terça-feira, 1 de novembro de 2005
Alfred Jarry
"Alumiai, irmãos, o caminho de vosso senhor, grande peregrino. Seguimo-lo alegres sem dúvida: fechados em grandes caixas de lata durante toda a semana, só ao domingo podemos respirar o ar livre. Palafreneiros das Serpentes de Bronze, nós somos os Pa, nós somos os Pa, nós somos os Palotins.
Orelhas ao vento, em fileiras apressadas, marchamos num passo guerreiro, e as pessoas que nos vêem passar tomam-nos por militares.
Nós somos os Palotins! Vivemos dependentes de uma dobradiça, mijamos por uma torneira, e o ar chega-nos por um tubo em U! Nós somos os Palotins!" [A. Jarry, in &ETC, nº16, 31/10/1973]
"... Sim meus senhores, espevitem bem as orelhas e não façam muito chinfrim ... nós massacramos uma infinidade de gente ... o nosso sonho é fazer sangrar, esfolar, assassinar; arrancamos os miolos, publicamente, todos os domingos, algures nos arredores, em cima de um estrado com cavalinhos de madeira e vendedores de coco à volta ... peripécias antigas, que se aqui estão arquivadas é porque nós somos muito ordenados ... e por isso mesmo ordenamos agora aos senhores Juízes que nos condenem à maior pena que lhes passe pela cabeça, para que ela seja proporcional connosco; mas não à morte, isso não ... Estamos já a ver-nos como forçados, com um belo boné verde, todos repimpados à custa do Estado, e ocupando os nossos ócios com qualquer trabalhinhos leves" [A. Jarry, in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]
Alfred Jarry [1873 - m. 1 Novembro 1907]
"Como ele próprio disse: «Redon - o que misteria» ou «Lautrec ? o que cartaz», há que dizer: Jarry, o que pistola. «E - escreveu ele no ano em que morreu, a Mme Rachild ? é grande a felicidade de ... proprietário poder dar tiros de pistola no nosso quarto de dormir»" [pref. a Alfred Jarry, in Antologia do Humor Negro, Afrodite, 1973]
"Esse pão com fome de polacos e de bicicleta com a poesia com as tripas de fora atravessando incólume etra de Ubus, o amoroso voador de diamante em visita ao absoluto, Alfred Jarry de seu nome incandescente, que eu conheci estava no meu primeiro solo de ranger de dentes e ele atirava ao alvo - ó cabecinhas - , esse Pão que todos os dias nos rebenta na boca logo de manhã, e depois na mesa, e na cama à noite, e sempre, enquanto este tempo de Ubus não for empurarrado para o alçapão, Alfred Jarry de seu nome de letras crepitando no sonho e escrito no espelho de perigos de cada um.
Este poeta e a vida, paixão e morte da sua vida não devem sofrer homenagens para além do palito, que é, supõe-se, o que todos aqui vêm trazer, cada um à sua maneira, e visto que desviar as balas que continuam a passar alegremente em direcção ao inimigo ainda vivo seria o mesmo que desarmar o franco-atirador que foi Alfred Jarry - e ficarmos desarmados (...)
A vibrante canção de recusa e de degolação que é a vida e a obra de Alfred Jarry colocam a poesia, e ele, na primeira linha dos grandes atiradores da passagem do século. Cabe aos poetas não esquecê-lo e passar a palavra" [António José Forte, in &ETC, número especial dedicado a Alfred Jarry, nº16, 31/10/1973 ]
Locais: Alfred Jarry / Alfred Jarry (1873-1907) / Alfred Jarry / Alfred Jarry (Francia, 1873-1907) / Alfred Jarry 1873-1907 / Alfred Jarry et la littérature de son temps / Ubu Roi ou les Polonais / Alfred Jarry Corbeil, Paris / alfred jarry: absinthe, bicycles and merdre / 5 poemas / Un precursor desconocido de heidegger: Alfred Jarry (Gilles Deleuze) / Ubu vous salue bien
O Terramoto de Lisboa de 1755
"Perto das 8 horas, um leve tremor. Às 9 e 3 quartos, quando as ruas e as igrejas estavam cheias de gente, sentiu-se no ar um fragor como um desfilar de um carro, seguido levíssimo tremor de terra que a pouco e pouco foi aumentando durante seis a sete minutos com força horrível e agitação espantosa de todos os edifícios sagrados e profanos. A terra tremia debaixo dos pés, depois subia e descia, ondeava, oscilava e as casas bailavam como navios no meio das ondas, perdendo o centro da gravidade, enfraquecendo-se nos alicerces, desconjuntando-se, desarticulando-se e caindo fragorosamente. Depois outro som, à guisa de trovão, com outro tremor de terra mais violento que antes, agitando com mais ímpeto os edifícios que tinham ficado de pé, e pelo espaço de três minutos. Seguiu-se outros: a 8 e 11 de Novembro, na noite de Natal, Quinta-Feira Santa e 'Ordinariamente depois de cada quarto de Lua'
O terramoto chegou menino a Lisboa e ficou gigante em poucos momentos; sacudiu com tal força e duração que parece não ter havido outro igual depois da morte de Cristo. Abatidos estátuas e arcos, pórticos e baluartes, torres e igrejas, casas e palácios; e a terra abriu-se, rasgou-se em vários lugares. O cais da Rocha foi engolido, o mar ficou mais profundo. Os prédios, caindo sobre outros, derrubaram também estes. Era a derruba da floresta onde umas arvores arrastam na queda as outras arvores. E tudo de surpresa numa cidade de casas altas, de ruas estreitas, desprovidas de praças, numa hora tardia, num dia solene, com as igrejas repletas. O povo ficou gelado e estúpido de espanto. Julgaram uns que o castigo fosse particular da sua pessoa ou da sua família, e quedaram-se de joelhos, mãos cruzadas no peito, cabeça inclinada como réus no patíbulo. Onde o terramoto os apanhou, aí se mantiveram, ou no alto das paredes ou traves, que, agitadas espantosamente, estalavam, ou debaixo dos pavimentos, ou ao lado das paredes a inclinar-se violentamente, esperando da divina justiça o golpe final (...)
E o mar, o manso e lindo mar de Lisboa? Embraveceu, esbravejou e rugiu pela foz do Tejo. Roncava mais e mais à medida que subia; subia para lamber primeiro, abocanhar depois e arrebatar em seguida arvores, mesas, traves, dando em troca à terra apavorada as barcas que as ondas lá deitaram (?)
Primeiro a terra com os abalos, depois com o mar com a fúria das ondas e ainda depois o céu com o fogo, que não deu prejuízo inferior ao terramoto (...) Oito dias durou o grande incêndio e durante semanas e meses não deixou de arder e fumegar, calcinando, incinerando Lisboa ..." [in O Cardeal Nacional, pp.212-215 (aliás, in nota 4. no capitulo XXIV, de Portugal A Corte e o País nos anos de 1765 a 1767, de Giuseppe Gorani, trad. e notas de Castelo-Branco Chaves, 1989]
Locais: 1755 Terramoto no Algarve / A Gazeta de Lisboa e o terramoto de 1755: a margem do não escrito (André Belo) / Colóquio Internacional. O Terramoto de 1755 / Inquisition (Edward Peters) / Lisbon in the Renaissance: A New Translation of the Urbis Olisiponis Description (Damiao de Gois) / O sismo de 1755 / O Terramoto de Lisboa, os judeus e a Inquisição (Rua da Judiaria) / Pequeno Blogue do Grande Terramoto (Rui Tavares) / Poèm sur le désastre de Lisbonne (Voltaire) / Terramoto de Lisboa
segunda-feira, 31 de outubro de 2005
Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas
"Desenvolvi um método segundo a qual não faço as pazes com as coisas que me perturbam, apenas vou-me embora" [David Berman, in O Morto está vivo, de João Bonifácio, Publico 21 /10/2005]
Exactamente. E, assim, David Berman rouba-nos o destino com este trabalho de erudição e purgação que é "Tanglewood Numbers". Respeitavelmente sem escrúpulos. A evocar desalentos. Decerto "não é uma obra de arte" mas é seguramente "o disco mais denso, orquestrado e acabado dos Silver Jews" [João Bonifácio, ibidem].
"You might as well say fuck me / cause I'll keep on loving you" [D. Berman]
Para ouvidores de linguagem murmurosa, para aqueles que se aposentam das fantasias e destes nefandos dias do pré-cavaquistão, a frescura de espírito & o meneio "belo e comovente" dos
Silver Jews - I'm Getting Back Into Getting Back Into You,
ali, do lado esquerdo da pedra. Boa semana. Ite missa est.
O Anibalismo
"Cavaco Silva não têm programa ou sequer discurso de ideias" [Proença de Carvalho, Rev. Expresso, 29/04/1989]
"... Nunca li uma biografia de Aníbal [lynk da gerência & fora do texto], pelo que tenho de me cingir ao acervo de intuições populares que definem o anibalismo como doença decorrente de um excessivo apego aos elefantes. Mas, segundo a tradição popular, o anibalismo gera, em doses preocupantes, uma conduta pesada e pouco grácil, mais orientada pelo sentido do vento do que pela vista, que é tosca; incapacidade para o subtil e terror das «nuances», o que costuma minar o sentido do humor; uma memória persistente mas grossista; e uma grande dificuldade em sociabilizar fora do ambiente restrito da manada [lynkagem pela gerência, fora do texto de NBS]..." [Nuno Brederode Santos, Anibalismo, in Revista Expresso, 14/10/1989]
"O Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP) emitiu ontem uma nota de imprensa em que considera "impróprias e injuriosas" as afirmações de Cavaco Silva, ao abordar a necessidade de diminuição de funcionários públicos, numa conferência proferida na passada quarta-feira, na Faculdade de Economia do Porto. "Como nos vamos livrar deles? Reformá-los não resolve, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e diminui as receitas de IRS. Só resta esperar que acabem por morrer", afirmou o antigo líder do PSD.
Tal declaração mereceu por parte do SINTAP "contestação e mesmo indignação". O sindicato considera que "este professor de Economia esquece-se das obrigações que tem como antigo primeiro-ministro deste país, esquece-se deliberadamente do que fez enquanto governante com a criação dos 'disponíveis' e esquece-se também da forma como 'resolveu' (?!) os problemas dos trabalhadores da administração pública no seu tempo de governo". Lembrando ainda que "o professor Cavaco Silva" é "ele próprio trabalhador da administração pública"", o sindicato pergunta: "Qual a sua moralidade para dizer hoje o que diz? ..."
[reflexão notável do prof. Cavaco, que em boa hora nos foi lembrado via mail por M. Pires, e publicada no Público, "Sindicato da Administração Pública Contesta Declarações de Cavaco" - no dia 2 de Março de 2002]
Curtas & grossas
Os deploráveis indigentes que assentam extraordinários rabos no cadeiral de S. Bento, animados pelos sublimes discursos da governação & folgados que estão dos trabalhos parlamentares, deliberaram adestrar uma "greve de zelo" e, assim, não despacharam em tempo útil a "nova lei do fim das regalias dos políticos" (curiosamente a lei, que foi aprovada na AR a 28 de Julho último, tem um "trânsito" sinuoso e fatigante, em comparação com a publicação célere de igual pronúncia face ao funcionalismo público). O privilégio que estas criaturas têm, o contentamento íntimo com que ludibriam os indígenas, é absolutamente notável. Quem nos salva desta corja é que ninguém sabe. Umas valentes bengaladas dadas, com infinita graça e furtivo amor pátrio, nos costados emproados dessa gentinha, eram sugestão recomendável. No mínimo exigia-se a requisição civil à moda do Sócrates.
Quando se assiste à corrida vigorosa dos autarcas às tomadas de posse, para usufruir dos infectos privilégios com que se brindam, compreende-se como a ignóbil classe política é tão lesta no reparo e achincalhamento dos funcionários públicos - a seus olhos, os únicos meliantes deste Portugal. Que do inenarrável Carmona de Lisboa ao não menos inefável Rui Rio (Cavaquista de primeira fila), passando pela rapaziada festivaleira da província (rosa, laranja ou vermelha), até arribar ao camarada e vate inspirado Carlos Marques (até tu ... Louçã!), e com esse artista Osvaldo Castro à batuta, o "consenso" seja generalizado não nos espanta. Estivéssemos nós em Espanha, fossemos nós por um dia cidadãos espanhóis, que a munição de manguitos & outros vigorosos "aplausos" seriam notáveis. Mas não estamos nem somos! Infelizmente!
sábado, 29 de outubro de 2005
Rua da Judiaria - II assombrosos anos
A memória encantatória trazida a todos nós pela Rua da Judiaria, o tempo lembrado, nunca descansado, ou a fraternidade, assim tão necessariamente luzente, são um amparo para todos nós. Os lugares, as vozes, os rostos & alma que se reconhecem no mais singular de todos os blogs em língua lusa, é um luxo que devoramos cada dia. Uma imensa soidade que faz parte da nossa portugalidade e desse mysterio de ser português. Um olhar de passos idos, uma viagem muy encoberta. Essa força espiritual é um fado em todos nós. Um chamamento velado. Um reencontro. Obrigado Nuno. Saúde e fraternidade.
In Memoriam Joaquim de Carvalho
"Apesar de contestada [a filosofia portuguesa] por uns, indiferente à maior parte, mas aproveitada por estranhos, pensámos sempre que o Génio Nacional, como unidade viva e livre, se deveria reflectir na Filosofia.
Com efeito, se uma nacionalidade é em si um produto espiritual, para nós mais representativo do que a comunidade de interesses, sentimentos, tradições, língua, caracteres étnicos, autonomia do poder politico, etc, com que ordinariamente é definida, se, por outro lado, a filosofia não é estéril e vão exercício da inteligência, mas uma exigência imperiosa do espírito, o que impede teoricamente que um povo livre, na plenitude da sua autonomia, se afirme e reconheça, independentemente doutras manifestações, na Filosofia?..."
"Se sobre todas as coisas reina a dignidade da consciência humana; qualquer ideário político, qualquer arquitectura do Estado que a esqueça, esmague ou remova para o fundo do cenário, é intrinsecamente falsa e moralmente pecaminosa ..."
"Quando um país tem a dita de possuir uma oligarquia de políticos, claros nos propósitos, seleccionados e confirmados pelo voto de opinião, honrados com o adversário quando lhe chega a hora de governar, o povo vive subtraído às oscilações extremistas das leis do pêndulo e podem chover estrelas ou picaretas que não se abalará a paz interna.
Se esta meia-dúzia de homens se desentender, se se deixar atrair pela sereia do mando, tapando os ouvidos à frágil voz do Servir, na bigorna da politica soa o timbre das espadas, com as quais, como advertiu Talleyrand, se podem fazer muitas coisas, salvo sentar-se alguém nas pontas.
Sempre assim foi e será, assim como, pelo contrário, sempre foi e será o diálogo claro e publico entre os dirigentes políticos o bastião inabalável da paz civil. Governe a direita, governe a esquerda, o essencial é que, no círculo dos oligarcas, quem governa saiba demitir-se, e quem quer o poder saiba esperar"
[Joaquim de Carvalho, in Diário Liberal (1933 e 1938), citado por Cruz Malpique, in Perfil intelectual e moral do prof. Joaquim de Carvalho, 1959]
"Junto ao túmulo de Joaquim de Carvalho"
"Meu querido pai, apenas quero dirigir-te a minha última oração de amor bem junto à tua derradeira e já etérea presença física, para que partas e saibas antes da despedida que levarei no meu sangue violado a tua estirpe e que afinal estás enganado: - a tua sepultura não é esta fria cama onde hoje singelamente te trazem a imensa ternura e o imenso respeito duma Nação (duma Nação? Não, querido pai, de todo o mundo culto, dos inúmeros amigos e admiradores teus que a esta hora te choram por terras ultramarinas, brasileiras, espanholas, francesas, italianas, argentinas ? sei lá por onde mais o teu nome era bandeira ao vento da cultura, da justiça e da independência moral!) Não, que a tua ultima morada não são as imutáveis arestas destas pedras, mas a humilde charneca do sangue igual da tua companheira, a nossa mãe. Aí o teu repouso e a tua permanente reaparição. Estaremos eternamente contigo porque não foste apenas o pensador, o escritor e o professor notabilíssimos ? mas o pai santo, no seio da família, e o santo homem, no seio da comunidade. Dignificaste a palavra cristã. Honraste os valores humanos da generosidade e da tolerância. Tudo o mais que criavas era apenas eco da tua bondade e da tua natural inteligência sensível. Jamais poderei deixar de te ver junto aos livros e debruçado sobre a vida, esse livro mestre de livros. Eras indomesticável ou só domesticável às causas supremas da redenção e da valorização do homem cá na terra. Os homens que tu mais amaste forma santos como tu, chamassem-se Spinoza ou Antero. Tu os recreaste através de ti porque nascera contigo o padrão de valores de outros valores. E o teu valor máximo era a humildade à maneira de Spinoza (nunca te seduziu a riqueza material), o coração generoso de Spinoza, o orgulho moral e liberal de santo Antero, e a certeza de que um homem serve a Pátria ao longo dos séculos e que só nessa perspectiva ainda mais apreciarão o teu trabalho. Não tinhas medo à história. E a historia, um dia, há-de julgar-te como um símbolo"
[Oração proferida pelos seus filhos, no cemitério da Figueira da Foz, em 29 de Outubro de 1958]
quarta-feira, 26 de outubro de 2005
Welcome to Elsinore - II Aniversário
O castelo de Elsinore é uma linda história. Todos os preceitos se resgatam naquela casa de todos os dias. Há felicidade em Elsinore. Com ou sem o choque tecnológico. O espírito inquieto da Carla, "entre o metal fundente e as muralhas graníticas", entre o glorioso que apaixona e a poesis que é infinita, o tempo corre de inocência. Fez no dia vinte e quatro, 2 (dois) 2 anos de existência afectuosa. Preciosa. Parabéns. Daqui se envia, em jeito de abraço
Mário Cesariny Vasconcelos (ele mesmo) em You Are Welcome to Elsinore
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Saúde e fraternidade
Já tomou o seu Cavaco hoje!?
A União Nacional Cavaquista tem assinalado - com a maior das inspirações altaneiras - o "medo", o "muito medo" que os heréticos & ruidosos esconjurados anti Cavaquistas & anti messiânicos observam nestes dias funestos. Várias bocas humedecidas de saliva musculada fornecem ao pagode o altíssimo gozo das virtudes presidenciais do candidato prof. Silva, enquanto vão imolando os putativos hereges em escrita surrada. Os da União Nacional são de poucas brincadeiras. Os linguados com que paternalmente nos brindam, no santuário dos jornais & blogs, são para acreditar. A chibata está à vista.
Portanto, para aqueles que chafurdam em afável camaradagem demoníaca; para aqueles que não conhecem a virtude recompensada do candidato e como tal não praticam o bem constitucional; eis o que se deve dizer, três vezes em voz alta, olhando em volta. Eis as palavras convenientes:
"Tenhamos medo. Sejamos desconfiados, prudentes, reflexivos. Se virmos um gato preto deitemos sal sobre o ombro ou façamos uma figa. Se nos sair pela boca, sem querer, o que realmente pensamos batamos na madeira, diabo seja surdo, cego e mudo, um, dois, três. Entremos com o pé direito em todas as portas (a menos que sejamos canhotos). Máximo cuidado no partir de vidros e entornar azeite" [in Almanaque, Fevereiro de 1960]
terça-feira, 25 de outubro de 2005
Max Stirner [n. em Bayreuth, 25 Outubro 1806-1856]
"Eu sou o inimigo número um do Estado, que se vê sempre perante a alternativa: ele ou eu" [Max Stirner]
Locais: The Ego and Its Own [Stirner] / Max Stirner The Ego and Its Own [Anarchists] / The Individualist Anarchists: An Anthology of Liberty / Dora Marsden and Early Modernism: Gender, Individualism, Science [Stirner & Nietzsche] / The Conquest of Bread and Other Writings [Peter Kropotkin] / The Aesthetic Politics of Modernism [in Anarchy and Culture] / The Age of German Idealism
"All The News Fit To Print" - cabeçalho do New York Times [25 Outubro 1896]
"October 25, 1896- The Times slogan: "All The News That's Fit To Print" makes its first appearance on the editorial page." [ler aqui]
"All the News That's Fit to Print" coined by Ochs himself after a contest finds no stronger candidate for a slogan, first appears on the editorial page. It moves to Page 1 on February 10, 1897"
"When my great grandfather Adolph Ochs created the slogan 'All the News That's Fit to Print' a century ago, it was his way of declaring the newspaper's intention to report the news impartially during a time when yellow journalism prevailed ..." [ler aqui]
Locais: The New York Times / The New York Times: A Chronology 1851-2001 / The New York Times [Art History] / Adolph Ochs / All The News Fit To Print / "The New York Times was established in 1851..." / The ironic and historic dimensions to scandals at New York Times
segunda-feira, 24 de outubro de 2005
Os Equívocos de Cavaco Silva
"Que gente reiterativa. È tão bom!" [A. O'Neill]
Cavaco Silva regressou. Parece repousado, pasmado de 10 anos de espera, pouco abundante em palavras, desatento aos anos da sua longa (des)governação e muito festivo, demasiado talvez. Afastado, prudentemente, da crise penosa em todos estes anos, ambiciona sair das trevas da política indígena repelindo os seus dilectos "filhos" e "enteados". Cavaco jura que não é mais um "Aníbal político". E, de fronte erguida, ar emproado e um tanto pedante, apresenta-se escondido da turba laranja, essa "canalha" que tão bem iluminou no caminho ao assalto da administração pública e aos subsídios da União Europeia.
"Pai" e "mãe" do "monstro" que é o Estado e que inventivamente construiu para os incautos, Cavaco Silva "destruiu-se" no "território da corrupção" com que risonhamente embalou a sua governação. Hoje tresanda de hipocrisia. E mesmo que o seu dissídio seja honesto, não se vê como se deva perdoar o seu diminuto carácter no exercício da coisa pública.
Cuida o dr. Cavaco que o (quase) silêncio com que friamente e pacientemente se remeteu faz desaparecer o fastio destes 20 anos de miserabilismo pátrio e os seus 10 de governação. Aonde depois, Guterres, sem paciência nem capacidade, compreende, e tarde demais, que os "boys" da rosa estimavam esses bons e animados tempos do dr. Cavaco. E, é claro, daí só pode dar em fuga ... envergonhada. Onde assoma Barroso, crescido nesse melífluo redil de antanho e que habilidosamente dá um salto ainda maior, sem qualquer rebuço ou pudor. Depois, por complacência de Sampaio, cai-nos sobre as nossas cabeças a histriónica dupla Lopes & Portas, que de tão incompetentes foram no deslumbramento da governação que deixaram tudo à mostra e o país à beira de um ataque de nervos. E onde, de momento, Sócrates baralha e torna a dar, para ficar tudo como estava. Vinte anos calcetados na mais desvairadas das políticas e com a mais grosseira classe dirigente conhecida. Que tornou Portugal no país mais atrasado da Europa.
Eis o quadro negro de 20 anos de pronunciamento Cavaquista. Onde o trecho inaugural da "obra" portuguesa ou "oásis" trôpego se começa a desenhar, em chacota carnavalesca. Onde a "competência", a "capacidade de decisão", a "honestidade" e a "responsabilidade" (para seguir o madrigal político do sr. Ramalho Eanes, agora muleta pegadiça de Cavaco) nunca existiu. E que só o disparate da fraseologia eleitoral, a demagogia e o populismo tornam banais. Lucidez precisa-se! Que a memória não nos torne irracionais.
[O fim do super-homem]
"O governo [do prof. Cavaco Silva] falhou algumas metas económicas e o homem que nunca se engana, que conhece os «dossiers» e que domina os números, afinal, enganou-se.
(...) falta saber se Cavaco Silva é apenas e fundamentalmente um político de rara habilidade que sabe exactamente o momento de «saltar» para o poder (e, também, o de retirar-se em beleza) e aproveitar com perícia as conjunturas favoráveis; ou se Cavaco Silva é um governante rigoroso e competente que sabe conduzir as situações e transformá-las (...)
Cavaco vai regressar também a tempo de usufruir sozinho os resultados conjugados de um conjunto de factores praticamente «únicos» para a economia portuguesa. Herda uma situação financeira reequilibrada pelo Governo do Bloco central, em 1983 e 1984, graças a uma dolorosa política de austeridade; aproveita de uma conjuntura externa altamente favorável; recebe como brinde os efeitos da integração de Portugal na CEE e o impacto das transferências de verbas que saldam em milhões e milhões de contos. A sua determinação em romper o Bloco Central partia, naturalmente, do conhecimento das magníficas perspectivas enumeradas.
É nessa conjuntura que mais uma vez Cavaco Silva pode governar com o objectivo essencial de ganhar as eleições seguintes e transformar o seu governo minoritário de 1985 num governo dotado de uma maioria inigualável, em 1987.
(...) Face à primeira dificuldade na evolução económica (...) Cavaco começará, porventura, a enfrentar o seu grande teste: vencer também nos momentos difíceis.
Durante um ano, ele soube transformar, mais uma vez com grande habilidade política, os efeitos de uma conjuntura externa, favorável como nenhuma outra, no resultado da sua capacidade de gestão interna. As «performances» económicas monopolizaram o discurso governamental. Uma meta desinflacionista verdadeiramente recorde atribui um número - 5,5 - à imagem de marca do governo. Cadilhe chamou a este objectivo uma verdadeira «correcção estrutural». Quebrado agora o fetiche, confrontado agora o Governo com um erro de previsão de quase cinquenta por cento, as tentativas de emendar a mão tornam-se quase patéticas.
É ainda o derradeiro esforço para preservar o mito dos super-homens. O Governo omite a parte da realidade que não lhe convém, dizendo que a derrapagem inflacionista de deve a causas externas e esquecendo-se de ter dito que a sua redução no ano passado [1987] também assentou nas mesmas causas externas; muda rapidamente de campo, erigindo o emprego em grande objectivo sem explicar porquê; procura dar de si próprio uma nova imagem de marca, mais virada para os desafios sociais e culturais do que para a mera quantificação dos êxitos financeiros (...)
[Teresa de Sousa, in "O fim do super-homem", Revista Expresso, 1 de Outubro de 1988]
"O governo [do prof. Cavaco Silva] falhou algumas metas económicas e o homem que nunca se engana, que conhece os «dossiers» e que domina os números, afinal, enganou-se.
(...) falta saber se Cavaco Silva é apenas e fundamentalmente um político de rara habilidade que sabe exactamente o momento de «saltar» para o poder (e, também, o de retirar-se em beleza) e aproveitar com perícia as conjunturas favoráveis; ou se Cavaco Silva é um governante rigoroso e competente que sabe conduzir as situações e transformá-las (...)
Cavaco vai regressar também a tempo de usufruir sozinho os resultados conjugados de um conjunto de factores praticamente «únicos» para a economia portuguesa. Herda uma situação financeira reequilibrada pelo Governo do Bloco central, em 1983 e 1984, graças a uma dolorosa política de austeridade; aproveita de uma conjuntura externa altamente favorável; recebe como brinde os efeitos da integração de Portugal na CEE e o impacto das transferências de verbas que saldam em milhões e milhões de contos. A sua determinação em romper o Bloco Central partia, naturalmente, do conhecimento das magníficas perspectivas enumeradas.
É nessa conjuntura que mais uma vez Cavaco Silva pode governar com o objectivo essencial de ganhar as eleições seguintes e transformar o seu governo minoritário de 1985 num governo dotado de uma maioria inigualável, em 1987.
(...) Face à primeira dificuldade na evolução económica (...) Cavaco começará, porventura, a enfrentar o seu grande teste: vencer também nos momentos difíceis.
Durante um ano, ele soube transformar, mais uma vez com grande habilidade política, os efeitos de uma conjuntura externa, favorável como nenhuma outra, no resultado da sua capacidade de gestão interna. As «performances» económicas monopolizaram o discurso governamental. Uma meta desinflacionista verdadeiramente recorde atribui um número - 5,5 - à imagem de marca do governo. Cadilhe chamou a este objectivo uma verdadeira «correcção estrutural». Quebrado agora o fetiche, confrontado agora o Governo com um erro de previsão de quase cinquenta por cento, as tentativas de emendar a mão tornam-se quase patéticas.
É ainda o derradeiro esforço para preservar o mito dos super-homens. O Governo omite a parte da realidade que não lhe convém, dizendo que a derrapagem inflacionista de deve a causas externas e esquecendo-se de ter dito que a sua redução no ano passado [1987] também assentou nas mesmas causas externas; muda rapidamente de campo, erigindo o emprego em grande objectivo sem explicar porquê; procura dar de si próprio uma nova imagem de marca, mais virada para os desafios sociais e culturais do que para a mera quantificação dos êxitos financeiros (...)
[Teresa de Sousa, in "O fim do super-homem", Revista Expresso, 1 de Outubro de 1988]
domingo, 23 de outubro de 2005
Philip Lamantia [n. 23 Outubro 1927-m. 7 Março 2005]
"The mermaids have come to the desert
they are setting up a boudoir next to the camel
who lies at their feet of roses
A wall of alabaster is drawn over our heads
by four rainbow men
whose naked figures give off a light
that slowly wriggles upon the sands
I am touched by the marvellous ..."
[Philip Lamantia, in Touch of the Marvelous, 1944]
"Recusamos contentarmo-nos em ser meramente os mais odiados homens e mulheres do nosso tempo. Ainda não está esquecida a linguagem das aves. Quem nos acusar de mudar de assunto merece um soco no nariz.
Podíamos dizer, dentro do espírito de Pitágoras, que nunca é demasiado cedo para aprender a sonhar com o nunca sonhado.
A imaginação ou é revolucionária ou não é nada.
A revolução será surrealista ou nada será."
[A traição é mais doce que o mel, texto colectivo publicado em "City Lights Anthology", 1974 (aliás in Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial, P&R, 1977) com participação de Philip Lamantia et al]
Locais: Philip Lamantia / Philip Lamantia (1927-2005) / Philip Lamantia Remembered / Philip Lamantia: Shaman of the Surreal / Philip Lamantia - S.F. Surrealist poet Visionary verse of literary prodigy influenced Beats / Riding the Marvelous / Geração Beat / Ecouter Philip Lamantia (Rest in peace, Al Capone)
quarta-feira, 19 de outubro de 2005
Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas
Ler o corpo como se ele não tivesse sido lido. Não acreditar que a "beleza" possa, desamparada, ser relatada "sob a forma de uma citação" (Barthes). Revisitar prantos generosos, confrontações viciosas, prisões ausentes, paixões inverosímeis. (Des)construir um rosto ou chamar o desejo quando o tempo arde, eis uma possível "insurreição erótica". Nada de mais precioso.
Para aqueles que caem no "logro no tempo de amor", para todos os outros que desaprendem nomes, imploram virtudes & aos que se quedam à margem. Para todos os que rompem a espera & prudentemente rasgam pedaços de si, eis, ali do lado esquerdo da pedra, Regra Três, por Toquinho & Vinicius de Moraes. Que cada um seja para o outro "aquilo que não é em si". Feliz ceia.
"Tantas você fez
Que ela cansou
Porque você, rapaz
Abusou da regra três
Onde menos vale mais
Da primeira vez
Ela chorou
Mas resolveu ficar
É que os momentos felizes
Tinham deixado raízes
No seu penar
Depois perdeu a esperança
Porque o perdão também cansa
De perdoar
Tem sempre o dia em que a casa cai
Pois vai curtir seu deserto, vai
Mas deixa a lâmpada acesa
Se algum dia a tristeza
Quiser entrar
E uma bebida por perto
Porque você pode estar certo
Que vai chorar"
[Toquinho & Vinicius de Moraes, Regra Três]
Vinicius de Moraes [n. 19 Outubro 1913-1980]
"Detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata" [V. Moraes]
"... Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor..."
[Vinicius de Moraes, Para Viver um Grande Amor]
Rafael Bordalo Pinheiro
"... A CARICATURA é uma das mais terríveis armas de guerra aplicadas ao ridículo humano. Pior do que o canhão! Porque o canhão mata - a caricatura mutila ..." [Joaquim Leitão]
"... Nunca a caricatura em Portugal ocupou lugar tão importante na história da moda e dos costumes, como o que atingira ultimamente mercê do talento e dos esforços de Rafael Bordalo. A caricatura política ainda teve outrora certa significação, enquanto viveu o Suplemento burlesco: mas as caricaturas morais, as fantasias, as cenas íntimas, e os gracejos aos abusos exigem que o espírito do público colabore por assim dizer com o artista a poder de o apreciar, e não queira cortar-lhe as unhas como ao gato que arranha, ou açaimá-lo por qualquer coisa como ao cão que morde. Há nações onde se poderia escrever a história exacta da liberdade com o escrever a história das caricaturas; nós não temos censura, mas ela existe, senão na forma, no fundo, e é às vezes para tudo em Portugal a pior das tiranias; chama-se-lhe as conveniências; podia chamar-se-lhe a hipocrisia!" [Júlio César Machado]
terça-feira, 18 de outubro de 2005
Joaquim Martins de Carvalho [1822- m. 18 Outubro 1898]
"Joaquim Martins de Carvalho nasceu em Coimbra, frequentou aulas de latim nos jesuítas, fez parte do movimento da "Maria da Fonte" (1846), tendo por isso sido preso e levado de Coimbra para a Figueira da Foz e daí, num barco, para o Limoeiro em Lisboa. Foi um notável jornalista, talvez o mais admirável do seu tempo, colaborou no Liberal do Mondego, Observador (de que, posteriormente, foi proprietário) e principalmente nesse incontornável jornal, O Conimbricense [nº 1, 24 de Janeiro de 1854, ao nº 6230, de 31 de Agosto de 1907]. "Não tendo ele sido verdadeiramente um escritor, na acepção estilística do termo, foi um jornalista ardoroso e intemerato, arrostando tão corajosamente os perigos como afrontava sobranceiramente chufas e arruaças, em luta permanente contra tudo e contra todos pelo Progresso, pela Ordem e pela Verdade." [José Pinto Loureiro, in Índice Ideográfico de O Conimbricense, Coimbra, 1953] [continuar a ler aqui]
Papéis & Arrumações
[Quando os lentes contavam historias fora da matéria da lição...]
"Falámos dos escolares da Universidade [Coimbra]. Hoje vamos nos referir aos professores. Ligeiramente, porque nem temos espaço nem cabedal para focar e desenvolver os mil conflitos que entre lentes se suscitaram e puzeram a Universidade em alvoroço, mormente na luta travada para provimento das cadeiras, em que a votação levava dias e os subornos eram coisa certa (...)
Vamos, acidentalmente, por curiosidade, trazer para aqui um episodio das desavenças que certamente vinham de Lisboa, pois a Universidade estava de novo e definitivamente instalada em Coimbra havia pouco tempo.
Basta, para tanto, ler o alvará régio a seguir transcrito, para se ficar a conhecer o processo usado pelos lentes para ferirem publicamente o adversário:
Eu El Rei faço saber a vós reverendo bispo Reitor dos estudos e universidade da cidade de Coimbra e aos reitores que ao diante pelos tempos forem, que porquanto às vezes acontece os lentes nas suas lições que lêem e nos autos públicos que se fazem, dizerem palavras de que os outros lentes ou letrados que nos ditos autos estão presentes, recebem escândalo, e assim os ditos lentes nas lições que lêem se põem a contar historias for a da matéria da lição em que gastam o tempo sem proveito, hei por bem que o lente que cada uma das coisas fizer, por cada vez perca o ordenado da lição daquele dia. E se for em outro auto também perca o ordenado da lição de um dia.
Notifico-vo-lo e mando que mandeis ao bedel que lhe aponte as ditas perdas dos ditos ordenados, as quais lhe serão descontadas de seus ordenados.
E este alvará mando que se cumpra e valha como carta, e será notificado no Conselho e da notificação se fará assento nas costas deste. Jorge Roiz o fez em Lisboa, a 23 de Setembro de 1538. E as ditas perdas lhe serão descontadas de seus ordenados sem remissão. Rei
Foi este o alará apresentado no Conselho em 9 de Outubro seguinte e dele tomaram conhecimento os lentes. Mas os seus termos terminantes, com a apostila de serem descontados as perdas «sem remissão», não causaram grande perturbação no cenáculo.
Continuaram a «contar-se histórias fora da matéria» e a proferirem se remoques aos colegas..."
[B. de C., jornal ? (Despertar ?), s.d. ?]
[Quando os lentes contavam historias fora da matéria da lição...]
"Falámos dos escolares da Universidade [Coimbra]. Hoje vamos nos referir aos professores. Ligeiramente, porque nem temos espaço nem cabedal para focar e desenvolver os mil conflitos que entre lentes se suscitaram e puzeram a Universidade em alvoroço, mormente na luta travada para provimento das cadeiras, em que a votação levava dias e os subornos eram coisa certa (...)
Vamos, acidentalmente, por curiosidade, trazer para aqui um episodio das desavenças que certamente vinham de Lisboa, pois a Universidade estava de novo e definitivamente instalada em Coimbra havia pouco tempo.
Basta, para tanto, ler o alvará régio a seguir transcrito, para se ficar a conhecer o processo usado pelos lentes para ferirem publicamente o adversário:
Eu El Rei faço saber a vós reverendo bispo Reitor dos estudos e universidade da cidade de Coimbra e aos reitores que ao diante pelos tempos forem, que porquanto às vezes acontece os lentes nas suas lições que lêem e nos autos públicos que se fazem, dizerem palavras de que os outros lentes ou letrados que nos ditos autos estão presentes, recebem escândalo, e assim os ditos lentes nas lições que lêem se põem a contar historias for a da matéria da lição em que gastam o tempo sem proveito, hei por bem que o lente que cada uma das coisas fizer, por cada vez perca o ordenado da lição daquele dia. E se for em outro auto também perca o ordenado da lição de um dia.
Notifico-vo-lo e mando que mandeis ao bedel que lhe aponte as ditas perdas dos ditos ordenados, as quais lhe serão descontadas de seus ordenados.
E este alvará mando que se cumpra e valha como carta, e será notificado no Conselho e da notificação se fará assento nas costas deste. Jorge Roiz o fez em Lisboa, a 23 de Setembro de 1538. E as ditas perdas lhe serão descontadas de seus ordenados sem remissão. Rei
Foi este o alará apresentado no Conselho em 9 de Outubro seguinte e dele tomaram conhecimento os lentes. Mas os seus termos terminantes, com a apostila de serem descontados as perdas «sem remissão», não causaram grande perturbação no cenáculo.
Continuaram a «contar-se histórias fora da matéria» e a proferirem se remoques aos colegas..."
[B. de C., jornal ? (Despertar ?), s.d. ?]
segunda-feira, 17 de outubro de 2005
O Hooligan Instruído do FCP
È singular o padecimento da alma futebolística no hoolingan ... perfeitamente instruído do FCP. Fala-se, como é evidente, do restaurador de jogos que, na sua crença profunda, revela os mais inebriantes prognósticos no pós-jogo ou estabelece máximas graves & extraviadas face à derrota sofrida. A paixão vilã do hoolingan é deliciosa. Como a paixão. Ou o mau perder. O jogo último do FCP contra o Benfica capricha de hipocrisia discursiva, bem à moda do mausoléu das Antas.
Incitado a comentar o desaire do FCP, o hoolingan instruído do futebol, torna-se refém dos mais variados artifícios explicativos. Ele é insultos académicos ao treinador (uma besta tacticamente), declarações requintadas à família dos jogadores, quando não se vira sentimentalmente contra o árbitro. No seu dramatismo mimoso o hoolingan é uma puta fina. Na análise protestatória, o despachado hoolingan é um cobarde intelectual. Nunca o adversário é melhor. Nem a direcção da sua agremiação alguma vez existiu. A cacofonia é sempre em relação aos jogadores e treinadores. Manias intelectuais, evidentemente.
Armado em campeão da província, o adepto do FCP recorre a tudo que seja ardiloso desde que o deixem continuar a prestar vassalagem ao compadre que habita, genialmente todos os dias santos, na Torre das Antas: Jorge N. Pinto da Costa. As inocentes ovelhas do Papa azul têm essa ternura saloia. Que se conservem assim devotos.
Deixando de fora a gentalha arruaceira azul e branca, meia dúzia de intelectuais amuados & uns tantos mais à beira de um ataque de nervos, atente-se nessa luminária do jornalismo desportivo, de nome Bruno Prata & funcionário do senhor Zé Manel Fernandes. É já um study case nacional. Para o colunista, em menos de 2 horas de futebol, a extraordinária equipa de futebol do FCP passou de bestial a simples besta, treinador incluído. A equipa com o "melhor meio-campo da Europa", desapareceu em viscosas partidas. Duas tristes horas de futebol, apenas, revelaram a máscula análise e a verborreia desse hoolingan do FCP. A escolta guerreira construída pelo vate Pinto da Costa para o futebol (em dois anos mais de 50 jogadores), mais os vários treinadores empolgantemente contratados, todos muito me(r)drosos, todos demasiado inúteis, nada dizem ao vendedor de equipas, Bruno Prata. Na sua lide doméstica jornaleira, Prata é somente um disparatado hoolingan. Para a análise do futebol do FCP, um só Manuel Serrão basta. Dois são demais.
Nelson Rodrigues, nos tempos idos de 1958, sobre a selecção brasileira caída em desgraça, dizia: "O problema do escrete não é mais futebol, nem de técnica, nem de táctica. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo". E teve razão (por uma vez). Ora tal é o problema do FCP: fé. Só que doutro modo. A fé, ali para os lados das Antas só nascerá quando a fé da invocação Pinto-Costista acabar. Porque, para messias & outros sujeitos sebásticos já tempos que sobra: o prof. Aníbal de Boliqueime. A nação não suporta um, quanto mais os dois.
sábado, 15 de outubro de 2005
[No Reino do Pacheco]
"... neste Reino de Pacheco
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-la de pernas prò ar?
Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental..."
[Alexandre O'Neill, in Poesias Completas]
"... neste Reino de Pacheco
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-la de pernas prò ar?
Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental..."
[Alexandre O'Neill, in Poesias Completas]
A Cavalaria Cavaquista
É com o coração sensível à modéstia da putativa campanha do sr. Aníbal de Boliqueime que a os venturosos cavaleiros do imaculado Cavaquistão, de tão boa memória pátria, se organizam nessa extraordinária recolha de money para promissora colheita presidencial do próximo ano. Com coração, alma e dinheiro, os humildes seguidores do prof. Cavaco tratam já dos fundos financeiros, que tão agrado foi noutros tempos entre a entourage do PSD, com a chancela desse inefável e curioso personagem, já lendário, Eduardo Catroga. Desconhecemos o que pensará o fabuloso Dias Loureiro desse mister. Estamos, de facto, chocados!
Ao que nos é referido, arrebatado de entusiasmo anda já o antigo secretário de Estado Adjunto do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações do governo do dr. Aníbal, o proficiente José António Ponte Zeferino. Na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Santa Isabel, o mandatário financeiro do prof. Cavaco conserva aquela sagaz arte de transformar as rosas em dinheiro. Há regaços assim, valha-nos Santa Isabel. Nem o Dias Loureiro nos seus melhores tempos faria melhor.
Impressionados ficámos, porém, com o dizer do espargido economista Catroga: "Há quem se ofereça para colar cartazes, e mesmo quem se tenha disponibilizado para ser chauffeur". Compreendemos a alegria da agremiação laranja. Regressam em força, na hora de ofício divino. Mas parece-nos mal!
Na verdade, que a dedicação de Manuela Ferreira Leite à colagem de cartazes & outros artefactos de propaganda respeitável não estejam em causa, compreende-se. Que do alto da escadaria Cavaquista, espreite a figura magnificente de Marques Mendes, de trincha e cola aos ombros, não horroriza o espectáculo. Que Miguel Beleza faça serenatas às donzelas, em vez de ardentes e zelosas pichagens em muros liberais é-nos completamente indiferente. Que Ferreira do Amaral e o iluminado Couto dos Santos transportem, devotamente, a figura em papel do dr. Cavaco pelas ruas, não é estranho. Já os vimos noutros prodígios. E, mesmo que a garotada do CDS/PP, de orelha esquerda cortada, ande a coberto da noite transportando braço-a-braço cola e baldes, em virtude cristã, tal é absolutamente normal. Mas uma questão nos atormenta, pela sua imortalidade futura: quem vai de chauffeur? Tal sacrifício, que não se deseja a nenhum herege, tem a virtude de um mistério & a delicadeza de serviço público. Candidatos!?
quarta-feira, 12 de outubro de 2005
Eugenio Montale [n. 12 Outubro 1896-1981]
"Não nos peças a fórmula que te possa abrir mundos,
e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.
Hoje apenas podemos dizer-te
o que não somos, o que não queremos" [Eugenio Montale]
"Vou direto ao que interessa: numa época de palavras genéricas e abstratas, palavras boas para todos os usos, palavras que servem para não pensar e não dizer, uma peste da linguagem que transborda do público para o privado, Montale foi o poeta da exatidão, da escolha lexical motivada, da segurança terminológica visando capturar a unicidade da experiência. [...] Mas essa precisão para nos dizer o quê? Montale nos fala de um mundo turbilhonante, movido por um vento de destruição, sem um terreno sólido onde apoiar os pés, com o único recurso de uma moral individual à beira do abismo. É o mundo da Primeira e da Segunda Guerra Mundial; talvez também da Terceira" [ler aqui]
"Talvez certa manhã andando por um ar de vidro,
árido, voltando-me, veja acontecer assombrado:
o nada por cima dos meus ombros, e atrás de mim
o vazio, com um terror de embriagado.
Depois, como sobre um écran postar-se-ão lado a lado
árvores casas colinas para o costumado credo.
Mas será tarde demais; e eu escapar-me-ei calado
por entre os homens que não olham para trás, com o meu segredo"
[Eugenio Montale, in Poesia, 2004]
Locais: Eugenio Montale / Eugenio Montale (1896-1981) / Eugenio Montale - Biography / Eugenio Montale (The New York Review of Books) / Eugenio Montale (O Poema) / Eugenio Montale's speech at the Nobel Banquet, December 10, 1975 / Eugenio Montale / Eugenio Montale: La ruptura del mundo como representación / Eugenio Montale e a sua experiência humana / 5 poemas
Legião Portuguesa
"«Espírito de patriotismo e de sacrifício; fortalecimento do corpo e do espírito pelos exercícios militares; obediência aos chefes» - são no pensamento de Salazar, como vimos, as sínteses dos nossos deveres.
Anotemos hoje a última - «obediência aos chefes».
É a Legião um organismo pré-militar, constituindo uma hierarquia a milícia. Toda a organização, toda a hierarquia supõe uma ordem e consequentemente dirigentes e dirigidos. Há, portanto, chefes, chefes escolhidos por quem de direito, chefes que conquistaram os seus postos com espírito próprio. Todos eles ? dirigentes e dirigidos ? se irmanam no mesmo pensamento de servir uma causa e de a servir bem. Mas esta irmandade impõe à consciência mais fortemente um dever de obediência, porque só serve bem quem serve com disciplina ocupando o lugar que lhe foi marcado e cumprindo com zelo a ordem recebida (...)
Obedecer livremente, quere dizer, aceitar com liberdade o comando, não é diminuir a personalidade, é, ao contrário, eleva-la pondo-a ao serviço dos altos valores espirituais que dominam a nossa consciência. O Homem só é livre na medida em que escolhe. Depois tudo o prende, tudo o liga.
Prende-o a consciência impondo deveres; liga-o a Pátria pedindo-lhe a vida; prende-o a Família na obrigação duma assistência permanente e constante.
A liberdade absoluta é um mito (...)
O berço liga-o à família, o local onde nasceu e os pais que lhe devem o ser à Nação e assim o Homem fica logo com a tal liberdade limitada, quer dizer - sem liberdade absoluta.
A liberdade vem depois e consiste, como se disse, no direito de escolha.
O Homem pode escolher - servir interesses, paixões, ideias.
A sua personalidade diminui-se ou fortalece, consoante for feita a escolha. Nós escolhemos já - servir o bem comum da Nação expressa no nosso compromisso.
E, por isso, fortalecendo a nossa personalidade, obedecemos aos chefes que são os melhores, que são os guias (...)
Saber obedecer é virtude, porque exige qualidades de abnegação e de dedicação (...) Saibamos, pois servir, obedecendo aos chefes, porque assim - serviremos Portugal!"
[Clarim, in Boletim da legião Portuguesa, Março de 1945]
Curioso vai ser acompanhar o que se seguirá na sequência da noticia d'O Público [12/10/05] do "acesso público ao documento" denominado, já, "Lista da Legião Portuguesa", que como se sabe foi entregue à direcção da Torre do Tombo pela direcção do Grande Oriente Lusitano. A listagem dos agentes ou difusores das acções levados a cabo pela Legião Portuguesa - importante organismo de sustentação ideológica e para-militar do regime fascista em Portugal - colocada assim à disposição dos voyeuristas da política e pronto-a-servir à sociedade de espectáculo mediático, pode empregar muitos indigentes da política indígena, mais do ajudar investigadores ou historiadores. A ver vamos.
segunda-feira, 10 de outubro de 2005
A Movida Autárquica
"Que é o meu nada, comparado ao horror que vos espera" [Rimbaud]
Afinal a movida das autárquicas, pronto a pensar (local) dos indígenas e colunistas encartados, continua viva e pelo que se presume, recomenda-se. A animação foi séria, pelo que daqui a 4 anos haverá glória em seu nome. A decadência será brilhante.
Depois de arruadas animadas que transformam putativos eleitos em imprudentes foliões de rua, o entretimento do vasto rebanho de eleitores, correndo contra o tempo, a corrupção ou as chagas das desgraças do dia-a-dia, foi um repasto noticioso nestas semanas infindáveis. Felizmente a choldrice acabou. Para recomeçar doutro modo, dentro de dias. Adivinha-se, por aí, a excitante seara informativa presidencial.
A gestão da miséria eleitoral ou o discurso prosaico da vitória foi esta noite desanimadora. O mavioso pastor Jorge Coelho presume que o manto das medidas anti-sociais do seu governo não amargou aos eleitores. Entretanto o inefável José Lello disse qualquer coisa, mas ninguém entendeu. Por seu lado, o enérgico Marques Mendes, doutoralmente, enxuga muitas lágrimas pela estrondosa vitória laranja em terras da democracia - a Madeira. E, enquanto isso, o fenómeno Isaltino considera que ganha com o apoio, em Oeiras, de licenciados e outras intelligentzias. A coisa promete.
Por outro lado, o engenheiro Sócrates, inestimável em comemorações, assegura-nos que legislativas não são autárquicas e que o governo segue dentro de momentos. Desculpai, pois, a interrupção. Para os lados de Felgueiras, a patrona do gentio local, embala numa cansativa discursata anti-sistema. Quase chorámos. Nessa altura, Filipe Menezes deleita-se à beira de Gaia. Discretamente. Comovidamente. Noutro registo, à cautela e contra ventos e marés, Miguel Sousa Tavares, na TVI, benze o Papa Pinto da Costa. Pelo câmbio futebolístico, contra os mouros. E na província, o Major Valentão (para os seus amigos de Gondomar) fogosamente surpreende um microfone, ao que se supõe ainda da era PSD. Como os tempos eram outros, suspirou decerto Cavaco Silva. Entretanto, Edite Estrela assoma em Sintra, fugazmente, e sem dicionário a tiracolo. Palmas! Pelo que se sabe, o jovem Pires de Lima inquieta-se com a garotada do PP. Definitivamente, a praxe já não é o que era. Doutro modo, Jerónimo de Sousa ergue o punho. A produção foi boa. A sopa caseira estava excelente. Enquanto isso, Francisco Louça considera-se derrotado. Coisa rara e inquietante.
A movida autárquica ainda balbucia. Nós ... nem por isso.
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