poesias gnómicas de Manuel Alegre. Muito bem! O povo, como se sabe, é sereno.
Ébrios de informação presidencial, os indígenas seguiram imediatamente a desejada explicação do candidato Cavaco Silva sobre tão notável questão. Debalde! Como se sabe, a opiniosa protestação do futuro presidente é tarefa espinhosa de se sintetizar. As mazelas financeiras não pertencem ao seu universo presidencial. Na sua falta (a autoridade do senhor Silva, ao fim de 10 anos, tem agora outras sonoridades), os mestres de fé da cartilha liberal (hayekiana ou não nem por isso) aguçaram as esferográficas. Não saiu nada. A tinta enrugou, de pasmo e vergonha. E lá correram os nossos liberais indígenas, apressados, de regresso à bicha cavaquista para o dia 22 de Janeiro. Entretanto a multidão obscura, em estratégia de sobrevivência ao pavoroso Socratismo, sopra impaciente. E evidentemente, os sindicatos, quais rouxinóis em primavera farta, ensaiam o conhecido "no pasa nada". Vaticínio espantoso. Um must.
Ao que parece, ninguém se lembrou que a peripécia sobre o défice da Segurança Social há muito era referida nos círculos académicos e em trabalhos económicos. E, pasme-se, houve mesmo um candidato há poucas semanas - o Francisco Louçã - que não só reconheceu tal possibilidade como elegeu tal problema como questão principal nos próximos anos. Onde estavam, na altura, a rapaziada dos jornais e das TV's? Os preclaros descendentes liberais de Hayek? Quem homenageavam? Quem louvavam, com hipócrita obsequiosidade? Evidentemente ... os fundilhos miraculosos do senhor Silva. A bem da Nação e da Pátria. Como sempre foi. E continuará a ser.
Não espanta, pois, que em curioso artigalho no jornal Público (ontem), o papa neocon luso José Manuel Fernandes revele andar embaciado por esse desgraçado "magna pastoso onde todos cabem" e, insidiosamente, pretenda amestrar os indígenas e outros bichos para a necessidade do contraditório e da separação ideológica das águas. O pranto do José Manuel Fernandes é conhecido, por demais. Apenas não se compreende como, na sua qualidade de director de jornal, não debateu tal copioso assunto na redacção, para tratamento formativo e informativo autêntico, confrontando partidos e candidatos com autoridade e seriedade. Em vez disso, preferiu alinhar no maior branqueamento ideológico que uma eleição permitiu e em socorro do indigente senhor Silva. Não superou, é certo, a vil direcção da SIC mas sabe-se que "optar pelo trapo / é topar o prato / na porta". Lá dizia O'Neill. Acertadamente.
Minha querida I...
A encomenda feita já foi despachada. Vai no correio o "meu querido Canalha", para que saibas que "nenhuma mulher está livre de se apaixonar por um cafajeste de boa linhagem". A história profana diz-nos isso mesmo. Lembra-me sempre aquela frase de Durrell: "não posso apaixonar-me porque pertenço a uma antiga corporação secreta: a dos bobos". Convenhamos que a ideia que não há combates contra o outro (o amor é sempre "um combate" lá dizia Giorgio Cesarano ... lembras-te!?) mas sim "contra si próprio", tem todo o sentido. Tantos cansaços devem valer alguma coisa. Tanta batalha assim ganha, custa a descobrir. Tanto quanto a corporeidade autoriza e a gramática possibilita.
Eis um testemunho do (teu) "Canalha":
"Todo o homem que é homem já teve seu dia de canalha. Pelo menos um belíssimo dia de canalha. A parte de um dia, que seja, uma tarde deliciosamente cafajeste. As pessoas costumam se enganar com facilidade, parecem pedir que isso aconteça, e o canalha não é do tipo que nega fogo. Aliás, não negarás fogo é o mandamento numero um desta boa linhagem de cafajestes.
Adoráveis canalhas, é o que são, sobretudo se apenas por um dia. No momento em que se dedicam à arte de seduzir, sejam quais forem os fins, eles serão irresistíveis. Como definiu Aldir Blanc, os 'canalhas cálidos' são ternos, compreensivos e com apurado senso de justiça. No caso de um cafajeste com altíssimo poder de atracção, a esta afabilidade se associa um amor genuíno pelas mulheres - os bons canalhas realmente gostam de mulheres, no sentido amplo.
São capazes de ouvir uma mulher como quem realmente está do lado dela, sem qualquer preconceito ou censura, prestando absoluta atenção ao que ela diz - só os dois parecem existir e é nela que o bom cafajeste está pensando. Mesmo assaltado de sonhos, ele saberá dissimular, esperando a hora certa para o ataque. Um canalha de boa estirpe jamais será vencido pela presa ..."
[Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Aldir Blanc, Marcelo Madureira, Bráulio Pedroso & Geraldo Carneiro, in Meu Querido Canalha, Objectiva, 2004]
domingo, 8 de janeiro de 2006
Kenneth Patchen [1911 - m. 8 janeiro 1972]
"Dear God, I don't want to go to bed tonight. There should be a lock on what I have to think" [K.P.]
"Let us have madness openly.
0 men Of my generation.
Let us follow
The footsteps of this slaughtered age:
See it trail across Time's dim land
Into the closed house of eternity
With the noise that dying has,
With the face that dead things wear--
nor ever say
We wanted more; we looked to find
An open door, an utter deed of love,
Transforming day's evil darkness;
but We found extended hell and fog Upon the earth,
and within the head
A rotting bog of lean huge graves" [K.P., Let Us Have Madness]
Locais: Kenneth Patchen Home Page / Kenneth Patchen / Kenneth Patchen Wonderings / Patchen: Man of Anger & Light by Henry Miller - A Letter to God by Kenneth Patchen / Sleepers Awake by Kenneth Patchen / Tributes to Kenneth Patchen and Miriam Patchen
Notícias breves do reyno lusitano & outras moléstias
"Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo" [Oswald de Andrade]
Passada a navegação natalícia em luxo ostentoso, de novo arribamos. Ainda cansados do laborioso "trabalho para o bronze" (condição de estarmos vivos) & irrequietos pelo trabalho de cata d'alfarrábios (a nossa desgraça), cedo fomos agraciados (via Fernando Pinto ... ui ... ui) por novas da administração do reyno. Ainda não tínhamos observado território indígena já o eng. Sócrates nos assomava com ar de anjo, avessado que estava por duas muletas curiosas. Na nossa inocência deslumbrada, logo cuidámos que o caso tinha sido fruto da agitação alegrista ou de alguma inspiração estimável do interino senhor Silva. A vivacidade na cantada do "Grândola Vila Morena", pelo piedoso democrata de Boliqueime, não é decerto despiciendo. Poderia ter sido influência de algum encontro de notáveis orçamentistas (olá Medina Carreira!) sobre a neve BESiana do Marquês de Pombal ou, até, efeito duma plangente manif. dos Pina Moras & Mexias, Inc. Poderia! A gerência domesticada tem sempre essas ousadias.
De outro modo, a TV espacial do sr. Fernando Pinto em parceria com a cândida RTP informava que nuestros hermanos eram obrigados a abandonar os mantimentos do tabaco e la siesta. Tememos pela nossa saúde. O cerco mavioso dessa aurora imaculada de salubridade pública instalava-se. Pela janela antevimos, em suave triunfo cavaquista, a figura prodigiosa de Macário Correia. O rosto brilhante de Sir João Carlos Espada. A bandarilha de Albino Almeida. O terror foi total. Nem a destreza perfeita das microfilmagens de documentos do Ministério da Defesa pelo dr. Portas nos restituiu o viço e a inspiração costumeira. O nosso coração estava, decididamente, fraco.
Por infinita misericórdia, pedimos mais um whisky. As funcionárias (ou pombas do céu) do sr. Fernando Pinto toleram bem essas petições e, portanto, o trabalho corporal de esquecimento foi soberbo. Por isso, enquanto na TV o beato Pinto da Costa chorava qualquer coisa sobre um tal de Moretto, adormecemos generosamente. Não vimos, pois, o guarda Abel em saudade guerreira. A eternidade era já só em Lisboa. Eis-nos de chegada. E ao vosso serviço para o passeio público. Inter alia, evidentemente.
sábado, 7 de janeiro de 2006
In Memoriam de António Gancho [1940-m. 31 Dezembro 2005]
"Noite, vem noite sobre mim sobre nós / dá repouso absoluto de tudo / traz peixes e abismos para nos abismarmos / traz o sono traz a morte..."
"... Suponho que de tudo o que escrevi
só o amor
só o amor louco me disse
o que era a poesia
só o amor e os teus lábios
o teu sexo
a tua púbis incandescente
só isso canto e cantei
e cantarei ..." [A.G.]
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