domingo, 8 de junho de 2003

AGRADECIMENTO AO FUMAÇAS


Com especial enlevo quero deixar ao João Carvalho Fernandes, do Fumaças, um agradecimento sincero , pela atenção que nos dedicou. Se bem que pensemos, que o JCF é bem melhor a dar-nos dicas sobre a nona arte (a gastronomia, como diria Forjaz Sampaio), vinhos de perdição e sobre puros (Será JCF pró-cubano confesso, como espero?), do que a interpretar a degustação da política nos tempos modernos (já se vê que estamos noutro lado da mesa), ficariamos mal se não lhe prestassemos uma justa atenção. Com tempo, depois do Verão, lhe darei uma listagem de livros de cozinha antigos ( o Zé Quitério é fundamental, mas bem recente), que fica sempre bem num blog de mesa e escritos como o Fumaças.
E como castiguei, ao jantar, uma Quinta de Vale Meão, aproveito para com ele saudar o JCF, dizendo como o velho jornalista e bibliófilo Cardoso Martha:

«Da vida sábia e sem perda
Melhor exemplo não topo
Que um livro na mão esquerda
E na mão direita um copo.

Com igual fervor constante
Tua mão colide e agrega
Bons livros, na tua estante
Bons vinhos, na tua adega!»

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

Um deslumbramento este sábado. A capa do DNA de uma beleza comovente e outras ilustrações ( O baile) do par Joana Imaginário e Francisco Lança, que nos saltam ao longo da revista, marcam este(s) sábado(s). O texto de Pedro Mexia sobre Retratos de Sombra, de Mega Ferreira, é talvez um grande e belissimo ensaio. Fica-se com a estranha impressão que PM está mais à vontade quando fala sobre livros que não são de poesia, que estes últimos. Hoje deu-me imenso prazer ler o Album de Família; ler que, «talvez o mito de Pessoa se concretize, realmente, nessas realidades: a arca, os heterónimos, a Baixa. Mas, pelo menos, imortalizou uma palavra:'desassossego', a mais lídima sucessora da estafada 'saudade'».

Ainda o DN, um texto absolutamente a não perder. Falo do texto de António Tabucchi, A velha Europa e o futurista Bush.

«A primeira vez que a Europa foi chamada «Velha» com desprezo (esse desprezo vulgar que certos rapazotes mal-educados demonstram pelas pessoas idosas) foi em Abril de 1909. Aconteceu em Milão ainda que tenha sido em francês, em parte por razões de difusão, em parte porque o autor da invectiva era um italiano nascido em Alexandria e criado em Paris e, por isso, tendencialmente francófono: Filippo Tommaso Marinetti.
A invectiva teve lugar na revista literária Poesia, órgão do grupo que Marinetti tinha reunido ao seu redor, os futuristas, e antecede o Segundo Manifesto desse movimento, titulado «assassinemos o luar!» (...)

A «Velha Europa» marcada por uma «pensativa imobilidade» contra a qual Marinetti arremete era a Europa de escritores e intelectuais como André Gide (que em 1908 tinha fundado a Nouvelle Revue Française), Julien Brenda, o futuro prémio Nobel Romain Rolland (que perante o rebentar da Primeira Guerra Mundial levantaria uma grande polémica com o panfleto pacifista Por cima de contendas, e, mais tarde, com a Declaração de Independência do espírito, ao qual aderiram entre outros Einstein, Bertrand Russell e Benedetto Croce), Henri Barbusse, Heinrich Mann (o qual pela sua oposição aos nazis acabou primeiro em França e depois nos Estados Unidos), Robert Musil (que com As atribulações do jovem Törless, de 1906 devia parecer ao gesticulante Marinetti de um insuportável refinamento «tradicionalista»), Gaetano Salvemini (cuja Revolução Francesa de 1905 exaltava valores como Liberté-égalité-fraternité, realmente demasiado «velhos» para Marinetti)(...)

Há menos de um século de distância, as palavras de Marinetti parecem ter reaparecido recentemente na boca do actual Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Culpa da História? Talvez. Mas, como dizia Josif Brodskij referindo-se aos meandros da História, inclusive a esta, da mesma forma que aos homens, no fundo não tem muita escolha. (...)

A chegada da Administração Bush coincidiu com a plenitude da chamada «revolução tecnológica», pois se bem que esta estava já em acção nos tempos da guerra fria das duas potências, a União Soviética e os Estados Unidos mediam a sua superioridade através da respectiva superioridade tecnológica, após a queda da União Soviética os Estados Unidos tinham ficado como donos absolutos do campo. E desde então a tecnologia experimentou uma evolução incrível em todas as suas aplicações, da medicina à biologia, das comunicações ao armamento. Um presidente como Bush, um texano que em toda a sua vida não viu mais nada além de vacas e poços de petróleo, que não viajou nunca, que ignora totalmente o mundo, que não fala mais nenhum idioma além do seu inglês de vocabulário limitado, com um grau de cultura baixo e com um coeficiente de inteligência que não desperta propriamente entusiasmo (as suas respostas nas entrevistas em directo são eloquentes a esse respeito) provavelmente confundiu «tecnologia» e «civilização».(...)

Um presidente como Bush, um texano que em toda a sua vida não viu mais nada além de vacas e poços de petróleo, que não viajou nunca, que ignora totalmente o mundo, que não fala mais nenhum idioma além do seu inglês de vocabulário limitado, com um grau de cultura baixo e com um coeficiente de inteligência que não desperta propriamente entusiasmo (as suas respostas nas entrevistas em directo são eloquentes a esse respeito) provavelmente confundiu «tecnologia» e «civilização
». (...)

ATÉ JÁ, JOÃO PEREIRA COUTINHO!

A nota compungida do infame João Pereira Coutinho, na Coluna Infame, raia o absurdo. Lemos e não acreditamos. O colunista de extrema direita boçal que escrevinha no Independente (ex-Indy, diga-se) ficou ressaibiado por o tratarem como é. Não se entende o porquê. Afinal há muito que deixei de ler esse vómito cuja directora é Serras Lopes, muito por culpa de não querer dar dinheiro a homens como o João Pereira Coutinho. E como eu, muitos. Daí o estado financeiro desse pasquim. Desde que saiu o Miguel Esteves Cardoso- que é de direita mas que se pode levar a jantar, sem nos envergonhar - o Independente morreu. Na Coluna Infame não vi nada de extraordinário. O JPC era igual a si próprio. Sempre acossado sabe-se lá porque e por quem; sempre soez como o é na Vida de Cão; sempre pretensamente erudito sem que se lhe vislumbre qualquer conceptualização sobre qualquer coisa.

Escreve JPC com prazer, o que pode significar a única coisa que lhe dá gozo e o aproxima de um ser humano. Escreve bem, muito bem, mas não chega para o aturarmos com a sua 'hipomania' doentia. Diz que regressa à blogosfera. Faz bem, porque precisamos de alguém assim. Afinal, que seria a nossa vida sem fulanos como JPC?

Até já JPC!

sexta-feira, 6 de junho de 2003

JOSÉ PACHECO PEREIRA - O CORRECTOR OFICIAL

Como sempre faço, lá passei pelo Abrupto, e fiquei siderado. Não era para menos. O nosso amigo americano JPP ficou ofendido intelectualmente com o texto publicado no Público sobre as pretensas afirmações desse guru Wolfowitz, arauto do novo império ou do novo Sol da Terra que JPP agora reclama com paixão, depois de sucessivamente ter suspirado pela URSS, pela China e Albânia.

O nosso corrector de serviço - sózinho desta vez, pois o doutor Vasco Graça Moura estava allhures a poetar - diz no seu blog aos jovens messiânicos da direita liberal (e só a esses suponho), todos deliciosamente ingénuos, mas que o vigor do génio de Pachecal afastará do pecado do espanto, o seguinte:

«De novo , continuam as falsificações deliberadas de declarações e entrevistas de dirigentes americanos na lista negra dos anti-americanos europeus (...)». Repare-se neste continum de falsificações levadas a cabo por esses malandros anti-americanos, que JPP tanto gosta de citar. Tenha-se em conta o que o JPP diz no texto, o modo como o configura inicialmente e, principalmente, o recurso às fontes de sustentação. Nada nos é dito de onde o genial JPP, desencantou as afirmações sobre as afirmações do tal Wolfowitz. E foi pena, porque não acredito que JPP, tenha deliberadamente ocultado a fonte da 'verdadeira' notícia. E bem tentámos,fazendo as buscas nos pesquisadores habituais. Eis o que nos deu, sem quaisquer outros considerandos, que a vergonha começa a invadir a face a muitos.

Aqui está a afirmação contextualizada da afirmação produzida por Wolfowitz. Trata-se do site oficial do 'US Department of Defense'. Deve chegar, ou não?

(...) Q: What I meant is that essentially North Korea is being taken more seriously because it has become a nuclear power by its own admission, whether or not that’s true, and that the lesson that people will have is that in the case of Iraq it became imperative to confront Iraq militarily because it had banned weapons systems and posed a danger to the region. In the case of North Korea, which has nuclear weapons as well as other banned weapons of mass destruction, apparently it is imperative not to confront, to persuade and to essentially maintain a regime that is just as appalling as the Iraqi regime in place, for the sake of the stability of the region. To other countries of the world this is a very mixed message to be sending out.

Wolfowitz: The concern about implosion is not primarily at all a matter of the weapons that North Korea has, but a fear particularly by South Korea and also to some extent China of what the larger implications are for them of having 20 million people on their borders in a state of potential collapse and anarchy. It’s is also a question of whether, if one wants to persuade the regime to change, whether you have to find -- and I think you do -- some kind of outcome that is acceptable to them. But that outcome has to be acceptable to us, and it has to include meeting our non-proliferation goals.
Look, the primarily difference -- to put it a little too simply -- between North Korea and Iraq is that we had virtually no economic options with Iraq because the country floats on a sea of oil. In the case of North Korea, the country is teetering on the edge of economic collapse and that I believe is a major point of leverage whereas the military picture with North Korea is very different from that with Iraq. The problems in both cases have some similarities but the solutions have got to be tailored to the circumstances which are very different. (...)

quinta-feira, 5 de junho de 2003

AMERICA GOES BACKWARD


America Goes Backward in The New York Review of Books

Está perigoso o mundo, e não é só na velha Europa que habita a dita 'histeria' anti-americana, ou melhor a ideia que a administração actual dos EUA é um enorme embush, porque lá mesmo a vida não está facil.

America Goes Backward (Stanley Hoffmann): «Less than two and a half years after it came to power, the Bush administration, elected by fewer than half of the voters, has an impressive but depressing record. It has, in self-defense, declared one war—the war on terrorism —that has no end in sight. It has started, and won, two other wars. It has drastically changed the strategic doctrine and the diplomatic position of the United States, arguing that the nation's previous positions were obsolete and that the US has enough power to do pretty much as it pleases. At home, as part of the war on terrorism, it has curbed civil liberties, the rights of refugees and asylum seekers, and the access of foreign students to US schools and universities. It holds in custody an unknown number of aliens and some Americans treated as "enemy combatants," suspected but not indicted, whose access to hearings and lawyers has been denied. The Republican majority in both houses of Congress and the courts' acceptance of the notion that the President's war powers override all other concerns have given him effective control of all the branches of government. The administration's nominees to the courts would consolidate its domination of the judiciary.»

Um texto a consultar.

LUIZ PACHECO EM ESTELA GUEDES


Estranhei não mais ouvir falar da Maria Estela Guedes, depois de alguns poemas em tempos idos e do célebre livro que escreveu sobre Herberto Helder (H.H. Poeta Obscuro). Eis que, com supresa minha, vou dar a uma página, dedicada a Ernesto de Sousa, muito trabalhada, colectivamente participada, bastante interressante, cujo webmaster é a própria M. Estela Guedes.. Aí mesmo, encontro, numa comemoração do 33º aniversário, o texto Pachecal, O LIBERTINO PASSEIA POR BRAGA, A IDOLÁTRICA, O SEU ESPLENDOR, de 1970. Ficámos felizes. É que somos daqueles que julgam que Luiz Pacheco merece ser lembrado, pelo muito que fez e deu às letras portuguesas. Et pour cause ...

BOLETIM DA LIVRARIA TELLES DA SYLVA

A Livraria de livros raros J. A. Telles da Sylva, superiormente dirigida por Margarida Maria Pacheco de Noronha Soares Franco, acaba de mandar aos seus clientes o boletim nº 18 (vidé Bibliomanias). Como sempre é um trabalho bibliográfico de excelência, absolutamente notável. Para os interessados, aqui deixo a morada: Rua Laura Alves, 19 - 3º Esq., 1050-138 Lisboa. De referir, sumariamente, alguns livros que constam deste novo boletim:

- Vimioso/Notas monográficas, 1968, do Abade de Baçal ; Arte Portuguesa, VI vols (enc.) de João Barreira; Constituições Synodaes do Bispado do Porto ( impressas por António Mariz na cidade de Coimbra, 1585), obra muito rara; A Caça no Império Português, de Henrique Galvão, Freitas Cruz e António Montês (Edição, O Primeiro de Janeiro, 1945), bastante estimada; Nobiliário do Conde de Barcelos (1974), justamente apreciado; O Carmo e a Trindade, subsídios para a história de Lisboa, de Gustavo Matos Sequeira (3 vols, 1939-41); um raro Tratado Pratico da Cultura de Amoreira e da Creação dos Bichos da Seda ..., de Simão C. Almeida Ozorio, 1773.

BIBLIOMANIAS


Bibliomanias

Eis o que move o site (único em português?) de livros antigos e raros portugueses: «Trata-se, aqui, dum gozo antigo e estimado. O amor pelos livros antigos, raros, esgotados, luxuosos, apreciados, curiosos, etc. Que o livro é como uma mulher e no qual, "o bibliófilo mira com os olhos apaixonados, mexe com um frémito de emoção, palpa com gozo, cheira, luta por ele e, quando o conquista, uma alegria enorme, uma alegria de posse lhe invade as quatro assoalhadas do coração". Como diria Joaquim Pessoa, como nós e vós diríamos».

Passeia-se ao longo de vários links, com referências a bibliófilos portugueses, a leilões - o célebre leilão Ameal, descrito por Gustavo de Matos Sequeira, lá está -, ao alfarrabismo; bibliografia Camiliana, Queirosiana, Pessoana (claro!) e um núcleo de textos que Bibliomanias gosta (Almada, Luiz Pacheco, Francisco Palma Dias, César Monteiro) e que denomina Arca Literária; várias páginas sobre poesia e poetas portugueses; um núcleo sobre catálogos de leilões de livrarias, colocadas em praça; página sobre maçonismo e o começo de uma bibliografia sobre a temática. É um auxiliar para novos encontros e encantos, a quem gosta de livros. De consulta obrigatória, dizemos nós, até porque somos nós os seus autores.

quarta-feira, 4 de junho de 2003

A NÁUSEA DE SARTRE

Hoje não esquecer de comprar com o Público, a Náusea de Jean-Paul Sartre - colecção Mil Folhas. A edição que possuo de 1958 de Europa América está em mau estado, passe a capa de Sebastião Rodrigues e a tradução de António Coimbra Martins. Confesso que é livro estimado. Aliás quer A Náusea (1938), quer O Muro (1939), paridos antes da guerra são, para mim, os dois melhores livros de Sartre. N'A Náusea a ideia do homem como sujeito de possibilidades que perde ou ganha nas ecolhas (livres) que faz, mesmo que a dúvida se instale, está perto do pensamento de Heidegger e na matriz literária de Fawlkner ou de John dos Passos. A não perder.

"Tudo é gratuito, a jardim, esta cidade, e eu mesmo; quando acontece da gente se dar conta disso, isso atinge o cabeça e tudo começa a flutuar; eis a náusea"

"Vejo o futuro. Está ali, pousado na rua, mais pálido um tudo nada que o presente. Que necessidade tem de se realizar? Que vantagem é que isso lhe dará? A velha afasta-se, trôpega, pára, compõe uma madeixa que lhe saiu de debaixo do lenço. Recomeça a andar: ainda agora estava além, agora está aqui ... torna-se-me tudo confuso: eu vejo ou prevejo os gestos dela? Já não distingo o presente do futuro, e, todavia, há uma duração, uma realização, que se opera pouco a pouco; a velha avança na rua deserta, desloca os seus grandes sapatos de homem. É isso o tempo, o tempo inteiramente nu, que acede lentamente à existência, se faz esperar, e que, quando chega, nos enfastia, porque conhecemos então que já estava ali havia muito"

"É então isto a Náusea, esta ofuscante evidência? As voltas que dei à cabeça! Tanto que escrevi acerca dela! Agora sei: existo - o mundo existe - e sei que o mundo existe. É tudo. Mas é-me indiferente. É estranho que tudo me seja indiferente: mete-me medo que assim seja"

BREVIÁRIO ECONÓMICO


A confraria neoliberal anda às turras com a política económica. Ninguém se entende. Não vindo nos manuais, os neoconservadores andam às aranhas. Não bastava concorrerem para um discurso desbragado contra economistas de respeito - helás Cadilhe, Silva Lopes - abonando as piedosas intenções da licenciada Manuela Ferreira Leite, mais o desaparecido ministro Tavares (decerto em encomendas com nostros hermanos), para agora zurzirem até no mestre em política orçamental Cavaco Silva, atirado que foi para a prateleira dos economistas 'mortos'. É obra.

Entretanto, na pátria neoconservadora (o Sol da Terra para esses inefavéis liberais) da administração americana, profetiza-se na condução da política económica justamente o contrário que a a rapaziada neoconservadora em economia esperava. Raios que (ainda) a política orçamental não desapareceu ... no ar neoconservador do império! E lá se vai o mito (e as sebentas) da Escola de Chicago. Hayek não resiste a tamanha desfaçatez bushiana. A senhora Thatcher não voltará a escrever mais nenhuma carta a Hayek, mesmo que tal fosse possivel. E é pena.

- No Palácio das Necessidades paira o espectro da luta de classes. Suspeita-se que, deliberadamente, a senhora ministra das Finanças considere a 'falência' dos Negócios Estrangeiros, e mande evacuar o nobre palacete, para logo de seguida o vender à conta do famoso défice. Martins da Cruz, o espantado ministro, irá fazer o quê?

- João Tallone, presidente da EDP, entrou «a matar». O ex-consultor do Estado para a restruturação do sector energético não aceita que a GALP participe no capital da EDP, o que leva o impagável Ferreira do Amaral a ficar à beira de um ataque de nervos. Bem ...sempre pode regressar, o Ferreira do Amaral, aos estudos de geneologia e heráldica. Sempre é menos custoso e de maior acalmia intelectual.

terça-feira, 3 de junho de 2003

REVISITAÇÕES

Hoje a noite está excelente. Foi excelente e para continuar. Daí este passeio na net que nos desvela, ao contrário do que sugeria Oscar Wilde - «toda a arte é absolutamente inútil» - que há caminhos (virtuais) que nos trazem o prazer do olhar e da escrita. Algumas dicas aos neófitos:

Jorge Colombo - um grande ilustrador e fotógrafo português, a viver em New York. Tem uma page notável, a que se regressa sempre, com deslumbramento. Vá ver AQUI.

Julio Cortázar - O realismo fantástico vindo da Argentina. Eterno exilado, morre em 1984, na terra que foi sua por opção, a França. A narrativa labiríntica, 'matematizada', poliédrica, de Cortázar leva a mil leituras, nestas noites-ligadas-a-noites sem dormir nocturno. Cortázar, a obra e a voz, aqui. Um curioso texto, sobre o escritor, publicado na revista Agulha. E, por último, uma página a não perder sobre toda a obra de Julio Cortázar, para visita atenta.


Para leer en forma interrogativa [Julio Cortázar]

Has visto
verdaderamente has visto
la nieve los astros los pasos afelpados de la brisa
Has tocado
de verdad has tocado
el plato el pan la cara de esa mujer que tanto amás
Has vivido
como un golpe en la frente
el instante el jadeo la caída la fuga
Has sabido
con cada poro de la piel sabido
que tus ojos tus manos tu sexo tu blando corazón
había que tirarlos
había que llorarlos
había que inventarlos otra vez.

segunda-feira, 2 de junho de 2003

AVISOS!

Saiu á luz, a mais nova e importante obra do jornalista José Manuel Fernandes e, ainda, director do Jornal O Público.

Volumoso in-folio, com encadernação do editor e levemente aparado à cabeça, será o melhor método para calar anti-americanos confessos, crianças desvalidas da social-democracia e monteiristas luminosos. Será um must nos blogs da direita à esquerda. Não sabemos o título, mas o informador Pedro Mexia fará uma comunicação a propósito, no próximo DN, a que se seguirá uma vernissage dirigida por um arauto da Santa Liberdade e poemas de El Rei D. Miguel.

Vende-se, por cima do Arco Liberal.

EREIRA DE AFONSO DUARTE

Gosto de passar em Ereira e lá ficar, imaginando as velhas 'casas foreiras', as águas do Mondego cercando-a, milharais sem fim, a casa do Torreão, o deambular de mestre João de Ruão nas suas ruelas, a luz das fogueiras para a navegação lá ao fundo, o sabor a sal, a poesia em todo o lado.

Pátria de Afonso Duarte, poeta que como diz Jorge de Sena «atravessou saudosistas, esótericos, modernistas, presencistas e Novo Cancionairo, depois de já ter atravessado António Nobre e Guerra Junqueiro». Mas, principalmente, o «poeta do amor e da liberdade», como só a Ereira nos podia oferecer.

Soneto da Ereira

Exaltam-me a cegonha e pato bravo.
Só não posso com estas codonizes
Com ironias, tontas de repizes,
- Paspalhão, paspalhão! - enquanto cavo.

Meu mundo é outro, queres dizê-lo? Dizes?
Eu bem sei, paspalhão! - Ao fim e ao cabo,
- Príncipe que fugiu a ser escravo -
Não me dão outro, bons pardais felizes.

[Afonso Duarte]

sábado, 31 de maio de 2003

COIMBRA



Às 9h da manhã, um homem
subia as escadas monumentais com uma
borboleta poisada no ombro.
Nunca vi ciência mais exacta

Manuel Silva-Terra [in, Encantada Coimbra, D. Quixote)

À VOLTA DOS BLOGS


Confesso que há blogs para todos os gostos e feitios. Truculentos uns, gratulatórios outros, dissidentes todos. Alguns poéticos, outros instruídos pregadores da mocidade, outros ainda pasmados de tanta informação. Dá gosto lê-los, que nem todos podemos ser intelectuais. Hoje, fui ler os ditos.

- Contra a Corrente - óptimo discurso recitado pela paróquia de Isaiah Berlin. O Carlos estudou Berlin mas não pratica. Opina como qualquer anti-liberal sobre valores do Estado, hierarquizando-os como um maltrapilha social anti-individual, toma partido. Berlin não foi, aqui, totalmente, digerido. Á parte isso, tem um bom gosto na música que ouve. Ao menos nisso, é coerente. Afinal misturar perigosos Miles Davis, Stan Getz e João Gilberto, num perigoso pluralismo musical, é corajoso, é tolerante num adepto de Isaiah. Bom blog

- Fumaças - A direita liberal que descobriu os 'puros'. Ali estão eles, fálicos, ao gosto de João Carvalho Fernandes. Quando jogar bridge e praticar desporto líquido (como diria mestre Baptista Bastos) estará instruído. Não exigimos Batuta, pode descansar. Pode começar por prazeres mais terrestres e menos burgueses. Bom blog

- Janela Indiscreta - De muita estimação. 6-bloguista-6 prudentissimos. Com informação e fruição q.b. Um achado, o que juntamento com o anterior referência que tinha do umblogsobrekleist, já dá 2 blogs a não perder.

(continua)

IRAQUE E JOSÉ MANUEL FERNANDES

Dizia sabiamente Oscar Wilde, que «quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo». Nada de mais lúcido, pensou logo o direcktor José Manuel Fernandes (JMF), d' O Público.

Os críticos do magistral embuste do uso e porte de armas químicas pelo Iraque, desde o The Guardian ao Le Monde, ou o New York Times e mesmo (pasme-se) o cavernoso National Review, andam espantados com as afirmações dessa luminária Rumsfeld, Donald para os amigos neo liberais, e principalmente sobre as últimas afirmações do guru Paul Wolfowitz, que afirma: «Por razões burocráticas centrámo-nos numa questão, as armas de destruição maciça, porque era o único motivo sobre o qual todo o mundo se podia entender».

A rapaziada pelo mundo é bestialmente azémola. Somos mesmo, como diria Camilo, «burros não tristes por fora, mas felizes por dentro». Mas, helás, o nosso JMF não quer ser de companhia. O nosso direcktor, em Editorial, explica-nos tudo. Afinal o Oscar tinha razão. O malandro do Saddam podia não ter as tenebrosas armas, nunca encontradas pelos cowboys ianques, mas o caso é que o homem «possuía forma de os obter, e esse é que era o perigo».

Portanto, meus amigos, mesmo que o «mistério persista, os motivos para a guerra não desaparecem», diz-nos JMF. Nós, os mais brilhantes asnos, suspiramos de alivio e demos graças Fernandes. Depois, à moda de António Pedro fomos pastar na esperança que ... é verde. Felizes! Tão intelijumento era o Fernandes.

sexta-feira, 30 de maio de 2003

A DIREITA ... FÉLIX

Esta nova direita, que não se cansa de vociferar contra a administração do Estado, porque é gastador compulsivo, porque o Estado não sabe administrar a coisa ou porque menos Estado é sempre melhor Estado, ao fim de um ano de nos tentar fazer a cosatumeira lavagem ao cérebro (Ah! que o 28 de Maio foi há dias) com piedosas intenções políticas, quando vai de governar consegue ser mais papista que o Engenheiro Guterres em dia de missa. Ou consegue ser mais hilariante que os posts desse impagável Lombas (o infame da nova direita liberal, o mais soft via frequência da FNAC, o que lê em inglês no original e tem sempre dúvidas sobre o mulherio e muito mais. Enfim ...).

Então, anda o ministro Bagão Félix, acoplado com a prof.ª Manuela Ferreira Leite (a putativa candidata ao próximo nobel das finanças), a clamar contra o fartar vilanagem dos dinheiros públicos, contra o excessivo peso do pessoal na máquina do Estado, e zás, quando uma sua secretária de Estado - Margarida Aguiar de seu nome - pretende limpar essa mesma administração, sorvedoura de dinheiros públicos, colocando alguns directores (que nem se sabem o que fazem, nem nunca são avaliados) na 'prateleira da função pública, é obrigada a dita senhora a lidar com o Bagão, de momento protector desses privilégios? Excelente! Compreende-se, assim, que as "divergências funcionais" do ministro com a sua secretária de Estado da Segurança Social sejam verdadeiras cenas do pitoresco da direita: voz tonitruante na ameaça, melosa na sua praxis.

A direita feliz ... já corre!

quinta-feira, 29 de maio de 2003

TODOS A MONSANTO! VIVA A PEDAGOGIA!


Paulo Portas considera que a sua chamada á pedra, ao exame do colectivo de juizes do caso Moderna é, passo a citar, «pedagógico». Mais, assume que «um político ir pelo seu pé» depor em Monsanto, é formidável e, decerto, não só pedagógico como de forte cariz ambientalista. Fica assim expresso a vertente pedagógica e ecológica que habita em qualquer ministro. E jura que não vai de Jaguar. A ecologia dos afectos, já não reina aqui. Aplausos!

quarta-feira, 28 de maio de 2003

JOÃO JOSÉ COCHOFEL

A casa do poeta que pertenceu à geração neo-realista - João José Cachofel (1920-1982) escreveu nas revistas 'Altitude', 'Novo Cancioneiro', 'Vértice', 'Seara Nova' e na 'Presença' -, nas cercanias da Sé Velha, em Coimbra, foi sempre uma porta aberta a todos os que da literatura e da arte faziam tertúlias pela noite dentro. Sabe-se agora que a sua casa de Coimbra será adquirida pela autarquia. Muitos debates, textos e ensaios oposicionistas de lá partiram. João José Cochofel merece.

Álcool [in, Obra Poética, Editorial Caminho, 1988]

Partir
sim, mas partir realmente,
definitivamente,
cobra que deixa a pela já crestada dos sóis
e se empoleira nas árvores como um passáro
......................
Partir
que os hotéis de luxo têm seus quartos guardados para mim,
e os salões embandeirados de luz
esperam-me
Partir para Jungfraus e Niagaras,
e à noite embriagar-me entre cristais e mulheres!

Depois,
raspar com as unhas no chão e enterrar-me,
deixando os olhos de fora
para que neles poise
o último orvalho da manhã.

MACÁRIO CORREIA: RECICLADO

Fomos maus com o engenheiro Macário no tempo do Cavaquistão. Fomos detestáveis na boçalidade dos nossos desejos. O engenheiro, demasiado ecológico, era para abater. A ele e aos fundamentalistas anti-tabaco. Atacámos muitas vezes de Cohiba em punho, Château de Beaulon na mão. Fomos cruéis. As mulheres eram sempre 'pedaços de mau caminho' pela noite dentro. Fomos marialvas. Desaparecido o engenheiro lá nas bandas de Tavira, a workar no poder local, eis que regressa à cena política, vesgastando os cinzentões da coisa pública. Ficámos em estado de choque. E gritou-se bem alto, que se ouviu em Cacela-a-Velha: Volta Macário, estás perdoado! Não é para mais. O artigo saído n'O Público fez-nos ter vergonha. Sai um Davidoff ... já!

«A vergonha do caso Moderna faz com que o CDS-PP vá adiando sucessivamente o seu congresso, enquanto a imagem global do governo é afectada, mas ninguém ousa, de dentro, pôr o dedo na ferida e a mão na consciência. Quem adoptou princípios moralistas para terceiros não os aplica a si próprios. A nomeação de Nobre Guedes e a semelhança, em certos casos, de Marco de Canavezes com Felgueiras demonstram o resto

(...) É preciso agir. Mais do que nunca.»