quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006
Publicação do jornal A Batalha [23 Fevereiro 1919]
"No dia 23 de Fevereiro de 1919, saía, em Lisboa, o primeiro número do jornal A Batalha, editado pela União Operária Nacional, embrião da CGT, tendo como redactor principal o conhecido militante sindicalista Alexandre Vieira ..."
[Maria Filomena Mónica, Almanaque de A Batalha 1926, ed. Rolim]
Jean-Baptiste Clément [1836 - m. 23 Fevereiro 1903]
"Quand nous chanterons le temps des cerises
Et gai rossignol et merle moqueur
Seront tous en fête.
Les belles auront la folie en tête
Et les amoureux, du soleil au coeur!
Quand nous chanterons le temps des cerises
Sifflera bien mieux le merle moqueur!..."
[Jean-Baptiste Clément, Le Temps des Cerises]
Catálogo 76 da Livraria Castro e Silva
Acaba de sair o Catalogo, do mês de Fevereiro, da Livraria Castro e Silva (Largo do Calhariz, 12 - 1º, Lisboa). Pode ser consultado on line.
Algumas referências: A França, a Resistência à Renascença, de Alves Redol, Inquérito, 196? / Elogio Histórico de António de Serpa Pimentel, por Christovam Ayres, 1907 / Numero Comemorativo do Centenário de Alexandre Herculano, Boletim da Real A. dos Archeologos Portugueses, 1910 / Elogio Histórico de José Fernandes Costa, pelo Visconde de Carnaxide, , 1923 / Conde de Valenças. Homenagem e Edição do Noticias de Coimbra, 1909 / A Cidade de Palaguin, de Carlos Eurico da Costa, ed. ETC, 1979 / Murteira. Uma povoação do concelho de Loures, de Maria R. L. Dias da Costa, 1961 / Estatutos da Aula do Commercio ordenadas por ElRey ..., 1759 / Instituiçoens de Economia Portuguesa, de José Ferreira Borges, 1834 / Memorias com o Titulo de Annaes, para a historia do tempo que durou a usurpação de D. Miguel, por José Liberato Freire de Carvalho, 1814 / Estudo sobre o abastecimento d'agua da cidade do Porto, de Eugène Henri Gavand, 1864 / O Celibato, Clerical, e Religioso defendido dos golpes da impiedade, e da libertinagem dos correspondentes de Astrea, com hum appendice sobre o voto separado do senhor deputado Feijó, por Luiz Gonçalves de Sousa, 1830 / Estatuária Lapidar, por A. Gonçalves, 1923 / O Governo Britânico, e Portugal, por um Portuguez, 1843 / Indiculo Universal - Indiculus Universalis, 1804 / Historia de Victor Hugo, por Cristóbal Litrán, 188?, II vols / Scenas Contemporâneas, de Francisco Palha, 1887 / Poetas do Minho, de Alberto Pimentel, 1893 / Tractatus de Regia protectione, por Francisco Salgado de Samoza, 1841 / O Meu Jornal. Impressões de Teatro, de Rolando da Silva, 1934 / De Ivstia et Ivre, de Dominici Soto, 1569 / Os Ferreiros, por Frederico Soulié, 1849
After Neoconservatism (Francis Fukuyama - NYT) / Fanatical Swedish Feminists (Stanley Kurtz - National) / First smokes, now Cokes (L.A. Times) / Paradox and paranoia in the war on terror (Simon Jenkins - Times Online) / US 'losing media war to al-Qaeda' (BBC)
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006
Arthur Schopenhauer [n. 22 Fevereiro 1788 - 1860]
"Os alemães distinguem-se das outras nações pela sua negligência de estilo, do mesmo modo que no vestuário, e o carácter nacional é que é responsável por essa dupla desordem. Do mesmo modo que um trajo abandonado revela o pouco apreço que se dá à sociedade que se frequenta, assim um mau estilo, desleixado, mostra um desprezo ofensivo pelo leitor, que se vinga com todo o direito não os lendo. O que é sobretudo picante é ver os críticos julgar as obras alheias no seu estilo desmanchado de escritores pagos. Isto produz o efeito de um juiz que estivesse no tribunal com robe de chambre e chinelos" [Schopenhauer, in Amor, Mulheres e Casamento]
"O exagero em todo o género é tão essencial ao jornalismo como à arte dramática: porque se trata de tirar de cada acontecimento o maior partido possível. Assim todos os jornalistas são alarmistas de profissão: é o seu modo de se tornarem interessantes. Por isto assemelham-se aos cães de guarda, os quais, logo que se faz o menor movimento, ladram que parece vir tudo a baixo. Deve-se regular por aqui a atenção que convém prestar ao seu apito de alarme, afim de que eles nos não perturbem a digestão" [idem, ibidem]
"A vida do homem oscila, como um pêndulo, entre a dor e o tédio; tais são na realidade os seus dois últimos elementos. Os homens exprimiram isto de uma estranha maneira; depois de terem feito do inferno o lugar de todos os tormentos e de todos os sofrimentos, o que ficou para o céu? Justamente o tédio" [idem, ibidem]
Locais: Arthur Schopenhauer (1788-1860) / Schopenhauer / Schopenhauer (1788-1860) / Schopenhauer on the Web
Grande Benfica
O Benfica é uma brilhante e soberba equipa. E as grandes equipas são lustrosamente temidas. São cruéis quando alguém se submete. A vítima torna-se complacente, desinspirada e, exausta, perde o controle. O tributo do enorme Liverpool ao grandioso Benfica é disso prova. Os gemidos de Rafa Benitez antes e depois do jogo, mostram o cuidado que se deve ter perante um prestigiado adversário. O zelo cauteloso do treinador do Liverpool quando tira do banco Gerrard por troca com Morientes, define todo o jogo: temor dos encarnados de Lisboa. Nunca houve ali qualquer soberba, nem sequer humilhação. Tão só, respeito. E uma grande fortuna, para nós. Para continuar! Até Anfield Road. As virtudes são cobradas ... assim.
sábado, 18 de fevereiro de 2006
A Paleta e o Mundo nº1
"Transformações Estruturais do Campo Cultural Português", eis o livro editado pela Ariadne, sediada em Coimbra, em parceria com o CEIS20, e que reúne as comunicações apresentadas no colóquio, com o mesmo título, realizado em Outubro de 2004. Sob coordenação de António Pedro Pita e Luís Trindade, a obra tem como objectivo "redesenhar os campos tradicionalmente trabalhados pela história cultural pondo em contacto investigações que superam a dependência da história cultural tradicional relativamente às histórias das ideias, da literatura e da arte".
De referir entre outros estudos revelados, o aliciante texto de Ana Leonor Pereira & João Rui Pita, Freud em Portugal. Os Trabalhos de Seara-Denis na 'Biblioteca Cosmos'.
Registe-se um curioso estudo - "A Produção livresca numa região periférica. O Algarve nas primeiras décadas do século XX", de Artur Ângelo Barracosa Mendonça - onde nos é apresentado a indústria tipográfica da época, as livrarias [Faro (1875), proprietários Manuel Viegas Gago Coutinho e António Pedro Correia Belles; Olhão (1905), livraria de Manuel Rodrigues Português; num total de 14 livrarias, entre 1901-1930], as bibliotecas públicas existentes, consideradas "mal equipadas, mal localizadas, com fraca concorrência e com pouco pessoal competente", e próximas de importantes centros republicanos [como as de Lagos, Portimão e S. Brás de Alportel, Liceu de Faro, Municipal de Silves, biblioteca Jara de Tavira, Municipal de Faro, todas antes da Republica], bem como nos é referido algumas importantes bibliotecas particulares [de João Martins Formosinho (Lagoa); dr. Ataíde em Loulé (que se julga ter sido do conhecido Francisco Xavier de Ataíde Oliveira, falecido em 1915). Em seguida, além da estatística de publicações, apresenta os "escritores algarvios mais prolíficos", como o já citado F. X. Ataíde de Oliveira, José Dias Sancho, Marcos Algarve (Francisco Marques da Luz), João Lúcio Pousão Pereira, Manuel Teixeira Gomes, Francisco Xavier Cândido Guerreiro, Pedro Paulo Mascarenhas Júdice, Bernardo de Passos. No final sumaria duas livrarias editoras em Faro: Livraria Palma & Fazenda e a Livraria das Novidade (de António dos Santos Capela).
São, ainda, de salientar os escritos de Luís Trindade (O Jornalismo como modernismo); o "olhar" de Luis Reis Torgal sobre os "Intelectuais orgânicos e políticos funcionais do Estado Novo - os casos de António Ferro, Augusto de Castro, João Ameal e Costa Brochado); o excelente "Transformações na figura do intelectual dos anos 30", de Luís Crespo de Andrade (cobrindo figuras do neo-realismo português e as polémicas havidas, com referências a revistas, escritores e editores; um estimado documento de Miguel Dias Santos, "Arlindo Vicente - O artista entre o individualismo e o comprometimento social"; e o contributo notável de Paulo Jorge Granja, em "Cinema como Arte: Intelectuais, Cineclubes e Crítica de Cinema".
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006
Susan B. Anthony [n. 15 Fevereiro 1820 - 1906]
"Women, we might as well be dogs baying the moon as petitioners without the right to vote!" [Susan B. Anthony]
"Os homens querem ser metade escravos metade livres. Todas as mulheres querem ser escravas ou livres portanto os homens governam e as mulheres sabem..." [Susan B. Anthony]
"Friends and fellow citizens: I stand before you tonight under indictment for the alleged crime of having voted at the last presidential election, without having a lawful right to vote. It shall be my work this evening to prove to you that in thus voting, I not only committed no crime, but, instead, simply exercised my citizen's rights, guaranteed to me and all United States citizens by the National Constitution, beyond the power of any state to deny" [ler mais]
"Não confio em pessoas que sabem muito bem o que Deus deseja que eles façam porque percebo que isto sempre coincide com seus próprios desejos." [Susan B. Anthony]
Locais: Susan Brownell Anthony / Susan B. Anthony / Susan B. Anthony / The Trial of Susan B. Anthony for Illegal Voting / The Struggle for Women's Suffrage / Women, Feminism and Sex in Progressive America
Ontem estivemos ... assim
"A ti, para que não julgues que a dedico a outra" [Almada]
"Um mandarim estava apaixonado por uma cortesã. 'Serei vossa, diz ela, quando tiverdes passado cem noites à minha espera, sentado num tamborete, no meu jardim, debaixo de minha janela'. Mas, à nonagésima nona noite, o mandarim levantou-se, pôs o tamborete debaixo do braço e foi-se embora" [R. Barthes]
Natália Correia - O RapinanteCastpost
"Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.
Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz" [Fiama H. P. Brandão]
"O propósito de abolir o passado já ocorreu no passado e - paradoxalmente - é uma das provas de que o passado não se pode abolir. O passado é indestrutível: tarde ou cedo voltam todas as coisas, e uma das coisas que volta é o desejo de abolir o passado" [J. L. Borges]
Chavela Vargas - Paloma NegraCastpost
"Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei" [H. Helder]
Frank Sinatra - L.O.V.E.Castpost
"Os trabalhos de amor são os mais leves
de quantos algum dia pratiquei
na cama as alegrias fazem lei
e se me queixo é só de serem breves ..." [F. Assis Pacheco]
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006
Agostinho da Silva - "Considerações"
"Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público. Depois as epopeias duram pouco; todas as forças se podem concentrar, faz-se um apelo supremo à suprema energia; em seguida permite-se o descanso, a mediocridade que apazigua e repousa; nada mais vulgar do que um herói fora do seu teatro" [A. Silva, in Considerações e Outros Textos]
"Já será grande a tua obra se tiveres conseguido levar a tolerância ao espírito dos que vivem em volta; tolerância que não seja feita de indiferença, da cinzenta igualdade que o mundo apresenta aos olhos que não vêem e às mãos que não agem; tolerância quem afirmando o que pensa, ainda nas horas mais perigosas, se coíba de eliminar o adversário e tenha sempre presente a diferença das almas e dos hábitos; dar-lhe-ão, se quiserem, o tom da ironia, para si próprios, para os outros; mas não hão-de cair no cepticismo e no cómodo sorriso superior; quando chegar o proceder, saberão o gosto da energia e das firmes atitudes. Mais a hão-de ter como vencedores do que como vencidos; a tolerância em face do que esmaga não anda longe do temor; então, antes os quero violentos que covardes" [A. Silva, in Considerações e Outros Textos]
[Sou Marujo ...]
"Sou Marujo, Mestre e Monge
marujo de águas paradas
mas que levam os navios
às terras por mim sonhadas
Também sou mestre de escola
em que toda a gente cabe
se depois de estudar tudo
sentir bem que nada sabe
Mas nem terra ou mar me prendem
e para voar mais longe
do mosteiro que não houve
e não haja, me fiz monge" [Agostinho da Silva]
"Sou Marujo, Mestre e Monge
marujo de águas paradas
mas que levam os navios
às terras por mim sonhadas
Também sou mestre de escola
em que toda a gente cabe
se depois de estudar tudo
sentir bem que nada sabe
Mas nem terra ou mar me prendem
e para voar mais longe
do mosteiro que não houve
e não haja, me fiz monge" [Agostinho da Silva]
Que Viva Agostinho da Silva
"Talvez não seja muito ousado pensar que se tem de restabelecer Portugal porque talvez alguns defeitos que lhe achamos venham mesmo de origem. Para tal o veremos não como é hoje, mas como se apresentava antes de ser ..."
[Agostinho da Silva, in Carta Vária]
"O Quinto Império é um desejo muito profundo de cada pessoa em relação ao futuro. Eu tenho o meu Quinto Império, o Saddam Hussein terá o seu e com certeza o George Bush terá o dele. O segredo é que não podemos impor aos outros o nosso Quinto Império. Temos de o fazer com as pessoas que temos e não com aquelas que gostaríamos de ter.
Em Camões o Quinto Império ligava-se com o episódio da 'ilha dos amores'. Vasco da Gama, depois de cumprir o seu objectivo, voltava para o reino quando uma deusa lhe pôs uma ilha em frente. Os seus homens desceram e a primeira coisa de que tiveram de se ver livres foi da sua existência física, da sua parte animal. Só assim entraram na Ilha dos Amores. E quem era essa deusa? Era a Criatividade. Camões ensinou-nos que devemos perseguir os nossos objectivos e uma vez cumpridos podemos entrar na 'ilha dos amores' se soubermos dominar a nossa parte animal. A Ilha dos Amores é o Quinto Império" [Agostinho da Silva]
In Memoriam Álvaro Lapa [1939-2006]
"Combinai os trevos. Reaparecei. Caminhai nos trevos amarelecidos do crepúsculo. Findai o mundo. Depressa ide. Reduzide a pérolas as gotas de suor, do medo. Caminhai sobre pérolas. Investide. Atormentai a possibilidade (única?) do lugar ..." [A. Lapa, in Raso como o Chão, 1977]
"... Eanes pousando com policias de choque ultimo flash. O operário visando a vida na figura do chui a descoberto na cabeça. DE vez em quando um grito imaculado. Libertação de suor assustado. Mesmo presidente com moscas dado o calor do ambiente e a inibição de usar ali o insecticida. Eanes à Sul-Americana. Operário à entrada aguardando a vez" [A. Lapa, in Porque Morreu Eanes, 1978]
"- Cada um compreende o seu sátiro. O livro mostra uma feroz sátira à humanidade inteira na sua gasta. É gesta satírica. Combina dois géneros. Humano e animal. Como uma fabula mas sem moral ..." [A. Lapa, Sequências Narrativas Completas]
Síndroma de Aarhus
"Deve-se proibir os intelectuais de brincar com fósforos"
A publicação das caricaturas sobre Maomé, por um xenófobo jornal dinamarquês, seguido pelo tumultuoso espectáculo caseiro de grupos fundamentalistas muçulmanos, que replicaram com hadîts (que não ainda a jihâd) de exortação de fé, ameaças e inaceitáveis actos de violência, revelam não só o ardor belicoso que espera a imprudente e "licenciosa" Europa, mas (e há sempre um ... mas, porque o homem é "livre e imprevisível") igualmente fazem pensar sobre a tragédia do pensamento e cultura da modernidade, entendida enquanto "gramática da ruptura" contra a "ordem" e os "valores tradicionais" (urgente reler Miguel Baptista Pereira).
Não espanta, pois, que a pragmática enunciada pela classe politica, nos jornais ou blogs seja uma mera idolatria do discurso secularizado, parapeito de posições circulares, mesmo que não consensuais, onde alguma impudência de carácter político-ideológico, em torno da providencial "liberdade de expressão" (como se ela, de tão copiosamente absoluta para eles, tenha deixado de existir ou se pretenda limitar), "bom senso" (que para alguns não deixa de ser insidiosamente assombroso, tal o jogo retórico jogado), "responsabilidade" (inteiramente estranho no mundo daqueles que, como Gargântua, prescrevem: "Faz o que quiseres!") e outros avatares presentes no credo do "deísmo racionalista", mais não é que um fenómeno de desculpabilização, ou melhor a justificação do direito de justificar.
Que alguns, mais preclaros, tenham na sua "bondade" panfletária, manifestado uma obsessiva e intolerante islamofobia (e outros um desvelado anti-semitismo), mesmo que faça parte da "lógica do predador" instruído, não deixa de ser inquietante. Que outros, mais íntimos de linguagem, menos belicosos e mais sérios, contraponham "opiniões" a "actos" - como se o "dizer do fazer" no "discurso da acção" (Paul Ricouer) presente no sujeito pensante, não deixasse de ser um intencional "epíteto à acção", "signo identificativo" ou um dizer que é "um próprio fazer" - para nos persuadir da validade de uma qualquer opinião expressa (sob que suporte seja), pode ser autêntico mas dispensa sempre a prova de facto.
Que questões em torno da fonte da tolerância/intolerância (no nosso "reino da liberdade" ou nas "tiranias" dos outros), da tendência evolucionista da secularização, do conceito de liberdade (que é individual, económica, social, política, de religião, de expressão e por aí fora) em abstracto ou em concreto, da universalidade de valores enquanto mero exercício do poder administrativo, do pretenso (e porque não!?) "choque de civilizações", do direito ao sagrado como cultura da diferença, do (falhado) multiculturalismo como deriva (neo)liberal ou como dispositivo utópico da esquerda, do medo e terror que hoje se pressagia (haja ou não manipulação política), que tudo isso irrompa com tanta autenticidade, embora sempre lá tenha estado (e por demais debatido), descobre a nossa fragilidade mas não deixa de ser uma ventura luminosa, uma doce e venerável "irresponsabilidade", só presente em espaços democráticos e plurais. E impossível em países totalitários.
O debate em curso tornou-se, assim, num espaço com um tal excesso de significantes que diríamos: "podemos todos morrer de sede em pleno mar". Sabe-se que, nesta crise do "mundo em crise", só a crítica (polémica) que instale uma "vinculação ao futuro" pode configurar a nossa "liberdade presente" e assim sendo, ironicamente ou talvez não, o dispositivo de verdade, para este "fim de um mundo" (ainda Guénon, porque não?), pode e deve (também) ser exercido fora do "reino da crítica" (ou da tessitura da razão), território esse que alguns, engajados no politicamente correcto, consideram inamovível. Mesmo sabendo que, seguindo Rilke, "aquilo que acontece traz um tal avanço sobre aquilo que pensamos, sobre as nossas intenções, que podemos nunca alcançá-lo nem conhecer a sua verdadeira aparência". Et pour cause ...
sábado, 4 de fevereiro de 2006
Paulo Francis [1930 - m. 4 Fevereiro 1997]
"Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros e os leitores é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação do amante rejeitado" [Paulo Francis]
"Não quero discutir porque estou assim life is awful but don't say it, basta ir ao dicionário. Os melhores me acham sob sofrimento profundo & inexpresso, de que têm certeza conhecem as causas, como o velho A., que, aos 81 anos, acredita em Deus, liberdade e progresso para as massas, que chamaria povo, identificando a origem fascista da palavra 'massas', o velho A. Até escreve a respeito, e me olha caridoso, silenciosamente se solidarizando com meu chagrin, na língua step dele. Olho-o e me lembro que Hesse só o conserva porque pinga um molho liberal no pasquim reacionário que Hesse edita. Ainda dá para ver Ipanema às 6 da manhã. Moro no leblon. Sabemos o que tínhamos de fazer e não fizemos. Órfãos da tempestade. Talvez nem isso. Falta-nos gravitas. Não escolhemos ou propusemos. Deixamo-nos dispor e depor. Vivemos entre segundos. Não contamos" [Paulo Francis, in Cabeça de Papel, 1977]
Locais: Paulo Francis / Paulo Francis - o contundente crítico cultural / Morre Paulo Francis / Uma bibliografia básica para quem quer compreender a aventura da humanidade / Paulo Francis / Paulo Francis no paraíso / O farrapo que se encerra? / Mudando de palco / A Ignorância de Paulo Francis
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006
Opera Proibita - Cecilia Bartoli
«O tão esperado recital Haendel da Bartoli transformou-se num projecto musicológico de especial pertinência: abordar o período romano do autor, os seus contemporâneos e a manutenção 'disfarçada' da estética da ópera em oratórias, num período nos inícios do século XVIII em que aquela estava proibida pelo poder papal. 'Lascia la spina, cogli la rosa' de 'Il Trionfo del Tempo e del Desenganno' de Haendel vale como mote de um daqueles raríssimos discos que logo ao primeiro encontro, à primeira ocasião de deslumbramento, temos a certeza de serem 'históricos'» [Augusto M. Seabra, in Mil Folhas, 14.01.06]
Cecilia Bartoli - Lascia la spina, cogli la rosaCastpost
Foi vc que disse ... estabilidade!?
O senhor Cavaco Silva (assim mesmo, que andam castos pelos blogs) ainda não tomou posse. O sublime mandato está a protocolos e outras iniciações. Mas se o eco do serviço público à República ainda não surtiu efeito, a verdade é que a paciência, dos instruídos eleitores do sr. dr., está a modos que incontinente. Os murmúrios dominantes dentro do partido do engenhoso Cavaco Silva, de tão pouco dissimulados são, produzem, por isso, consequências demasiado previsíveis. O trivial, já se vê, nada de somenos. Diz-se.
Sabe-se, no entanto, que alguns cavaquistas mais imperturbados entendem a pungente troca de opiniões, e de arrufos, entre os Menezes, os Passos Coelho ou o inefável Marco António, sempre de permeio, como um tranquilo affaire d'honneur democrático. E, confessam não existir gemido algum, evidentemente humano, que os perturbem de dormir mansamente. O professor & o engenheiro, asseguram, tratam de tudo, nos próximos 3 anos. A bem da Nação e da Europa. Lindamente!
Entretanto, os portistas andam atarefados na lavra de revistas & debates sobre a "coisa" liberal. Um encantamento espiritual, na verdade. A penúria transporta sempre fenómenos providenciais. Estamos, como se vê, ainda no começo. E pode ser que sim, que tudo isso dure os tais virginais 3 anos, mas esperemos a nomeação de Martins da Cruz, para Belém, e o avanço para PGR do incansável Laborinho Lúcio, para fazer as contas todas. Até lá, mesmo que os "ossos" do dr. Marques Mendes sejam "duros de roer" ou a esfinge iluminada de Santana Lopes nos fite, sem ânimo algum mesmo, a atmosfera política restará um pranto. Quem ousará desembainhar a espada, primeiro?
Por outro lado, o poeta Alegre, com atestado de bons serviços à República, e a sua corte reformatória lançam sobre os indígenas um inusitado movimento cívico. Nunca visto entre os eleitores socialistas & os carentes independentes lusos. Questões como "a igualdade do género", a "despenalização do aborto", "o casamento homossexual" ou a magna questão das "novas formas de pobreza" (no dizer do E.P.C., perplexo ao saber que ainda existem), são tão audazes e esperançosas, que se compreende porque a velha raposa socialista, o venerável Almeida Santos, prescreve e recomenda a caridade rosa contra os recalcitrantes do partido. Numa jogada perfeita, passa a "bola" ao poeta Alegre. E este, enquanto estiver condenado a ser comensal da Trindade, diz que está em reflexão. Em trabalhos didácticos. Presume-se que uma poesia pastoral nasça dentro de momentos. Até lá a vida continua. E a estabilidade política, supostamente.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006
José Marinho [n. 1 Janeiro 1904 -1975]
"... Todo o problema da filosofia portuguesa e das filosofias nacionais outro não é, conforme nos parece, senão o de garantir a universalidade da filosofia, mas concretamente situada nos diferentes homens, povos e civilizações (...) Tal qual o entendo, o sentido das filosofias nacionais é uma das formas de regresso às origens próprias do filosofar, um dos modos de distinguir a filosofia teorética e especulativa de uma filosofia cultural, livresca e universitária. Entre as duas há o abismo entre o que é vivo e o que foi ..."
[José Marinho, in Estudos sobre o Pensamento Português Contemporâneo, 1981]
"Um dos [primeiros] mais importantes aspectos [da aprendizagem] do estudo da língua natal era outrora o que se chamava 'tirar significados'. Pode discutir-se a legitimidade da expressão, pode discutir-se também o valor pedagógico dessa forma de aprendizagem.
A razão [(...) e] de uma dificuldade e de outra está em que [nesta] nesse modo de [aprendiz] apreender, as palavras são apreendidas [alcançadas] [atendidas] extrinsecamente. Professores e estudantes não atendem então ao que na palavra é [genesíaco] mais fundo ou [até] originário, a palavra é assim alcançada [de fora para dentro] desde a periferia da significação. [Por outro lado] Na busca de equivalência [perde-se o (...)] esvai-se ou não chega a assumir-se o que cada palavra tem de próprio e inconvertível. Se encontro por exemplo um significado para alegria e encontro prazer ou boa disposição, estou perto de perder ou não alcançar todo o radioso sentido [que tem] da primeira ..."
[ms de José Marinho, in Revista Leonardo, nº 4, Dez. 1988]
Locais: José Marinho (1904-1975) / José Marinho : "todo o pensar liberta" / Filosofia e Religião em José Marinho. Entre o drama da existência e o enigma do ser / O Enigma e a responsabilidade de cada dia
Subscrever:
Mensagens (Atom)